A onda de Roxette no pop brasileiro: por que há tantas versões nacionais de antigos hits dos suecos?


Paradas brasileiras recentes estão cheias de releituras do pop rock romântico do duo, resgatadas dos anos 80 e 90; explicação pode estar no romantismo derramado, uma preferência nacional; entenda

Por Damy Coelho
Atualização:
Do sertanejo ao batidão: Roxette inspirou hits de Gusttavo Lima, Pabllo Vittar e Gaby Amarantos. Foto: Monica Zarattini/Estadão, YouTube/Gusttavo Lima Oficial/Reprodução, YouTube/Pabllo Vittar/Reprodução e Felipe Rau/Estadão

Sintetizadores marcados, refrões açucarados, teclados que ecoam, agudos sem limites. A atmosfera sonora dos anos 1980 tem mais semelhança com a música brasileira atual do que se imagina.

Quem acompanhou o soft rock oitentista pode encontrar familiaridade em alguns dos recentes hits brasileiros: é o caso de Desejo Imortal e Na Hora de Amar, de Gusttavo Lima, Uma Vida a Mais, de Marília Mendonça com Maiara & Maraisa, e Pede Pra Eu Ficar, de Pabllo Vittar.

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O que esses sucessos têm em comum? Todos são versões do Roxette.

Marie Frederiksson, cantora do Roxette. Foto: Patrik Stollarz / AFP

A banda de pop rock lançou músicas que fizeram sucesso no Brasil no final dos anos 1980 e início dos 90, como The Look, Listen to Your Heart e It Must Have Been Love. Liderado por Marie Fredriksson e Per Gessle, o grupo ficou por quase quatro décadas na ativa e teve fim com a morte da vocalista, em 2019. Os suecos começaram a carreira em 1979, e nos anos 1980, já tinham 19 músicas no topo das paradas do Reino Unido.

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No país da novela, viraram trilha de uma dezena delas, como Perigosas Peruas, Sexo dos Anjos e Verão 90. A banda fez algumas passagens pelo Brasil e participou de programas de auditório, como pedia o figurino de um ídolo popular no País.

Mais de 30 anos depois, o Roxette ganha nova roupagem na voz de cantores brasileiros. O pode motivar essa invasão do mais puro rock romântico - pejorativamente chamado de farofa - na música brasileira contemporânea?

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Sofrimento em comum

Nas versões sertanejas dos hits do Roxette, os elementos que fizeram sucesso com a banda também estão ali: o teclado em destaque, a linha de voz mais aguda. Em Desejo Imortal, versão de It Must Been Love lançada por Gusttavo Lima em 2023, há o diferencial que a melodia puxa para a bachata e o bolero - ritmos latinos que influenciam o estilo musical brasileiro.

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Em 2017, o cantor também regravou um sucesso na voz de Cleiton e Camargo nos anos 1990, Na Hora de Amar, versão para Spending My Time. Não estranhe se o refrão parecer familiar: “Você deve estar / com medo de contar.... Que seu amor/ por mim acabou...”. O sofrimento amoroso está ali, seja no rock, seja no sertanejo.

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O segredo está no romantismo

Para Gabriel Agra, compositor sertanejo, o romantismo evocado por bandas como Roxette mexem com o coração do brasileiro, assim como a nossa música pejorativamente chamada de ”brega”.

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A melodia do soft rock evoca sentimentos como o amor, a saudade e a raiva. Isso a torna universal, gera uma identificação poderosa em qualquer lugar do planeta

Ele é um dos compositores de Uma Vida a Mais, lançada pelo projeto As Patroas em 2020. Para ele, foi a primeira “guinada do Roxette no sertanejo” nos últimos anos. Ao Estadão, o compositor explica como ele, Juliano Tchula e as Patroas (Marília Mendonça, Maiara e Maraísa) criaram a versão.

Eles buscavam uma música estrangeira que tivesse uma levada romântica e evocasse sentimentos profundos no ouvinte, para criarem a letra por cima. Quando colocaram para tocar Listen to Your Heart, Marília e Maraisa gritaram “é essa!”, relembra ele.

