Coluna quinzenal da jornalista Maria Fernanda Rodrigues com dicas de leitura

Opinião|'Escute as Feras' narra luta de antropóloga com um urso e como isso a transformou


Premiado na França por sua contribuição à reflexão sobre as relações entre o homem e a natureza, livro foi publicado pela Editora 34

Por Maria Fernanda Rodrigues

Quando você escolhe fazer algo tão extremo quanto estudar grupos de pessoas que vivem isoladas nos confins do mundo sabe que qualquer coisa pode acontecer. É preciso chegar, apesar de toda neve e todo abismo. É preciso se manter bem, apesar dos sonhos. É preciso seguir vivo, apesar do urso.

Nastassja Martin é uma jovem antropóloga francesa que fez essa escolha. Partiu. Poderia não ter voltado.

Primeiro, ela viveu anos com os gwinch’in no Alasca. Depois, desembarcou na Rússia para fazer pesquisa de campo na península de Kamchatka, no extremo leste da Sibéria, onde vivem os evens. 

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Foi ali, onde o frio pode chegar a -50º, que ela viveu uma experiência radical e transformadora, que dividiu sua existência, acordou fantasmas adormecidos e a fez refletir sobre escolhas, a relação entre o homem e a natureza e sobre o nosso estar no mundo. É sobre isso o que lemos em Escute as Feras, publicado na França em 2019 e aqui em 2021 – e a escrita do livro é parte de seu processo de elaboração e cura. 

A antropóloga francesa escreve sobre sua experiência com povos isolados e seu encontro com um urso Foto: Ilya Naymushin/Reuters

“O urso, a essa altura, já se foi há muitas horas, e eu espero, espero a bruma se dissipar. A estepe está vermelha, as mãos estão vermelhas, o rosto intumescido e dilacerado já não é o mesmo. Como nos tempos do mito, é a indistinção que reina, sou essa forma incerta de traços desaparecidos sob as brechas abertas no rosto, coberta de humores e de sangue: é um nascimento, pois claramente não é uma morte.” É assim que a autora começa este livro de memórias que impressiona não apenas pelo relato que faz do ataque do urso sofrido sete anos atrás, quando ela tinha 29 anos, mas também pelo que isso desencadeia nela: uma busca de sentido e de compreender a si mesma e uma tentativa de decifrar seus sonhos.

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Escrevi ataque do urso, mas ela chama de encontro. “Nesse dia 25 de agosto de 2015, o acontecimento não é um urso ataca uma antropóloga francesa em algum lugar nas montanhas de Kamchatka. O acontecimento é: um urso e uma mulher se encontram e as fronteiras entre os mundos implodem”, escreve. 

Ela estava só. Houve luta. Os dois se machucam. Ela vira, como acreditam, miêdka – aquela pessoa que foi “marcada pelo urso”. Que sobreviveu e, metade humana metade urso, vai habitar entre os mundos.

Nastassja narra ainda o resgate, as operações e a recuperação na França. E conta que, quando as coisas melhoraram, ela decidiu voltar para onde tudo começou – precisava entender o mistério, se reconectar com a floresta, se isolar para curar o corpo e o espírito, para “reconstruir suas fronteiras”. Ela vai, e volta – e escreve este belo livro.

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Escute as Feras

Autora: Nastassja Martin Trad.: Camila Vargas Boldrini e Daniel Lühmann Editora: 34 (112 págs.; R$ 53)

Quando você escolhe fazer algo tão extremo quanto estudar grupos de pessoas que vivem isoladas nos confins do mundo sabe que qualquer coisa pode acontecer. É preciso chegar, apesar de toda neve e todo abismo. É preciso se manter bem, apesar dos sonhos. É preciso seguir vivo, apesar do urso.

Nastassja Martin é uma jovem antropóloga francesa que fez essa escolha. Partiu. Poderia não ter voltado.

Primeiro, ela viveu anos com os gwinch’in no Alasca. Depois, desembarcou na Rússia para fazer pesquisa de campo na península de Kamchatka, no extremo leste da Sibéria, onde vivem os evens. 

Foi ali, onde o frio pode chegar a -50º, que ela viveu uma experiência radical e transformadora, que dividiu sua existência, acordou fantasmas adormecidos e a fez refletir sobre escolhas, a relação entre o homem e a natureza e sobre o nosso estar no mundo. É sobre isso o que lemos em Escute as Feras, publicado na França em 2019 e aqui em 2021 – e a escrita do livro é parte de seu processo de elaboração e cura. 

