Do quarto de casa, em Goiânia, para o The New York Times. Ou ainda: de dois amigos adolescentes, com seus violões a tiracolo perambulando pelo ensino médio, a banda chamada de “novos queridinhos da psicodelia” pela revista norte-americana Clash. A curta trajetória do grupo goiano Boogarins, iniciada no começo de 2012, beira um sonho ou um roteiro de Hollywood. Um segundo arco dessa história passa a ser construído neste domingo, 25, quando o segundo disco do quarteto terá seu show oficial de lançamento, no Mirante 9 de Julho, em São Paulo.
Manual ou Guia Livre Para a Dissolução dos Sonhos, como é chamado o trabalho, chega oficialmente na próxima sexta-feira, 30, mas está desde a última quinta-feira disponível para audição via streaming no site do TNYT. Lá, o jornal celebra a onda psicodélica de escala global, colocando a banda ao lado da australiana Tame Impala, a britânica Django Django e a norte-americana Panda Bear. “Como em grande parte da boa psicodelia, (o disco) é guiado por guitarras nebulosas, riffs cíclicos e vocais murmurados – mas com toques do groove da bossa nova de Tom Jobim”, diz o texto que apresenta Manual para o público norte-americano.
Não que Fernando Almeida (voz e guitarra-base), Benke Ferraz (guitarra solo), Raphael Vaz (baixo) e o recentemente integrado ao grupo Ynaiã Benthroldo (bateria, ex-Macaco Bong) sejam desconhecidos nas terras do Hemisfério Norte. Passaram grande parte de 2014 por Estados Unidos e Europa, em festivais importantes como South By Southwest, Austin’s Psych Fest, ambos nos EUA, e Primavera Sound (Espanha). Foram 101 datas no exterior, relembra Benke, grande responsável pelas guitarras viajantes que comandam o álbum e dono de uma capacidade de memorizar números e datas invejável. “Chegamos a 150 shows no total, somente no ano passado”, conta o rapaz de 22 anos. Depois da apresentação paulistana, o grupo segue para mais uma turnê internacional, com 19 datas pela Europa, iniciada no dia 29 deste mês, em Londres, e finalizada em novembro, em Bruxelas (Bélgica).
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Em 30 de outubro, data que o álbum chega oficialmente ao mundo, o Boogarins terá seu primeiro dia dedicado a entrevistas em Londres. “É legal para caramba para a gente. Acho que isso é um reflexo da expectativa que a gravadora tem para o disco, que é maior do que quando lançaram o nosso primeiro álbum. Não esperavam o que iria acontecer”, diz.
O disco em questão, As Plantas Que Curam, contam os integrantes, sequer deveria ser um “disco em si”. Benke e Dinho, como Fernando é chamado, ensaiavam e gravavam em casa. Fizeram uma demo com 6 músicas. Benke enviou o áudio para blogs e sites especializados em música no Brasil e no mundo. E, em 2013, captou a atenção da Other Music Recording, uma gravadora de Nova York especializada em buscar a vanguarda e as novidades da cena underground. Eles pediram por um disco cheio e As Plantas foi produzido às pressas, mas ganhou força. Somente agora chegou de forma oficial ao Brasil, pelo selo StereoMono, braço indie da Skol Music – e com três canções inéditas.
Manual, por sua vez, foi gestado lentamente. Ouvem-se canções antigas, como 6.000 Dias ou Mantra dos 20 Anos, cujo cerne nasceu no primeiro ensaio da banda, em 5 de janeiro de 2012 (data lembrada por Benke) até Falta Folha de Rosto, já registrada em Goiânia, após a turnê internacional, com Ynaiã assumindo as baquetas deixadas por Hans Castro para se dedicar às filhas recém-nascidas. Grande parte das faixas foi gravada com os quatro juntos, em fita, no Estudio Circo Perrotti de Jorge Explosion, na Espanha, e finalizada no quarto do próprio Benke.
O guitarrista diz que o novo álbum é como se fosse o “primeiro disco de verdade” da banda. E Dinho concorda. “Temos falado sobre isso, sim. Antes éramos só eu e Benke gravando. Agora nós quatro estamos aí”, diz ele, também de 22 anos. Manual aproxima a vibração do palco ao estúdio. E amplia a história inesperada do grupo goiano. “Agora, estamos colocando o focinho à tapa”, completa Dinho.
BOOGARINS Mirante 9 de Julho. Rua Carlos Comenale, s/nº, Bela Vista. Hoje, às 17h. Grátis. Show de abertura com Serge Erege.
Crítica: Manual é fluído na viagem onírica pelo universo sonoro particular da banda
O impacto de Avalanche, primeira faixa lançada de Manual, é a voz de Dinho Almeida, mais nítida e cristalina do que nunca, seguida pela complexidade harmônica das guitarras sobrepostas. Ali, o Boogarins exibe até onde poderia chegar se decidisse caminhar por desconstruções experimentais. O restante do segundo álbum do grupo segue em outra direção, contudo. E exibe força na sua leveza. Manual é fluído nessa viagem onírica pelo universo sonoro tão particular da banda. A sequência de Mario de Andrade Selvagem, Falsa Folha de Rosto, Benzin (a melhor do álbum) e San Lorenzo coloca o álbum entre os melhores do ano. Cores e imagens difusas brotam a partir de uma narrativa despretensiosa dos vocais e são levadas adiante pelas guitarras de Benke Ferraz, pelo baixo de Raphael Vaz e pela bateria de Ynaiã Benthroldo. E, com eles, chega-se longe.