PARIS – Ao longo deste mês, várias vezes os desfiles mais pareciam cenas de filmes ou programas de televisão satíricos sobre moda: música ridícula e iluminação ruim, pessoas meio malucas empurrando pessoas ainda mais malucas para tirar a foto de alguém que se parecia com Kylie Jenner.
As marcas que você talvez adore, como a Schiaparelli, parecem estar seguindo o exemplo de todos os restaurantes que botam caviar e trufas em tudo. Extravagante, mas a que custo? O estilista Daniel Roseberry sempre se sentiu à vontade para ser sincero, com roupas tão grandes e sacarinas quanto um abraço do Mickey Mouse na Disney World, mas seus ternos de gola frouxa, vestidos de espartilho com caudas patetas e roliças e vestidos de coquetel enfeitados sem foco aparente foram uma traição ao humor que nos trouxe vestidos e ternos lindamente bizarros em temporadas anteriores.
O mesmo vale para a Balmain. O estilista Olivier Rousteing sempre andou na corda bamba entre o tão ruim que é bom e o simplesmente ruim. Sua decisão de fazer o desfile como um lançamento de sua linha de beleza foi cafona, sem dúvida, mas pode ser bom se você não tiver muitas restrições quanto a misturar comercialismo com, digamos, comercialismo elevado. As modelos vinham carregando frascos de perfume imensos, supostamente como bolsas. Mas os vestidos de lantejoulas estampados com (será?) o rosto de Jenner, os ternos de ombreiras e minissaias com tachas e botas de cunha pareciam ideias de alguém que aprendeu sobre moda assistindo a episódios de Project Runway de décadas atrás.
Roupas ruins podem ser boas se o designer realmente acreditar nelas. Às vezes, você vê isso com Rousteing, como na coleção de alta-costura dos anos 1950 que ele fez em março de 2023: era meio estranha, mas, mais importante, era profunda. E Roseberry costuma ser muito seguro de si, mesmo quando os resultados torcem os narizes, e desinteressado em agradar aos consumidores mais palhaços do mundo.
Outros designers, porém, conseguem elevar essa ideia de falta de gosto ao nível da arte. Dois dos melhores desfiles da semana foram sobre “roupas feias”. Veja, por exemplo, a Vaquera, marca americana produzida em parceria com a Dover Street Market, e a All-In, feita por dois fashionistas chamados Bror August Vestbø e Benjamin Barron e estilizada por Lotta Volkova, que primeiro aperfeiçoou as roupas de Demna na Vetements e na Balenciaga e, mais recentemente, ajudou a transformar a Miu Miu em sensação.
A Vaquera trabalhou principalmente numa linguagem chamada “fan fiction de moda”, na qual Bryn Taubensee e Patric DiCaprio criam roupas que brincam com os arquivos de outros estilistas, mas nesta temporada a autoridade de suas peças – usáveis e seguras de si, mesmo quando simplesmente malucas – consolidou-a como a confecção para quem é culturalmente experiente, meio brincalhão, mas sempre à frente do seu tempo.
A All-In enfrentou a luta cinematográfica da moda dos anos 1980, Uma Mulher de Sucesso, de Mike Nichols, que é essencialmente uma história sobre a arrivista da periferia que adora couro e tule e supera a imagem de bom gosto do sucesso yuppie. Roupas bregas eram desconstruídas e jogadas umas sobre as outras, e as modelos se exibiam como se fosse uma libertação.
O que torna essas marcas tão fantásticas é que elas pegam o que parece ser lixo e o trabalham e retrabalham até que vire algo realmente fabuloso. Nos dias de hoje, as conversas sobre cultura nos Estados Unidos estão hiperfixadas no gosto, seja o bom gosto descolado dos produtos da Apple, o design de interiores bege e as roupas de luxo discretas, ou o conceito mais fundamental de gosto como forma de combater a homogeneidade do algoritmo.
Vaquera e All-In não se importam com essas noções e, em vez disso, exploram o lixo para criar coisas que possam conversar com a alta costura e até mesmo fazer com que ela pareça tanto boba quanto séria. Adorei especialmente uma saia de couro plissada de cintura baixa, uma camisa masculina branca grande usada sob um vestido regata com babados creme e uma jaqueta bomber da Vaquera, e as botas e minivestidos brilhantes que pareciam estar se desfazendo de propósito da All-In. Repare bem, mesmo quando você descreve as roupas, elas soam como uma paródia de revista de moda. Mas são muito bonitas e, ao contrário de qualquer outra coisa desta temporada até agora, divertidas.
O desfile da McQueen foi um exercício de expansão da mentalidade das roupas feias. Seán McGirr tem mais em comum com Rousteing do que com a Vaquera ou a All-in, apesar de ter a idade mais próxima destes estilistas. Ele é inocente demais para ficar desagradável e nos fazer questionar nossas suposições. A coleção de estreia de McGirr, em março, foi uma das maiores decepções da temporada: mansa e ambivalente onde McQueen deveria ser impositiva na arte e na atitude. Na noite de sábado, as potências da moda estavam ansiosas para fazer uma nova tentativa.
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Os vestidos levemente desleixados (e não de propósito) de McGirr no final do desfile e os ternos masculinos encolhidos foram seus conceitos mais fortes. Mesmo que pareçam executados de forma barata, é possível ver a Geração Z, que a marca supostamente tem como alvo agora, usando esses looks, mesmo que pareçam uma interpretação da Zara sobre a essência de Lee McQueen. Os jovens de vinte e poucos anos, pelo menos nos Estados Unidos, não parecem tão preocupados em fazer referência ao material de origem quanto as gerações anteriores, e para eles tudo bem usar a versão diluída de outra coisa.
Mas a alfaiataria retorcida parecia um despropósito. Não dá para imaginar uma mulher parada em frente à prateleira na Nordstrom ou na Bergdorf, vendo esses ternos de cintura fina com aquelas lapelas esquisitas e dizendo: isso vai me ajudar em reuniões importantes e entrevistas de emprego estressantes. Parecem indolentes demais.
Sua última modelo, com um vestido encapuzado de tiras de strass, parecia muito triste andando descalça pela passarela enevoada, como um fantasma inspirado em Lady Gaga da era Monster. E, assim como na temporada passada, dá para ver que McGirr não tem o impulso (ou provavelmente a capacidade) para executar alfaiataria e costura no nível de sua antecessora, Sarah Burton, nem do designer homônimo de sua marca.
Mas parece que McGirr acha que seus vestidos e as calças masculinas de cintura baixa são boas ideias. Mesmo que outros não achem. No geral, seus designs ainda parecem muito inseguros. Quanto mais ele se permitir criar roupas que o impeçam de duvidar de si mesmo, melhor. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU