Museus da Alemanha devolvem objetos roubados de judeus pelos nazistas


Desde 2019, pesquisador da Baviera tem se empenhado para localizar e reparar o acervo de gerações

Por Milton Esterow
Atualização:

Era meio-dia de 10 de novembro de 1938 quando oficiais nazistas bateram à porta da casa de William Bergman em Munique, prenderam-no por ser judeu e o mandaram para o campo de concentração de Dachau, a trinta minutos dali. Naquele dia também foi levada da casa uma taça de kidush do século 19, geralmente usada para santificar o sabá e os feriados judaicos.

Após cinco meses, Bergman, que era metalúrgico, conseguiu escapar do campo subornando alguns guardas. Ele foi para a Inglaterra e depois para Montreal, onde viveu e trabalhou até a morte, em 1986. Mas a taça só voltou a ser vista por sua família em fevereiro deste ano, quando seu filho, Steven Bergman, executivo de vendas aposentado em Maryland, recebeu pelo correio um pacote enviado pelo curador de um museu de Munique.

Steven Bergman com um copo de kidush que foi levado da casa de seu pai em Munique em 1938 Foto: Jared Soares/The New York Times
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“Tinha uma caixa dentro da outra, tudo embrulhado com isopor”, disse Bergman. “Podiam ter mandado um ovo e nem assim teria quebrado”. Dentro estava a taça de kidush, lembrança marcante de uma época em que qualquer metal precioso pertencente a judeus entrava no alvo dos nazistas.

As últimas décadas testemunharam muitos debates sobre o saque nazista a obras de arte pertencentes a famílias judias. Menos discutido tem sido o roubo generalizado de objetos mais prosaicos de judeus que não possuíam trabalhos de Courbet ou Klimt – mas tinham itens como taças de prata para kiddush que foram confiscados ou penhorados por valores irrisórios sob as ordens do Terceiro Reich.

Agora, vários museus alemães com coleções dessa prata estão discretamente engajados no esforço para devolvê-las, uma iniciativa que começou nos últimos anos.

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“Comecei a procurar herdeiros da prata saqueada depois de uma exposição intitulada ‘Prata para o Reich: Objetos de Prata de Propriedade Judaica no Museu Nacional da Baviera’, que consistia em muitos dos 112 itens roubados que estavam no acervo do museu”, disse por e-mail Matthias Weniger, curador e chefe de pesquisa de proveniência do Museu Nacional da Baviera, em Munique. Desde 2019, ele ajudou a devolver uma variedade de taças, castiçais, recipientes para especiarias e bules de prata para os Bergman e uma dúzia de outras famílias nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, França e Israel.

Ele tem planos de devolver mais duas dúzias de itens nos próximos meses para famílias em Israel e em vários locais dos Estados Unidos, como Nova York e São Francisco. A busca por herdeiros que reivindicam os itens de prata também está em andamento em outros museus e arquivos em Munique, Stuttgart, Berlim e Hamburgo. Os confiscos e as vendas forçadas de joias, prata e ouro foram coordenados pelo Terceiro Reich, que queria levantar capital. Em 1939, por exemplo, os nazistas exigiram que os judeus entregassem joias, ouro, prata e outros objetos a 66 casas de penhores na Alemanha.

“A maior parte da prata roubada foi das casas de penhores para empresas especializadas em derreter metais”, disse Weniger. “Só em Munique, foram registradas cerca de dez toneladas de joias e metais preciosos. Museus adquiriram milhares de peças. As famílias receberam uma quantia designada, principalmente por meio de transferência bancária e, muitas vezes, um ano depois”.

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Os preços pagos muitas vezes eram apenas uma fração do valor de fato

Weniger

Em julho de 2022, Weniger devolveu uma taça de prata de 300 anos parcialmente dourada que havia sido roubada de Hermine Bernheimer em 1939. A taça foi então doada por seus herdeiros ao Museu Judaico de Göppingen, cidade no sudoeste da Alemanha onde ela nasceu. Bernheimer morreu no campo de concentração de Theresienstadt, cerca de 80 quilômetros ao norte de Praga, em 1943.

