Coluna quinzenal da jornalista Maria Fernanda Rodrigues com dicas de leitura

Opinião|Um Livro Por Semana: 'Tramas de Meninos'


Textos de João Anzanello Carrascoza contam, sobretudo, histórias de famílias - de encontros, desencontros e reencontros, fugas e despedidas

Por Maria Fernanda Rodrigues

Duas das coisas mais difíceis desta vida: aceitar, como sugere um dos personagens do novo livro de contos de João Anzanello Carrascoza, que estamos aqui “só mais um pouco”, e viver no presente. “Agora é que conta, e, agora, aqui estamos...”, lemos em Começo, texto que abre Tramas de Meninos

Este primeiro conto (são 14) é narrado por um pai viúvo que recebe a visita mensal do filho. O conforto da presença, o momento compartilhado, as pequenas e reconfortantes rotinas, o afeto recíproco, a saudade que volta antes mesmo da partida. É delicado, bonito e triste. Como quase todos os outros textos do livro que contam, sobretudo, histórias de pais e filhos, às vezes de mães e filhos. Tios. Irmãos. Histórias de famílias, de encontros e reencontros, de fugas, de despedidas antes da hora – não, da impossibilidade de um adeus. 

Livro 'Tramas de Meninos' Foto: Editora Alfaguara/Divulgação
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Como saber, por exemplo, que aquele almoço vai ser o último? Que o telefone vai tocar e que alguém que estava ali à mesa minutos antes (o pai?, o tio?, a irmã?, o filho?) não vai resistir ao acidente rodoviário durante um passeio banal? Essa dúvida é o mote de Quem?, no qual o narrador, em casa, recebe a ligação de um policial e conjectura quem teria sido a vítima. “Quando existe amor não

há como se comparar perdas”, ele pensa enquanto fala sobre os quatro – três vivos, um morto.

E há sempre amor nesses contos de Carrascoza, mesmo quando há dor.

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Em Pedaços, um pai pede uma pizza e reabre, como ele diz, a ferida na memória. O cheiro traz de volta a lembrança do último encontro com o filho. “Se soubéssemos que era a derradeira noite (...), como agiríamos? Melhor mesmo que nunca saibamos, para assim não anteciparmos a inevitável despedida”, acredita este pai.

No conto Em Terra, uma mãe perde seu menino, vítima de uma bala perdida. Um menino que, “até ontem, brincava sem saber que seria seu último dia de ver os amigos, de dizer à mãe antes de dormir, ‘tenho medo do escuro’, de fazer a lição de casa, de andar pelas ruelas do morro”.

Há despedidas definitivas, mas também outros tipos de mortes e traumas que uma hora serão revisitados. Em Os Dois, um homem relembra de quando, menino, assistia à relação de amor, ódio, desejo e violência entre seus pais. Em Separação, outro garoto parte com a mãe, deixando o pai para trás. Mais adiante, em Negócios, um terceiro garoto nunca mais poderá ser o mesmo depois de ver a polícia em sua casa.

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Um dia está tudo bem e no outro não mais. No meio disso, há o agora.

Tramas de Meninos Autor: João Anzanello Carrascoza Editora: Alfaguara (120 págs.; R$ 39,90; R$ 27,90 o e-book)

*Maria Fernanda Rodrigues é jornalista especializada em literatura

Duas das coisas mais difíceis desta vida: aceitar, como sugere um dos personagens do novo livro de contos de João Anzanello Carrascoza, que estamos aqui “só mais um pouco”, e viver no presente. “Agora é que conta, e, agora, aqui estamos...”, lemos em Começo, texto que abre Tramas de Meninos

Este primeiro conto (são 14) é narrado por um pai viúvo que recebe a visita mensal do filho. O conforto da presença, o momento compartilhado, as pequenas e reconfortantes rotinas, o afeto recíproco, a saudade que volta antes mesmo da partida. É delicado, bonito e triste. Como quase todos os outros textos do livro que contam, sobretudo, histórias de pais e filhos, às vezes de mães e filhos. Tios. Irmãos. Histórias de famílias, de encontros e reencontros, de fugas, de despedidas antes da hora – não, da impossibilidade de um adeus. 

Livro 'Tramas de Meninos' Foto: Editora Alfaguara/Divulgação

Como saber, por exemplo, que aquele almoço vai ser o último? Que o telefone vai tocar e que alguém que estava ali à mesa minutos antes (o pai?, o tio?, a irmã?, o filho?) não vai resistir ao acidente rodoviário durante um passeio banal? Essa dúvida é o mote de Quem?, no qual o narrador, em casa, recebe a ligação de um policial e conjectura quem teria sido a vítima. “Quando existe amor não

há como se comparar perdas”, ele pensa enquanto fala sobre os quatro – três vivos, um morto.

