U m pai que desiste do filho. Este é o ponto de partida de Pretérito Imperfeito, autoficção de B. Kucinski, assinatura literária do jornalista Bernardo Kucinski que estreou na literatura aos 74 anos e que vem se dedicando a contar histórias situadas no Brasil nos tempos da ditadura militar – sempre ficções baseadas em fatos, como o desaparecimento e assassinato de sua irmã, tema de K: Relato de Uma Busca (2011). Neste livro mais recente, de 2017, porém, ele escreve sobre um outro horror: a dependência química.
Pretérito Imperfeito começa com o narrador, este pai que desiste do filho, contando sobre a carta que ele escreveu depois de 30 anos de aprendizado, cansado de se “alarmar a cada tinir do telefone, cansado de reaver esperanças para em seguida perdê-las”.
Lemos sobre esta carta da qual ele não se orgulha – mas que tinha de ser escrita: a sua “alforria”. Acompanhamos a história da chegada deste bebê, em 1979, e o início conturbado de uma nova família formada por pais que não podiam ter filhos e um recém-nascido que ainda pequenininho vai apresentar diversos problemas de saúde causados provavelmente por uma gestação descuidada, e que, negro, vai sofrer, desde cedo, racismo.
É também o registro da queda desse menino – seu contato com o álcool e as drogas, na adolescência, e entrada na vida adulta marcada pelo uso de maconha, crack e anfetamina. E da aflição do pai e de suas buscas, madrugada adentro, pelo filho que não voltou para casa. As emergências, internações, prisões. Mentiras. Os altos e baixos. O arrependimento, a esperança e a recaída. O buraco cada vez mais profundo e sem volta.
Em sua busca por respostas, o pai narrador questiona se o abandono pela mãe biológica poderia ter sido um gatilho. Investiga tudo relacionado à adoção e comportamento. Mergulha no estudo da dependência química. Quer entender, de todas as formas, por que o filho precisava de “paraísos artificiais”. E, assim, repassa os sinais que poderiam sugerir o que viria a seguir.
Não é um livro fácil. Um pai revolvendo uma história dolorosa, repassando culpas, exausto e confrontado com sua própria finitude. Um jovem em sofrimento. Por ser uma ficção que não é exatamente uma ficção, é um livro corajoso e honesto – lançado pelo autor aos 80 anos e com um enredo então ainda aberto.
Pretérito Imperfeito é sobre o que deu errado e a recusa de acreditar que o presente e o futuro podem ser diferentes. Mas somos teimosos. E fica sempre a esperança de que, como diz o narrador, exista uma forma de nos encontrarmos num modo de vida amoroso e funcional.