‘Acha que eu batia em Gal? Fala sério’, diz Wilma Petrillo, viúva da cantora; leia entrevista


Ao ‘Estadão’, a empresária diz temer pela integridade de Gabriel Costa, filho da cantora, que ela reconhece como dela também e com quem trava disputa jurídica. Defesa de Gabriel diz que Wilma demonstra desprezo pelo rapaz; veja vídeo exclusivo

Por Danilo Casaletti
Atualização:
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comWilma PetrilloEmpresária

A cantora Gal Costa (1945-2022) gravou centenas de músicas ao longo de quase 60 anos de carreira. Uma delas, porém, faz com que a empresária Wilma Petrillo se lembre da cantora de forma especial: Meu Bem, Meu Mal, composição de Caetano Veloso, lançada por Gal em 1981, doze anos antes das duas se conhecerem em Nova York. Gal e Wilma teriam convivido por quase 30 anos.

“Ela cantava essa para mim. E também Morena do Mar e A Handful Of Stars”, diz Wilma, 74 anos, com fala pausada para a reportagem do Estadão, durante entrevista exclusiva realizada no escritório da empresária, na região dos Jardins - antes de ser divulgado nesta terça, 9, pelo G1, que a Justiça de São Paulo negou a pedido de exumação feito por Gabriel Costa. Ao Estadão, defesa de Gabriel afirma que vai recorrer da decisão.

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A Justiça também determinou que o processo seja encaminhado à investigação por meio da Central de Inquéritos Policiais e Processos (CIPP) para a apuração de um possível crime por parte de Wilma. A reportagem do Estadão voltou a entrar em contato com a defesa de Wilma na manhã desta quarta-feira, 10. A advogada Vanessa Bispo afirmou que a empresária não foi citada nessa ação de exumação. “Os fatos que Gabriel imputa a Wilma são graves e ele terá que provar”, diz a advogada.

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Vanessa disse ainda que Wilma tem interesse em que os fatos sejam esclarecidos e que ela não se opõe a uma investigação. Afirmou ainda achar estranho que Gabriel, aparentemente, não tenha solicitado ao Hospital Albert Einstein, onde Gal fazia um tratamento para uma neoplastia maligna [câncer] de cabeça e pescoço, os boletins médicos que podem atestar a gravidade da doença da cantora.

Relembre o caso e as acusações e entenda o contexto da disputa

Desde a morte de Gal, em novembro de 2022, Wilma Petrillo, que atuou como empresária da cantora, ganhou os holofotes. Inicialmente por requerer o reconhecimento de união estável com Gal - o que causou surpresa e indignação em muito gente, já que a cantora sempre manteve discrição sobre sua vida amorosa - e, consequentemente, ter direito à herança da cantora.

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Posteriormente, por ser personagem de uma reportagem publicada pela revista Piauí em junho de 2023 na qual foi alvo de denúncias de mais de uma dezena de pessoas que a acusaram de golpes financeiros, assédio moral e agressões físicas e verbais, inclusive contra Gal. “Nunca provaram nada”, diz Wilma.

A empresária Wilma Petrillo durante entrevista ao 'Estadão' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Wilma segue no foco. Depois de ter a união estável reconhecida pela Justiça e ter sido declarada como inventariante dos bens de Gal, a empresária trava uma batalha contra Gabriel Costa, filho único da cantora, de 18 anos. Registrado apenas no nome de Gal, Gabriel, em um primeiro momento, reconheceu perante um juiz, em uma audiência realizada em março de 2023, a união entre a mãe e Wilma, a quem tratava como madrinha.

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Nos meses seguintes à morte de Gal, Wilma e Gabriel pareciam mesmo viver em harmonia. Foram vistos juntos em um show de Chico Buarque, em março de 2023. No entanto, no fim de janeiro deste ano, Gabriel deixou a casa em que morava com Wilma, mesmo local onde Gal morreu. Um mês depois, entrou com uma ação anulatória da união estável e pediu que a Justiça retirasse Wilma da função de inventariante. O caso ainda não foi analisado pela Justiça.

No processo ao qual o Estadão teve acesso, a defesa de Gabriel alega que ele estava sob efeitos de medicamentos administrados por Wilma e, por isso, “teve sua capacidade cognitiva severamente reduzida” e que a declaração que prestou “se encontra maculada por coação física e psicológica”.

À reportagem, Wilma nega que administrava medicamentos a Gabriel, a quem ela chama de “filho” a todo momento. Ela atribui a mudança de comportamento de Gabriel à sua atual namorada, a fonoaudióloga Daniela Tonani Izzo, de 50 anos, mãe da ex-namorada de Gabriel.

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“Ela está interessada na herança”, afirma Wilma. “Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso”, completa. O Estadão procurou Daniela, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Daniela, anteriormente, também deu uma declaração à Justiça afirmando reconhecer a união estável entre Gal e Wilma. Assim como Gabriel, ela, agora, pede a anulação do depoimento. Alega que foi ludibriada por Wilma à época.

Para provar a união estável de Gal e Wilma, a defesa de Wilma anexou ao processo inúmeras fotos delas juntas. Há ainda imagens de ambas com Gabriel. Outras duas fotos destacam as alianças iguais que elas usavam na mão esquerda e que, agora, estão no dedo anelar de Wilma. A defesa da empresária também anexou bilhetes que Gal teria escrito para Wilma. São declarações de amor. Elas se chamavam de ‘Tunca’. “Era um de nossos apelidos carinhosos”, diz a empresária. Em um desses escritos aparece a mesma frase que Wilma afirma ter ouvido da cantora instantes antes dela morrer, na madrugada do dia 9 de novembro de 2022, em sua casa, no bairro do Jardim Europa, em São Paulo: “Não sei mais viver sem você”.