“Hermine era minha tia-avó”, disse Naomi Karp, advogada em Washington, D.C. “Depois que me disseram que a taça havia sido encontrada, descobri que tinha uns trinta parentes nos Estados Unidos, Austrália e Alemanha. Também fiquei sabendo que a taça era um cálice batismal. Não faço ideia de como uma família judia arranjou um cálice batismal, talvez tenha sido um presente para eles”. Os especialistas envolvidos nos esforços de restituição o descrevem como um trabalho árduo e minucioso que geralmente envolve o rastreamento dos registros da casa de penhores.

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Em Stuttgart, Malena Alderete, pesquisadora de proveniência do Museu Estadual de Württemberg, disse que os arquivos da casa de penhores de Stuttgart mostram qual pessoa teve de entregar que tipo de objetos. “Mas, infelizmente”, disse ela, “a descrição dos objetos é muito vaga”.

A taça kiddush voltou para a família Bergman  Foto: Jared Soares/The New York Times

Alderete disse que trabalhou em estreita colaboração com Katharina Hardt, pesquisadora de proveniência dos Arquivos Estaduais de Stuttgart. “Katharina e eu estamos intensificando a pesquisa”, disse Alderete. “Começamos com cinco objetos no museu – dois relógios de ouro, uma medalha de ouro e duas moedas de ouro que o museu adquiriu em 1941 – e esperamos fazer novas descobertas no futuro”.

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Weniger disse que ele e Regina Prinz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Munique, encontraram em julho documentos semelhantes nos Arquivos da Cidade que ajudaram a rastrear quais nomes de família estão associados a itens de prata identificados como problemáticos.

Deborah Pomeranz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Berlim, disse que a instituição adquiriu cerca de 4.700 objetos de prata de uma casa de penhores de Berlim de 1939 a 1940. “Eles foram inventariados em fichas de registro que forneciam uma breve descrição dos objetos e, em muitos casos, uma foto”, ela disse. “Todos, exceto 474, se perderam – não sabemos como – durante os últimos anos da guerra”.

Agora eles estão procurando por pistas que os ajudem a devolver os itens aos herdeiros legítimos.

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Nos casos em que há vários herdeiros, algumas famílias optaram por doar a peça a um museu. Os castiçais de Olga Maier, por exemplo, roubados dela em 1939, foram devolvidos por Weniger em maio passado e finalmente doados ao Museu Judaico de Munique, onde Maier nasceu. Ela morreu no campo de concentração de Treblinka, na Polônia ocupada pelos alemães, em 1942.

“Trinta e dois parentes tiveram de concordar com a ideia”, disse Weniger, “Quinze em Israel, onze nos Estados Unidos, dois na Alemanha, dois na Inglaterra e um no Canadá e um na Dinamarca”. Weniger disse que, embora muitas pesquisas tenham sido realizadas em Hamburgo, Berlim e outros locais, as instituições de muitas cidades precisam fazer muito mais.

“O número de restituições, infelizmente, ainda é relativamente baixo”, disse ele. “No entanto, nosso trabalho e todos os contatos – e até amizades – que dele resultam importam muito mais para os descendentes do que a reintegração de posse material dos objetos. Deslocados durante a Segunda Guerra Mundial para o mundo todo, alguns parentes nem sabiam da existência uns dos outros”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Era meio-dia de 10 de novembro de 1938 quando oficiais nazistas bateram à porta da casa de William Bergman em Munique, prenderam-no por ser judeu e o mandaram para o campo de concentração de Dachau, a trinta minutos dali. Naquele dia também foi levada da casa uma taça de kidush do século 19, geralmente usada para santificar o sabá e os feriados judaicos.

Após cinco meses, Bergman, que era metalúrgico, conseguiu escapar do campo subornando alguns guardas. Ele foi para a Inglaterra e depois para Montreal, onde viveu e trabalhou até a morte, em 1986. Mas a taça só voltou a ser vista por sua família em fevereiro deste ano, quando seu filho, Steven Bergman, executivo de vendas aposentado em Maryland, recebeu pelo correio um pacote enviado pelo curador de um museu de Munique.

