Moda de segunda mão vira negócio de primeira para empresários, consumidores e o planeta; entenda


Conheça exemplos de reaproveitamento fashion, com roupas recosturadas, compartilhadas ou revendidas. Peças clássicas ou novas são disputadas por clientes, geram lucros para donos de empresas e evitam impacto ambiental

Por Fellipe Leite
Atualização:

Estilistas que resgatam itens no final da cadeia produtiva e novos modos de consumo - como os bazares ou bibliotecas de roupas - são algumas das soluções sustentáveis que estão em alta na indústria da moda. O mercado, que é o segundo maior poluidor do planeta de acordo com pesquisa feita pela organização não governamental Global Fashion Agenda (GFA), tenta encontrar maneiras para que consumo e sustentabilidade coexistam.

Os desafios ainda são grandes. Segundo a GFA, 30% das peças de roupa fabricadas anualmente não são vendidas e acabam descartadas, outros 30% são comercializados com desconto para evitar maiores prejuízos. O ciclo de vida acelerado das coleções e a lógica de descarte após poucos usos incentiva a substituição rápida e causa uma perda de US$ 500 bilhões devido a subutilização e falta de reciclagem, aponta relatório da Ellen MacArthur Foundation.

Além dos prejuízos financeiros, o mercado fashion também é responsável por altas quantidades de lixo. Em 2015 (data da última medição feita pela GFA), a indústria da moda global produziu 92 milhões de toneladas de resíduos. A expectativa é que, até 2030, os detritos têxteis atinjam 148 milhões de toneladas anualmente.

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No entanto, mesmo dentro deste cenário de desperdício e poluição, há quem encontre maneiras de transformar lixo em obras de arte ou de proporcionar uma nova vida para peças que estavam à beira do descarte.

A colisão entre a moda e o meio ambiente é inegável, mas há uma rota secundária: o mercado de roupas de segunda mão deve movimentar US$ 211 bilhões no mundo em 2023, seguir crescendo três vezes mais rápido do que o resto da indústria da moda, e alcançar os US$ 351 bilhões em 2027, segundo o relatório mais recente sobre o mercado global de moda da companhia de marketplace ThredUP, divulgado em abril deste ano.

Do descarte para o corpo dos artistas

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Will Cypriano é o criador da marca de jeans Cypriano. O estilista costura à mão todas as peças de sua marca e usa como matéria prima jeans que seria jogado fora: “São peças que estão em estoque há muito tempo e não vão ser usadas, algumas vezes estão até destruídas. Muitos brechós também têm peças vintage danificadas. Eu uso essas calças para fazer a Cypriano”.

O designer conta que reaproveita partes que estão conservadas, como os bolsos, e que já conseguiu utilizar em suas criações calças tão velhas e desgastadas que estavam com textura parecida com a de “chiclete”, ou seja, o jeans esticava ao ser puxado.

A modelagem única da Cypriano - criada a partir da união de diversas peças e com a presença inúmeros bolsos - chamou atenção de famosos. A marca foi usada por artistas brasileiros em shows, capas de álbuns e ensaios fotográficos. Matuê, Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Anitta e João Guilherme são algumas das celebridades que vestiram peças criadas por Will.

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Marca usa jeans de refugo para produzir peças que atraem os artistas Foto: Cypriano

O estilista conta que começou a produzir suas roupas sem pensar no impacto ambiental que estava causando, mas, com o tempo, percebeu como contribuía. “São cinco calças jeans que constroem uma peça da Cypriano. Às vezes, estamos trabalhando e nem temos noção do que estamos fazendo”, ele afirma.

O jeans usa mais de 5 mil litros de água para ser feito e pode demorar até 400 anos para se decompor se for descartado em lixões. Vale ressaltar que, segundo a Global Fashion Agenda, 80% das roupas jogadas fora são encaminhadas para aterros sanitários ou são incineradas.

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Will reflete que práticas como as suas podem ajudar a reduzir o desperdício que é efetuado pela indústria da moda: “Se todos os retalhos criados na produção de jaquetas e camisetas fossem usados para criar uma nova peça, isso já ajudaria muito”.

A Global Fashion Agenda aponta que, atualmente, menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados, o que representa um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões anuais para o mercado fashion. O estilista aponta que a produção industrial de roupas não dá sinais de mudar a sua maneira de atuar: “O fast fashion precisa mudar. Existem maneiras, mas muitos não vão fazer devido ao modelo de negócio”.

Will enfatiza que trabalha em uma lógica diferente da indústria: “Eu construí a marca porque eu curto arte, minhas peças não são como uma roupa, mas como arte mesmo, um quadro etc…”. As calças feitas pelo artista são vendidas por valores entre R$ 1.300 e R$ 2.000 e não estão disponíveis em lojas.

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Para comprar uma Cypriano, o cliente precisa se esforçar. Quem tem interesse deve acompanhar o Instagram da marca e “batalhar” por uma das peças quando essa for disponibilizada. Os “drops” - posts que anunciam vendas - ocorrem a cada três ou quatro meses e atraem mais de 100 pessoas, mesmo contando com no máximo oito calças.

“Eu gosto de trabalhar em uma escassez de peças, porque é uma arte minha. É um negócio em que eu trabalho muito e gosto de preservar”, reflete Will Cypriano.

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A indústria da moda e o meio ambiente

Se a população mundial continuar a aumentar no nível previsto, o consumo geral de roupas deve saltar das atuais 62 milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas em 2030, segundo a GFA. Esse aumento vai fazer a indústria da moda gastar 50% mais de água (118 milhões de metros cúbicos) e 63% maior de energia (emitindo 2.791 milhões de toneladas de CO2).

Em outras palavras, se os padrões de consumo continuarem como estão, será necessário ter um planeta que produza mais matéria-prima, mais energia e seja capaz de receber mais lixo.

Existem modelos que visam justamente propor uma nova forma de consumir moda, menos agressiva e poluente. Mariane Salerno atua nessa área e busca uma conciliação entre a indústria fashion e o consumo sustentável. A empresaria é dona da Blimo, uma “biblioteca de moda”, na qual o cliente paga R$ 150 por mês e tem direito a um acervo com mais de 700 peças.