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Wilma, em uma entrevista de cerca de 2h30 ao Estadão, rebateu as acusações que pesam contra ela e revelou que Gal enfrentava dívidas financeiras, o que pode fazer com que a herança deixada pela cantora seja menos do que muitos pensam - por ora, há uma casa que na escritura tem o valor de R$ 5,2 milhões e dois automóveis. Diz querer adotar Gabriel. Algumas das respostas à reportagem tiveram a intervenção de sua nova advogada, Vanessa Bispo, que assumiu o caso há cerca de três semanas e trabalha na tese de que Gabriel se encontra em situação de vulnerabilidade psicológica. “Morando em um hotel vagabundo na Avenida Paulista”, diz Wilma, em um dos poucos momentos da entrevista em que se exaltou.

Procurada pela reportagem, a defesa de Gabriel enviou a seguinte nota: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

Previamente, a advogada Mariana de Athayde Ferreira afirmou à reportagem do Estadão que Gabriel não quer conceder entrevista pois ficou “incomodado” com as notícias envolvendo o nome de sua namorada. Ela reafirmou a versão de que Gabriel ingeriu medicamentos ministrados por Wilma.

Leia a entrevista exclusiva com Wilma Petrillo

Ao final, estão as respostas das pessoas citadas.

A relação, profissional ou afetiva, entre a senhora e Gal existe desde 1993, é isso? Começou em um avião rumo a Nova York, com a senhora oferecendo uma garrafa de champanhe para Gal?

Estávamos juntas desde o dia 5 de novembro de 1993. Mas essa história do avião é mentira. Eu não bebo, Gal não bebe. Para que eu ia mandar uma garrafa de champanhe para ela beber no avião? Isso é lenda, fantasia. Coisa de gente cafajeste. Eu morava em Nova York, conhecia os donos da festa Brazilian Day, que eu acho cafona. Todo ano eles convidavam uma personalidade. Em 1993, convidaram Gal. Foi onde nos encontramos, apesar de que eu já tinha assistido a um show dela quatro ou cinco anos antes, no Brasil.

Quem decidiu adotar Gabriel?

Nós duas. Eu mais. Enchia o saco dela. Gal dizia que não tinha mais idade para isso. Eu dizia que isso de idade era bobagem. Na época, apareceu uma reportagem na TV Globo, com a Gloria Maria, sobre um recém-nascido que a mãe embrulhou em um saco plástico e lançou em uma lagoa [da Pampulha, em Minas Gerais]. Gal ligou para Gloria Maria e disse que queria adotar esse bebê. Mãe Cleusa [do terreiro do Gantois, na Bahia] disse para Gal não adotar essa criança, que já estava muito estigmatizada por tudo o que tinha ocorrido. Depois disso, começamos a procurar uma criança em abrigos do Rio e São Paulo. Até que, no Rio, encontramos o Gabriel. Ficamos apaixonadas por ele. Procuramos a Luci [a advogada, que atualmente trabalha na defesa de Gabriel e que foi procuradora de Gal nos anos 1990], mas ela era funcionária pública, não podia advogar. Substabeleceu o caso para um colega meio doidinho. Cobramos a Luci, ela enfiou o dinheiro no bolso e perdemos a adoção na Justiça em segunda instância. Eu fiquei desesperada. Em São Paulo, encontrei o Paulo Henrique Lucon [advogado e ex-juiz que agora assina uma declaração a favor do reconhecimento da união estável entre Gal e Wilma, anexada ao processo] e conseguimos a adoção.

Apenas Gal registrou Gabriel, não?

A gente nem pensou nisso. [A advogada Vanessa Bispo intervém para dizer que, à época, 18 anos atrás, não existia isso de dois homens ou duas mulheres registrarem uma criança no nome de dois homens ou duas mulheres. “Diante de toda a confusão que essa mulher, Luci, tinha feito na adoção do Gabriel, para que criar mais uma? Gal era figura pública. Ficaria mais fácil, diante de toda a situação já complicada, Gal adotar do que Wilma”].

Hoje seria uma prova da união entre as duas...

Nem passou pela nossa cabeça. Nós queríamos o Gabriel. Aliás, eu dei o nome a ele. Gal queria Emanoel, que eu não gosto. Disse a ela que esse era um nome pesado. Vamos dar Gabriel, falei. Nunca me preocupei com papel. Eu sou a segunda mãe do Gabriel, com nome ou sem nome [no registro].

A senhora, então, se considera mãe de Gabriel?

Não tenho a menor dúvida. Tudo o que eu fiz, qualquer mãe faria. Ou fiz até melhor que qualquer mãe. Cuidei de Gabriel com tanto amor, com tanto carinho. Médico, dentista, psicanalista, psicólogo, escola... Cansei de ir a reuniões. Quando eu viajava, trazia para ele, juro por Deus, três, quatro malas de roupas e brinquedos. Tudo o que uma mãe faz e mais um pouco eu fiz. Então, você imagina minha tristeza de agora ver tudo isso.

A relação entre a senhora e Gal mudou com a adoção do Gabriel?

Mudou. Mudou não, ficou mais forte. Tornou-se uma relação definitiva. Não que não fosse. Já era. Como vou te explicar? Ficou algo mais forte mesmo. Agora, tínhamos uma responsabilidade a mais, que era criar uma criança. Então, tomávamos um cuidado absurdo para que Gal não passasse nada de ruim para Gabriel. Tanto que ela estava doente – muito – com um câncer agressivo, e não disse nada a ele.