Steven Bergman com um copo de kidush que foi levado da casa de seu pai em Munique em 1938 Foto: Jared Soares/The New York Times

“Tinha uma caixa dentro da outra, tudo embrulhado com isopor”, disse Bergman. “Podiam ter mandado um ovo e nem assim teria quebrado”. Dentro estava a taça de kidush, lembrança marcante de uma época em que qualquer metal precioso pertencente a judeus entrava no alvo dos nazistas.

As últimas décadas testemunharam muitos debates sobre o saque nazista a obras de arte pertencentes a famílias judias. Menos discutido tem sido o roubo generalizado de objetos mais prosaicos de judeus que não possuíam trabalhos de Courbet ou Klimt – mas tinham itens como taças de prata para kiddush que foram confiscados ou penhorados por valores irrisórios sob as ordens do Terceiro Reich.

Agora, vários museus alemães com coleções dessa prata estão discretamente engajados no esforço para devolvê-las, uma iniciativa que começou nos últimos anos.

“Comecei a procurar herdeiros da prata saqueada depois de uma exposição intitulada ‘Prata para o Reich: Objetos de Prata de Propriedade Judaica no Museu Nacional da Baviera’, que consistia em muitos dos 112 itens roubados que estavam no acervo do museu”, disse por e-mail Matthias Weniger, curador e chefe de pesquisa de proveniência do Museu Nacional da Baviera, em Munique. Desde 2019, ele ajudou a devolver uma variedade de taças, castiçais, recipientes para especiarias e bules de prata para os Bergman e uma dúzia de outras famílias nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, França e Israel.

Ele tem planos de devolver mais duas dúzias de itens nos próximos meses para famílias em Israel e em vários locais dos Estados Unidos, como Nova York e São Francisco. A busca por herdeiros que reivindicam os itens de prata também está em andamento em outros museus e arquivos em Munique, Stuttgart, Berlim e Hamburgo. Os confiscos e as vendas forçadas de joias, prata e ouro foram coordenados pelo Terceiro Reich, que queria levantar capital. Em 1939, por exemplo, os nazistas exigiram que os judeus entregassem joias, ouro, prata e outros objetos a 66 casas de penhores na Alemanha.

“A maior parte da prata roubada foi das casas de penhores para empresas especializadas em derreter metais”, disse Weniger. “Só em Munique, foram registradas cerca de dez toneladas de joias e metais preciosos. Museus adquiriram milhares de peças. As famílias receberam uma quantia designada, principalmente por meio de transferência bancária e, muitas vezes, um ano depois”.

Os preços pagos muitas vezes eram apenas uma fração do valor de fato

Weniger

Em julho de 2022, Weniger devolveu uma taça de prata de 300 anos parcialmente dourada que havia sido roubada de Hermine Bernheimer em 1939. A taça foi então doada por seus herdeiros ao Museu Judaico de Göppingen, cidade no sudoeste da Alemanha onde ela nasceu. Bernheimer morreu no campo de concentração de Theresienstadt, cerca de 80 quilômetros ao norte de Praga, em 1943.

“Hermine era minha tia-avó”, disse Naomi Karp, advogada em Washington, D.C. “Depois que me disseram que a taça havia sido encontrada, descobri que tinha uns trinta parentes nos Estados Unidos, Austrália e Alemanha. Também fiquei sabendo que a taça era um cálice batismal. Não faço ideia de como uma família judia arranjou um cálice batismal, talvez tenha sido um presente para eles”. Os especialistas envolvidos nos esforços de restituição o descrevem como um trabalho árduo e minucioso que geralmente envolve o rastreamento dos registros da casa de penhores.

Em Stuttgart, Malena Alderete, pesquisadora de proveniência do Museu Estadual de Württemberg, disse que os arquivos da casa de penhores de Stuttgart mostram qual pessoa teve de entregar que tipo de objetos. “Mas, infelizmente”, disse ela, “a descrição dos objetos é muito vaga”.