Atualmente, a Blimo tem 30 clientes fixas, ou seja, que estão usando o serviço de aluguel de guarda-roupa há mais de três meses. O negócio também possui clientes esporádicas, que permanecem por pouco tempo ou alugam peças para apenas uma ocasião. Antes da pandemia, quando a biblioteca de roupas ainda tinha um prédio físico, o número de assinantes ultrapassava o das centenas.

Ao contrário das tradicionais lojas de aluguel de roupas para festa, a proposta da Blimo é fornecer peças que possam ser usadas no dia a dia, no trabalho e que expandam o guarda-roupa de uma cliente. Mariane afirma que não quer fazer ninguém parar de comprar roupas, mas deseja que as pessoas consumam de forma mais sustentável.

A empresária comenta os critérios que utiliza para incorporar uma roupa à coleção da biblioteca: “As peças que têm que ter qualidade e durar, porque vão ser usadas nesse modelo coletivo”. Outra questão importante é o tamanho: “Tenho peças que são ajustadas para um corpo ou outro, mas as ideais são as versáteis, que com um cinto ou uma faixa se pode ajustar”.

A adição de novas roupas ao acervo é feita por meio de acordos com marcas e compras em showrooms, o que garante para a dona do negócio um preço menor do que seria praticado com o consumidor final. Mariane destaca que a incorporação é constante.

Sobre o modelo atual de compra e venda de roupas, a empresária aponta a possibilidade de uma coexistência com outros modos de consumo: “Não acho que um mercado substitua o outro, acho que deve haver uma conexão entre as maneiras de se produzir e vender roupas. As grandes marcas de fast fashion podem abrir espaço para modelos compartilhados, como a biblioteca”.

A Blimo é uma das últimas bibliotecas de roupas do País. Outros negócios do mesmo ramo sofreram com a pandemia e tiveram de fechar as portas. A própria Mariane agora só atua online. Para ter acesso às peças, a cliente deve entrar em contato pelo Instagram e escolher as roupas. Os itens serão entregues na casa do interessado por um motoboy e a higienização é feita pela Blimo após a devolução.

No modelo online, as entregas são feitas por motoboys na cidade de São Paulo e via Correio em outras localidades Foto: Blimo

Apesar das dificuldades que o negócio encontra no Brasil, Mariane se mantém otimista: “Eu acho que esse modelo é o futuro”. A empresária afirma que o compartilhamento de bens já ocorre e é uma questão de tempo até as roupas entrarem nesse mercado: “Se você vai a um hotel, não leva a sua roupa de cama, se você vai a um restaurante, você usa o talher que todos usa. São coisas que estão automatizadas em nossa vida e que têm o mesmo princípio”.

Moda com propósito

Dando outro significado ao modelo de bazar, a Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) procura evitar o descarte de peças na cidade de São Paulo e dá retorno social para a comunidade com o dinheiro que obtém no processo.

O Bazar Unibes conta com sete lojas físicas na capital paulista e recebe mais de 1 milhão de itens doados por ano. A instituição recolhe doações de roupas por toda a cidade usando uma frota de 12 caminhões e percorrendo mais de 800 km por mês com os veículos para buscar as peças nas casas dos doadores.

Segundo Denise Antão, presidente da Unibes, os itens recolhidos passam pela triagem de uma equipe especializada que realiza a análise e a separação dos produtos, as peças danificadas são encaminhadas para outras instituições de menor porte e são comercializadas por preços menores.

O Unibes Bazar vende peças de etiquetas populares por preços acessíveis, mas também possui roupas de marcas famosas, como Gucci, Dolce & Gabbana e Zara. Anualmente, as lojas da rede vendem cerca de 6 mil peças por ano e são responsáveis por 20% da receita da Unibes.

O dinheiro arrecadado com roupas ajuda a financiar outros projetos da Unibes, como cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, um centro de convivência para idosos, creches para crianças e a alimentação de todos esses grupos.

O bazar também conta com uma loja online que recebe mais de 260 mil clientes por ano. Com a expansão para o mercado digital, Denise espera ter retornos ainda maiores: “Entendemos que o Unibes Bazar poderá ganhar novos consumidores e os simpatizantes das práticas sustentáveis, que poderão comprar produtos acessíveis, estimulando o consumo consciente”.

Estilistas que resgatam itens no final da cadeia produtiva e novos modos de consumo - como os bazares ou bibliotecas de roupas - são algumas das soluções sustentáveis que estão em alta na indústria da moda. O mercado, que é o segundo maior poluidor do planeta de acordo com pesquisa feita pela organização não governamental Global Fashion Agenda (GFA), tenta encontrar maneiras para que consumo e sustentabilidade coexistam.

Os desafios ainda são grandes. Segundo a GFA, 30% das peças de roupa fabricadas anualmente não são vendidas e acabam descartadas, outros 30% são comercializados com desconto para evitar maiores prejuízos. O ciclo de vida acelerado das coleções e a lógica de descarte após poucos usos incentiva a substituição rápida e causa uma perda de US$ 500 bilhões devido a subutilização e falta de reciclagem, aponta relatório da Ellen MacArthur Foundation.

Além dos prejuízos financeiros, o mercado fashion também é responsável por altas quantidades de lixo. Em 2015 (data da última medição feita pela GFA), a indústria da moda global produziu 92 milhões de toneladas de resíduos. A expectativa é que, até 2030, os detritos têxteis atinjam 148 milhões de toneladas anualmente.

No entanto, mesmo dentro deste cenário de desperdício e poluição, há quem encontre maneiras de transformar lixo em obras de arte ou de proporcionar uma nova vida para peças que estavam à beira do descarte.

A colisão entre a moda e o meio ambiente é inegável, mas há uma rota secundária: o mercado de roupas de segunda mão deve movimentar US$ 211 bilhões no mundo em 2023, seguir crescendo três vezes mais rápido do que o resto da indústria da moda, e alcançar os US$ 351 bilhões em 2027, segundo o relatório mais recente sobre o mercado global de moda da companhia de marketplace ThredUP, divulgado em abril deste ano.

Do descarte para o corpo dos artistas

Will Cypriano é o criador da marca de jeans Cypriano. O estilista costura à mão todas as peças de sua marca e usa como matéria prima jeans que seria jogado fora: “São peças que estão em estoque há muito tempo e não vão ser usadas, algumas vezes estão até destruídas. Muitos brechós também têm peças vintage danificadas. Eu uso essas calças para fazer a Cypriano”.

