Coluna quinzenal da jornalista Maria Fernanda Rodrigues com dicas de leitura

Opinião|Um livro por semana: O que não se conta


'Caro Michele' foi publicado por Natalia Ginzburg em 1973 e ganhou nova edição no Brasil em 2021

Por Maria Fernanda Rodrigues

Itália, final de 1970. Logo na abertura de Caro Michele, o discreto narrador de Natalia Ginzburg (1916-1991), que surge aqui e ali neste romance epistolar, nos apresenta Adriana, uma mulher que está fazendo 43 anos em sua nova casa, afastada de tudo e de quase todos, e que decide escrever uma carta – a primeira das muitas que leremos na obra da autora italiana (leia mais sobre ela aqui) lançada originalmente em 1973 e que ganhou nova edição no Brasil em 2021.

Romance de Natalia Ginzburg se passa na Itália entre o final de 1970 e 1971 Foto: djedj/Pixabay

A carta é endereçada a Michele, seu filho, e ela sugere que ele vá visitar o pai que está doente. A certa altura, conta uma lembrança relacionada à morte de seu próprio pai e diz: “É verdade que a certa altura da nossa vida molhamos os remorsos no café da manhã, como biscoitos”. 

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Dramática, um pouco egocêntrica e com um discurso contraditório Adriana é a personagem que talvez mais fale neste romance que é dividido em 42 capítulos – 37 deles são cartas e os outros misturam diálogos com o olhar deste narrador em terceira pessoa. Tudo, porém, gira em torno de Michele, apresentado, pela mãe, ora como “bobo” ora como “mimado”. 

Pouco se sabe sobre ele vindo dele mesmo – a não ser uma ou outra coisa sobre o momento que ele está vivendo pelas cartas que escreve à irmã Angélica e ao amigo Osvaldo. Fora isso, sabemos que é um jovem criado pelo pai e por suas empregadas, que vive de favor no porão de Osvaldo e ainda leva as roupas para lavar na casa da família. E então ele vai embora às pressas para Londres. Na primeira carta que recebe da mãe após a partida, ela diz que tem medo que ele acabe entre guerrilheiros.

Voltando. Essa história começa entre o final de novembro e o início de dezembro de 1970. A primeira carta datada, que é na realidade a segunda do livro, é do dia 2. Há uma tensão na Itália. A resistência antifascista se une. Um golpe de Estado é frustrado, mas não impede, pouco depois, uma vitória do fascismo. É nesse contexto que Michele parte, mas quase ninguém sabe disso. 

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Ao longo de cerca de 10 meses – a última carta é de setembro de 1971 –, acompanhamos a vida desta família italiana que se corresponde dividindo intimidades, lembranças e confidências sem meias-palavras e com um tanto de ironia e um pouco de humor. Todo mundo sabe de tudo. Todos os problemas são entrelaçados – dos membros da família, dos que lhes são próximos, dos estranhos que por algum motivo acabam cruzando o caminho deles. Pessoas que se agridem e se apoiam, que vivem entre os efeitos da violência política e da violência familiar. Pessoas que, de um modo geral, não acreditam em felicidade e ainda assim seguem adiante, cuidando dos seus, se acostumando com tudo e se consolando com nada. 

Caro Michele Autora: Natalia Ginzburg Trad.: Homero Freitas de Andrade Editora: Companhia das Letras (200 págs.; R$ 54,90; R$ 34,90 o e-book)

Itália, final de 1970. Logo na abertura de Caro Michele, o discreto narrador de Natalia Ginzburg (1916-1991), que surge aqui e ali neste romance epistolar, nos apresenta Adriana, uma mulher que está fazendo 43 anos em sua nova casa, afastada de tudo e de quase todos, e que decide escrever uma carta – a primeira das muitas que leremos na obra da autora italiana (leia mais sobre ela aqui) lançada originalmente em 1973 e que ganhou nova edição no Brasil em 2021.

Romance de Natalia Ginzburg se passa na Itália entre o final de 1970 e 1971 Foto: djedj/Pixabay

A carta é endereçada a Michele, seu filho, e ela sugere que ele vá visitar o pai que está doente. A certa altura, conta uma lembrança relacionada à morte de seu próprio pai e diz: “É verdade que a certa altura da nossa vida molhamos os remorsos no café da manhã, como biscoitos”. 

Dramática, um pouco egocêntrica e com um discurso contraditório Adriana é a personagem que talvez mais fale neste romance que é dividido em 42 capítulos – 37 deles são cartas e os outros misturam diálogos com o olhar deste narrador em terceira pessoa. Tudo, porém, gira em torno de Michele, apresentado, pela mãe, ora como “bobo” ora como “mimado”. 