Talvez o fato de nenhum de nós falar bem inglês nos fez criar uma letra com aquela melodia que estava soprando em nossos corações. E, escutando Roxette, não tem como não se inspirar

A subida de tom que acontece nos refrões dos hits do Roxette também se encaixa bem na música popular do Brasil, do sertanejo ao tecnobrega. Em resumo: a verdadeira música pra cantar junto na mesa do bar - chorar é consequência.

Essa é a mistura de Brasil com Suécia

No tecnobrega do Pará a banda também fez escola. O teclado marcante do pop oitentista se misturou às batidas eletrônicas e até à sanfona. O resultado foi uma deliciosa mistura rítmica de Brasil com Suécia. Diversas bandas do estilo fizeram suas versões do Roxette ainda nos anos 2000.

Gaby Amarantos também já compôs por cima da batida melosa da dupla: quando começou a carreira em Belém, na banda TecnoShow, cantou Não Vou Te Deixar - versão para I Don’t Want to Get Hurt. A cantora regravou sua versão em 2022.

Gaby - que ouve Roxette desde a adolescência e tem até contato com o fã-clube no Brasil - conta que a banda influenciou o movimento no tecnobrega do Pará. Mesmo com a dificuldade de acesso aos discos do duo em Belém, o fato de serem músicas radiofônicas fez com que se tornassem popular. “A galera do pop e sertanejo estarem gravando as versões agora é um caminho que nós, do tecnobrega, abrimos lá atrás.”

Eu amo a voz da Mary Fredriksson e sempre gostei muito do trabalho do Per Gessle, porque ele é um produtor muito f***. Fico mandando mensagem pra ele no inbox do Instagram [risos] dizendo que eu sou muito fã, agradecendo por ele ter liberado a música pra mim...

Gaby Amarantos

Gaby Amarantos lançou o EP 'TecnoShow', com versões para hits de Roxette, Bee Gees e Cyndi Lauper Foto: @Lucas Mariano

Além da versão presente no álbum TecnoShow, vencedor do Grammy Latino, Gaby também canta o refrão Perdendo Meu Tempo - tradução literal para Spending My Time, entre outras versões.

Abrasileirar o máximo possível

Pabllo Vittar lançou sua própria versão para Listen to Your Heart, chamada Pede Pra Eu Ficar, um batidão inspirado no forró eletrônico.

Em entrevista ao Estadão, Zebu, produtor de Pabllo Vittar, aponta para um aspecto temporal das canções de soft rock que têm a ver com a personalidade do brasileiro.

“Os anos 1980 foram marcados como uma época muito emocionada - e emocionante. Penso que isso pegou muito no Brasil até hoje, porque o sofrimento e amor sempre estão em alta na nossa música”, explica.

As tendências vêm e voltam, mas aquelas canções com clima de ‘chorar no boteco’ sempre estarão em alta no coração brasileiro

O produtor conta que a escolha por fazer uma versão de Listen to your heart foi da própria Pabllo. Essa referência do Roxette veio das bandas de forró eletrônico, que tradicionalmente fazem versões de música estrangeira de forma independente - ou, mais claramente, sem autorização do artista estrangeiro. No caso da Pabllo, por ser uma cantora de grande alcance, a autorização da banda era fundamental - e foi prontamente atendida.

“Tentamos ser fiéis às versões de forró do Nordeste”, explica Zebu. “Alguns elementos nós mantivemos mais semelhantes à versão original [do Roxette] com aquele piano do início bem clássico dos anos 1980 e as guitarras. Mas a ideia era abrasileirar tudo o que fosse possível”, aponta Zebu.

Com o projeto Batidão Tropical - nascido em 2021 e que ganha novo fôlego com o lançamento de Pede Pra Eu Ficar - Pabllo revisita hits do imaginário brega com uma roupagem mais pop e comercial. O single recente acena para outra versão do Roxette, da banda Desejo de Menina, chamada Deixa Eu te Amar.