O designer conta que reaproveita partes que estão conservadas, como os bolsos, e que já conseguiu utilizar em suas criações calças tão velhas e desgastadas que estavam com textura parecida com a de “chiclete”, ou seja, o jeans esticava ao ser puxado.

A modelagem única da Cypriano - criada a partir da união de diversas peças e com a presença inúmeros bolsos - chamou atenção de famosos. A marca foi usada por artistas brasileiros em shows, capas de álbuns e ensaios fotográficos. Matuê, Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Anitta e João Guilherme são algumas das celebridades que vestiram peças criadas por Will.

Marca usa jeans de refugo para produzir peças que atraem os artistas Foto: Cypriano

O estilista conta que começou a produzir suas roupas sem pensar no impacto ambiental que estava causando, mas, com o tempo, percebeu como contribuía. “São cinco calças jeans que constroem uma peça da Cypriano. Às vezes, estamos trabalhando e nem temos noção do que estamos fazendo”, ele afirma.

O jeans usa mais de 5 mil litros de água para ser feito e pode demorar até 400 anos para se decompor se for descartado em lixões. Vale ressaltar que, segundo a Global Fashion Agenda, 80% das roupas jogadas fora são encaminhadas para aterros sanitários ou são incineradas.

Will reflete que práticas como as suas podem ajudar a reduzir o desperdício que é efetuado pela indústria da moda: “Se todos os retalhos criados na produção de jaquetas e camisetas fossem usados para criar uma nova peça, isso já ajudaria muito”.

A Global Fashion Agenda aponta que, atualmente, menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados, o que representa um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões anuais para o mercado fashion. O estilista aponta que a produção industrial de roupas não dá sinais de mudar a sua maneira de atuar: “O fast fashion precisa mudar. Existem maneiras, mas muitos não vão fazer devido ao modelo de negócio”.

Will enfatiza que trabalha em uma lógica diferente da indústria: “Eu construí a marca porque eu curto arte, minhas peças não são como uma roupa, mas como arte mesmo, um quadro etc…”. As calças feitas pelo artista são vendidas por valores entre R$ 1.300 e R$ 2.000 e não estão disponíveis em lojas.

Para comprar uma Cypriano, o cliente precisa se esforçar. Quem tem interesse deve acompanhar o Instagram da marca e “batalhar” por uma das peças quando essa for disponibilizada. Os “drops” - posts que anunciam vendas - ocorrem a cada três ou quatro meses e atraem mais de 100 pessoas, mesmo contando com no máximo oito calças.

“Eu gosto de trabalhar em uma escassez de peças, porque é uma arte minha. É um negócio em que eu trabalho muito e gosto de preservar”, reflete Will Cypriano.

A indústria da moda e o meio ambiente

Se a população mundial continuar a aumentar no nível previsto, o consumo geral de roupas deve saltar das atuais 62 milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas em 2030, segundo a GFA. Esse aumento vai fazer a indústria da moda gastar 50% mais de água (118 milhões de metros cúbicos) e 63% maior de energia (emitindo 2.791 milhões de toneladas de CO2).

Em outras palavras, se os padrões de consumo continuarem como estão, será necessário ter um planeta que produza mais matéria-prima, mais energia e seja capaz de receber mais lixo.

Existem modelos que visam justamente propor uma nova forma de consumir moda, menos agressiva e poluente. Mariane Salerno atua nessa área e busca uma conciliação entre a indústria fashion e o consumo sustentável. A empresaria é dona da Blimo, uma “biblioteca de moda”, na qual o cliente paga R$ 150 por mês e tem direito a um acervo com mais de 700 peças.

Atualmente, a Blimo tem 30 clientes fixas, ou seja, que estão usando o serviço de aluguel de guarda-roupa há mais de três meses. O negócio também possui clientes esporádicas, que permanecem por pouco tempo ou alugam peças para apenas uma ocasião. Antes da pandemia, quando a biblioteca de roupas ainda tinha um prédio físico, o número de assinantes ultrapassava o das centenas.

Ao contrário das tradicionais lojas de aluguel de roupas para festa, a proposta da Blimo é fornecer peças que possam ser usadas no dia a dia, no trabalho e que expandam o guarda-roupa de uma cliente. Mariane afirma que não quer fazer ninguém parar de comprar roupas, mas deseja que as pessoas consumam de forma mais sustentável.

A empresária comenta os critérios que utiliza para incorporar uma roupa à coleção da biblioteca: “As peças que têm que ter qualidade e durar, porque vão ser usadas nesse modelo coletivo”. Outra questão importante é o tamanho: “Tenho peças que são ajustadas para um corpo ou outro, mas as ideais são as versáteis, que com um cinto ou uma faixa se pode ajustar”.

A adição de novas roupas ao acervo é feita por meio de acordos com marcas e compras em showrooms, o que garante para a dona do negócio um preço menor do que seria praticado com o consumidor final. Mariane destaca que a incorporação é constante.

Sobre o modelo atual de compra e venda de roupas, a empresária aponta a possibilidade de uma coexistência com outros modos de consumo: “Não acho que um mercado substitua o outro, acho que deve haver uma conexão entre as maneiras de se produzir e vender roupas. As grandes marcas de fast fashion podem abrir espaço para modelos compartilhados, como a biblioteca”.

A Blimo é uma das últimas bibliotecas de roupas do País. Outros negócios do mesmo ramo sofreram com a pandemia e tiveram de fechar as portas. A própria Mariane agora só atua online. Para ter acesso às peças, a cliente deve entrar em contato pelo Instagram e escolher as roupas. Os itens serão entregues na casa do interessado por um motoboy e a higienização é feita pela Blimo após a devolução.

No modelo online, as entregas são feitas por motoboys na cidade de São Paulo e via Correio em outras localidades Foto: Blimo

Apesar das dificuldades que o negócio encontra no Brasil, Mariane se mantém otimista: “Eu acho que esse modelo é o futuro”. A empresária afirma que o compartilhamento de bens já ocorre e é uma questão de tempo até as roupas entrarem nesse mercado: “Se você vai a um hotel, não leva a sua roupa de cama, se você vai a um restaurante, você usa o talher que todos usa. São coisas que estão automatizadas em nossa vida e que têm o mesmo princípio”.

