Michael Jackson e Bob Fosse devem seus passos a um homem chamado Bubbles


Uma biografia desmistifica um dos pioneiros do sapateado americano

Por Sarah L. Kaufman

Há uma cena fascinante no filme  Stormy Weather, de 1943, que, embora breve, resume o brilho virtuoso do dançarino  John W. Bubbles. De acordo com a nova, penetrante e reveladora biografia,  Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic, a cena também ajuda a explicar por que esse pioneiro do sapateado é praticamente desconhecido nos dias de hoje.

Usando chapéu-coco e girando uma bengala, Bubbles, no papel de um assassino libertino chamado Domino Johnson, entra em um cabaré e desencadeia um ciclone de giros, passos flutuantes e paradas bruscas que são ao mesmo tempo estranhas e familiares. Os volteios precisos, o arremesso do chapéu, a maneira como ele de repente congela o andar com a cabeça baixa, um dos joelhos dobrado: é familiar porque você já viu esses mesmos movimentos em Bob FosseJames Brown e Michael Jackson.

Lenda do sapateado, BubblesBob Fosse, James Brown e Michael Jackson seguiram seus passos Foto: Youtube/reprodução
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Mas é estranho por causa da clareza e a fluidez de Bubbles. Ele tem perfeito comando sobre seu corpo, um corpo que voa em direções diferentes e depois se volta tão rápido que você fica achando que é algum truque de filme. Aliás, ele também canta e flerta descaradamente com as senhoras nas mesas, provocando-as com leves movimentos de ombro. Ele emana glamour. A cena toda vibra com eletricidade e surpresa visual.

Sportin’ Life, de Brian Harker, autor de livros sobre Louis Armstrong e jazz, é a primeira história de vida deste artista da dança, um fato surpreendente dado seu renome. Por 36 anos, Bubbles fez parte da dupla de música e dança Buck and Bubbles, uma das parcerias mais duradouras da história do vaudeville. O duo foi destaque na primeira transmissão de televisão do mundo, em 1936. Eles foram recebidos em Londres pelo príncipe de Gales em pessoa, antes da abdicação, após uma apresentação para Edward e sua futura esposa Wallis Simpson.

Mesmo com os limites raciais da época, Bubbles era perfeito para as telas: alto, bonito, sorriso matador. Um showman extraordinário. Nos poucos clipes que existem, ele é um talento natural. No longa-metragem de 1937 Varsity Show, estrelado por Dick Powell e Priscilla Lane, Bubbles sapateia brilhantemente (interpretando um zelador), acompanhado por seu parceiro pianista Buck (Ford Lee Washington). Mas essa performance e a breve cena de Bubbles em Cabin in the Sky foi tudo o que Hollywood quis dele.

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A indústria cinematográfica tinha um ponto cego (mais sobre isso em breve), mas George Gershwin não. Harker, que ensina história da música na Universidade Brigham Young, tira o título de seu livro do papel que Bubbles viveu na ópera de Gershwin ‘Porgy and Bess’, de 1935. Sportin’ Life era o vilão dessa produção histórica: um traficante de drogas perigoso e – fiel à natureza de Bubbles – irresistível. Gershwin lhe deu o papel, não foi preciso fazer audições. Ele o chamava de “meu Bubbles”.

Como Bubbles era um dançarino autodidata, não sabia ler partitura e não tinha experiência em ópera, Gershwin foi tutor de seu “protegido pouco convencional”, tocando piano no seu apartamento com Bubbles cantando ao seu lado. Foi uma experiência que mudou tudo. Para o resto de sua carreira, ‘It Ain’t Necessarily So’ foi a música tema não oficial de Bubbles.

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Tinha muita coisa naqueles pés. Antes de Gershwin aparecer, Bubbles tinha feito seguro de seus tornozelos por US$ 50.000. Sua influência se espalhou por todo o mundo do sapateado. Enquanto Bill “Bojangles” Robinson era reverenciado por seu estilo leve e cristalino, Bubbles tinha um estilo mais poderoso, dinâmico e espontâneo. A maioria dos dançarinos da época dançava na ponta dos pés, mas Bubbles baixava os calcanhares, aumentando a complexidade rítmica. Os seguidores o apelidaram de “o pai do ritmo do sapateado”.

O sapateador e ator W. Bubbles como Sporting' Life na ópera 'Porgy and Bess', de Gershwin Foto: Youtube/reprodução

No entanto, Bubbles morreu pobre em 1986, aos 84 anos. Algumas celebridades compareceram ao seu funeral, entre eles Bob Hope, Liza Minnelli e Johnny Carson, em cujo programa de TV Bubbles era presença constante. Bubbles esteve na moda por alguns momentos enquanto a nostalgia varria as décadas de 1950 e 1960. Nos anos 80, surgiram rumores, observa Harker, “de que a estrela pop mais quente da época, Michael Jackson, batizara seu chimpanzé de estimação em homenagem ao grande dançarino”. Fora os conhecedores e entusiastas do sapateado, poucos conhecem o nome de Bubbles hoje.

