O dia do perdão entrou na minha vida por intermédio do Fernando e de sua fé judaica. Em uma das datas mais importantes do calendário dos judeus, Deus julgou a humanidade e registrou a sentença no Livro da Vida. Mas ofereceu um período de reflexão de dez dias para o arrependimento e o perdão. Entre o Rosh Hashaná, o ano-novo, e o décimo dia, acontece o dia do perdão, ou Yom Kippur, e nesse dia o Livro da Vida, no qual Deus decide quem fica e quem vai, é fechado e selado até o próximo ano.
Bem, desde que escutei a história cheia de simbologias, a cada ano, passo dias (mais que dez, com certeza) tentando perdoar e ser perdoada. Sei que perdoar libera a nós mesmos do looping de pensamentos de tristeza e raiva e sei também que ser perdoado por nossos erros pode gerar um intenso alívio e paz. Mas, para mim, nunca é simples assim e cheguei à conclusão de que tudo seria muito mais fácil se perdoar e ser perdoado fossem uma troca.
Explico: temos enorme dificuldade em dar algo sem receber nada em troca. Perdoar e se saber perdoada funciona, é simples e alivia o ego, fim! Discussão entre mãe e filho, brigas de irmãos pequenos, tudo zerado. Mas teria pouco valor, como tudo que é fácil. E a sabedoria divina, querendo o esforço de nós humanos, arranjou um jeito mais complicado para testar nossas habilidades. Temos de perdoar quem nunca nos pediu ou pedirá perdão e seremos perdoados sem saber que fomos e nem por quem.
Bem, todo ano faço o exercício, afinal quero estar “inscrita no Livro da Vida”, e lembro de pessoas que me magoaram e misturo o perdão judaico com uma técnica havaiana de perdão chamada ho’oponopono, usando, assim, a semente do sincretismo religioso que todo brasileiro carrega de nascença e tentando expandir essa minha ainda pequena consciência.
Tenho de admitir, no entanto, que falho muitíssimo. Perdoo mais facilmente quem não vejo há anos. É mais difícil perdoar aquele que repete e me atormenta diariamente, mas com quem tenho de conviver. Perdoo facilmente a família e menos, bem menos, pessoas que me prejudicaram profissionalmente. Quando é para me perdoar, a coisa também dá um nó. Dizem que perdoar a si mesmo é fundamental. Eu concordo. Mas quando lembro de algumas coisas que já fiz, fico até com vergonha de achar que tenho esse direito. Este ano, preocupada com a tarefa anual que aconteceu há algumas semanas, mas querendo de alguma forma participar conscientemente do desafio, usei uma nova estratégia e resolvi pensar só na intenção. Ter a intenção sincera de perdoar, embora muitas vezes não consiga, foi a meta. Tentei focar a disposição real de me libertar das amarras da mágoa e achei que fui melhor, achei mais leve. Talvez seja um caminho para uma humana comum dar o passo para merecer estar por aqui.