É impossível viver uma pandemia e não pensar sobre prioridades. Essa reflexão passa por quais pessoas se quer ter perto, a maneira como o tempo é aproveitado, a necessidade de ter um guarda-roupa abarrotado e também o sentido de hábitos de beleza e vestuário. ‘Para quê usar maquiagem se não vou sair de casa? ‘Para quê vou fazer as unhas se ninguém vai ver?’ Preciso mesmo pintar os cabelos brancos?’ 'Faço para mim ou para os outros?'. Essas são algumas perguntas que estão em alta no momento.
A antropóloga e pesquisadora Monique Lemos explica que as mulheres estão se vendo fora de estruturas que fazem exigências sobre sua aparência; estritamente neste sentido é um momento de liberdade. “Passa por uma questão muito mais estrutural sobre o padrão de beleza. Poder avaliar o padrão de beleza sem influências externas.”
No ambiente de trabalho da designer Jéssica Soares, 28 anos, a maioria dos funcionários é composta por mulheres e todas usam maquiagem diariamente. “É basicamente uma pressão estética, você se sente pressionada, desconfortável se não segue o padrão. Quando eu não me maquiava para ir trabalhar, as pessoas me perguntavam: ‘você está doente?’; ‘está bem?’; ‘por que está com olheiras?’”.
Cuidar da imagem é saudável, no entanto não pode limitar uma pessoa. “Não pode nos cegar para pensar e atuar em questões mais amplas. Se as mulheres de fato querem atuar política e economicamente, elas tem que pensar para além do próprio rosto, para além da pressão estética”, diz a socióloga Isabelle Anchieta.
Agora em home office Jéssica, que mora em João Pessoa, na Paraíba, está dispensando os cosméticos. “Estou voltando a me acostumar com o meu rosto sem maquiagem. Antes, quando eu tirava a maquiagem no fim do dia, não me sentia bonita. Ficar tanto tempo sem maquiagem me fez voltar a me acostumar com o meu próprio rosto e agora acabo me achando bonita com ou sem maquiagem”. Apesar de estar “fazendo um detox para a pele”, Jéssica faz questão de ser a própria manicure durante a quarentena.
Para cada pessoa há uma resposta, mas para encontrar o melhor caminho é preciso mudar o questionamento. Em vez de indagar ‘para quê’ é preciso avaliar ‘para quem?’ e ‘por quê?’. “É um movimento interessante de repensar a nossa própria imagem e a relação da nossa imagem com os outros: em que medida eu faço isso para mim ou para os outros? As mulheres começaram a repensar o excesso do consumo e da servidão à imagem”, afirma Isabelle.
A publicitária Musa Dumont, de 37 anos, conta que faz parte daquele time que está ansioso para o isolamento social acabar para poder correr para o salão de beleza. Mesmo trabalhando de casa e cuidando de dois filhos, ela sempre usa uma maquiagem leve. Além de gostar, ela diz que sente necessidade, pois sempre produz conteúdos para suas redes sociais, em especial o Tik Tok. A exposição constante na internet é uma questão para muitas pessoas além de Musa. A socióloga Isabelle confirma que atualmente com essas ferramentas da internet a casa não é mais um espaço exclusivamente privado.
A quarentena não abalou o costume da publicitária, que mora em Palmas, Tocantins, de usar cosméticos, mas a fez desistir de subir em saltos altos cotidianamente. “O salto com certeza eu vou repensar, vou usar tênis estilosos, saltinho mais baixinho. É muito tempo sem usar salto e é muito bom ficar sem. Para mim vai ser uma libertação! Eu já usava salto me sacrificando.”
A antropóloga Mirian Goldenberg observou que essa dicotomia em relação aos hábitos de beleza e de moda também não é uma exclusividade de Musa Dumont. “Eu estou mergulhada nessa pesquisa do corpo, beleza, aparência há mais de 20 anos. Eu estou observando nessa quarentena, dois movimentos, às vezes até com a mesma pessoa”, diz Goldenberg. Além de ser professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mirian também foi uma das convidadas do projeto #façopormim, no qual a marca de maquiagem quem disse berenice promove conversas no Instagram, até 24 de junho, sobre autoestima em tempos de isolamento social.
Discutir a rotina de cuidados da beleza feminina não é uma novidade, mas para a pesquisadora sobre corpo, envelhecimento e felicidade, todos os impactos sociais culturais da pandemia do novo coronavírus intensificou a necessidade de se descobrir prioridades e valores. “O que é realmente importante para você e como você quer usar o seu tempo para se cuidar também. Muitas mulheres estão vendo que a beleza tem a ver com a liberdade de ser si mesma e buscar cada vez mais se conectar com isso.”
A pesquisadora de tendências Andréia Rocha, de 30 anos, que mora em São Paulo, já estava nesse processo de se despedir do que não fazia mais sentido para ela. Já tinha dito adeus para o alisamento de cabelo, para a maquiagem carregada e para a depilação obrigatória. “A quarentena não foi o estopim, mas ela realmente acelerou e me fez ficar mais confortável pela força da insistência de ficar sem usar maquiagem por tanto tempo. A maquiagem está agora muito mais ligada a uma maneira de me expressar, um exercício de criatividade e não de esconder quem eu sou. É muito mais esse lugar de criação do que de necessidade.”
Beleza à prova de quarentena
Para toda tendência existe uma contra tendência. Ou seja, por outro lado durante este período de isolamento social muitas mulheres perceberam a importância desses hábitos de beleza para seu bem-estar. “A vaidade é necessária para um certo cuidado consigo mesmo, é saudável. Inclusive, é sintoma de uma individualidade que conquistamos. Elas estão começando a entender o quanto isso faz bem para elas próprias”, afirma a socióloga Isabelle Anchieta.
Thici Costa, de 50 anos, está em home office, mas não deixou a rotina de se maquiar todos os dias, fazer as unhas, se depilar com cera, hidratar os cabelos e retocar os fios brancos; tudo isso sozinha em casa. ”Não temos controle do que está acontecendo, não sabemos quando isso vai acabar. Então manter a rotina é uma maneira de ter algum controle sobre a própria vida”, diz a advogada que atua em Salvador. Mais do que isso, ela acredita que faz tudo para si mesma. Abandonar esses costumes poderia comprometer a autoestima e o equilíbrio emocional. Entretanto, Thici pondera que a quarentena a fez perceber que não tem muitas roupas confortáveis e ainda é dependente da tarefa de passar as peças. Portanto, já planeja ter vestimentas mais aconchegantes e de materiais que não amarrotem.
A publicitária Gessica Justino, de 32 anos, segue um caminho parecido: manteve os cuidados com a pele e a maquiagem, que é um pouco mais leve agora. Sobre o fim do isolamento social, a moradora de São Paulo confirma: “vou voltar sim a me maquiar porque eu gosto de sair maquiada”. “Eu procuro me cuidar muito para manter o bem-estar e uma rotina saudável. E isso me anima a cuidar da parte externa também”, explica Gessica.
Já a Sara Sharon, de 22 anos, está usando mais maquiagem agora. Antes, ela usava apenas para “sair”. “Eu não sou muito de me maquiar, mas como eu não estou saindo, resolvi me maquiar para mim mesma, para ficar em casa. Dá uma diferença no meu dia, já que estou sem fazer nada. Eu me sinto melhor, já que não estou podendo ver outras pessoas, ir para outro lugares. Melhora o meu dia”, conta a jovem que mora no Rio de Janeiro.