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Harker traça meticulosamente os pontos em que a discriminação racial limitou as oportunidades do showman nos circuitos de vaudeville e em Hollywood. Ainda assim, Bubbles estava perdidamente apaixonado pelo teatro. Nascido John William Sublett Jr. em Nashville no ano de 1903, ele recebeu seu nome artístico quando criança de um empresário de vaudeville cativado por sua natureza otimista. Aos 14 anos, ele se juntou a Buck. “A gente tinha cara de pobre”, disse Bubbles, “a gente falava como se não soubesse de nada e dançava como se não estivesse nem aí”.

Esse ar descontraído escondia o molho especial da dupla: maestria absoluta. “Com seu virtuosismo, Buck e Bubbles anunciaram uma nova era de conquistas negras”, escreve Harker.

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No entanto, o legado de Bubbles certamente seria diferente se ele tivesse a carreira cinematográfica de, digamos, Fred Astaire ou Bill Robinson. Harker acredita que o racismo não é a única razão pela qual Bubbles não apareceu nos filmes. Com certeza, muitos vaudevillians deram um salto bem-sucedido para o cinema – Astaire, Ginger Rogers, George Burns, para citar alguns – e havia artistas negros entre eles. Robinson, Stepin Fetchit e Eddie Anderson “todos tiveram sucesso em Hollywood, apesar da cor de sua pele”, escreve Harker.

Então, por que não Bubbles? Harker apresenta um argumento interessante sobre o motivo pelo qual o dançarino foi barrado em Hollywood: ele era muito sexy. “Mais do que qualquer outra questão”, afirma Harker, “os cineastas quase certamente ficaram aterrorizados com a potência sexual de Bubbles”. Aquela cena de Stormy Weather tem um calor masculino que irradia de sua agilidade sinuosa. Ele era muito diferente de Robinson, que, por exemplo, fez dupla com uma jovem Shirley Temple em The Little Colonel, no papel de um criado respeitoso. Por outro lado, observa Harker, “sexy” é o termo com o qual a crítica de cinema Pauline Kael descreveu Bubbles.

Harker escreve: “Para Clark Gable, sex appeal foi a chave para o sucesso; para John Bubbles, foi fatal”. É espantoso que a indústria cinematográfica tenha optado por não capitalizar o talento e o magnetismo de Bubbles. As ironias e injustiças são claras. Harker abre seu livro com Fred Astaire pagando a Bubbles astronômicos US$ 400 por uma aula de sapateado em 1930.

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Harker deixa claro que o próprio Astaire nunca falou sobre a aula. O relato vem de Bubbles, que contou a história em várias entrevistas publicadas. Harker acredita que é verdade, mas, mesmo que não seja, escreve ele, ilustra bem um fato. “O estilo complexo de Astaire (...) só poderia ocorrer dentro de um mundo informado pelas inovações de Bubbles. Seja aprendendo com o homem em pessoa ou o observando de longe, o resultado foi o mesmo: Astaire tomou de empréstimo algumas ideias de Bubbles. Todo mundo tomou”.

A influência, porém, não foi suficiente para garantir a imortalidade. O livro de Harker não é apenas uma história vivida, mas uma reflexão pungente sobre o que poderia ter sido: que arte Bubbles poderia ter feito se o mundo que o aplaudiu também não o tivesse encurralado.

Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic

John Harker

Oxford - 328 páginas - US $ 34.95

- - -

Sarah L. Kaufman é crítica de dança do Washington Post e autora de The Art of Grace.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Há uma cena fascinante no filme  Stormy Weather, de 1943, que, embora breve, resume o brilho virtuoso do dançarino  John W. Bubbles. De acordo com a nova, penetrante e reveladora biografia,  Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic, a cena também ajuda a explicar por que esse pioneiro do sapateado é praticamente desconhecido nos dias de hoje.

Usando chapéu-coco e girando uma bengala, Bubbles, no papel de um assassino libertino chamado Domino Johnson, entra em um cabaré e desencadeia um ciclone de giros, passos flutuantes e paradas bruscas que são ao mesmo tempo estranhas e familiares. Os volteios precisos, o arremesso do chapéu, a maneira como ele de repente congela o andar com a cabeça baixa, um dos joelhos dobrado: é familiar porque você já viu esses mesmos movimentos em Bob FosseJames Brown e Michael Jackson.

Lenda do sapateado, BubblesBob Fosse, James Brown e Michael Jackson seguiram seus passos Foto: Youtube/reprodução

Mas é estranho por causa da clareza e a fluidez de Bubbles. Ele tem perfeito comando sobre seu corpo, um corpo que voa em direções diferentes e depois se volta tão rápido que você fica achando que é algum truque de filme. Aliás, ele também canta e flerta descaradamente com as senhoras nas mesas, provocando-as com leves movimentos de ombro. Ele emana glamour. A cena toda vibra com eletricidade e surpresa visual.

Sportin’ Life, de Brian Harker, autor de livros sobre Louis Armstrong e jazz, é a primeira história de vida deste artista da dança, um fato surpreendente dado seu renome. Por 36 anos, Bubbles fez parte da dupla de música e dança Buck and Bubbles, uma das parcerias mais duradouras da história do vaudeville. O duo foi destaque na primeira transmissão de televisão do mundo, em 1936. Eles foram recebidos em Londres pelo príncipe de Gales em pessoa, antes da abdicação, após uma apresentação para Edward e sua futura esposa Wallis Simpson.