Moda com propósito

Dando outro significado ao modelo de bazar, a Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) procura evitar o descarte de peças na cidade de São Paulo e dá retorno social para a comunidade com o dinheiro que obtém no processo.

O Bazar Unibes conta com sete lojas físicas na capital paulista e recebe mais de 1 milhão de itens doados por ano. A instituição recolhe doações de roupas por toda a cidade usando uma frota de 12 caminhões e percorrendo mais de 800 km por mês com os veículos para buscar as peças nas casas dos doadores.

Segundo Denise Antão, presidente da Unibes, os itens recolhidos passam pela triagem de uma equipe especializada que realiza a análise e a separação dos produtos, as peças danificadas são encaminhadas para outras instituições de menor porte e são comercializadas por preços menores.

O Unibes Bazar vende peças de etiquetas populares por preços acessíveis, mas também possui roupas de marcas famosas, como Gucci, Dolce & Gabbana e Zara. Anualmente, as lojas da rede vendem cerca de 6 mil peças por ano e são responsáveis por 20% da receita da Unibes.

O dinheiro arrecadado com roupas ajuda a financiar outros projetos da Unibes, como cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, um centro de convivência para idosos, creches para crianças e a alimentação de todos esses grupos.

O bazar também conta com uma loja online que recebe mais de 260 mil clientes por ano. Com a expansão para o mercado digital, Denise espera ter retornos ainda maiores: “Entendemos que o Unibes Bazar poderá ganhar novos consumidores e os simpatizantes das práticas sustentáveis, que poderão comprar produtos acessíveis, estimulando o consumo consciente”.

Estilistas que resgatam itens no final da cadeia produtiva e novos modos de consumo - como os bazares ou bibliotecas de roupas - são algumas das soluções sustentáveis que estão em alta na indústria da moda. O mercado, que é o segundo maior poluidor do planeta de acordo com pesquisa feita pela organização não governamental Global Fashion Agenda (GFA), tenta encontrar maneiras para que consumo e sustentabilidade coexistam.

Os desafios ainda são grandes. Segundo a GFA, 30% das peças de roupa fabricadas anualmente não são vendidas e acabam descartadas, outros 30% são comercializados com desconto para evitar maiores prejuízos. O ciclo de vida acelerado das coleções e a lógica de descarte após poucos usos incentiva a substituição rápida e causa uma perda de US$ 500 bilhões devido a subutilização e falta de reciclagem, aponta relatório da Ellen MacArthur Foundation.

Além dos prejuízos financeiros, o mercado fashion também é responsável por altas quantidades de lixo. Em 2015 (data da última medição feita pela GFA), a indústria da moda global produziu 92 milhões de toneladas de resíduos. A expectativa é que, até 2030, os detritos têxteis atinjam 148 milhões de toneladas anualmente.

No entanto, mesmo dentro deste cenário de desperdício e poluição, há quem encontre maneiras de transformar lixo em obras de arte ou de proporcionar uma nova vida para peças que estavam à beira do descarte.

A colisão entre a moda e o meio ambiente é inegável, mas há uma rota secundária: o mercado de roupas de segunda mão deve movimentar US$ 211 bilhões no mundo em 2023, seguir crescendo três vezes mais rápido do que o resto da indústria da moda, e alcançar os US$ 351 bilhões em 2027, segundo o relatório mais recente sobre o mercado global de moda da companhia de marketplace ThredUP, divulgado em abril deste ano.

Do descarte para o corpo dos artistas

Will Cypriano é o criador da marca de jeans Cypriano. O estilista costura à mão todas as peças de sua marca e usa como matéria prima jeans que seria jogado fora: “São peças que estão em estoque há muito tempo e não vão ser usadas, algumas vezes estão até destruídas. Muitos brechós também têm peças vintage danificadas. Eu uso essas calças para fazer a Cypriano”.

O designer conta que reaproveita partes que estão conservadas, como os bolsos, e que já conseguiu utilizar em suas criações calças tão velhas e desgastadas que estavam com textura parecida com a de “chiclete”, ou seja, o jeans esticava ao ser puxado.

A modelagem única da Cypriano - criada a partir da união de diversas peças e com a presença inúmeros bolsos - chamou atenção de famosos. A marca foi usada por artistas brasileiros em shows, capas de álbuns e ensaios fotográficos. Matuê, Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Anitta e João Guilherme são algumas das celebridades que vestiram peças criadas por Will.

Marca usa jeans de refugo para produzir peças que atraem os artistas Foto: Cypriano

O estilista conta que começou a produzir suas roupas sem pensar no impacto ambiental que estava causando, mas, com o tempo, percebeu como contribuía. “São cinco calças jeans que constroem uma peça da Cypriano. Às vezes, estamos trabalhando e nem temos noção do que estamos fazendo”, ele afirma.

O jeans usa mais de 5 mil litros de água para ser feito e pode demorar até 400 anos para se decompor se for descartado em lixões. Vale ressaltar que, segundo a Global Fashion Agenda, 80% das roupas jogadas fora são encaminhadas para aterros sanitários ou são incineradas.

Will reflete que práticas como as suas podem ajudar a reduzir o desperdício que é efetuado pela indústria da moda: “Se todos os retalhos criados na produção de jaquetas e camisetas fossem usados para criar uma nova peça, isso já ajudaria muito”.

A Global Fashion Agenda aponta que, atualmente, menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados, o que representa um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões anuais para o mercado fashion. O estilista aponta que a produção industrial de roupas não dá sinais de mudar a sua maneira de atuar: “O fast fashion precisa mudar. Existem maneiras, mas muitos não vão fazer devido ao modelo de negócio”.

Will enfatiza que trabalha em uma lógica diferente da indústria: “Eu construí a marca porque eu curto arte, minhas peças não são como uma roupa, mas como arte mesmo, um quadro etc…”. As calças feitas pelo artista são vendidas por valores entre R$ 1.300 e R$ 2.000 e não estão disponíveis em lojas.

Para comprar uma Cypriano, o cliente precisa se esforçar. Quem tem interesse deve acompanhar o Instagram da marca e “batalhar” por uma das peças quando essa for disponibilizada. Os “drops” - posts que anunciam vendas - ocorrem a cada três ou quatro meses e atraem mais de 100 pessoas, mesmo contando com no máximo oito calças.

“Eu gosto de trabalhar em uma escassez de peças, porque é uma arte minha. É um negócio em que eu trabalho muito e gosto de preservar”, reflete Will Cypriano.

