Meu caríssimo Waldemiro Pinto,
Espero que receba esta mensagem. Esteja onde estiver. Da última vez, me informaram lá no cemitério de Pinheiral, um pouquinho abaixo de Volta Redonda, que não sabem direito em qual túmulo você está descansando desde 27 de fevereiro de 2013. Você foi enterrado como indigente, depois de trazer a medalha de ouro dos Jogos Pan-americanos de Chicago, em 1959, e de ter lutado na Olimpíada de Roma, em 1960, sempre como peso-galo.
Achei que você ficaria feliz de saber como andam as coisas para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, cidade onde você fez grandes lutas antes de viajar para uma aventura de quase 40 anos no Equador – onde foi lutador de boxe, massagista de futebol, lanterninha de cinema e nos últimos tempos andarilho pelas ruas de Quito, antes de ser resgatado pela equipe de reportagem da ESPN Brasil e voltar ao seu país, em junho de 2000.
Como no seu tempo, os atletas olímpicos do Brasil não tiveram muito carinho da cartolagem para estes Jogos em nossa terra. A verdade é que a Olimpíada é um grande negócio que se realiza de quatro em quatro anos: em alguns países adiantados, os atletas também lucram. Em outros só os empresários, empreiteiros e dirigentes é que lucram.
Se é que você me entende.
A Olimpíada é um grande negócio!
Nenhum dos responsáveis pela Olimpíada esteve preocupado com o desenvolvimento do esporte brasileiro. Se fosse assim, não teriam concretado a pista de atletismo do Estádio Célio de Barros, onde os atletas cariocas treinavam. Nos últimos tempos até “raves” foram realizadas lá, e não se sabe em benefício de quem foi a bilheteria.
E o campo de golfe construído em área de proteção ambiental?
No seu tempo de lutador, a Lagoa Rodrigo de Freitas já era tão poluída? Há uma informação de que a poluição é noticiada sempre que querem esconder um outro assunto bombástico. É... o tal departamento de marketing e factoides do Comitê Olímpico Internacional. Tudo muito elegante, moderno, virtual.
E o caso do laboratório brasileiro do antidoping descredenciado pela WADA – a associação que cuida do doping no mundo?
O doutor Francisco Radler, um cientista digno da Universidade Federal do Rio de Janeiro, deve estar irado com a situação.
Vai ser difícil entender o que aconteceu de verdade.
O handebol teve a construção de uma arena que depois será desmontada, enquanto a Federação Carioca funciona no porta-malas do carro da presidente.
E a ginástica, meu caro Galo Preto – era assim que te chamavam quando disputou o título sul-americano, não é?
Bem, a ginástica faz suas reuniões da federação carioca no estacionamento de um shopping, porque não tem sede.
E a federação de basquete ocupa uma saleta da Confederação da modalidade. O campeonato feminino de basquete tem só três times e as meninas nunca entraram no ginásio de basquete do Pan. O tal legado de 2007 custa muito caro para abrir suas portas.
Ah, Waldemiro, lembra quando você voltou ao Brasil e encontrou seu filho em Volta Redonda? Lembra que numa entrevista na ESPN Brasil, o presidente Carlos Arthur Nuzman declarou que um brasileiro como você, com sua história, com sua medalha de ouro pan-americana e sua participação olímpica seria recebido com honras de grande campeão?
Pois é, eu sei que ele nunca te chamou lá em Volta Redonda. Nem deve saber que você passou os últimos tempos no “Recanto dos Velhinhos Francisco Gonçalves Barbosa”, em Pinheiral, contando histórias de boxe para a Cidinha, cuidadora que é o xodó do asilo.
O COB também não te deu uma réplica da medalha, que você perdeu em seu bailado difícil pelo mundo dos ringues.
O que? Se eu acho que iam te convidar para carregar a tocha, se você estivesse aqui no mundo? Acho que não, tem mais grã-fino carregando a tocha do que atletas... Alguns até têm de pagar, para ficar com a lembrança.
Uma coisa eu sei: se morasse na Vila Autódromo, você seria desalojado, com medalha de ouro e tudo. Você e todos os moradores, junto com a dona Penha, mulher de 48 quilos e toneladas de dignidade. Enfrentou até o Batalhão de Choque para defender a moradia de gente que tinha concessão do governo estadual para residir no local.
Mais um detalhezinho, meu caro: o seu nome está escrito errado no livro editado pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Na página 191, que fala da delegação nacional que foi aos Jogos de Roma, está escrito: peso-galo Waldomiro Pinto. Bobagem, Waldemiro.
É, mas só para você saber: o Nuzman continua como presidente do Comitê Olímpico. Sim. E disse que após a olimpíada do Rio pretende continuar como presidente do COB. Talvez mais dois mandatos, viu, Waldemiro?