Mesmo com os limites raciais da época, Bubbles era perfeito para as telas: alto, bonito, sorriso matador. Um showman extraordinário. Nos poucos clipes que existem, ele é um talento natural. No longa-metragem de 1937 Varsity Show, estrelado por Dick Powell e Priscilla Lane, Bubbles sapateia brilhantemente (interpretando um zelador), acompanhado por seu parceiro pianista Buck (Ford Lee Washington). Mas essa performance e a breve cena de Bubbles em Cabin in the Sky foi tudo o que Hollywood quis dele.

A indústria cinematográfica tinha um ponto cego (mais sobre isso em breve), mas George Gershwin não. Harker, que ensina história da música na Universidade Brigham Young, tira o título de seu livro do papel que Bubbles viveu na ópera de Gershwin ‘Porgy and Bess’, de 1935. Sportin’ Life era o vilão dessa produção histórica: um traficante de drogas perigoso e – fiel à natureza de Bubbles – irresistível. Gershwin lhe deu o papel, não foi preciso fazer audições. Ele o chamava de “meu Bubbles”.

Como Bubbles era um dançarino autodidata, não sabia ler partitura e não tinha experiência em ópera, Gershwin foi tutor de seu “protegido pouco convencional”, tocando piano no seu apartamento com Bubbles cantando ao seu lado. Foi uma experiência que mudou tudo. Para o resto de sua carreira, ‘It Ain’t Necessarily So’ foi a música tema não oficial de Bubbles.

Tinha muita coisa naqueles pés. Antes de Gershwin aparecer, Bubbles tinha feito seguro de seus tornozelos por US$ 50.000. Sua influência se espalhou por todo o mundo do sapateado. Enquanto Bill “Bojangles” Robinson era reverenciado por seu estilo leve e cristalino, Bubbles tinha um estilo mais poderoso, dinâmico e espontâneo. A maioria dos dançarinos da época dançava na ponta dos pés, mas Bubbles baixava os calcanhares, aumentando a complexidade rítmica. Os seguidores o apelidaram de “o pai do ritmo do sapateado”.

O sapateador e ator W. Bubbles como Sporting' Life na ópera 'Porgy and Bess', de Gershwin Foto: Youtube/reprodução

No entanto, Bubbles morreu pobre em 1986, aos 84 anos. Algumas celebridades compareceram ao seu funeral, entre eles Bob Hope, Liza Minnelli e Johnny Carson, em cujo programa de TV Bubbles era presença constante. Bubbles esteve na moda por alguns momentos enquanto a nostalgia varria as décadas de 1950 e 1960. Nos anos 80, surgiram rumores, observa Harker, “de que a estrela pop mais quente da época, Michael Jackson, batizara seu chimpanzé de estimação em homenagem ao grande dançarino”. Fora os conhecedores e entusiastas do sapateado, poucos conhecem o nome de Bubbles hoje.

Harker traça meticulosamente os pontos em que a discriminação racial limitou as oportunidades do showman nos circuitos de vaudeville e em Hollywood. Ainda assim, Bubbles estava perdidamente apaixonado pelo teatro. Nascido John William Sublett Jr. em Nashville no ano de 1903, ele recebeu seu nome artístico quando criança de um empresário de vaudeville cativado por sua natureza otimista. Aos 14 anos, ele se juntou a Buck. “A gente tinha cara de pobre”, disse Bubbles, “a gente falava como se não soubesse de nada e dançava como se não estivesse nem aí”.

Esse ar descontraído escondia o molho especial da dupla: maestria absoluta. “Com seu virtuosismo, Buck e Bubbles anunciaram uma nova era de conquistas negras”, escreve Harker.

No entanto, o legado de Bubbles certamente seria diferente se ele tivesse a carreira cinematográfica de, digamos, Fred Astaire ou Bill Robinson. Harker acredita que o racismo não é a única razão pela qual Bubbles não apareceu nos filmes. Com certeza, muitos vaudevillians deram um salto bem-sucedido para o cinema – Astaire, Ginger Rogers, George Burns, para citar alguns – e havia artistas negros entre eles. Robinson, Stepin Fetchit e Eddie Anderson “todos tiveram sucesso em Hollywood, apesar da cor de sua pele”, escreve Harker.

Então, por que não Bubbles? Harker apresenta um argumento interessante sobre o motivo pelo qual o dançarino foi barrado em Hollywood: ele era muito sexy. “Mais do que qualquer outra questão”, afirma Harker, “os cineastas quase certamente ficaram aterrorizados com a potência sexual de Bubbles”. Aquela cena de Stormy Weather tem um calor masculino que irradia de sua agilidade sinuosa. Ele era muito diferente de Robinson, que, por exemplo, fez dupla com uma jovem Shirley Temple em The Little Colonel, no papel de um criado respeitoso. Por outro lado, observa Harker, “sexy” é o termo com o qual a crítica de cinema Pauline Kael descreveu Bubbles.

Harker escreve: “Para Clark Gable, sex appeal foi a chave para o sucesso; para John Bubbles, foi fatal”. É espantoso que a indústria cinematográfica tenha optado por não capitalizar o talento e o magnetismo de Bubbles. As ironias e injustiças são claras. Harker abre seu livro com Fred Astaire pagando a Bubbles astronômicos US$ 400 por uma aula de sapateado em 1930.