Música de importação

O aspecto econômico da indústria cultural latinoamericana, de “importar” tendências musicais da Europa e Estados Unidos, também contribui pra essa comoção em torno do Roxette e da música dos anos 1980 de modo geral.

Rafael Azevedo, doutor em Comunicação Social pela UFMG e autor do livro O brega paraense em deriva (2021), concorda. “No universo do forró e da música brega paraense há muitas versões de músicas internacionais que fizeram sucesso localmente”, diz.

O pesquisador afirma que a partir dos anos 1980, o sertanejo também se inspirou muito no ‘rock farofa’ e no universo pop, como acontece hoje com o próprio Roxette. A entrada das guitarras no sertanejo também é central para a guinada do romantismo que inspirou o estilo a partir dos anos 1990, fortemente influenciado pelo hard rock e o country.

Rafael lembra que o uso de versões na produção musical brasileira já era forte na Jovem Guarda dos anos 1960 - basta lembrar que Renato e Seus Blue Caps embalaram muitos casais apaixonados ao som de Feche os Olhos - muitos nem imaginavam que essa canção poderia ser uma versão dos Beatles (All My Loving), só para citar um exemplo. “Esse movimento é muito estratégico em termos de posicionamento de mercado e de popularização musical”, diz.

A apropriação dessas canções internacionais - que não precisa remeter a algo pejorativo - faz com que essas músicas se conectem ainda mais com o brasileiro, porque falam, na nossa língua, sobre o amor e suas consequências: a euforia, a saudade, a dor de cotovelo... um romantismo impossível de resistir.

Do sertanejo ao batidão: Roxette inspirou hits de Gusttavo Lima, Pabllo Vittar e Gaby Amarantos. Foto: Monica Zarattini/Estadão, YouTube/Gusttavo Lima Oficial/Reprodução, YouTube/Pabllo Vittar/Reprodução e Felipe Rau/Estadão

Sintetizadores marcados, refrões açucarados, teclados que ecoam, agudos sem limites. A atmosfera sonora dos anos 1980 tem mais semelhança com a música brasileira atual do que se imagina.

Quem acompanhou o soft rock oitentista pode encontrar familiaridade em alguns dos recentes hits brasileiros: é o caso de Desejo Imortal e Na Hora de Amar, de Gusttavo Lima, Uma Vida a Mais, de Marília Mendonça com Maiara & Maraisa, e Pede Pra Eu Ficar, de Pabllo Vittar.

O que esses sucessos têm em comum? Todos são versões do Roxette.

Marie Frederiksson, cantora do Roxette. Foto: Patrik Stollarz / AFP

A banda de pop rock lançou músicas que fizeram sucesso no Brasil no final dos anos 1980 e início dos 90, como The Look, Listen to Your Heart e It Must Have Been Love. Liderado por Marie Fredriksson e Per Gessle, o grupo ficou por quase quatro décadas na ativa e teve fim com a morte da vocalista, em 2019. Os suecos começaram a carreira em 1979, e nos anos 1980, já tinham 19 músicas no topo das paradas do Reino Unido.

No país da novela, viraram trilha de uma dezena delas, como Perigosas Peruas, Sexo dos Anjos e Verão 90. A banda fez algumas passagens pelo Brasil e participou de programas de auditório, como pedia o figurino de um ídolo popular no País.

Mais de 30 anos depois, o Roxette ganha nova roupagem na voz de cantores brasileiros. O pode motivar essa invasão do mais puro rock romântico - pejorativamente chamado de farofa - na música brasileira contemporânea?

Sofrimento em comum

Nas versões sertanejas dos hits do Roxette, os elementos que fizeram sucesso com a banda também estão ali: o teclado em destaque, a linha de voz mais aguda. Em Desejo Imortal, versão de It Must Been Love lançada por Gusttavo Lima em 2023, há o diferencial que a melodia puxa para a bachata e o bolero - ritmos latinos que influenciam o estilo musical brasileiro.