É, ele mesmo que, quando assumiu o comando do COB, prometeu transformar o Brasil em uma potência olímpica em 8 anos. Verdade. Não cumpriu, mas por que não continuar tentando?
Tivemos o legado do Pan não é?
Você sabe da história do velódromo construído para os Jogos de 2007, não sabe? Você estava vivo ainda. Fizeram o velódromo, que custou R$ 18 milhões. E para ser adaptado para a Olimpíada ele precisaria de alguns ajustes, que custariam mais R$ 14 milhões segundo o arquiteto holandês Sander Douma – a maior autoridade do mundo em ciclismo de pista.
Mas o que resolveram os nossos diletos dirigentes, Waldemiro?
Ora, vamos derrubar esta obra e fazer outra!
O próprio Sander achou uma loucura: “Só no Brasil mesmo, vocês são loucos”.
Loucos ou não, o novo velódromo foi erguido pela bagatela de R$ 147 milhões. O dinheiro sobra, não é?
Além do mais a obra atrasou e não deu tempo de fazer um evento teste no local.
Como Waldemiro, você não entendeu?
Nem nós. Mas a história das bicicletas é muito pior.
Como o assunto do velódromo vazou, os dirigentes resolveram doar a carcaça do “legado” desmontado para alguma cidade. Um presente. Uma “bicicleta de grego”, digamos.
E tudo foi parar em Pinhais, no Paraná.
Transferir o material custou só R$ 1 milhão ou 2. O transporte foi feito em oito carretas. O material elétrico ficou em um galpão com um aluguel de... somente R$ 10 mil mensais – já houve alguns roubos de fio, mas coisa pequena.
A ferragem está no terreno, a céu aberto, onde um dia o velódromo será remontado. E aparentemente está enferrujando. A nova pista de madeira importada virá de algum lugar. A anterior, de pinho de riga, foi totalmente inutilizada, pois foi presa ao piso com 180 mil pregos na época do Pan.
Diz a lenda que a pilha de madeira virou lenha em alguma pizzaria.
Não, não tenho certeza disso, Waldemiro.
O que eu sei é que com tudo isso, a Olimpíada do Rio vai ser a maior festa esportiva de todos os tempos – muito diferente da fraca participação popular de Atlanta, por exemplo, sem falar do atentado e das ameaças. Pode conferir isso de onde você estiver. Nosso povo é animado, adora esportes, o cenário natural do Rio é fantástico, e o nosso clima é encantador – e você sabe disso desde os tempos em que lutava nas noites de boxe da TV Rio, com apresentação do Léo Batista.
A violência urbana?
Ah, Waldemiro, isso é tudo controlável.
Acerto de chefes para que nada aconteça durante as os grandes eventos cariocas: lembra da Eco-92, da visita do Papa, do campeonato mundial de futebol?
Depois, tudo volta ao normal, claro.
Ops! Waldemiro, brilha uma luz fraquinha no final dos túneis abertos para a remodelação urbana. Parece... parece, Waldemiro, que uma incrível série de denúncias virá a público após os Jogos Olímpicos.
Denúncias que só não explodiram ainda porque seriam catastróficas para a realização da competição.
É... dizem que não vai sobrar pedra sobre pedra no mundo da cartolagem.
Sim!!! Algo como aquilo que sacudiu a CBF.
Tá bom, você tem razão, o prédio da CBF continua em pé.
Está certo, Waldemiro, talvez eu esteja sendo otimista demais.
Claro, vamos torcer pelos meninos do boxe, representantes legítimos do povo brasileiro nos ringues olímpicos.
Lembranças para quem? Para o nosso representante no salto triplo?
Rapaz!!! Acredite, não teremos ninguém nesta prova no masculino. Ninguém se classificou.
Eu sei, é a prova do Adhemar Ferreira da Silva, do Nélson Prudêncio, do João do Pulo...
Paciência, Waldemiro. Paciência.
Outras medalhas virão!
Opa...Tá caindo a rede, Waldemiro Pinto. Mas acho que deu para você entender o que está acontecendo com o esporte nacional.
Tá picotando... Um abraço! E se eu achar sua medalha de ouro, ganha em Chicago, levo sim para o Cemitério de Pinheiral. Você só precisa avisar seu endereço certinho.
ROBERTO SALIM, JORNALISTA, IDEALIZADOR DO PROGRAMA ‘HISTÓRIAS DO ESPORTE’, DA ESPN BRASIL, COBRIU SEIS JOGOS OLÍMPICOS, SETE COPAS DO MUNDO E DOIS PAN-AMERICANOS