A taça kiddush voltou para a família Bergman  Foto: Jared Soares/The New York Times

Alderete disse que trabalhou em estreita colaboração com Katharina Hardt, pesquisadora de proveniência dos Arquivos Estaduais de Stuttgart. “Katharina e eu estamos intensificando a pesquisa”, disse Alderete. “Começamos com cinco objetos no museu – dois relógios de ouro, uma medalha de ouro e duas moedas de ouro que o museu adquiriu em 1941 – e esperamos fazer novas descobertas no futuro”.

Weniger disse que ele e Regina Prinz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Munique, encontraram em julho documentos semelhantes nos Arquivos da Cidade que ajudaram a rastrear quais nomes de família estão associados a itens de prata identificados como problemáticos.

Deborah Pomeranz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Berlim, disse que a instituição adquiriu cerca de 4.700 objetos de prata de uma casa de penhores de Berlim de 1939 a 1940. “Eles foram inventariados em fichas de registro que forneciam uma breve descrição dos objetos e, em muitos casos, uma foto”, ela disse. “Todos, exceto 474, se perderam – não sabemos como – durante os últimos anos da guerra”.

Agora eles estão procurando por pistas que os ajudem a devolver os itens aos herdeiros legítimos.

Nos casos em que há vários herdeiros, algumas famílias optaram por doar a peça a um museu. Os castiçais de Olga Maier, por exemplo, roubados dela em 1939, foram devolvidos por Weniger em maio passado e finalmente doados ao Museu Judaico de Munique, onde Maier nasceu. Ela morreu no campo de concentração de Treblinka, na Polônia ocupada pelos alemães, em 1942.

“Trinta e dois parentes tiveram de concordar com a ideia”, disse Weniger, “Quinze em Israel, onze nos Estados Unidos, dois na Alemanha, dois na Inglaterra e um no Canadá e um na Dinamarca”. Weniger disse que, embora muitas pesquisas tenham sido realizadas em Hamburgo, Berlim e outros locais, as instituições de muitas cidades precisam fazer muito mais.

“O número de restituições, infelizmente, ainda é relativamente baixo”, disse ele. “No entanto, nosso trabalho e todos os contatos – e até amizades – que dele resultam importam muito mais para os descendentes do que a reintegração de posse material dos objetos. Deslocados durante a Segunda Guerra Mundial para o mundo todo, alguns parentes nem sabiam da existência uns dos outros”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Era meio-dia de 10 de novembro de 1938 quando oficiais nazistas bateram à porta da casa de William Bergman em Munique, prenderam-no por ser judeu e o mandaram para o campo de concentração de Dachau, a trinta minutos dali. Naquele dia também foi levada da casa uma taça de kidush do século 19, geralmente usada para santificar o sabá e os feriados judaicos.

Após cinco meses, Bergman, que era metalúrgico, conseguiu escapar do campo subornando alguns guardas. Ele foi para a Inglaterra e depois para Montreal, onde viveu e trabalhou até a morte, em 1986. Mas a taça só voltou a ser vista por sua família em fevereiro deste ano, quando seu filho, Steven Bergman, executivo de vendas aposentado em Maryland, recebeu pelo correio um pacote enviado pelo curador de um museu de Munique.

Steven Bergman com um copo de kidush que foi levado da casa de seu pai em Munique em 1938 Foto: Jared Soares/The New York Times

“Tinha uma caixa dentro da outra, tudo embrulhado com isopor”, disse Bergman. “Podiam ter mandado um ovo e nem assim teria quebrado”. Dentro estava a taça de kidush, lembrança marcante de uma época em que qualquer metal precioso pertencente a judeus entrava no alvo dos nazistas.

As últimas décadas testemunharam muitos debates sobre o saque nazista a obras de arte pertencentes a famílias judias. Menos discutido tem sido o roubo generalizado de objetos mais prosaicos de judeus que não possuíam trabalhos de Courbet ou Klimt – mas tinham itens como taças de prata para kiddush que foram confiscados ou penhorados por valores irrisórios sob as ordens do Terceiro Reich.

Agora, vários museus alemães com coleções dessa prata estão discretamente engajados no esforço para devolvê-las, uma iniciativa que começou nos últimos anos.