A doença de Gal, então, era grave?

Era bem grave. Ela tinha um câncer de nariz e garganta que passou para o cérebro. Ela enfrentou uma cirurgia de nove horas. Foi muito angustiante, para mim, esperar [do lado de fora da sala de cirurgia]. Gal fez todos os exames, mas só a cirurgia para confirmar mesmo a gravidade. O tumor era bem maior do que os médicos haviam dito. O médico explicou que quando você mexe no nariz, é preciso cavar para tirar as margens do tumor. Por conta disso, nessa cirurgia, Gal teve que fazer uma plástica também. Ela teria que fazer mais duas plásticas depois da radioterapia, por conta do encolhimento do tecido. Me lembro quando o médico disse para Gal que o câncer era agressivo, invasivo, e que ela teria que fazer 20 sessões de radioterapia e, após isso, fazer mais umas oito de quimioterapia. Ela ficou desesperada, mas disse que tinha fé nos orixás. Ligou para Mãe Carmem, de Salvador, que disse para ela não ter medo.

Gal tinha alguma outra doença?

Tinha um problema de pulmão bem sério. Uma DPOC [Depressão Pulmonar Obstrutiva Crônica]. Gal tinha uma tosse que era um absurdo. Tossia muito, sobretudo à noite. E não ia ao médico. Marquei três vezes, ela não foi. Acho que já estava com medo. Gal era uma pessoa teimosinha mesmo. Ela me dizia que a tosse era um cacoete.

A cantora Gal Costa em foto de 2005 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Como Gal reagiu à notícia de que estava com câncer?

Ela ficou muito assustada. Muito. Primeiro o médico disse que era um cisto, que tiraria no consultório mesmo. Depois, nos ligou para dizer que era melhor fazer no hospital. Quando chegamos ao Einstein, ele chamou o pneumologista que avaliou que Gal não poderia operar. Seria necessário fazer um tratamento primeiro. O pulmão estava bastante comprometido. Gal ficou dez dias internada para esse tratamento. Ela pediu para ser liberada e fazer o show no Coala, que foi o último dela. No dia seguinte, Gal voltou ao hospital e, um dia depois, fez a cirurgia.

O que ocorreu no dia da morte de Gal?

Fomos fazer a radioterapia. Foram 20 minutos de sessão. Ao sair, ela disse que estava com fome. Fomos à lanchonete do hospital, ela pediu uma empadinha, mas não conseguiu comer. Fomos para casa. Ela reclamou que estava muito enjoada. Pediu uma canja, mas só tomou uma colherada. Sentamos para ver televisão. Quando era uma hora da manhã, mais ou menos, ela me disse: “vamos subir?”. Nunca tinha visto Gal ir para o quarto antes das quatro horas da manhã na minha vida. Fomos para o quarto, ela chegou lá em cima bastante ofegante. Gabriel diz que estava nessa hora, mas não estava. Estava no quarto dele jogando no computador.

Gal estava com os olhinhos muito tristes. Perguntei se ela estava bem. Ela disse que estava com muito frio. Peguei um cobertor térmico, um pijama de inverno, coloquei meias. Disse que chamaria um médico. Ela não quis. Liguei para um geriatra que sugeriu levá-la para o hospital. Gal disse que, se não melhorasse, iria. Fiz um chá de capim-santo bem forte para ela tomar. Ela tomou. Deitou e dormiu uns quarenta minutos, uma hora. Ela acordou, eu falei: “e aí, Tunca? Como você está?”. Ela disse que estava melhor, não tinha mais frio. Ela deitou a cabeça no meu ombro e falou: “é, vai ser assim. Você vai ficar até, até, até... Eu não sei mais viver sem você, te amo”. Gal se virou para o lado, eu pensei que ela fosse vomitar. Eu dei a volta na cama. Ela não respondia mais. Vi que ela não tinha mais pulso. Chamei Gabriel para me ajudar a virá-la. Chamei o Samu. Comecei a fazer massagem cardíaca. Gabriel também fez, orientado pela atendente do Samu. O Samu demorou muito. Pedi que ele ligasse para o Einstein, para o Sírio. Até que falaram que ela tinha morrido. Eu pirei, Gabriel pirou.

Wilma Petrillo afirma ter vivido uma união estável com Gal Costa durante quase 30 anos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Vocês haviam decidido não contar para o Gabriel sobre a doença de Gal, foi isso?

Gal não queria de jeito nenhum. Ela tinha pavor que a doença vazasse na imprensa. Tinha pavor que Gabriel soubesse. Ficou preocupada que ele não fosse entender. Queríamos poupá-lo. Gal não contava nada de problemas para o Gabriel. Só passava para ele o que era legal. “Olha, nós vamos para a Europa, vamos para Nova York”. Gabriel achava legal, dizia: “vamos fazer compras”. Ele não tinha culpa. Foi criado assim, né?

E a senhora resolveu também não fazer autópsia para saber o que tinha ocorrido?

A menina [uma médica de ambulância que Wilma diz não se lembrar mais de qual hospital era ou se era do Samu] me perguntou se eu queria fazer a autópsia...

Foi essa médica que atestou a causa da morte?

A que atestou é uma médica que cuidou do câncer de Gal, assistente do médico Fernando Maluf.

A senhora que pediu para ela atestar?

Não, não pedi. [Nesse momento, a advogada Vanessa Bispo intervém novamente e disse estar “furiosa” com o programa Fantástico. “Eu afirmo que eles fizeram uma edição totalmente tendenciosa. Wilma ficou três horas dizendo coisas bastante esclarecedoras - e eu também - que fariam todo o sentido para os fatos”].