Harker deixa claro que o próprio Astaire nunca falou sobre a aula. O relato vem de Bubbles, que contou a história em várias entrevistas publicadas. Harker acredita que é verdade, mas, mesmo que não seja, escreve ele, ilustra bem um fato. “O estilo complexo de Astaire (...) só poderia ocorrer dentro de um mundo informado pelas inovações de Bubbles. Seja aprendendo com o homem em pessoa ou o observando de longe, o resultado foi o mesmo: Astaire tomou de empréstimo algumas ideias de Bubbles. Todo mundo tomou”.

A influência, porém, não foi suficiente para garantir a imortalidade. O livro de Harker não é apenas uma história vivida, mas uma reflexão pungente sobre o que poderia ter sido: que arte Bubbles poderia ter feito se o mundo que o aplaudiu também não o tivesse encurralado.

Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic

John Harker

Oxford - 328 páginas - US $ 34.95

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Sarah L. Kaufman é crítica de dança do Washington Post e autora de The Art of Grace.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Há uma cena fascinante no filme  Stormy Weather, de 1943, que, embora breve, resume o brilho virtuoso do dançarino  John W. Bubbles. De acordo com a nova, penetrante e reveladora biografia,  Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic, a cena também ajuda a explicar por que esse pioneiro do sapateado é praticamente desconhecido nos dias de hoje.

Usando chapéu-coco e girando uma bengala, Bubbles, no papel de um assassino libertino chamado Domino Johnson, entra em um cabaré e desencadeia um ciclone de giros, passos flutuantes e paradas bruscas que são ao mesmo tempo estranhas e familiares. Os volteios precisos, o arremesso do chapéu, a maneira como ele de repente congela o andar com a cabeça baixa, um dos joelhos dobrado: é familiar porque você já viu esses mesmos movimentos em Bob FosseJames Brown e Michael Jackson.

Lenda do sapateado, BubblesBob Fosse, James Brown e Michael Jackson seguiram seus passos Foto: Youtube/reprodução

Mas é estranho por causa da clareza e a fluidez de Bubbles. Ele tem perfeito comando sobre seu corpo, um corpo que voa em direções diferentes e depois se volta tão rápido que você fica achando que é algum truque de filme. Aliás, ele também canta e flerta descaradamente com as senhoras nas mesas, provocando-as com leves movimentos de ombro. Ele emana glamour. A cena toda vibra com eletricidade e surpresa visual.

Sportin’ Life, de Brian Harker, autor de livros sobre Louis Armstrong e jazz, é a primeira história de vida deste artista da dança, um fato surpreendente dado seu renome. Por 36 anos, Bubbles fez parte da dupla de música e dança Buck and Bubbles, uma das parcerias mais duradouras da história do vaudeville. O duo foi destaque na primeira transmissão de televisão do mundo, em 1936. Eles foram recebidos em Londres pelo príncipe de Gales em pessoa, antes da abdicação, após uma apresentação para Edward e sua futura esposa Wallis Simpson.

Mesmo com os limites raciais da época, Bubbles era perfeito para as telas: alto, bonito, sorriso matador. Um showman extraordinário. Nos poucos clipes que existem, ele é um talento natural. No longa-metragem de 1937 Varsity Show, estrelado por Dick Powell e Priscilla Lane, Bubbles sapateia brilhantemente (interpretando um zelador), acompanhado por seu parceiro pianista Buck (Ford Lee Washington). Mas essa performance e a breve cena de Bubbles em Cabin in the Sky foi tudo o que Hollywood quis dele.

A indústria cinematográfica tinha um ponto cego (mais sobre isso em breve), mas George Gershwin não. Harker, que ensina história da música na Universidade Brigham Young, tira o título de seu livro do papel que Bubbles viveu na ópera de Gershwin ‘Porgy and Bess’, de 1935. Sportin’ Life era o vilão dessa produção histórica: um traficante de drogas perigoso e – fiel à natureza de Bubbles – irresistível. Gershwin lhe deu o papel, não foi preciso fazer audições. Ele o chamava de “meu Bubbles”.

Como Bubbles era um dançarino autodidata, não sabia ler partitura e não tinha experiência em ópera, Gershwin foi tutor de seu “protegido pouco convencional”, tocando piano no seu apartamento com Bubbles cantando ao seu lado. Foi uma experiência que mudou tudo. Para o resto de sua carreira, ‘It Ain’t Necessarily So’ foi a música tema não oficial de Bubbles.

Tinha muita coisa naqueles pés. Antes de Gershwin aparecer, Bubbles tinha feito seguro de seus tornozelos por US$ 50.000. Sua influência se espalhou por todo o mundo do sapateado. Enquanto Bill “Bojangles” Robinson era reverenciado por seu estilo leve e cristalino, Bubbles tinha um estilo mais poderoso, dinâmico e espontâneo. A maioria dos dançarinos da época dançava na ponta dos pés, mas Bubbles baixava os calcanhares, aumentando a complexidade rítmica. Os seguidores o apelidaram de “o pai do ritmo do sapateado”.