Em 2017, o cantor também regravou um sucesso na voz de Cleiton e Camargo nos anos 1990, Na Hora de Amar, versão para Spending My Time. Não estranhe se o refrão parecer familiar: “Você deve estar / com medo de contar.... Que seu amor/ por mim acabou...”. O sofrimento amoroso está ali, seja no rock, seja no sertanejo.

O segredo está no romantismo

Para Gabriel Agra, compositor sertanejo, o romantismo evocado por bandas como Roxette mexem com o coração do brasileiro, assim como a nossa música pejorativamente chamada de ”brega”.

A melodia do soft rock evoca sentimentos como o amor, a saudade e a raiva. Isso a torna universal, gera uma identificação poderosa em qualquer lugar do planeta

Ele é um dos compositores de Uma Vida a Mais, lançada pelo projeto As Patroas em 2020. Para ele, foi a primeira “guinada do Roxette no sertanejo” nos últimos anos. Ao Estadão, o compositor explica como ele, Juliano Tchula e as Patroas (Marília Mendonça, Maiara e Maraísa) criaram a versão.

Eles buscavam uma música estrangeira que tivesse uma levada romântica e evocasse sentimentos profundos no ouvinte, para criarem a letra por cima. Quando colocaram para tocar Listen to Your Heart, Marília e Maraisa gritaram “é essa!”, relembra ele.

Talvez o fato de nenhum de nós falar bem inglês nos fez criar uma letra com aquela melodia que estava soprando em nossos corações. E, escutando Roxette, não tem como não se inspirar

A subida de tom que acontece nos refrões dos hits do Roxette também se encaixa bem na música popular do Brasil, do sertanejo ao tecnobrega. Em resumo: a verdadeira música pra cantar junto na mesa do bar - chorar é consequência.

Essa é a mistura de Brasil com Suécia

No tecnobrega do Pará a banda também fez escola. O teclado marcante do pop oitentista se misturou às batidas eletrônicas e até à sanfona. O resultado foi uma deliciosa mistura rítmica de Brasil com Suécia. Diversas bandas do estilo fizeram suas versões do Roxette ainda nos anos 2000.

Gaby Amarantos também já compôs por cima da batida melosa da dupla: quando começou a carreira em Belém, na banda TecnoShow, cantou Não Vou Te Deixar - versão para I Don’t Want to Get Hurt. A cantora regravou sua versão em 2022.

Gaby - que ouve Roxette desde a adolescência e tem até contato com o fã-clube no Brasil - conta que a banda influenciou o movimento no tecnobrega do Pará. Mesmo com a dificuldade de acesso aos discos do duo em Belém, o fato de serem músicas radiofônicas fez com que se tornassem popular. “A galera do pop e sertanejo estarem gravando as versões agora é um caminho que nós, do tecnobrega, abrimos lá atrás.”

Eu amo a voz da Mary Fredriksson e sempre gostei muito do trabalho do Per Gessle, porque ele é um produtor muito f***. Fico mandando mensagem pra ele no inbox do Instagram [risos] dizendo que eu sou muito fã, agradecendo por ele ter liberado a música pra mim...

Gaby Amarantos

Gaby Amarantos lançou o EP 'TecnoShow', com versões para hits de Roxette, Bee Gees e Cyndi Lauper Foto: @Lucas Mariano

Além da versão presente no álbum TecnoShow, vencedor do Grammy Latino, Gaby também canta o refrão Perdendo Meu Tempo - tradução literal para Spending My Time, entre outras versões.

Abrasileirar o máximo possível

Pabllo Vittar lançou sua própria versão para Listen to Your Heart, chamada Pede Pra Eu Ficar, um batidão inspirado no forró eletrônico.

Em entrevista ao Estadão, Zebu, produtor de Pabllo Vittar, aponta para um aspecto temporal das canções de soft rock que têm a ver com a personalidade do brasileiro.

“Os anos 1980 foram marcados como uma época muito emocionada - e emocionante. Penso que isso pegou muito no Brasil até hoje, porque o sofrimento e amor sempre estão em alta na nossa música”, explica.