Então, para esclarecer: como a senhora chegou à conclusão de que a autópsia não deveria ser feita e que essa médica que cuidava de Gal poderia dar o atestado de óbito?

Eu acho o seguinte. Quando você vai ao médico, ele te dá um diagnóstico muito mais por seu histórico do que pelos exames. Às vezes, nem te examinam. Como eu sabia que Gal tinha problema no pulmão, tinha uma arritmia coronariana e estava com um câncer pesado... Uma vez estávamos vendo um programa... e eu queria te pedir muito, de joelhos, para que você corrigisse isso, porque no Fantástico disseram que Gal saiu de casa direto para o velório. É mentira. E falei para a menina [médica que Wilma afirma que estava na casa no dia da morte da Gal]: “não, não precisa da autópsia”. Nós estávamos vendo um programa na televisão, um ou dois meses antes, sobre autópsia. Gal virou para mim e disse: “Deus me livre. Você morre e ainda fazem isso com você. Eu não quero que façam comigo”. Ela já tinha sofrido muito, bastante. Eu não queria que fosse feita uma autópsia em Gal.

Eu chamei uma agência funerária que fica na [rua] São Carlos do Pinhal [Funeral Home]. O corpo da Gal foi levado para lá às quatro horas da tarde. Eu queria esperar a Kati Almeida Braga [empresária, dona da gravadora Biscoito Fino]. Elas trouxeram tudo. Disseram que o caixão era vagabundo. Magina (sic). Custou R$ 12 mil. Não tem nada de vagabundo. As pessoas são cruéis. Veio um pessoal da Bahia, do Gantois. Mãe Carmem mandou quatro irmãos de santo de Gal e eles fizeram uma axexê [ritual fúnebre para uma pessoa importante na comunidade religiosa]. Gal foi enterrada em um cemitério em São Paulo porque o jazigo é da minha família e Gal é da minha família. Meus sobrinhos chamavam Gal de tia. Ela achava o maior barato.

Os amigos de Gal disseram que ela queria ser enterrada no Rio, no jazigo onde está a mãe.

As pessoas não sabem e falam bobagem. Gal, realmente, tinha um jazigo no qual colocou dona Mariah. Mas ela jamais falou que queria ser enterrada aqui ou lá. Porque, assim, para Gal, a morte não existia. Na cabecinha dela, ela iria morrer, sei lá, com 120 anos, igual dona Canô, algo assim. Gal tinha outros planos para esse jazigo que eu não vou falar porque todo mundo vai dizer que eu estou mentindo. Em 30 anos de convivência, nós fomos ao jazigo de dona Mariah duas vezes. Gal dizia: “eu não venho mais porque minha mãezinha não está aqui”. Preferia ir na igreja rezar por ela. Pensando que Gal era da minha família, por que não a colocar perto de mim e do filho? É um cemitério particular [Cemitério Venerável da Ordem Terceira Nossa Senhora do Carmo], exclusivo, tombado. É um jazigo bonito, não tem nada de esculhambado como dizem. Só que você precisa tocar a campainha e dizer “vim ver o túmulo de Gal Costa”.

A senhora nunca proibiu o acesso dos fãs ao túmulo [isso foi alegado por alguns admiradores de Gal]?

Nunca. Nem posso. Como vou proibir? Tem um menino que disse que fui ao cemitério brigar. Mentira. O que ocorreu é que começaram a colocar fotografias. Eu tirei. Nem fui eu que tirei, na verdade. Foi o pessoal do cemitério. Eu nem estava andando na época [devido à queda que resultou na fratura de fêmur, em dezembro de 2022]. Minha recuperação durou oito meses.

A senhora não acha legítimo que Gabriel, que não foi informado sobre a doença da mãe, queira a exumação do corpo de Gal para saber o que possa ter ocorrido?

Sabe por que não? Quer dizer, é legítimo ele pedir o que quiser. Para mim, tanto faz. Quer dizer, tanto faz não. Acho legítimo ele pedir porque não sabia, mas, no dia seguinte do enterro de Gal, eu expliquei tudo para ele. Do câncer, do problema do pulmão. Ele entendeu direitinho. Gabriel não tem nada de burro. Gabriel é esperto. Muito esperto. Mais esperto que você e eu juntos. Eu expliquei que Gal estava com câncer, falei da cirurgia, da radioterapia, que foi muito forte, que ela talvez não tenha suportado. Gal tinha 77 anos.

A senhora e Gabriel, depois da morte de Gal, continuaram a viver juntos, na mesma casa, foram juntos ao show do Chico Buarque, por exemplo...

Maravilhosamente bem.

Em que momento ou o que fez essa relação entre a senhora e Gabriel se deteriorar?

Eu tinha uma relação fantástica com o Gabriel. De amor, com muito amor. Uma criança que eu cuidei, amei, desde os dois anos de idade. A partida de Gal só nos uniu. Ele me dizia: “agora eu só tenho a você. Minha mãe já foi, a primeira já foi (a biológica)”. Eu respondia: “eu também, Fufo”. Eu dizia, “vamos vender essa casa que só nos traz péssimas recordações, vamos para Nova York, para a Europa”. Gabriel tinha muitos amigos, mas, hoje em dia, não tem mais. Essa mulher o afastou de todos.

Quem é essa mulher a quem a senhora se refere?