O sapateador e ator W. Bubbles como Sporting' Life na ópera 'Porgy and Bess', de Gershwin Foto: Youtube/reprodução

No entanto, Bubbles morreu pobre em 1986, aos 84 anos. Algumas celebridades compareceram ao seu funeral, entre eles Bob Hope, Liza Minnelli e Johnny Carson, em cujo programa de TV Bubbles era presença constante. Bubbles esteve na moda por alguns momentos enquanto a nostalgia varria as décadas de 1950 e 1960. Nos anos 80, surgiram rumores, observa Harker, “de que a estrela pop mais quente da época, Michael Jackson, batizara seu chimpanzé de estimação em homenagem ao grande dançarino”. Fora os conhecedores e entusiastas do sapateado, poucos conhecem o nome de Bubbles hoje.

Harker traça meticulosamente os pontos em que a discriminação racial limitou as oportunidades do showman nos circuitos de vaudeville e em Hollywood. Ainda assim, Bubbles estava perdidamente apaixonado pelo teatro. Nascido John William Sublett Jr. em Nashville no ano de 1903, ele recebeu seu nome artístico quando criança de um empresário de vaudeville cativado por sua natureza otimista. Aos 14 anos, ele se juntou a Buck. “A gente tinha cara de pobre”, disse Bubbles, “a gente falava como se não soubesse de nada e dançava como se não estivesse nem aí”.

Esse ar descontraído escondia o molho especial da dupla: maestria absoluta. “Com seu virtuosismo, Buck e Bubbles anunciaram uma nova era de conquistas negras”, escreve Harker.

No entanto, o legado de Bubbles certamente seria diferente se ele tivesse a carreira cinematográfica de, digamos, Fred Astaire ou Bill Robinson. Harker acredita que o racismo não é a única razão pela qual Bubbles não apareceu nos filmes. Com certeza, muitos vaudevillians deram um salto bem-sucedido para o cinema – Astaire, Ginger Rogers, George Burns, para citar alguns – e havia artistas negros entre eles. Robinson, Stepin Fetchit e Eddie Anderson “todos tiveram sucesso em Hollywood, apesar da cor de sua pele”, escreve Harker.

Então, por que não Bubbles? Harker apresenta um argumento interessante sobre o motivo pelo qual o dançarino foi barrado em Hollywood: ele era muito sexy. “Mais do que qualquer outra questão”, afirma Harker, “os cineastas quase certamente ficaram aterrorizados com a potência sexual de Bubbles”. Aquela cena de Stormy Weather tem um calor masculino que irradia de sua agilidade sinuosa. Ele era muito diferente de Robinson, que, por exemplo, fez dupla com uma jovem Shirley Temple em The Little Colonel, no papel de um criado respeitoso. Por outro lado, observa Harker, “sexy” é o termo com o qual a crítica de cinema Pauline Kael descreveu Bubbles.

Harker escreve: “Para Clark Gable, sex appeal foi a chave para o sucesso; para John Bubbles, foi fatal”. É espantoso que a indústria cinematográfica tenha optado por não capitalizar o talento e o magnetismo de Bubbles. As ironias e injustiças são claras. Harker abre seu livro com Fred Astaire pagando a Bubbles astronômicos US$ 400 por uma aula de sapateado em 1930.

Harker deixa claro que o próprio Astaire nunca falou sobre a aula. O relato vem de Bubbles, que contou a história em várias entrevistas publicadas. Harker acredita que é verdade, mas, mesmo que não seja, escreve ele, ilustra bem um fato. “O estilo complexo de Astaire (...) só poderia ocorrer dentro de um mundo informado pelas inovações de Bubbles. Seja aprendendo com o homem em pessoa ou o observando de longe, o resultado foi o mesmo: Astaire tomou de empréstimo algumas ideias de Bubbles. Todo mundo tomou”.

A influência, porém, não foi suficiente para garantir a imortalidade. O livro de Harker não é apenas uma história vivida, mas uma reflexão pungente sobre o que poderia ter sido: que arte Bubbles poderia ter feito se o mundo que o aplaudiu também não o tivesse encurralado.

Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic

John Harker

Oxford - 328 páginas - US $ 34.95

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Sarah L. Kaufman é crítica de dança do Washington Post e autora de The Art of Grace.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Há uma cena fascinante no filme  Stormy Weather, de 1943, que, embora breve, resume o brilho virtuoso do dançarino  John W. Bubbles. De acordo com a nova, penetrante e reveladora biografia,  Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic, a cena também ajuda a explicar por que esse pioneiro do sapateado é praticamente desconhecido nos dias de hoje.

Usando chapéu-coco e girando uma bengala, Bubbles, no papel de um assassino libertino chamado Domino Johnson, entra em um cabaré e desencadeia um ciclone de giros, passos flutuantes e paradas bruscas que são ao mesmo tempo estranhas e familiares. Os volteios precisos, o arremesso do chapéu, a maneira como ele de repente congela o andar com a cabeça baixa, um dos joelhos dobrado: é familiar porque você já viu esses mesmos movimentos em Bob FosseJames Brown e Michael Jackson.

