Fogo por todos os lados, devastando e sufocando a natureza que rodeava Vanessa da Mata naquele mês de agosto de 2020, quando a cantora, compositora e escritora viajava de uma região acerca do Pantanal para o aeroporto de Curitiba. A cena que impactou o Brasil e o mundo foi vista há alguns metros por ela que, relembra, “parecia uma enorme língua.
Ficamos presos no meio da queimada, quase morremos também”. Além de ter a própria vida em perigo, o momento foi sentido especialmente pela artista, que, diferentemente de muitos, conhece profundamente a fauna e a flora pantaneira. Foi em uma pequena cidade nas redondezas, chamada Alto Garças, a 378 km de Cuiabá, no Mato Grosso, que Vanessa nasceu e passou grande parte da infância. “Nossa vizinha criava sucuri e eu, cateto (porco-do-mato).
Lobo-guará era nosso bichinho de estimação. Tínhamos muita intimidade com a floresta”, conta a mato-grossense com sorriso no rosto, desde sua casa, em São Paulo, em uma entrevista virtual com a revista. “A natureza pulava aos olhos por todos os lados. Brincávamos nos pântanos que rodeavam a casa da minha família.
”O período de isolamento social, aliás, teve essa conotação de retorno às raízes para a cantora, que passou quase o ano inteiro com a mãe na cidade onde nasceu, revivendo a região, seu verde e seu canto. Foi ali que escreveu os primeiros capítulos de seu segundo livro, ainda em produção, depois do sucesso de As filhas das Flores, romance de estreia da cantora lançado em 2013, e onde pegou firme no pincel e descobriu-se também artista plástica.
Se antes fazia apenas desenhos no papel, agora tais cenas ganharam telas com referências naïf, paisagens rupestres e mulheres que muito lembram a própria Vanessa, algumas talvez quando ela ainda morava na região do Araguaia e descobriu-se cantora, com apenas 6 anos. Na adolescência, decidiu vir para São Paulo para trabalhar como modelo. “Mas logo viram que eu só queria cantar”, conta Vanessa, mas sem negar a queda que tem até hoje pela moda. “A roupa conta muito da nossa história, do nosso momento de vida. Moda é expressão.”
Se a moda é expressão, no seu caso ela precisava vir junto com a voz para fazer sentido. E aos 21 anos, depois de muito papel e caneta, tudo aconteceu: conheceu Chico César e com ele compôs “A Força que Nunca Seca”, gravada por Maria Bethânia. O sucesso foi tanto que a música se tornou título do disco de Bethânia, catapultando a carreira de Vanessa como compositora. O restante é história, discos, sucesso e muitos shows, sempre mostrando voz, figurino e cenografia em perfeita harmonia.
A garra profissional se estende à vida pessoal. Durante uma visita a um abrigo para menores órfãos e em situação de vulnerabilidade, em Alto Araguaia, conheceu os irmãos Felipe, Micael e Bianca, então com 8, 6 e 5 anos respectivamente, que se tornaram seus filhos. “Me apaixonei por eles imediatamente. Nossa ideia não era adotar, mas foi mais forte que a gente”, relembra Vanessa quando ela e o ex-marido, o fotógrafo Gero Pestalozzi, viram as crianças no abrigo.
“De lá decidimos ir morar no Rio, que possui uma natureza exuberante assim como o Mato Grosso, com cachoeiras e muito verde. Achamos que seria importante essa proximidade com a referência que eles tinham de casa até então. Lembro-me da alegria deles ao chegarem lá e verem pombos pela primeira vez. Araras eles viam todos os dias, mas pombo? Era coisa de novela”, conta.
Mas poucos lugares no mundo são como a terra natal, ainda mais quando ela é a região pantaneira. “Lá vi os mais lindos pores do sol da vida. É um berço uterino fértil todo o tempo. Dizem que Steven Spielberg inspirou-se no Pantanal para fazer o filme Jurassic Park. Não sei que é verdade, mas faz sentido vai? Lá temos essa inusitada e impactante mistura de bichos de todos os tamanhos com uma vegetação inacreditável. Esse é nosso Brasil e temos que cuidar dele.”
Vanessa da Mata veste look Andrea Bogosian em colagem sobre a imagem de araras-azuis feita no Pantanal por João Farkas
Direção Criativa: Fhits Styling: Antônio Muller Beleza: Augusto Allencar