Pouco se sabe sobre ele vindo dele mesmo – a não ser uma ou outra coisa sobre o momento que ele está vivendo pelas cartas que escreve à irmã Angélica e ao amigo Osvaldo. Fora isso, sabemos que é um jovem criado pelo pai e por suas empregadas, que vive de favor no porão de Osvaldo e ainda leva as roupas para lavar na casa da família. E então ele vai embora às pressas para Londres. Na primeira carta que recebe da mãe após a partida, ela diz que tem medo que ele acabe entre guerrilheiros.

Voltando. Essa história começa entre o final de novembro e o início de dezembro de 1970. A primeira carta datada, que é na realidade a segunda do livro, é do dia 2. Há uma tensão na Itália. A resistência antifascista se une. Um golpe de Estado é frustrado, mas não impede, pouco depois, uma vitória do fascismo. É nesse contexto que Michele parte, mas quase ninguém sabe disso. 

Ao longo de cerca de 10 meses – a última carta é de setembro de 1971 –, acompanhamos a vida desta família italiana que se corresponde dividindo intimidades, lembranças e confidências sem meias-palavras e com um tanto de ironia e um pouco de humor. Todo mundo sabe de tudo. Todos os problemas são entrelaçados – dos membros da família, dos que lhes são próximos, dos estranhos que por algum motivo acabam cruzando o caminho deles. Pessoas que se agridem e se apoiam, que vivem entre os efeitos da violência política e da violência familiar. Pessoas que, de um modo geral, não acreditam em felicidade e ainda assim seguem adiante, cuidando dos seus, se acostumando com tudo e se consolando com nada. 

Caro Michele Autora: Natalia Ginzburg Trad.: Homero Freitas de Andrade Editora: Companhia das Letras (200 págs.; R$ 54,90; R$ 34,90 o e-book)

Itália, final de 1970. Logo na abertura de Caro Michele, o discreto narrador de Natalia Ginzburg (1916-1991), que surge aqui e ali neste romance epistolar, nos apresenta Adriana, uma mulher que está fazendo 43 anos em sua nova casa, afastada de tudo e de quase todos, e que decide escrever uma carta – a primeira das muitas que leremos na obra da autora italiana (leia mais sobre ela aqui) lançada originalmente em 1973 e que ganhou nova edição no Brasil em 2021.

Romance de Natalia Ginzburg se passa na Itália entre o final de 1970 e 1971 Foto: djedj/Pixabay

A carta é endereçada a Michele, seu filho, e ela sugere que ele vá visitar o pai que está doente. A certa altura, conta uma lembrança relacionada à morte de seu próprio pai e diz: “É verdade que a certa altura da nossa vida molhamos os remorsos no café da manhã, como biscoitos”. 

Dramática, um pouco egocêntrica e com um discurso contraditório Adriana é a personagem que talvez mais fale neste romance que é dividido em 42 capítulos – 37 deles são cartas e os outros misturam diálogos com o olhar deste narrador em terceira pessoa. Tudo, porém, gira em torno de Michele, apresentado, pela mãe, ora como “bobo” ora como “mimado”. 

Pouco se sabe sobre ele vindo dele mesmo – a não ser uma ou outra coisa sobre o momento que ele está vivendo pelas cartas que escreve à irmã Angélica e ao amigo Osvaldo. Fora isso, sabemos que é um jovem criado pelo pai e por suas empregadas, que vive de favor no porão de Osvaldo e ainda leva as roupas para lavar na casa da família. E então ele vai embora às pressas para Londres. Na primeira carta que recebe da mãe após a partida, ela diz que tem medo que ele acabe entre guerrilheiros.

Voltando. Essa história começa entre o final de novembro e o início de dezembro de 1970. A primeira carta datada, que é na realidade a segunda do livro, é do dia 2. Há uma tensão na Itália. A resistência antifascista se une. Um golpe de Estado é frustrado, mas não impede, pouco depois, uma vitória do fascismo. É nesse contexto que Michele parte, mas quase ninguém sabe disso. 

Ao longo de cerca de 10 meses – a última carta é de setembro de 1971 –, acompanhamos a vida desta família italiana que se corresponde dividindo intimidades, lembranças e confidências sem meias-palavras e com um tanto de ironia e um pouco de humor. Todo mundo sabe de tudo. Todos os problemas são entrelaçados – dos membros da família, dos que lhes são próximos, dos estranhos que por algum motivo acabam cruzando o caminho deles. Pessoas que se agridem e se apoiam, que vivem entre os efeitos da violência política e da violência familiar. Pessoas que, de um modo geral, não acreditam em felicidade e ainda assim seguem adiante, cuidando dos seus, se acostumando com tudo e se consolando com nada. 

Caro Michele Autora: Natalia Ginzburg Trad.: Homero Freitas de Andrade Editora: Companhia das Letras (200 págs.; R$ 54,90; R$ 34,90 o e-book)

Opinião por Maria Fernanda Rodrigues

Editora de Cultura e jornalista especializada em literatura e mercado editorial

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