Lenda do sapateado, BubblesBob Fosse, James Brown e Michael Jackson seguiram seus passos Foto: Youtube/reprodução

Mas é estranho por causa da clareza e a fluidez de Bubbles. Ele tem perfeito comando sobre seu corpo, um corpo que voa em direções diferentes e depois se volta tão rápido que você fica achando que é algum truque de filme. Aliás, ele também canta e flerta descaradamente com as senhoras nas mesas, provocando-as com leves movimentos de ombro. Ele emana glamour. A cena toda vibra com eletricidade e surpresa visual.

Sportin’ Life, de Brian Harker, autor de livros sobre Louis Armstrong e jazz, é a primeira história de vida deste artista da dança, um fato surpreendente dado seu renome. Por 36 anos, Bubbles fez parte da dupla de música e dança Buck and Bubbles, uma das parcerias mais duradouras da história do vaudeville. O duo foi destaque na primeira transmissão de televisão do mundo, em 1936. Eles foram recebidos em Londres pelo príncipe de Gales em pessoa, antes da abdicação, após uma apresentação para Edward e sua futura esposa Wallis Simpson.

Mesmo com os limites raciais da época, Bubbles era perfeito para as telas: alto, bonito, sorriso matador. Um showman extraordinário. Nos poucos clipes que existem, ele é um talento natural. No longa-metragem de 1937 Varsity Show, estrelado por Dick Powell e Priscilla Lane, Bubbles sapateia brilhantemente (interpretando um zelador), acompanhado por seu parceiro pianista Buck (Ford Lee Washington). Mas essa performance e a breve cena de Bubbles em Cabin in the Sky foi tudo o que Hollywood quis dele.

A indústria cinematográfica tinha um ponto cego (mais sobre isso em breve), mas George Gershwin não. Harker, que ensina história da música na Universidade Brigham Young, tira o título de seu livro do papel que Bubbles viveu na ópera de Gershwin ‘Porgy and Bess’, de 1935. Sportin’ Life era o vilão dessa produção histórica: um traficante de drogas perigoso e – fiel à natureza de Bubbles – irresistível. Gershwin lhe deu o papel, não foi preciso fazer audições. Ele o chamava de “meu Bubbles”.

Como Bubbles era um dançarino autodidata, não sabia ler partitura e não tinha experiência em ópera, Gershwin foi tutor de seu “protegido pouco convencional”, tocando piano no seu apartamento com Bubbles cantando ao seu lado. Foi uma experiência que mudou tudo. Para o resto de sua carreira, ‘It Ain’t Necessarily So’ foi a música tema não oficial de Bubbles.

Tinha muita coisa naqueles pés. Antes de Gershwin aparecer, Bubbles tinha feito seguro de seus tornozelos por US$ 50.000. Sua influência se espalhou por todo o mundo do sapateado. Enquanto Bill “Bojangles” Robinson era reverenciado por seu estilo leve e cristalino, Bubbles tinha um estilo mais poderoso, dinâmico e espontâneo. A maioria dos dançarinos da época dançava na ponta dos pés, mas Bubbles baixava os calcanhares, aumentando a complexidade rítmica. Os seguidores o apelidaram de “o pai do ritmo do sapateado”.

O sapateador e ator W. Bubbles como Sporting' Life na ópera 'Porgy and Bess', de Gershwin Foto: Youtube/reprodução

No entanto, Bubbles morreu pobre em 1986, aos 84 anos. Algumas celebridades compareceram ao seu funeral, entre eles Bob Hope, Liza Minnelli e Johnny Carson, em cujo programa de TV Bubbles era presença constante. Bubbles esteve na moda por alguns momentos enquanto a nostalgia varria as décadas de 1950 e 1960. Nos anos 80, surgiram rumores, observa Harker, “de que a estrela pop mais quente da época, Michael Jackson, batizara seu chimpanzé de estimação em homenagem ao grande dançarino”. Fora os conhecedores e entusiastas do sapateado, poucos conhecem o nome de Bubbles hoje.

Harker traça meticulosamente os pontos em que a discriminação racial limitou as oportunidades do showman nos circuitos de vaudeville e em Hollywood. Ainda assim, Bubbles estava perdidamente apaixonado pelo teatro. Nascido John William Sublett Jr. em Nashville no ano de 1903, ele recebeu seu nome artístico quando criança de um empresário de vaudeville cativado por sua natureza otimista. Aos 14 anos, ele se juntou a Buck. “A gente tinha cara de pobre”, disse Bubbles, “a gente falava como se não soubesse de nada e dançava como se não estivesse nem aí”.

Esse ar descontraído escondia o molho especial da dupla: maestria absoluta. “Com seu virtuosismo, Buck e Bubbles anunciaram uma nova era de conquistas negras”, escreve Harker.

No entanto, o legado de Bubbles certamente seria diferente se ele tivesse a carreira cinematográfica de, digamos, Fred Astaire ou Bill Robinson. Harker acredita que o racismo não é a única razão pela qual Bubbles não apareceu nos filmes. Com certeza, muitos vaudevillians deram um salto bem-sucedido para o cinema – Astaire, Ginger Rogers, George Burns, para citar alguns – e havia artistas negros entre eles. Robinson, Stepin Fetchit e Eddie Anderson “todos tiveram sucesso em Hollywood, apesar da cor de sua pele”, escreve Harker.