As tendências vêm e voltam, mas aquelas canções com clima de ‘chorar no boteco’ sempre estarão em alta no coração brasileiro

O produtor conta que a escolha por fazer uma versão de Listen to your heart foi da própria Pabllo. Essa referência do Roxette veio das bandas de forró eletrônico, que tradicionalmente fazem versões de música estrangeira de forma independente - ou, mais claramente, sem autorização do artista estrangeiro. No caso da Pabllo, por ser uma cantora de grande alcance, a autorização da banda era fundamental - e foi prontamente atendida.

“Tentamos ser fiéis às versões de forró do Nordeste”, explica Zebu. “Alguns elementos nós mantivemos mais semelhantes à versão original [do Roxette] com aquele piano do início bem clássico dos anos 1980 e as guitarras. Mas a ideia era abrasileirar tudo o que fosse possível”, aponta Zebu.

Com o projeto Batidão Tropical - nascido em 2021 e que ganha novo fôlego com o lançamento de Pede Pra Eu Ficar - Pabllo revisita hits do imaginário brega com uma roupagem mais pop e comercial. O single recente acena para outra versão do Roxette, da banda Desejo de Menina, chamada Deixa Eu te Amar.

Música de importação

O aspecto econômico da indústria cultural latinoamericana, de “importar” tendências musicais da Europa e Estados Unidos, também contribui pra essa comoção em torno do Roxette e da música dos anos 1980 de modo geral.

Rafael Azevedo, doutor em Comunicação Social pela UFMG e autor do livro O brega paraense em deriva (2021), concorda. “No universo do forró e da música brega paraense há muitas versões de músicas internacionais que fizeram sucesso localmente”, diz.

O pesquisador afirma que a partir dos anos 1980, o sertanejo também se inspirou muito no ‘rock farofa’ e no universo pop, como acontece hoje com o próprio Roxette. A entrada das guitarras no sertanejo também é central para a guinada do romantismo que inspirou o estilo a partir dos anos 1990, fortemente influenciado pelo hard rock e o country.

Rafael lembra que o uso de versões na produção musical brasileira já era forte na Jovem Guarda dos anos 1960 - basta lembrar que Renato e Seus Blue Caps embalaram muitos casais apaixonados ao som de Feche os Olhos - muitos nem imaginavam que essa canção poderia ser uma versão dos Beatles (All My Loving), só para citar um exemplo. “Esse movimento é muito estratégico em termos de posicionamento de mercado e de popularização musical”, diz.

A apropriação dessas canções internacionais - que não precisa remeter a algo pejorativo - faz com que essas músicas se conectem ainda mais com o brasileiro, porque falam, na nossa língua, sobre o amor e suas consequências: a euforia, a saudade, a dor de cotovelo... um romantismo impossível de resistir.

Do sertanejo ao batidão: Roxette inspirou hits de Gusttavo Lima, Pabllo Vittar e Gaby Amarantos. Foto: Monica Zarattini/Estadão, YouTube/Gusttavo Lima Oficial/Reprodução, YouTube/Pabllo Vittar/Reprodução e Felipe Rau/Estadão

Sintetizadores marcados, refrões açucarados, teclados que ecoam, agudos sem limites. A atmosfera sonora dos anos 1980 tem mais semelhança com a música brasileira atual do que se imagina.

Quem acompanhou o soft rock oitentista pode encontrar familiaridade em alguns dos recentes hits brasileiros: é o caso de Desejo Imortal e Na Hora de Amar, de Gusttavo Lima, Uma Vida a Mais, de Marília Mendonça com Maiara & Maraisa, e Pede Pra Eu Ficar, de Pabllo Vittar.

O que esses sucessos têm em comum? Todos são versões do Roxette.