A indústria da moda e o meio ambiente

Se a população mundial continuar a aumentar no nível previsto, o consumo geral de roupas deve saltar das atuais 62 milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas em 2030, segundo a GFA. Esse aumento vai fazer a indústria da moda gastar 50% mais de água (118 milhões de metros cúbicos) e 63% maior de energia (emitindo 2.791 milhões de toneladas de CO2).

Em outras palavras, se os padrões de consumo continuarem como estão, será necessário ter um planeta que produza mais matéria-prima, mais energia e seja capaz de receber mais lixo.

Existem modelos que visam justamente propor uma nova forma de consumir moda, menos agressiva e poluente. Mariane Salerno atua nessa área e busca uma conciliação entre a indústria fashion e o consumo sustentável. A empresaria é dona da Blimo, uma “biblioteca de moda”, na qual o cliente paga R$ 150 por mês e tem direito a um acervo com mais de 700 peças.

Atualmente, a Blimo tem 30 clientes fixas, ou seja, que estão usando o serviço de aluguel de guarda-roupa há mais de três meses. O negócio também possui clientes esporádicas, que permanecem por pouco tempo ou alugam peças para apenas uma ocasião. Antes da pandemia, quando a biblioteca de roupas ainda tinha um prédio físico, o número de assinantes ultrapassava o das centenas.

Ao contrário das tradicionais lojas de aluguel de roupas para festa, a proposta da Blimo é fornecer peças que possam ser usadas no dia a dia, no trabalho e que expandam o guarda-roupa de uma cliente. Mariane afirma que não quer fazer ninguém parar de comprar roupas, mas deseja que as pessoas consumam de forma mais sustentável.

A empresária comenta os critérios que utiliza para incorporar uma roupa à coleção da biblioteca: “As peças que têm que ter qualidade e durar, porque vão ser usadas nesse modelo coletivo”. Outra questão importante é o tamanho: “Tenho peças que são ajustadas para um corpo ou outro, mas as ideais são as versáteis, que com um cinto ou uma faixa se pode ajustar”.

A adição de novas roupas ao acervo é feita por meio de acordos com marcas e compras em showrooms, o que garante para a dona do negócio um preço menor do que seria praticado com o consumidor final. Mariane destaca que a incorporação é constante.

Sobre o modelo atual de compra e venda de roupas, a empresária aponta a possibilidade de uma coexistência com outros modos de consumo: “Não acho que um mercado substitua o outro, acho que deve haver uma conexão entre as maneiras de se produzir e vender roupas. As grandes marcas de fast fashion podem abrir espaço para modelos compartilhados, como a biblioteca”.

A Blimo é uma das últimas bibliotecas de roupas do País. Outros negócios do mesmo ramo sofreram com a pandemia e tiveram de fechar as portas. A própria Mariane agora só atua online. Para ter acesso às peças, a cliente deve entrar em contato pelo Instagram e escolher as roupas. Os itens serão entregues na casa do interessado por um motoboy e a higienização é feita pela Blimo após a devolução.

No modelo online, as entregas são feitas por motoboys na cidade de São Paulo e via Correio em outras localidades Foto: Blimo

Apesar das dificuldades que o negócio encontra no Brasil, Mariane se mantém otimista: “Eu acho que esse modelo é o futuro”. A empresária afirma que o compartilhamento de bens já ocorre e é uma questão de tempo até as roupas entrarem nesse mercado: “Se você vai a um hotel, não leva a sua roupa de cama, se você vai a um restaurante, você usa o talher que todos usa. São coisas que estão automatizadas em nossa vida e que têm o mesmo princípio”.

Moda com propósito

Dando outro significado ao modelo de bazar, a Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) procura evitar o descarte de peças na cidade de São Paulo e dá retorno social para a comunidade com o dinheiro que obtém no processo.

O Bazar Unibes conta com sete lojas físicas na capital paulista e recebe mais de 1 milhão de itens doados por ano. A instituição recolhe doações de roupas por toda a cidade usando uma frota de 12 caminhões e percorrendo mais de 800 km por mês com os veículos para buscar as peças nas casas dos doadores.

Segundo Denise Antão, presidente da Unibes, os itens recolhidos passam pela triagem de uma equipe especializada que realiza a análise e a separação dos produtos, as peças danificadas são encaminhadas para outras instituições de menor porte e são comercializadas por preços menores.

O Unibes Bazar vende peças de etiquetas populares por preços acessíveis, mas também possui roupas de marcas famosas, como Gucci, Dolce & Gabbana e Zara. Anualmente, as lojas da rede vendem cerca de 6 mil peças por ano e são responsáveis por 20% da receita da Unibes.

O dinheiro arrecadado com roupas ajuda a financiar outros projetos da Unibes, como cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, um centro de convivência para idosos, creches para crianças e a alimentação de todos esses grupos.

O bazar também conta com uma loja online que recebe mais de 260 mil clientes por ano. Com a expansão para o mercado digital, Denise espera ter retornos ainda maiores: “Entendemos que o Unibes Bazar poderá ganhar novos consumidores e os simpatizantes das práticas sustentáveis, que poderão comprar produtos acessíveis, estimulando o consumo consciente”.

Estilistas que resgatam itens no final da cadeia produtiva e novos modos de consumo - como os bazares ou bibliotecas de roupas - são algumas das soluções sustentáveis que estão em alta na indústria da moda. O mercado, que é o segundo maior poluidor do planeta de acordo com pesquisa feita pela organização não governamental Global Fashion Agenda (GFA), tenta encontrar maneiras para que consumo e sustentabilidade coexistam.

Os desafios ainda são grandes. Segundo a GFA, 30% das peças de roupa fabricadas anualmente não são vendidas e acabam descartadas, outros 30% são comercializados com desconto para evitar maiores prejuízos. O ciclo de vida acelerado das coleções e a lógica de descarte após poucos usos incentiva a substituição rápida e causa uma perda de US$ 500 bilhões devido a subutilização e falta de reciclagem, aponta relatório da Ellen MacArthur Foundation.

Além dos prejuízos financeiros, o mercado fashion também é responsável por altas quantidades de lixo. Em 2015 (data da última medição feita pela GFA), a indústria da moda global produziu 92 milhões de toneladas de resíduos. A expectativa é que, até 2030, os detritos têxteis atinjam 148 milhões de toneladas anualmente.