Então, por que não Bubbles? Harker apresenta um argumento interessante sobre o motivo pelo qual o dançarino foi barrado em Hollywood: ele era muito sexy. “Mais do que qualquer outra questão”, afirma Harker, “os cineastas quase certamente ficaram aterrorizados com a potência sexual de Bubbles”. Aquela cena de Stormy Weather tem um calor masculino que irradia de sua agilidade sinuosa. Ele era muito diferente de Robinson, que, por exemplo, fez dupla com uma jovem Shirley Temple em The Little Colonel, no papel de um criado respeitoso. Por outro lado, observa Harker, “sexy” é o termo com o qual a crítica de cinema Pauline Kael descreveu Bubbles.

Harker escreve: “Para Clark Gable, sex appeal foi a chave para o sucesso; para John Bubbles, foi fatal”. É espantoso que a indústria cinematográfica tenha optado por não capitalizar o talento e o magnetismo de Bubbles. As ironias e injustiças são claras. Harker abre seu livro com Fred Astaire pagando a Bubbles astronômicos US$ 400 por uma aula de sapateado em 1930.

Harker deixa claro que o próprio Astaire nunca falou sobre a aula. O relato vem de Bubbles, que contou a história em várias entrevistas publicadas. Harker acredita que é verdade, mas, mesmo que não seja, escreve ele, ilustra bem um fato. “O estilo complexo de Astaire (...) só poderia ocorrer dentro de um mundo informado pelas inovações de Bubbles. Seja aprendendo com o homem em pessoa ou o observando de longe, o resultado foi o mesmo: Astaire tomou de empréstimo algumas ideias de Bubbles. Todo mundo tomou”.

A influência, porém, não foi suficiente para garantir a imortalidade. O livro de Harker não é apenas uma história vivida, mas uma reflexão pungente sobre o que poderia ter sido: que arte Bubbles poderia ter feito se o mundo que o aplaudiu também não o tivesse encurralado.

Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic

John Harker

Oxford - 328 páginas - US $ 34.95

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Sarah L. Kaufman é crítica de dança do Washington Post e autora de The Art of Grace.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Há uma cena fascinante no filme  Stormy Weather, de 1943, que, embora breve, resume o brilho virtuoso do dançarino  John W. Bubbles. De acordo com a nova, penetrante e reveladora biografia,  Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic, a cena também ajuda a explicar por que esse pioneiro do sapateado é praticamente desconhecido nos dias de hoje.

Usando chapéu-coco e girando uma bengala, Bubbles, no papel de um assassino libertino chamado Domino Johnson, entra em um cabaré e desencadeia um ciclone de giros, passos flutuantes e paradas bruscas que são ao mesmo tempo estranhas e familiares. Os volteios precisos, o arremesso do chapéu, a maneira como ele de repente congela o andar com a cabeça baixa, um dos joelhos dobrado: é familiar porque você já viu esses mesmos movimentos em Bob FosseJames Brown e Michael Jackson.

Lenda do sapateado, BubblesBob Fosse, James Brown e Michael Jackson seguiram seus passos Foto: Youtube/reprodução

Mas é estranho por causa da clareza e a fluidez de Bubbles. Ele tem perfeito comando sobre seu corpo, um corpo que voa em direções diferentes e depois se volta tão rápido que você fica achando que é algum truque de filme. Aliás, ele também canta e flerta descaradamente com as senhoras nas mesas, provocando-as com leves movimentos de ombro. Ele emana glamour. A cena toda vibra com eletricidade e surpresa visual.

Sportin’ Life, de Brian Harker, autor de livros sobre Louis Armstrong e jazz, é a primeira história de vida deste artista da dança, um fato surpreendente dado seu renome. Por 36 anos, Bubbles fez parte da dupla de música e dança Buck and Bubbles, uma das parcerias mais duradouras da história do vaudeville. O duo foi destaque na primeira transmissão de televisão do mundo, em 1936. Eles foram recebidos em Londres pelo príncipe de Gales em pessoa, antes da abdicação, após uma apresentação para Edward e sua futura esposa Wallis Simpson.

Mesmo com os limites raciais da época, Bubbles era perfeito para as telas: alto, bonito, sorriso matador. Um showman extraordinário. Nos poucos clipes que existem, ele é um talento natural. No longa-metragem de 1937 Varsity Show, estrelado por Dick Powell e Priscilla Lane, Bubbles sapateia brilhantemente (interpretando um zelador), acompanhado por seu parceiro pianista Buck (Ford Lee Washington). Mas essa performance e a breve cena de Bubbles em Cabin in the Sky foi tudo o que Hollywood quis dele.

A indústria cinematográfica tinha um ponto cego (mais sobre isso em breve), mas George Gershwin não. Harker, que ensina história da música na Universidade Brigham Young, tira o título de seu livro do papel que Bubbles viveu na ópera de Gershwin ‘Porgy and Bess’, de 1935. Sportin’ Life era o vilão dessa produção histórica: um traficante de drogas perigoso e – fiel à natureza de Bubbles – irresistível. Gershwin lhe deu o papel, não foi preciso fazer audições. Ele o chamava de “meu Bubbles”.