A antropóloga francesa escreve sobre sua experiência com povos isolados e seu encontro com um urso Foto: Ilya Naymushin/Reuters

“O urso, a essa altura, já se foi há muitas horas, e eu espero, espero a bruma se dissipar. A estepe está vermelha, as mãos estão vermelhas, o rosto intumescido e dilacerado já não é o mesmo. Como nos tempos do mito, é a indistinção que reina, sou essa forma incerta de traços desaparecidos sob as brechas abertas no rosto, coberta de humores e de sangue: é um nascimento, pois claramente não é uma morte.” É assim que a autora começa este livro de memórias que impressiona não apenas pelo relato que faz do ataque do urso sofrido sete anos atrás, quando ela tinha 29 anos, mas também pelo que isso desencadeia nela: uma busca de sentido e de compreender a si mesma e uma tentativa de decifrar seus sonhos.

Escrevi ataque do urso, mas ela chama de encontro. “Nesse dia 25 de agosto de 2015, o acontecimento não é um urso ataca uma antropóloga francesa em algum lugar nas montanhas de Kamchatka. O acontecimento é: um urso e uma mulher se encontram e as fronteiras entre os mundos implodem”, escreve. 

Ela estava só. Houve luta. Os dois se machucam. Ela vira, como acreditam, miêdka – aquela pessoa que foi “marcada pelo urso”. Que sobreviveu e, metade humana metade urso, vai habitar entre os mundos.

Nastassja narra ainda o resgate, as operações e a recuperação na França. E conta que, quando as coisas melhoraram, ela decidiu voltar para onde tudo começou – precisava entender o mistério, se reconectar com a floresta, se isolar para curar o corpo e o espírito, para “reconstruir suas fronteiras”. Ela vai, e volta – e escreve este belo livro.

Escute as Feras

Autora: Nastassja Martin Trad.: Camila Vargas Boldrini e Daniel Lühmann Editora: 34 (112 págs.; R$ 53)

Quando você escolhe fazer algo tão extremo quanto estudar grupos de pessoas que vivem isoladas nos confins do mundo sabe que qualquer coisa pode acontecer. É preciso chegar, apesar de toda neve e todo abismo. É preciso se manter bem, apesar dos sonhos. É preciso seguir vivo, apesar do urso.

Nastassja Martin é uma jovem antropóloga francesa que fez essa escolha. Partiu. Poderia não ter voltado.

Primeiro, ela viveu anos com os gwinch’in no Alasca. Depois, desembarcou na Rússia para fazer pesquisa de campo na península de Kamchatka, no extremo leste da Sibéria, onde vivem os evens. 

Foi ali, onde o frio pode chegar a -50º, que ela viveu uma experiência radical e transformadora, que dividiu sua existência, acordou fantasmas adormecidos e a fez refletir sobre escolhas, a relação entre o homem e a natureza e sobre o nosso estar no mundo. É sobre isso o que lemos em Escute as Feras, publicado na França em 2019 e aqui em 2021 – e a escrita do livro é parte de seu processo de elaboração e cura. 

A antropóloga francesa escreve sobre sua experiência com povos isolados e seu encontro com um urso Foto: Ilya Naymushin/Reuters

“O urso, a essa altura, já se foi há muitas horas, e eu espero, espero a bruma se dissipar. A estepe está vermelha, as mãos estão vermelhas, o rosto intumescido e dilacerado já não é o mesmo. Como nos tempos do mito, é a indistinção que reina, sou essa forma incerta de traços desaparecidos sob as brechas abertas no rosto, coberta de humores e de sangue: é um nascimento, pois claramente não é uma morte.” É assim que a autora começa este livro de memórias que impressiona não apenas pelo relato que faz do ataque do urso sofrido sete anos atrás, quando ela tinha 29 anos, mas também pelo que isso desencadeia nela: uma busca de sentido e de compreender a si mesma e uma tentativa de decifrar seus sonhos.

Escrevi ataque do urso, mas ela chama de encontro. “Nesse dia 25 de agosto de 2015, o acontecimento não é um urso ataca uma antropóloga francesa em algum lugar nas montanhas de Kamchatka. O acontecimento é: um urso e uma mulher se encontram e as fronteiras entre os mundos implodem”, escreve. 

Ela estava só. Houve luta. Os dois se machucam. Ela vira, como acreditam, miêdka – aquela pessoa que foi “marcada pelo urso”. Que sobreviveu e, metade humana metade urso, vai habitar entre os mundos.

Nastassja narra ainda o resgate, as operações e a recuperação na França. E conta que, quando as coisas melhoraram, ela decidiu voltar para onde tudo começou – precisava entender o mistério, se reconectar com a floresta, se isolar para curar o corpo e o espírito, para “reconstruir suas fronteiras”. Ela vai, e volta – e escreve este belo livro.

Escute as Feras

Autora: Nastassja Martin Trad.: Camila Vargas Boldrini e Daniel Lühmann Editora: 34 (112 págs.; R$ 53)

Opinião por Maria Fernanda Rodrigues

Editora de Cultura e jornalista especializada em literatura e mercado editorial

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