No entanto, mesmo dentro deste cenário de desperdício e poluição, há quem encontre maneiras de transformar lixo em obras de arte ou de proporcionar uma nova vida para peças que estavam à beira do descarte.

A colisão entre a moda e o meio ambiente é inegável, mas há uma rota secundária: o mercado de roupas de segunda mão deve movimentar US$ 211 bilhões no mundo em 2023, seguir crescendo três vezes mais rápido do que o resto da indústria da moda, e alcançar os US$ 351 bilhões em 2027, segundo o relatório mais recente sobre o mercado global de moda da companhia de marketplace ThredUP, divulgado em abril deste ano.

Do descarte para o corpo dos artistas

Will Cypriano é o criador da marca de jeans Cypriano. O estilista costura à mão todas as peças de sua marca e usa como matéria prima jeans que seria jogado fora: “São peças que estão em estoque há muito tempo e não vão ser usadas, algumas vezes estão até destruídas. Muitos brechós também têm peças vintage danificadas. Eu uso essas calças para fazer a Cypriano”.

O designer conta que reaproveita partes que estão conservadas, como os bolsos, e que já conseguiu utilizar em suas criações calças tão velhas e desgastadas que estavam com textura parecida com a de “chiclete”, ou seja, o jeans esticava ao ser puxado.

A modelagem única da Cypriano - criada a partir da união de diversas peças e com a presença inúmeros bolsos - chamou atenção de famosos. A marca foi usada por artistas brasileiros em shows, capas de álbuns e ensaios fotográficos. Matuê, Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Anitta e João Guilherme são algumas das celebridades que vestiram peças criadas por Will.

Marca usa jeans de refugo para produzir peças que atraem os artistas Foto: Cypriano

O estilista conta que começou a produzir suas roupas sem pensar no impacto ambiental que estava causando, mas, com o tempo, percebeu como contribuía. “São cinco calças jeans que constroem uma peça da Cypriano. Às vezes, estamos trabalhando e nem temos noção do que estamos fazendo”, ele afirma.

O jeans usa mais de 5 mil litros de água para ser feito e pode demorar até 400 anos para se decompor se for descartado em lixões. Vale ressaltar que, segundo a Global Fashion Agenda, 80% das roupas jogadas fora são encaminhadas para aterros sanitários ou são incineradas.

Will reflete que práticas como as suas podem ajudar a reduzir o desperdício que é efetuado pela indústria da moda: “Se todos os retalhos criados na produção de jaquetas e camisetas fossem usados para criar uma nova peça, isso já ajudaria muito”.

A Global Fashion Agenda aponta que, atualmente, menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados, o que representa um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões anuais para o mercado fashion. O estilista aponta que a produção industrial de roupas não dá sinais de mudar a sua maneira de atuar: “O fast fashion precisa mudar. Existem maneiras, mas muitos não vão fazer devido ao modelo de negócio”.

Will enfatiza que trabalha em uma lógica diferente da indústria: “Eu construí a marca porque eu curto arte, minhas peças não são como uma roupa, mas como arte mesmo, um quadro etc…”. As calças feitas pelo artista são vendidas por valores entre R$ 1.300 e R$ 2.000 e não estão disponíveis em lojas.

Para comprar uma Cypriano, o cliente precisa se esforçar. Quem tem interesse deve acompanhar o Instagram da marca e “batalhar” por uma das peças quando essa for disponibilizada. Os “drops” - posts que anunciam vendas - ocorrem a cada três ou quatro meses e atraem mais de 100 pessoas, mesmo contando com no máximo oito calças.

“Eu gosto de trabalhar em uma escassez de peças, porque é uma arte minha. É um negócio em que eu trabalho muito e gosto de preservar”, reflete Will Cypriano.

A indústria da moda e o meio ambiente

Se a população mundial continuar a aumentar no nível previsto, o consumo geral de roupas deve saltar das atuais 62 milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas em 2030, segundo a GFA. Esse aumento vai fazer a indústria da moda gastar 50% mais de água (118 milhões de metros cúbicos) e 63% maior de energia (emitindo 2.791 milhões de toneladas de CO2).

Em outras palavras, se os padrões de consumo continuarem como estão, será necessário ter um planeta que produza mais matéria-prima, mais energia e seja capaz de receber mais lixo.

Existem modelos que visam justamente propor uma nova forma de consumir moda, menos agressiva e poluente. Mariane Salerno atua nessa área e busca uma conciliação entre a indústria fashion e o consumo sustentável. A empresaria é dona da Blimo, uma “biblioteca de moda”, na qual o cliente paga R$ 150 por mês e tem direito a um acervo com mais de 700 peças.

Atualmente, a Blimo tem 30 clientes fixas, ou seja, que estão usando o serviço de aluguel de guarda-roupa há mais de três meses. O negócio também possui clientes esporádicas, que permanecem por pouco tempo ou alugam peças para apenas uma ocasião. Antes da pandemia, quando a biblioteca de roupas ainda tinha um prédio físico, o número de assinantes ultrapassava o das centenas.

Ao contrário das tradicionais lojas de aluguel de roupas para festa, a proposta da Blimo é fornecer peças que possam ser usadas no dia a dia, no trabalho e que expandam o guarda-roupa de uma cliente. Mariane afirma que não quer fazer ninguém parar de comprar roupas, mas deseja que as pessoas consumam de forma mais sustentável.

A empresária comenta os critérios que utiliza para incorporar uma roupa à coleção da biblioteca: “As peças que têm que ter qualidade e durar, porque vão ser usadas nesse modelo coletivo”. Outra questão importante é o tamanho: “Tenho peças que são ajustadas para um corpo ou outro, mas as ideais são as versáteis, que com um cinto ou uma faixa se pode ajustar”.

A adição de novas roupas ao acervo é feita por meio de acordos com marcas e compras em showrooms, o que garante para a dona do negócio um preço menor do que seria praticado com o consumidor final. Mariane destaca que a incorporação é constante.

Sobre o modelo atual de compra e venda de roupas, a empresária aponta a possibilidade de uma coexistência com outros modos de consumo: “Não acho que um mercado substitua o outro, acho que deve haver uma conexão entre as maneiras de se produzir e vender roupas. As grandes marcas de fast fashion podem abrir espaço para modelos compartilhados, como a biblioteca”.