Como Bubbles era um dançarino autodidata, não sabia ler partitura e não tinha experiência em ópera, Gershwin foi tutor de seu “protegido pouco convencional”, tocando piano no seu apartamento com Bubbles cantando ao seu lado. Foi uma experiência que mudou tudo. Para o resto de sua carreira, ‘It Ain’t Necessarily So’ foi a música tema não oficial de Bubbles.

Tinha muita coisa naqueles pés. Antes de Gershwin aparecer, Bubbles tinha feito seguro de seus tornozelos por US$ 50.000. Sua influência se espalhou por todo o mundo do sapateado. Enquanto Bill “Bojangles” Robinson era reverenciado por seu estilo leve e cristalino, Bubbles tinha um estilo mais poderoso, dinâmico e espontâneo. A maioria dos dançarinos da época dançava na ponta dos pés, mas Bubbles baixava os calcanhares, aumentando a complexidade rítmica. Os seguidores o apelidaram de “o pai do ritmo do sapateado”.

O sapateador e ator W. Bubbles como Sporting' Life na ópera 'Porgy and Bess', de Gershwin Foto: Youtube/reprodução

No entanto, Bubbles morreu pobre em 1986, aos 84 anos. Algumas celebridades compareceram ao seu funeral, entre eles Bob Hope, Liza Minnelli e Johnny Carson, em cujo programa de TV Bubbles era presença constante. Bubbles esteve na moda por alguns momentos enquanto a nostalgia varria as décadas de 1950 e 1960. Nos anos 80, surgiram rumores, observa Harker, “de que a estrela pop mais quente da época, Michael Jackson, batizara seu chimpanzé de estimação em homenagem ao grande dançarino”. Fora os conhecedores e entusiastas do sapateado, poucos conhecem o nome de Bubbles hoje.

Harker traça meticulosamente os pontos em que a discriminação racial limitou as oportunidades do showman nos circuitos de vaudeville e em Hollywood. Ainda assim, Bubbles estava perdidamente apaixonado pelo teatro. Nascido John William Sublett Jr. em Nashville no ano de 1903, ele recebeu seu nome artístico quando criança de um empresário de vaudeville cativado por sua natureza otimista. Aos 14 anos, ele se juntou a Buck. “A gente tinha cara de pobre”, disse Bubbles, “a gente falava como se não soubesse de nada e dançava como se não estivesse nem aí”.

Esse ar descontraído escondia o molho especial da dupla: maestria absoluta. “Com seu virtuosismo, Buck e Bubbles anunciaram uma nova era de conquistas negras”, escreve Harker.

No entanto, o legado de Bubbles certamente seria diferente se ele tivesse a carreira cinematográfica de, digamos, Fred Astaire ou Bill Robinson. Harker acredita que o racismo não é a única razão pela qual Bubbles não apareceu nos filmes. Com certeza, muitos vaudevillians deram um salto bem-sucedido para o cinema – Astaire, Ginger Rogers, George Burns, para citar alguns – e havia artistas negros entre eles. Robinson, Stepin Fetchit e Eddie Anderson “todos tiveram sucesso em Hollywood, apesar da cor de sua pele”, escreve Harker.

Então, por que não Bubbles? Harker apresenta um argumento interessante sobre o motivo pelo qual o dançarino foi barrado em Hollywood: ele era muito sexy. “Mais do que qualquer outra questão”, afirma Harker, “os cineastas quase certamente ficaram aterrorizados com a potência sexual de Bubbles”. Aquela cena de Stormy Weather tem um calor masculino que irradia de sua agilidade sinuosa. Ele era muito diferente de Robinson, que, por exemplo, fez dupla com uma jovem Shirley Temple em The Little Colonel, no papel de um criado respeitoso. Por outro lado, observa Harker, “sexy” é o termo com o qual a crítica de cinema Pauline Kael descreveu Bubbles.

Harker escreve: “Para Clark Gable, sex appeal foi a chave para o sucesso; para John Bubbles, foi fatal”. É espantoso que a indústria cinematográfica tenha optado por não capitalizar o talento e o magnetismo de Bubbles. As ironias e injustiças são claras. Harker abre seu livro com Fred Astaire pagando a Bubbles astronômicos US$ 400 por uma aula de sapateado em 1930.

Harker deixa claro que o próprio Astaire nunca falou sobre a aula. O relato vem de Bubbles, que contou a história em várias entrevistas publicadas. Harker acredita que é verdade, mas, mesmo que não seja, escreve ele, ilustra bem um fato. “O estilo complexo de Astaire (...) só poderia ocorrer dentro de um mundo informado pelas inovações de Bubbles. Seja aprendendo com o homem em pessoa ou o observando de longe, o resultado foi o mesmo: Astaire tomou de empréstimo algumas ideias de Bubbles. Todo mundo tomou”.

A influência, porém, não foi suficiente para garantir a imortalidade. O livro de Harker não é apenas uma história vivida, mas uma reflexão pungente sobre o que poderia ter sido: que arte Bubbles poderia ter feito se o mundo que o aplaudiu também não o tivesse encurralado.

Sportin’ Life: John W. Bubbles, an American Classic

John Harker

Oxford - 328 páginas - US $ 34.95

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Sarah L. Kaufman é crítica de dança do Washington Post e autora de The Art of Grace.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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