Conhecido como pai da psicanálise, Freud desenvolveu o método da hipnose para conseguir quebrar a barreira que impedia o acesso a conteúdos que estariam reprimidos em nosso cérebro. Fazendo isso, o pesquisador trazia à tona medos, frustrações e percepções de mundo que podiam ser vistas no que passamos a chamar de consciência. Bem, Freud nasceu na Áustria em 1856 e não posso imaginar o que ele diria sobre nosso estado mental em 2024. Não, não sou uma expert no assunto, mas fiz psicanálise por muitos anos e esta semana senti imensa vontade de voltar ao consultório para saber a opinião dos novos psicanalistas e talvez obter um alívio pessoal, acreditando que alguém está desenvolvendo um método eficaz como antídoto da hipnose.
Penso que talvez eles tenham descoberto que a barreira que impedia a abertura completa dos conteúdos vindos do subconsciente tenha sido escancarada demais, rompido de vez, nos fazendo perder, assim, a noção do que e de quando falar – e de quando calar. Existe um processo de compreensão humana do mundo que, na época de Freud, era o de ocultar sentimentos, sensações, opiniões – era o certo, o natural, o esperado. Isso claramente gerava angústias e doenças. Passados quase 200 anos, a tal compreensão de mundo se tornou oposta: devemos falar tudo, compulsivamente, colocando nossas opiniões mal elaboradas para fora assim que nascem e passam por nossos cérebros. Psicanálise? Hipnose? Não precisamos delas mais para falar, talvez para calar.
Uma senhora em Belo Horizonte fala abertamente em suas mídias sociais que é de direita e que, assim, esse “papa comunista” tem de parar de convidar pessoas que não deveria para acompanhar a missa no Vaticano. Uma outra, mais jovem, diz, também sem constrangimentos, que a Madonna não teve importância alguma para as mulheres e para a comunidade LGBT+ – e que não entende o motivo de o show em Copacabana ter gerado tanta comoção. Outra, ainda mais corajosa, fala o que pensa sobre jornalistas: todos de esquerda e coniventes com fake news.
Elas estão todas bem-vestidas; a imagem e a luz do vídeo são de excelência; são bonitas ou pelo menos têm uma aparência agradável; o tom da fala não demonstra raiva, mas uma certeza inabalável.
Não estão, pelo que percebo, hipnotizadas para assim não terem noção do quão leviano é o que falam. São absolutamente livres para invadir a liberdade dos outros. Geram o tal engajamento em suas mídias, com a certeza de que o mundo todo, pelo menos os que estão certos, pensa da mesma forma. Ganham seguidores das mesmas bolhas e se sentem líderes de algum movimento fictício que faria Dom Quixote corar.