A Blimo é uma das últimas bibliotecas de roupas do País. Outros negócios do mesmo ramo sofreram com a pandemia e tiveram de fechar as portas. A própria Mariane agora só atua online. Para ter acesso às peças, a cliente deve entrar em contato pelo Instagram e escolher as roupas. Os itens serão entregues na casa do interessado por um motoboy e a higienização é feita pela Blimo após a devolução.

No modelo online, as entregas são feitas por motoboys na cidade de São Paulo e via Correio em outras localidades Foto: Blimo

Apesar das dificuldades que o negócio encontra no Brasil, Mariane se mantém otimista: “Eu acho que esse modelo é o futuro”. A empresária afirma que o compartilhamento de bens já ocorre e é uma questão de tempo até as roupas entrarem nesse mercado: “Se você vai a um hotel, não leva a sua roupa de cama, se você vai a um restaurante, você usa o talher que todos usa. São coisas que estão automatizadas em nossa vida e que têm o mesmo princípio”.

Moda com propósito

Dando outro significado ao modelo de bazar, a Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) procura evitar o descarte de peças na cidade de São Paulo e dá retorno social para a comunidade com o dinheiro que obtém no processo.

O Bazar Unibes conta com sete lojas físicas na capital paulista e recebe mais de 1 milhão de itens doados por ano. A instituição recolhe doações de roupas por toda a cidade usando uma frota de 12 caminhões e percorrendo mais de 800 km por mês com os veículos para buscar as peças nas casas dos doadores.

Segundo Denise Antão, presidente da Unibes, os itens recolhidos passam pela triagem de uma equipe especializada que realiza a análise e a separação dos produtos, as peças danificadas são encaminhadas para outras instituições de menor porte e são comercializadas por preços menores.

O Unibes Bazar vende peças de etiquetas populares por preços acessíveis, mas também possui roupas de marcas famosas, como Gucci, Dolce & Gabbana e Zara. Anualmente, as lojas da rede vendem cerca de 6 mil peças por ano e são responsáveis por 20% da receita da Unibes.

O dinheiro arrecadado com roupas ajuda a financiar outros projetos da Unibes, como cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, um centro de convivência para idosos, creches para crianças e a alimentação de todos esses grupos.

O bazar também conta com uma loja online que recebe mais de 260 mil clientes por ano. Com a expansão para o mercado digital, Denise espera ter retornos ainda maiores: “Entendemos que o Unibes Bazar poderá ganhar novos consumidores e os simpatizantes das práticas sustentáveis, que poderão comprar produtos acessíveis, estimulando o consumo consciente”.

Estilistas que resgatam itens no final da cadeia produtiva e novos modos de consumo - como os bazares ou bibliotecas de roupas - são algumas das soluções sustentáveis que estão em alta na indústria da moda. O mercado, que é o segundo maior poluidor do planeta de acordo com pesquisa feita pela organização não governamental Global Fashion Agenda (GFA), tenta encontrar maneiras para que consumo e sustentabilidade coexistam.

Os desafios ainda são grandes. Segundo a GFA, 30% das peças de roupa fabricadas anualmente não são vendidas e acabam descartadas, outros 30% são comercializados com desconto para evitar maiores prejuízos. O ciclo de vida acelerado das coleções e a lógica de descarte após poucos usos incentiva a substituição rápida e causa uma perda de US$ 500 bilhões devido a subutilização e falta de reciclagem, aponta relatório da Ellen MacArthur Foundation.

Além dos prejuízos financeiros, o mercado fashion também é responsável por altas quantidades de lixo. Em 2015 (data da última medição feita pela GFA), a indústria da moda global produziu 92 milhões de toneladas de resíduos. A expectativa é que, até 2030, os detritos têxteis atinjam 148 milhões de toneladas anualmente.

No entanto, mesmo dentro deste cenário de desperdício e poluição, há quem encontre maneiras de transformar lixo em obras de arte ou de proporcionar uma nova vida para peças que estavam à beira do descarte.

A colisão entre a moda e o meio ambiente é inegável, mas há uma rota secundária: o mercado de roupas de segunda mão deve movimentar US$ 211 bilhões no mundo em 2023, seguir crescendo três vezes mais rápido do que o resto da indústria da moda, e alcançar os US$ 351 bilhões em 2027, segundo o relatório mais recente sobre o mercado global de moda da companhia de marketplace ThredUP, divulgado em abril deste ano.

Do descarte para o corpo dos artistas

Will Cypriano é o criador da marca de jeans Cypriano. O estilista costura à mão todas as peças de sua marca e usa como matéria prima jeans que seria jogado fora: “São peças que estão em estoque há muito tempo e não vão ser usadas, algumas vezes estão até destruídas. Muitos brechós também têm peças vintage danificadas. Eu uso essas calças para fazer a Cypriano”.

O designer conta que reaproveita partes que estão conservadas, como os bolsos, e que já conseguiu utilizar em suas criações calças tão velhas e desgastadas que estavam com textura parecida com a de “chiclete”, ou seja, o jeans esticava ao ser puxado.

A modelagem única da Cypriano - criada a partir da união de diversas peças e com a presença inúmeros bolsos - chamou atenção de famosos. A marca foi usada por artistas brasileiros em shows, capas de álbuns e ensaios fotográficos. Matuê, Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Anitta e João Guilherme são algumas das celebridades que vestiram peças criadas por Will.

Marca usa jeans de refugo para produzir peças que atraem os artistas Foto: Cypriano

O estilista conta que começou a produzir suas roupas sem pensar no impacto ambiental que estava causando, mas, com o tempo, percebeu como contribuía. “São cinco calças jeans que constroem uma peça da Cypriano. Às vezes, estamos trabalhando e nem temos noção do que estamos fazendo”, ele afirma.

O jeans usa mais de 5 mil litros de água para ser feito e pode demorar até 400 anos para se decompor se for descartado em lixões. Vale ressaltar que, segundo a Global Fashion Agenda, 80% das roupas jogadas fora são encaminhadas para aterros sanitários ou são incineradas.

Will reflete que práticas como as suas podem ajudar a reduzir o desperdício que é efetuado pela indústria da moda: “Se todos os retalhos criados na produção de jaquetas e camisetas fossem usados para criar uma nova peça, isso já ajudaria muito”.