E há sempre amor nesses contos de Carrascoza, mesmo quando há dor.

Em Pedaços, um pai pede uma pizza e reabre, como ele diz, a ferida na memória. O cheiro traz de volta a lembrança do último encontro com o filho. “Se soubéssemos que era a derradeira noite (...), como agiríamos? Melhor mesmo que nunca saibamos, para assim não anteciparmos a inevitável despedida”, acredita este pai.

No conto Em Terra, uma mãe perde seu menino, vítima de uma bala perdida. Um menino que, “até ontem, brincava sem saber que seria seu último dia de ver os amigos, de dizer à mãe antes de dormir, ‘tenho medo do escuro’, de fazer a lição de casa, de andar pelas ruelas do morro”.

Há despedidas definitivas, mas também outros tipos de mortes e traumas que uma hora serão revisitados. Em Os Dois, um homem relembra de quando, menino, assistia à relação de amor, ódio, desejo e violência entre seus pais. Em Separação, outro garoto parte com a mãe, deixando o pai para trás. Mais adiante, em Negócios, um terceiro garoto nunca mais poderá ser o mesmo depois de ver a polícia em sua casa.

Um dia está tudo bem e no outro não mais. No meio disso, há o agora.

Tramas de Meninos Autor: João Anzanello Carrascoza Editora: Alfaguara (120 págs.; R$ 39,90; R$ 27,90 o e-book)

*Maria Fernanda Rodrigues é jornalista especializada em literatura

Duas das coisas mais difíceis desta vida: aceitar, como sugere um dos personagens do novo livro de contos de João Anzanello Carrascoza, que estamos aqui “só mais um pouco”, e viver no presente. “Agora é que conta, e, agora, aqui estamos...”, lemos em Começo, texto que abre Tramas de Meninos

Este primeiro conto (são 14) é narrado por um pai viúvo que recebe a visita mensal do filho. O conforto da presença, o momento compartilhado, as pequenas e reconfortantes rotinas, o afeto recíproco, a saudade que volta antes mesmo da partida. É delicado, bonito e triste. Como quase todos os outros textos do livro que contam, sobretudo, histórias de pais e filhos, às vezes de mães e filhos. Tios. Irmãos. Histórias de famílias, de encontros e reencontros, de fugas, de despedidas antes da hora – não, da impossibilidade de um adeus. 

Livro 'Tramas de Meninos' Foto: Editora Alfaguara/Divulgação

Como saber, por exemplo, que aquele almoço vai ser o último? Que o telefone vai tocar e que alguém que estava ali à mesa minutos antes (o pai?, o tio?, a irmã?, o filho?) não vai resistir ao acidente rodoviário durante um passeio banal? Essa dúvida é o mote de Quem?, no qual o narrador, em casa, recebe a ligação de um policial e conjectura quem teria sido a vítima. “Quando existe amor não

há como se comparar perdas”, ele pensa enquanto fala sobre os quatro – três vivos, um morto.

E há sempre amor nesses contos de Carrascoza, mesmo quando há dor.

Em Pedaços, um pai pede uma pizza e reabre, como ele diz, a ferida na memória. O cheiro traz de volta a lembrança do último encontro com o filho. “Se soubéssemos que era a derradeira noite (...), como agiríamos? Melhor mesmo que nunca saibamos, para assim não anteciparmos a inevitável despedida”, acredita este pai.

No conto Em Terra, uma mãe perde seu menino, vítima de uma bala perdida. Um menino que, “até ontem, brincava sem saber que seria seu último dia de ver os amigos, de dizer à mãe antes de dormir, ‘tenho medo do escuro’, de fazer a lição de casa, de andar pelas ruelas do morro”.

Há despedidas definitivas, mas também outros tipos de mortes e traumas que uma hora serão revisitados. Em Os Dois, um homem relembra de quando, menino, assistia à relação de amor, ódio, desejo e violência entre seus pais. Em Separação, outro garoto parte com a mãe, deixando o pai para trás. Mais adiante, em Negócios, um terceiro garoto nunca mais poderá ser o mesmo depois de ver a polícia em sua casa.

Um dia está tudo bem e no outro não mais. No meio disso, há o agora.

Tramas de Meninos Autor: João Anzanello Carrascoza Editora: Alfaguara (120 págs.; R$ 39,90; R$ 27,90 o e-book)

*Maria Fernanda Rodrigues é jornalista especializada em literatura

Opinião por Maria Fernanda Rodrigues

Editora de Cultura e jornalista especializada em literatura e mercado editorial

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