É a Daniela Tonani [fonoaudióloga de 50 anos, mãe de Luísa Tonani, ex-namorada de Gabriel]. Eu levava Gabriel na casa de um amigo no Ipiranga, ia buscar às duas, três da manhã. Levava em outro na Pompeia. Enfim, era extremamente carinhosa com ele, e ele comigo. Ele começou a namorar uma menina, muito bonitinha, na Mooca. O pai dela não a deixava vir para minha casa. Todo dia o Gabriel tinha que ir para a Mooca. Era um saco! A mãe da menina (Daniela) começou a trazê-lo todo dia para casa, sem a filha. Eu a chamei e disse: “olha, vocês ficam na porta de casa, dentro do carro, conversando, é perigoso. Por que vocês não entram e conversam na sala?” Comecei a achar tudo muito esquisito. Gabriel dizia que a Luísa não vinha porque estava com sono. Um dia, ele me disse que não queria namorar mais a Luísa. Eu achei normal, um garoto de 17 anos, não vai casar, né? De repente, a Daniela começou a vir em casa com a desculpa de que tinha que resolver o problema da Luísa com o Gabriel. Eu estava em uma cama hospitalar, ela chegou do meu lado e disse: “Gabriel brigou com a Luísa, ele precisa falar com ela, ela está muito mal”. E começou a ligar para o Gabriel ir para a Mooca outra vez.

Um dia perguntei para o Gabriel: “você está namorando a mãe da Luísa?”. Ele sentou na minha cama e disse: “Wi, vou te contar uma coisa. A gente foi em um centro espírita e um espírito que veio disse que eu a Daniela fomos amante em uma encarnação passada e que agora nós nos reencontramos e que temos que ficar juntos”.

Eu disse para o Gabriel: “vamos no Zé, um espírita amigo meu, que tem um centro espírita sério” – ele, aliás, já havia me avisado que eu iria enfrentar uma encrenca boa – “para esclarecer isso”. Mas Gabriel não foi.

Um dia, ela ligou dizendo que o marido a tinha agredido, quebrado a clavícula dela. Pediu que Gabriel fosse encontrá-la em um hotel de luxo [segundo a advogada de Wilma, Gabriel, então com 17 anos, se hospedou com um RG falsificado]. Uma mulher de 50 anos, com um garoto de 17, para resolver os problemas dela? Como assim? Queriam viajar para Montes Verdes, Riviera. Viagens românticas. Pedi para conversar com a Daniela, mas ela inventava desculpas.

Em janeiro (de 2024), três horas da manhã, Gabriel me disse: “Daniela quer que eu passe uma semana com ela no hotel”. “Para quê?”, eu o questionei. Ele disse que Daniela não queria mais ficar em casa. Eu disse para ele que isso era uma arapuca.

De repente, meus advogados me ligaram e disseram que tinha ocorrido uma loucura. Uma coisa bárbara com o Gabriel. Quando eles falaram “com o Gabriel”, eu entrei em pânico. Pensei em um acidente, algo de grave. Aí eles me explicaram que Gabriel havia entrado com uma ação, pedindo a anulação do reconhecimento da minha união estável com Gal. Eu fiquei atônita.

Gabriel não havia falado nada com a senhora?

Um pouco antes, eu comecei a ficar com raiva da Daniela. Porque Gabriel, que nunca foi criado com a preocupação de ter ou não dinheiro, perguntou para mim: “Wi, você é mais velha que eu. Pela lógica, você deve morrer antes de mim”. Eu disse a ele que não, que ele podia ser atropelado na rua e morrer antes. Ele continuou: “se você morrer antes de mim, seus irmãos ficam com tudo? [Wilma tem dois irmãos vivos]”. Eu disse que não, que podia fazer um testamento, usufruto, adotá-lo. O inventário estava quase no fim... Aí eu saquei que tinha sido coisa da Daniela.

A senhora atribui as ações recentes de Gabriel a uma influência da Daniela, é isso?

Sim. Só pode vir dela. Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso. Quando teve aquela avalanche de falarem mal de mim, e eu nem sei por que, começaram a falar que eu manipulava Gal. Gal não era uma pessoa manipulável. As pessoas não conhecem Gal. Acham que ela era uma figura doce, que obedecia a todos. Não obedecia a ninguém. Gal tinha personalidade. Foi uma pessoa muito forte. Que veio da Bahia, sem dinheiro... Você acha que era manipulável?

Amigos e fãs afirmam que a senhora afastou Gal de muita gente...

Eles falam o que querem... Falam que eu a manipulava, que eu gastava o dinheiro dela...

Antes da entrevista, a senhora me disse que queria fazer uma turnê que juntasse Gal e Bethânia. Também acusam a senhora, dizendo que afastou Gal de Bethânia, do Gil, do Caetano...

(risos) Magina! (sic) Moramos por muito tempo ao lado de Caetano na Bahia. Caetano era a pessoa que Gal tinha mais contato. Com Gil, ela fez uma turnê [Trinca de Ases, em 2017]. Eu não a afastei de ninguém. Gal se afastou porque ela quis. Gal era uma pessoa que se ela cismasse que alguém não tinha uma boa vibração, nem Deus tirava isso da cabeça dela. Dona Mariah a chamava de mula. Eu era sócia da Gal, mas não administrava nada, não fazia pagamentos. Gal comprava o que queria. Quando voltou para a Bahia, comprou sete automóveis.

O público esperava por uma nova turnê dos Doces Bárbaros (Gal, Bethânia, Caetano e Gil)...

Ah, já estavam todos velhos. Não ia funcionar. Seria como juntar os Beatles hoje em dia, se John Lennon e George Harrison estivessem vivos. Acho que não era algo novo [para se fazer].

Gal, então, tinha independência financeira?

Total.

Quando queria comprar algo, comprava, pagava e não precisava te consultar, por exemplo?

Ou não pagava... Ela só fazia o que queria. Ninguém mandava em Gal. Ninguém.