“Comecei a procurar herdeiros da prata saqueada depois de uma exposição intitulada ‘Prata para o Reich: Objetos de Prata de Propriedade Judaica no Museu Nacional da Baviera’, que consistia em muitos dos 112 itens roubados que estavam no acervo do museu”, disse por e-mail Matthias Weniger, curador e chefe de pesquisa de proveniência do Museu Nacional da Baviera, em Munique. Desde 2019, ele ajudou a devolver uma variedade de taças, castiçais, recipientes para especiarias e bules de prata para os Bergman e uma dúzia de outras famílias nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, França e Israel.

Ele tem planos de devolver mais duas dúzias de itens nos próximos meses para famílias em Israel e em vários locais dos Estados Unidos, como Nova York e São Francisco. A busca por herdeiros que reivindicam os itens de prata também está em andamento em outros museus e arquivos em Munique, Stuttgart, Berlim e Hamburgo. Os confiscos e as vendas forçadas de joias, prata e ouro foram coordenados pelo Terceiro Reich, que queria levantar capital. Em 1939, por exemplo, os nazistas exigiram que os judeus entregassem joias, ouro, prata e outros objetos a 66 casas de penhores na Alemanha.

“A maior parte da prata roubada foi das casas de penhores para empresas especializadas em derreter metais”, disse Weniger. “Só em Munique, foram registradas cerca de dez toneladas de joias e metais preciosos. Museus adquiriram milhares de peças. As famílias receberam uma quantia designada, principalmente por meio de transferência bancária e, muitas vezes, um ano depois”.

Os preços pagos muitas vezes eram apenas uma fração do valor de fato

Weniger

Em julho de 2022, Weniger devolveu uma taça de prata de 300 anos parcialmente dourada que havia sido roubada de Hermine Bernheimer em 1939. A taça foi então doada por seus herdeiros ao Museu Judaico de Göppingen, cidade no sudoeste da Alemanha onde ela nasceu. Bernheimer morreu no campo de concentração de Theresienstadt, cerca de 80 quilômetros ao norte de Praga, em 1943.

“Hermine era minha tia-avó”, disse Naomi Karp, advogada em Washington, D.C. “Depois que me disseram que a taça havia sido encontrada, descobri que tinha uns trinta parentes nos Estados Unidos, Austrália e Alemanha. Também fiquei sabendo que a taça era um cálice batismal. Não faço ideia de como uma família judia arranjou um cálice batismal, talvez tenha sido um presente para eles”. Os especialistas envolvidos nos esforços de restituição o descrevem como um trabalho árduo e minucioso que geralmente envolve o rastreamento dos registros da casa de penhores.

Em Stuttgart, Malena Alderete, pesquisadora de proveniência do Museu Estadual de Württemberg, disse que os arquivos da casa de penhores de Stuttgart mostram qual pessoa teve de entregar que tipo de objetos. “Mas, infelizmente”, disse ela, “a descrição dos objetos é muito vaga”.

A taça kiddush voltou para a família Bergman  Foto: Jared Soares/The New York Times

Alderete disse que trabalhou em estreita colaboração com Katharina Hardt, pesquisadora de proveniência dos Arquivos Estaduais de Stuttgart. “Katharina e eu estamos intensificando a pesquisa”, disse Alderete. “Começamos com cinco objetos no museu – dois relógios de ouro, uma medalha de ouro e duas moedas de ouro que o museu adquiriu em 1941 – e esperamos fazer novas descobertas no futuro”.

Weniger disse que ele e Regina Prinz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Munique, encontraram em julho documentos semelhantes nos Arquivos da Cidade que ajudaram a rastrear quais nomes de família estão associados a itens de prata identificados como problemáticos.

Deborah Pomeranz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Berlim, disse que a instituição adquiriu cerca de 4.700 objetos de prata de uma casa de penhores de Berlim de 1939 a 1940. “Eles foram inventariados em fichas de registro que forneciam uma breve descrição dos objetos e, em muitos casos, uma foto”, ela disse. “Todos, exceto 474, se perderam – não sabemos como – durante os últimos anos da guerra”.

Agora eles estão procurando por pistas que os ajudem a devolver os itens aos herdeiros legítimos.