Marie Frederiksson, cantora do Roxette. Foto: Patrik Stollarz / AFP

A banda de pop rock lançou músicas que fizeram sucesso no Brasil no final dos anos 1980 e início dos 90, como The Look, Listen to Your Heart e It Must Have Been Love. Liderado por Marie Fredriksson e Per Gessle, o grupo ficou por quase quatro décadas na ativa e teve fim com a morte da vocalista, em 2019. Os suecos começaram a carreira em 1979, e nos anos 1980, já tinham 19 músicas no topo das paradas do Reino Unido.

No país da novela, viraram trilha de uma dezena delas, como Perigosas Peruas, Sexo dos Anjos e Verão 90. A banda fez algumas passagens pelo Brasil e participou de programas de auditório, como pedia o figurino de um ídolo popular no País.

Mais de 30 anos depois, o Roxette ganha nova roupagem na voz de cantores brasileiros. O pode motivar essa invasão do mais puro rock romântico - pejorativamente chamado de farofa - na música brasileira contemporânea?

Sofrimento em comum

Nas versões sertanejas dos hits do Roxette, os elementos que fizeram sucesso com a banda também estão ali: o teclado em destaque, a linha de voz mais aguda. Em Desejo Imortal, versão de It Must Been Love lançada por Gusttavo Lima em 2023, há o diferencial que a melodia puxa para a bachata e o bolero - ritmos latinos que influenciam o estilo musical brasileiro.

Em 2017, o cantor também regravou um sucesso na voz de Cleiton e Camargo nos anos 1990, Na Hora de Amar, versão para Spending My Time. Não estranhe se o refrão parecer familiar: “Você deve estar / com medo de contar.... Que seu amor/ por mim acabou...”. O sofrimento amoroso está ali, seja no rock, seja no sertanejo.

O segredo está no romantismo

Para Gabriel Agra, compositor sertanejo, o romantismo evocado por bandas como Roxette mexem com o coração do brasileiro, assim como a nossa música pejorativamente chamada de ”brega”.

A melodia do soft rock evoca sentimentos como o amor, a saudade e a raiva. Isso a torna universal, gera uma identificação poderosa em qualquer lugar do planeta

Ele é um dos compositores de Uma Vida a Mais, lançada pelo projeto As Patroas em 2020. Para ele, foi a primeira “guinada do Roxette no sertanejo” nos últimos anos. Ao Estadão, o compositor explica como ele, Juliano Tchula e as Patroas (Marília Mendonça, Maiara e Maraísa) criaram a versão.

Eles buscavam uma música estrangeira que tivesse uma levada romântica e evocasse sentimentos profundos no ouvinte, para criarem a letra por cima. Quando colocaram para tocar Listen to Your Heart, Marília e Maraisa gritaram “é essa!”, relembra ele.

Talvez o fato de nenhum de nós falar bem inglês nos fez criar uma letra com aquela melodia que estava soprando em nossos corações. E, escutando Roxette, não tem como não se inspirar

A subida de tom que acontece nos refrões dos hits do Roxette também se encaixa bem na música popular do Brasil, do sertanejo ao tecnobrega. Em resumo: a verdadeira música pra cantar junto na mesa do bar - chorar é consequência.

Essa é a mistura de Brasil com Suécia

No tecnobrega do Pará a banda também fez escola. O teclado marcante do pop oitentista se misturou às batidas eletrônicas e até à sanfona. O resultado foi uma deliciosa mistura rítmica de Brasil com Suécia. Diversas bandas do estilo fizeram suas versões do Roxette ainda nos anos 2000.

Gaby Amarantos também já compôs por cima da batida melosa da dupla: quando começou a carreira em Belém, na banda TecnoShow, cantou Não Vou Te Deixar - versão para I Don’t Want to Get Hurt. A cantora regravou sua versão em 2022.

Gaby - que ouve Roxette desde a adolescência e tem até contato com o fã-clube no Brasil - conta que a banda influenciou o movimento no tecnobrega do Pará. Mesmo com a dificuldade de acesso aos discos do duo em Belém, o fato de serem músicas radiofônicas fez com que se tornassem popular. “A galera do pop e sertanejo estarem gravando as versões agora é um caminho que nós, do tecnobrega, abrimos lá atrás.”