Quando a senhora conheceu Gal, ela estava no auge. Tinha uma cobertura no Rio, apartamento em Nova York, fez casa em Trancoso. Depois, ainda viveu outros auges na carreira. O que ocorreu com todos esses bens?

Não era tudo junto. Quando eu a conheci, ela tinha um sítio em Petrópolis, quatro salas comerciais no Leblon, o apartamento de Dona Mariah e uma cobertura em São Conrado. Ela me disse que queria sair do Rio, ir para São Paulo ou Nova York. A cobertura dela era deslumbrante, vizinha à do Boni [ex-diretor geral da TV Globo]. Eu tinha uma casa em Porto Seguro. Ela foi comigo até lá e se encantou pelo lugar. Fomos a um restaurante, quando entramos, estava tocando Billie Holiday. Foi a conta. Um rapaz, que estava sem dinheiro, estava vendendo um terreno. Ele nem sabia a metragem direito. Como eu estava acostumada, minha família tinha muitas terras, eu vi que era muito mais do que ele dizia. Disse para Gal: oferece tanto que ele te vende. Tinha 20 mil metros quadrados de área total e 125 metros de praia. Ela fez a casa, chalés, tinha canil, oito empregados.

Depois de um tempo, resolveu vender. Quis ir para Salvador e comprou uma casa. Disse que era a casa que ela sonhava desde criança. Eu havia dito que não valia o que estavam pedindo. A casa tinha problemas. Gal não ouvia. Comprou. Foram dois anos de reforma. Era vizinha a do Caetano. Ficamos lá de 1998 até 2008.

Em que momento as finanças de Gal começaram a dar problema?

Sempre foram problemáticas. Ela vendeu a cobertura do Rio e enterrou tudo na construção de Trancoso. Vendeu Trancoso, comprou essa casa em Salvador. E não tinha todo o dinheiro para isso. Pegou empréstimo no banco. Os juros eram impagáveis.

O cachê de Gal não era baixo. Ela era uma das grandes estrelas da MPB...

O cachê era, em média, R$ 180 mil, para shows corporativos [segundo apurou o Estadão, esse valor poderia ser menos do que a metade disso quando Gal recebia pela bilheteria do show, em vez de um cachê fechado e previamente acordado]. Mas tinha que pagar os músicos, impostos, Ecad, nota fiscal...

A senhora era a empresária, sócia de Gal. Ficava com uma parte ou era um dinheiro que entrava, digamos, na casa?

Eu tinha 10%. Eu era empresária, mas não administrava o dinheiro de Gal. Os músicos de Gal ganhavam fortunas [o Estadão apurou que os músicos que tocavam com Gal ganhavam cachês equivalentes aos pagos por artistas como Caetano Veloso e Maria Bethânia], mais os produtores, mais o roadie, mais o teleprompter, meus 10%. O que sobrava ficava com ela, que gastava como queria.

Como Gal lidava com as dívidas?

Não lidava. Quando a coisa apertava, ela pedia para os advogados resolverem. Gal era completamente desorganizada financeiramente. Quando ela veio gravar um programa em São Paulo, viu o colégio Dante Alighieri e disse que queria que Gabriel estudasse lá. Pedimos que uma amiga corretora indicasse um apartamento. Ela nos mostrou um caríssimo na [rua] José Maria Lisboa. Gal entrou por uma porta, saiu por outra e disse: “eu quero”. Nem perguntou o preço. Tempos depois, foi levar o Gabriel no Dante e viu um prédio em frente ao colégio, perguntou se tinha um apartamento para vender. Gostou e comprou. Tinha mais de 500 metros quadrados. Teve que vender para pagar o banco, que era uma dívida monstruosa.

A senhora tentava conter os gastos?

Sim, fiz o que pude.

A disputa entre a senhora e Gabriel envolve a herança de Gal. De quanto é essa herança?

Não posso te dizer precisamente. O levantamento ainda não foi feito. Tem a casa, que não é nenhuma mansão [onde Gal morava quando morreu], que está paga, mas tem muitos impostos para serem pagos. Tem um carro, uma BMW 2013, que Gal usava e que não pode rodar porque está com o IPVA atrasado. Essa Daniela Tonani... Eu percebi o interesse dela porque um dia ela queria tirar o carro da garagem, trouxe até gasolina. Esse carro é do Gabriel. [a advogada Vanessa Bispo diz que um levantamento de bens e dívidas de Gal está sendo feito. Segundo ela, além da casa, há dois carros].

Há realmente dívidas de impostos em Nova York?

Gal também pegou empréstimo para comprar esse apartamento.

A história, até relatada pela revista Piauí, é que Gal tinha medo de entrar nos Estados Unidos porque devia impostos da venda desse apartamento...

Mentira. Gal não entrava nos Estados Unidos porque não queria. As pessoas fantasiam. Assim como dizem que eu matei um cachorro dela.... Gal tinha o Green Card. Ela o recebeu por faculdades extraordinárias. Gal não podia ser barrada. Se ela tinha dívidas, teria que se ver com o imposto de renda de lá. Não com a imigração. Uma amiga nossa, americana, cantora, deve fábulas para o imposto de renda e entra e sai a hora que ela quer. Dizer que Gal ficou com medo de ir para os Estados Unidos porque eu não declarei o imposto é puro sonho.

Em 1990, Gal vivia um de seus auges na carreira com o show 'Plural' Foto: Acervo/Estadão

A reportagem da Piauí trouxe graves acusações contra a senhora. Mais de uma dezena de depoimentos. O que a senhora diz sobre isso?

