O fim de semana prometia trabalho e para ela isso era bom. Quando vestida do manto da profissional, ela se reconhecia, se gostava, entendia perfeitamente seu lugar, tinha treinado para esse papel há muitos anos e nele habitava confortavelmente.
E assim partiu com o marido, companheiro de jornada, tranquila, abraçando com segurança o que seria mais um desafio profissional. O tema dos dias seria sustentabilidade e atuar nesse campo profissionalmente era também uma meta há muito desejada.
CONTEMPLAÇÃO. Ao chegar à casa que os aguardava, a primeira surpresa: o local não poderia ser mais convidativo à contemplação. Uma praia deserta, uma cachoeira, um gramado e a impressão de que estava dentro de um filme da Disney, daqueles em que as cores intensas refletem a fantasia de que o Éden existe. Quatro casais imbuídos de propósito no tema proteção ambiental iriam compartilhar o espaço por alguns dias dentro de um paraíso que os faria lembrar minuto a minuto que a natureza preservada é possível.
A pele coberta da casca de capacitações e certezas técnicas durou apenas algumas horas antes de começar a se desfazer e confundi-la. Trabalhar com o tema natureza em salas de reuniões ou em videoconferências com o grupo tinha sido fácil, mas se deixar tocar pela força da primeira cachoeira em que colocou os pés arrancou qualquer possibilidade de distanciamento que sua identidade precisava para se manter em foco.
A confusão nasceu do contato profundo com o desconhecido. Ler, estudar, saber racionalmente era um lugar identificável e que a deixava na posição de controle. Viver, sentir e absorver a expunha e a empurrava para um espaço de vulnerabilidade. As duas personas, a profissional e a mulher, se misturaram e explodiram juntas em um choro libertador embaixo das águas da primeira cachoeira.
A profissional tentou recriminar a mulher, que acolheu o medo e a confusão. Saíram juntas e de mãos dadas, apoiando-se e sabendo que nesse fim de semana o tal manto profissional não a cobriria mais.