Nos casos em que há vários herdeiros, algumas famílias optaram por doar a peça a um museu. Os castiçais de Olga Maier, por exemplo, roubados dela em 1939, foram devolvidos por Weniger em maio passado e finalmente doados ao Museu Judaico de Munique, onde Maier nasceu. Ela morreu no campo de concentração de Treblinka, na Polônia ocupada pelos alemães, em 1942.

“Trinta e dois parentes tiveram de concordar com a ideia”, disse Weniger, “Quinze em Israel, onze nos Estados Unidos, dois na Alemanha, dois na Inglaterra e um no Canadá e um na Dinamarca”. Weniger disse que, embora muitas pesquisas tenham sido realizadas em Hamburgo, Berlim e outros locais, as instituições de muitas cidades precisam fazer muito mais.

“O número de restituições, infelizmente, ainda é relativamente baixo”, disse ele. “No entanto, nosso trabalho e todos os contatos – e até amizades – que dele resultam importam muito mais para os descendentes do que a reintegração de posse material dos objetos. Deslocados durante a Segunda Guerra Mundial para o mundo todo, alguns parentes nem sabiam da existência uns dos outros”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Era meio-dia de 10 de novembro de 1938 quando oficiais nazistas bateram à porta da casa de William Bergman em Munique, prenderam-no por ser judeu e o mandaram para o campo de concentração de Dachau, a trinta minutos dali. Naquele dia também foi levada da casa uma taça de kidush do século 19, geralmente usada para santificar o sabá e os feriados judaicos.

Após cinco meses, Bergman, que era metalúrgico, conseguiu escapar do campo subornando alguns guardas. Ele foi para a Inglaterra e depois para Montreal, onde viveu e trabalhou até a morte, em 1986. Mas a taça só voltou a ser vista por sua família em fevereiro deste ano, quando seu filho, Steven Bergman, executivo de vendas aposentado em Maryland, recebeu pelo correio um pacote enviado pelo curador de um museu de Munique.

Steven Bergman com um copo de kidush que foi levado da casa de seu pai em Munique em 1938 Foto: Jared Soares/The New York Times

“Tinha uma caixa dentro da outra, tudo embrulhado com isopor”, disse Bergman. “Podiam ter mandado um ovo e nem assim teria quebrado”. Dentro estava a taça de kidush, lembrança marcante de uma época em que qualquer metal precioso pertencente a judeus entrava no alvo dos nazistas.

As últimas décadas testemunharam muitos debates sobre o saque nazista a obras de arte pertencentes a famílias judias. Menos discutido tem sido o roubo generalizado de objetos mais prosaicos de judeus que não possuíam trabalhos de Courbet ou Klimt – mas tinham itens como taças de prata para kiddush que foram confiscados ou penhorados por valores irrisórios sob as ordens do Terceiro Reich.

Agora, vários museus alemães com coleções dessa prata estão discretamente engajados no esforço para devolvê-las, uma iniciativa que começou nos últimos anos.

“Comecei a procurar herdeiros da prata saqueada depois de uma exposição intitulada ‘Prata para o Reich: Objetos de Prata de Propriedade Judaica no Museu Nacional da Baviera’, que consistia em muitos dos 112 itens roubados que estavam no acervo do museu”, disse por e-mail Matthias Weniger, curador e chefe de pesquisa de proveniência do Museu Nacional da Baviera, em Munique. Desde 2019, ele ajudou a devolver uma variedade de taças, castiçais, recipientes para especiarias e bules de prata para os Bergman e uma dúzia de outras famílias nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, França e Israel.

Ele tem planos de devolver mais duas dúzias de itens nos próximos meses para famílias em Israel e em vários locais dos Estados Unidos, como Nova York e São Francisco. A busca por herdeiros que reivindicam os itens de prata também está em andamento em outros museus e arquivos em Munique, Stuttgart, Berlim e Hamburgo. Os confiscos e as vendas forçadas de joias, prata e ouro foram coordenados pelo Terceiro Reich, que queria levantar capital. Em 1939, por exemplo, os nazistas exigiram que os judeus entregassem joias, ouro, prata e outros objetos a 66 casas de penhores na Alemanha.