Eles provaram alguma coisa? Nunca provaram nada.

Na época, a senhora não respondeu às essas acusações. Seu advogado mandou uma nota para a revista. Há denúncias de estelionato, golpes e agressões verbais e físicas contra funcionários e contra a própria Gal. A senhora pode explicar essas denúncias?

Primeiramente, eu não respondi porque eu acho que essas coisas quanto mais você mexe, pior ficar. Como era só comigo – e eu já não tinha mais a posição de empresária de Gal – eu pensei: eu vou responder à menina que trabalhava no escritório [Anamaris Torres Lecca, de acordo com a Piauí] e disse que eu ficava nua, que não deixava ela ir ao banheiro em uma sala que tinha dois banheiros? Uma menina que trabalhou lá porque eu tinha pena dela. Ela resolveu processar a gente na Justiça do Trabalho. Aí disse que eu tirava a roupa quando estava calor. Para que eu faria isso? Tinha ar condicionado, meu amor... Ela, realmente, não tinha autorização para fechar os shows de Gal porque não tinha competência nenhuma.

E as denúncias de agressões contra Gal?

Você acha que eu batia em Gal? Fala sério. Nunca bati em Gabriel.

Como era a relação entre a senhora e Gal?

Vou te contar. Como Gal havia tido relações que não foram legais, que ela não sentia saudade, nós combinamos que a nossa seria fechada [para o público]. E assim foi. Eu tinha uma cumplicidade com Gal enorme. Tanto que ela ia dizer alguma coisa e eu já sabia. Eu tinha com Gal um amor... Olha que fui casada, amei muito na minha vida. Gal era muito especial para mim. Quando eu tive o câncer, ela ficou desesperada, com medo que eu fosse morrer. Disfarcei que era forte. Se bem que eu não estava me importando muito se eu fosse morrer. Aliás, eu sabia que não iria morrer.

Pessoas com quem conversei reconhecem que havia, sim, uma união entre vocês, mas que vocês viviam uma relação tumultuada, com muitas brigas...

Não, desculpa, mas eu vou te decepcionar. Às vezes, divergíamos em algumas coisas. Exemplo: eu gosto desse copo. Ah, mas eu não gosto. Agora, tumulto? Briga de bater? Jamais. Te juro. Nunca ocorreu. Eu não sou desse tipo. Gal muito menos. Eu iria bater em Gal por que? Porque eu a achava feia, gorda, burra, que não cantava? É de uma estupidez dizer uma coisa dessas... As empregadas podem testemunhar. Aliás, minha empregada se ofereceu para testemunhar.

No Fantástico, a senhora apontou a inveja como motivadora de todas essas acusações. Qual outro motivo - concreto - haveria para tanta gente te acusar?

Uma pergunta difícil. O que posso te dizer é que vou responder judicialmente a um por um. O Marcus Preto [produtor dos últimos álbuns e shows de Gal], por exemplo, deu uma declaração dizendo que eu e Gal tínhamos uma relação abusiva e tóxica [Preto fez uma postagem em sua conta no Instagram, mas não citou o nome de Wilma ou Gal]. Quem falou para ele? O psicanalista, o psiquiatra? Dele ou de Gal? Gal não tinha psicanalista. Até onde eu sei, ele também não. Até precisaria. Ele é um rapaz que quer vencer na vida a qualquer custo. Ele está atrás de Bethânia, da Simone... Ele achava que podia me chutar e ficar como empresário de Gal. Eu te digo: ele é um maluco. Como ele pode dizer que era uma relação tóxica se ele não frequentava minha casa? Gal não contava para ele sobre nossa relação. Porque ela não contava mesmo. Não vou falar de um por um, senão vamos ficar aqui até amanhã... [A advogada afirma que a fala de Wilma sobre a inveja foi descontextualizada no programa Fantástico].

Gabriel pede a anulação do depoimento em que reconheceu sua união estável com Gal alegando que ele estava sob o efeito de remédios. A defesa dele afirma que esses remédios eram ministrados pela senhora. A senhora deu remédios a Gabriel?

O psiquiatra prescreveu uma medicação porque ele tem TDAH (diagnosticado na infância) e estava com ansiedade e depressão. Mas eu nunca administrei para ele. Eu apenas escrevi nas caixas os horários que ele deveria tomar cada um. Ele disse que sabia tomar, que não era criança. Eu, então, disse: “eu tenho total confiança em você”. Ele nunca tomou os remédios.

A defesa de Gabriel alega que a senhora o levou em outro psiquiatra, que mudou a mediação e que ele estaria dopado para dar aquele depoimento de reconhecimento da união estável entre a senhora e Gal.

Você quer que eu te responda o que? É uma mentira. Estão apelando. Eu jamais faria isso. Ele não mudou de psiquiatra.

Gabriel sabia que a senhora e Gal eram um casal?

Sabia. Ele me perguntou. Nosso casamento era público. Gal era uma pessoa pública. Eu não, pois sempre me recolhi. As mães do Dante começaram a comentar com Gabriel. Ele, então, chegou para mim e perguntou. Eu respondi que sim, que éramos casadas. E ele tem um amigo no Ipiranga cuja mãe também tem uma relação homoafetiva. Ele sabia mesmo. Eu e Gal usávamos aliança. Ele percebeu que nossos anéis eram iguais.

Wilma Petrillo usa a aliança que foi de Gal Costa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Sente-se desconfortável em expor Gabriel e enfrentá-lo na Justiça?