A Global Fashion Agenda aponta que, atualmente, menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados, o que representa um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões anuais para o mercado fashion. O estilista aponta que a produção industrial de roupas não dá sinais de mudar a sua maneira de atuar: “O fast fashion precisa mudar. Existem maneiras, mas muitos não vão fazer devido ao modelo de negócio”.

Will enfatiza que trabalha em uma lógica diferente da indústria: “Eu construí a marca porque eu curto arte, minhas peças não são como uma roupa, mas como arte mesmo, um quadro etc…”. As calças feitas pelo artista são vendidas por valores entre R$ 1.300 e R$ 2.000 e não estão disponíveis em lojas.

Para comprar uma Cypriano, o cliente precisa se esforçar. Quem tem interesse deve acompanhar o Instagram da marca e “batalhar” por uma das peças quando essa for disponibilizada. Os “drops” - posts que anunciam vendas - ocorrem a cada três ou quatro meses e atraem mais de 100 pessoas, mesmo contando com no máximo oito calças.

“Eu gosto de trabalhar em uma escassez de peças, porque é uma arte minha. É um negócio em que eu trabalho muito e gosto de preservar”, reflete Will Cypriano.

A indústria da moda e o meio ambiente

Se a população mundial continuar a aumentar no nível previsto, o consumo geral de roupas deve saltar das atuais 62 milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas em 2030, segundo a GFA. Esse aumento vai fazer a indústria da moda gastar 50% mais de água (118 milhões de metros cúbicos) e 63% maior de energia (emitindo 2.791 milhões de toneladas de CO2).

Em outras palavras, se os padrões de consumo continuarem como estão, será necessário ter um planeta que produza mais matéria-prima, mais energia e seja capaz de receber mais lixo.

Existem modelos que visam justamente propor uma nova forma de consumir moda, menos agressiva e poluente. Mariane Salerno atua nessa área e busca uma conciliação entre a indústria fashion e o consumo sustentável. A empresaria é dona da Blimo, uma “biblioteca de moda”, na qual o cliente paga R$ 150 por mês e tem direito a um acervo com mais de 700 peças.

Atualmente, a Blimo tem 30 clientes fixas, ou seja, que estão usando o serviço de aluguel de guarda-roupa há mais de três meses. O negócio também possui clientes esporádicas, que permanecem por pouco tempo ou alugam peças para apenas uma ocasião. Antes da pandemia, quando a biblioteca de roupas ainda tinha um prédio físico, o número de assinantes ultrapassava o das centenas.

Ao contrário das tradicionais lojas de aluguel de roupas para festa, a proposta da Blimo é fornecer peças que possam ser usadas no dia a dia, no trabalho e que expandam o guarda-roupa de uma cliente. Mariane afirma que não quer fazer ninguém parar de comprar roupas, mas deseja que as pessoas consumam de forma mais sustentável.

A empresária comenta os critérios que utiliza para incorporar uma roupa à coleção da biblioteca: “As peças que têm que ter qualidade e durar, porque vão ser usadas nesse modelo coletivo”. Outra questão importante é o tamanho: “Tenho peças que são ajustadas para um corpo ou outro, mas as ideais são as versáteis, que com um cinto ou uma faixa se pode ajustar”.

A adição de novas roupas ao acervo é feita por meio de acordos com marcas e compras em showrooms, o que garante para a dona do negócio um preço menor do que seria praticado com o consumidor final. Mariane destaca que a incorporação é constante.

Sobre o modelo atual de compra e venda de roupas, a empresária aponta a possibilidade de uma coexistência com outros modos de consumo: “Não acho que um mercado substitua o outro, acho que deve haver uma conexão entre as maneiras de se produzir e vender roupas. As grandes marcas de fast fashion podem abrir espaço para modelos compartilhados, como a biblioteca”.

A Blimo é uma das últimas bibliotecas de roupas do País. Outros negócios do mesmo ramo sofreram com a pandemia e tiveram de fechar as portas. A própria Mariane agora só atua online. Para ter acesso às peças, a cliente deve entrar em contato pelo Instagram e escolher as roupas. Os itens serão entregues na casa do interessado por um motoboy e a higienização é feita pela Blimo após a devolução.

No modelo online, as entregas são feitas por motoboys na cidade de São Paulo e via Correio em outras localidades Foto: Blimo

Apesar das dificuldades que o negócio encontra no Brasil, Mariane se mantém otimista: “Eu acho que esse modelo é o futuro”. A empresária afirma que o compartilhamento de bens já ocorre e é uma questão de tempo até as roupas entrarem nesse mercado: “Se você vai a um hotel, não leva a sua roupa de cama, se você vai a um restaurante, você usa o talher que todos usa. São coisas que estão automatizadas em nossa vida e que têm o mesmo princípio”.

Moda com propósito

Dando outro significado ao modelo de bazar, a Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) procura evitar o descarte de peças na cidade de São Paulo e dá retorno social para a comunidade com o dinheiro que obtém no processo.

O Bazar Unibes conta com sete lojas físicas na capital paulista e recebe mais de 1 milhão de itens doados por ano. A instituição recolhe doações de roupas por toda a cidade usando uma frota de 12 caminhões e percorrendo mais de 800 km por mês com os veículos para buscar as peças nas casas dos doadores.

Segundo Denise Antão, presidente da Unibes, os itens recolhidos passam pela triagem de uma equipe especializada que realiza a análise e a separação dos produtos, as peças danificadas são encaminhadas para outras instituições de menor porte e são comercializadas por preços menores.

O Unibes Bazar vende peças de etiquetas populares por preços acessíveis, mas também possui roupas de marcas famosas, como Gucci, Dolce & Gabbana e Zara. Anualmente, as lojas da rede vendem cerca de 6 mil peças por ano e são responsáveis por 20% da receita da Unibes.

O dinheiro arrecadado com roupas ajuda a financiar outros projetos da Unibes, como cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, um centro de convivência para idosos, creches para crianças e a alimentação de todos esses grupos.

O bazar também conta com uma loja online que recebe mais de 260 mil clientes por ano. Com a expansão para o mercado digital, Denise espera ter retornos ainda maiores: “Entendemos que o Unibes Bazar poderá ganhar novos consumidores e os simpatizantes das práticas sustentáveis, que poderão comprar produtos acessíveis, estimulando o consumo consciente”.

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