“A maior parte da prata roubada foi das casas de penhores para empresas especializadas em derreter metais”, disse Weniger. “Só em Munique, foram registradas cerca de dez toneladas de joias e metais preciosos. Museus adquiriram milhares de peças. As famílias receberam uma quantia designada, principalmente por meio de transferência bancária e, muitas vezes, um ano depois”.

Os preços pagos muitas vezes eram apenas uma fração do valor de fato

Weniger

Em julho de 2022, Weniger devolveu uma taça de prata de 300 anos parcialmente dourada que havia sido roubada de Hermine Bernheimer em 1939. A taça foi então doada por seus herdeiros ao Museu Judaico de Göppingen, cidade no sudoeste da Alemanha onde ela nasceu. Bernheimer morreu no campo de concentração de Theresienstadt, cerca de 80 quilômetros ao norte de Praga, em 1943.

“Hermine era minha tia-avó”, disse Naomi Karp, advogada em Washington, D.C. “Depois que me disseram que a taça havia sido encontrada, descobri que tinha uns trinta parentes nos Estados Unidos, Austrália e Alemanha. Também fiquei sabendo que a taça era um cálice batismal. Não faço ideia de como uma família judia arranjou um cálice batismal, talvez tenha sido um presente para eles”. Os especialistas envolvidos nos esforços de restituição o descrevem como um trabalho árduo e minucioso que geralmente envolve o rastreamento dos registros da casa de penhores.

Em Stuttgart, Malena Alderete, pesquisadora de proveniência do Museu Estadual de Württemberg, disse que os arquivos da casa de penhores de Stuttgart mostram qual pessoa teve de entregar que tipo de objetos. “Mas, infelizmente”, disse ela, “a descrição dos objetos é muito vaga”.

A taça kiddush voltou para a família Bergman  Foto: Jared Soares/The New York Times

Alderete disse que trabalhou em estreita colaboração com Katharina Hardt, pesquisadora de proveniência dos Arquivos Estaduais de Stuttgart. “Katharina e eu estamos intensificando a pesquisa”, disse Alderete. “Começamos com cinco objetos no museu – dois relógios de ouro, uma medalha de ouro e duas moedas de ouro que o museu adquiriu em 1941 – e esperamos fazer novas descobertas no futuro”.

Weniger disse que ele e Regina Prinz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Munique, encontraram em julho documentos semelhantes nos Arquivos da Cidade que ajudaram a rastrear quais nomes de família estão associados a itens de prata identificados como problemáticos.

Deborah Pomeranz, pesquisadora de proveniência do Museu da Cidade de Berlim, disse que a instituição adquiriu cerca de 4.700 objetos de prata de uma casa de penhores de Berlim de 1939 a 1940. “Eles foram inventariados em fichas de registro que forneciam uma breve descrição dos objetos e, em muitos casos, uma foto”, ela disse. “Todos, exceto 474, se perderam – não sabemos como – durante os últimos anos da guerra”.

Agora eles estão procurando por pistas que os ajudem a devolver os itens aos herdeiros legítimos.

Nos casos em que há vários herdeiros, algumas famílias optaram por doar a peça a um museu. Os castiçais de Olga Maier, por exemplo, roubados dela em 1939, foram devolvidos por Weniger em maio passado e finalmente doados ao Museu Judaico de Munique, onde Maier nasceu. Ela morreu no campo de concentração de Treblinka, na Polônia ocupada pelos alemães, em 1942.

“Trinta e dois parentes tiveram de concordar com a ideia”, disse Weniger, “Quinze em Israel, onze nos Estados Unidos, dois na Alemanha, dois na Inglaterra e um no Canadá e um na Dinamarca”. Weniger disse que, embora muitas pesquisas tenham sido realizadas em Hamburgo, Berlim e outros locais, as instituições de muitas cidades precisam fazer muito mais.

“O número de restituições, infelizmente, ainda é relativamente baixo”, disse ele. “No entanto, nosso trabalho e todos os contatos – e até amizades – que dele resultam importam muito mais para os descendentes do que a reintegração de posse material dos objetos. Deslocados durante a Segunda Guerra Mundial para o mundo todo, alguns parentes nem sabiam da existência uns dos outros”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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