Eu amo a voz da Mary Fredriksson e sempre gostei muito do trabalho do Per Gessle, porque ele é um produtor muito f***. Fico mandando mensagem pra ele no inbox do Instagram [risos] dizendo que eu sou muito fã, agradecendo por ele ter liberado a música pra mim...

Gaby Amarantos

Gaby Amarantos lançou o EP 'TecnoShow', com versões para hits de Roxette, Bee Gees e Cyndi Lauper Foto: @Lucas Mariano

Além da versão presente no álbum TecnoShow, vencedor do Grammy Latino, Gaby também canta o refrão Perdendo Meu Tempo - tradução literal para Spending My Time, entre outras versões.

Abrasileirar o máximo possível

Pabllo Vittar lançou sua própria versão para Listen to Your Heart, chamada Pede Pra Eu Ficar, um batidão inspirado no forró eletrônico.

Em entrevista ao Estadão, Zebu, produtor de Pabllo Vittar, aponta para um aspecto temporal das canções de soft rock que têm a ver com a personalidade do brasileiro.

“Os anos 1980 foram marcados como uma época muito emocionada - e emocionante. Penso que isso pegou muito no Brasil até hoje, porque o sofrimento e amor sempre estão em alta na nossa música”, explica.

As tendências vêm e voltam, mas aquelas canções com clima de ‘chorar no boteco’ sempre estarão em alta no coração brasileiro

O produtor conta que a escolha por fazer uma versão de Listen to your heart foi da própria Pabllo. Essa referência do Roxette veio das bandas de forró eletrônico, que tradicionalmente fazem versões de música estrangeira de forma independente - ou, mais claramente, sem autorização do artista estrangeiro. No caso da Pabllo, por ser uma cantora de grande alcance, a autorização da banda era fundamental - e foi prontamente atendida.

“Tentamos ser fiéis às versões de forró do Nordeste”, explica Zebu. “Alguns elementos nós mantivemos mais semelhantes à versão original [do Roxette] com aquele piano do início bem clássico dos anos 1980 e as guitarras. Mas a ideia era abrasileirar tudo o que fosse possível”, aponta Zebu.

Com o projeto Batidão Tropical - nascido em 2021 e que ganha novo fôlego com o lançamento de Pede Pra Eu Ficar - Pabllo revisita hits do imaginário brega com uma roupagem mais pop e comercial. O single recente acena para outra versão do Roxette, da banda Desejo de Menina, chamada Deixa Eu te Amar.

Música de importação

O aspecto econômico da indústria cultural latinoamericana, de “importar” tendências musicais da Europa e Estados Unidos, também contribui pra essa comoção em torno do Roxette e da música dos anos 1980 de modo geral.

Rafael Azevedo, doutor em Comunicação Social pela UFMG e autor do livro O brega paraense em deriva (2021), concorda. “No universo do forró e da música brega paraense há muitas versões de músicas internacionais que fizeram sucesso localmente”, diz.

O pesquisador afirma que a partir dos anos 1980, o sertanejo também se inspirou muito no ‘rock farofa’ e no universo pop, como acontece hoje com o próprio Roxette. A entrada das guitarras no sertanejo também é central para a guinada do romantismo que inspirou o estilo a partir dos anos 1990, fortemente influenciado pelo hard rock e o country.

Rafael lembra que o uso de versões na produção musical brasileira já era forte na Jovem Guarda dos anos 1960 - basta lembrar que Renato e Seus Blue Caps embalaram muitos casais apaixonados ao som de Feche os Olhos - muitos nem imaginavam que essa canção poderia ser uma versão dos Beatles (All My Loving), só para citar um exemplo. “Esse movimento é muito estratégico em termos de posicionamento de mercado e de popularização musical”, diz.

A apropriação dessas canções internacionais - que não precisa remeter a algo pejorativo - faz com que essas músicas se conectem ainda mais com o brasileiro, porque falam, na nossa língua, sobre o amor e suas consequências: a euforia, a saudade, a dor de cotovelo... um romantismo impossível de resistir.

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