É muito difícil. Você criar uma pessoa com todo amor, com afeto, preocupação...Eu jamais imaginei que passaria por uma situação dessas. Em um primeiro momento, não acreditei. Fiquei pensando: o que teria ocorrido para ele ter uma reação dessas? Aí, voltei o filme e comecei a me lembrar do interesse de Daniela na herança. Ela me perguntou sobre quanto era a herança de Gal.

O seu sentimento por Gabriel mudou?

Quando eu vi tudo isso, pensei: esse não é meu filho, ele não foi educado assim.

Espera por uma reconciliação?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa do meu filho. Quando foi comigo, eu não estava nem aí. Mas, quando meu filho é colocado em uma cilada, de uma maldade, de uma crueldade sem tamanho... Você pegar um menino de 17, 18 anos, uma mulher de 50 anos, e colocá-lo em um quarto de hotel vagabundo, na Avenida Paulista... Sabe Deus se ele está indo à escola [Gabriel está no segundo ano do Ensino Médio]. Gabriel me bloqueou no WhatsApp.

No processo, Daniela Tonani alega que te emprestou dinheiro. É verdade?

Sim, me emprestou. Daniela começou a ficar enfiada na minha casa. Você entrava no quarto de Gabriel, ele estava nu, e ela estava lá, deitada na cama dele. Era uma coisa nojenta. Gabriel dizia que Daniela tinha pânico e precisava vê-lo para não ter crise. Eu estava precisando [de dinheiro], a Kati [Almeida Braga] estava viajando e ela disse que me emprestava. Acho que foram uns R$ 18 mil, R$ 20 mil. Emprestou não, pagou as contas da casa.

As primas de Gal, Verônica e Priscila Silva, também reivindicam a herança por meio de um documento antigo em que Gal dizia que deixaria tudo para uma fundação. Elas alegam que, no passado, a senhora a coagiu para anular esse documento...

Esse documento é de 1997. Gal, na época, estava preocupada porque não queria deixar nada para a família. O pai de Gal casou com a mãe dela, mas tinha outra família, no interior da Bahia. Ele tinha outros quatro ou cinco filhos. Gal dizia: “meu pai nunca meu deu uma chupeta”. Era uma mágoa muito grande que ela carregava. Ela dizia que não queria que a família do pai herdasse nada dela. Ela, então, fez esse documento, um testamento, e colocou essas duas primas. Quando apareceu Gabriel, ela anulou esse documento. Essas primas nem eram íntimas. Dá para contar nos dedos da mão as vezes que elas foram em casa. Uma delas, a Verônica, queria ser cantora. Gal tentou ajudar, mas o Mazzola [Marco, produtor] disse para Gal tirar isso da cabeça dela porque não ia dar certo. Acho que elas querem aparecer no jornal.

A senhora está com fama de vilã. Como se sente nessa posição?

Pois é, eu mato, tem que exumar porque há uma dúvida... Estou lindando mal com isso. Perder Gabriel. Me dá uma coisa... Um filho que foi criado com tanto carinho, agora está em um hotel fuleiro, com uma mulher maluca. O marido na porta da minha casa fazendo escândalo, os vizinhos aparecendo. Como eu posso ficar? Eu não tenho dinheiro para nada. Eu tenho que lavar o carro, comprar comida. Eu estou em uma situação que eu nunca me vi na vida. Eu estou mal. Não estou me fazendo de vítima. É uma situação horrorosa.

A senhora, se tiver direito à herança, administrará também o legado artístico de Gal. Como pretende conduzir essa questão? Há herdeiros que barram novos lançamentos.

Não sou assim. Não sou Aninha Jobim [viúva de Tom Jobim]. Não tenho a menor intenção de barrar nada.

Os fãs de Gal sempre te acusaram de tratá-los mal, de impedir que falassem com Gal...

Morta?

Viva. Nos camarins...

É tudo mentira. Nunca impedi ninguém de entrar no camarim. Pelo contrário. Se Gal não recebia um fã, é porque ela não queria. E não porque eu mandava. Te juro por Deus. Nunca disse “fulano não entra no camarim”. Eles não veem que falando isso estão prejudicando a própria Gal? Gal não era essa fragilidade que eles estão colocando. Tinha dias que ela não estava a fim de receber ninguém. O artista é assim. Eu conheço o Chico [Buarque] desde que eu estudava na PUC e ele na FAU. A gente frequentava um boteco na Major Sertório [centro de São Paulo] para tomar batida. Eu tinha 18 anos. No dia que eu fui ao show, eu falei: acho que vou dar um beijo no Chico. O produtor me disse: “o Chico se picou, deixou um beijo para você”. Quer dizer, o cara não estava a fim de receber. Tem dia que Caetano, Bethânia, Gil não estão a fim. Tinha dias que Gal não estava a fim. A culpa era minha? Me poupe.

A senhora interferia na parte artística de Gal?

Eu dava palpites. Mas Gal era muito teimosa. Às vezes, rejeitava os palpites. Quando o disco estava pronto, ela me mostrava, perguntava o que eu tinha achado, se tinha gostado. Lembro muito da gravação do Recanto [álbum de 2012]. Ela levou um susto [positivo, com os arranjos]. As bases chegavam, o Moreno [Veloso] ia fazendo e mandava. O Moreno, aliás, fez agora [a masterização] do Coala. Foi o último show de Gal. Ele me disse que chorou do começo ao fim quando ouviu a gravação.

E será lançado?

Tem que sair. Está com a [gravadora] Biscoito Fino. Acho que estão esperando um momento mais oportuno, esperando a poeira baixar. Está lindo, tenho aqui no meu celular.

Para a senhora, é tranquilo ouvir Gal atualmente?

Você sabe que estou morando na casa que morávamos juntas. Eu quero sair de lá. As lembranças são muito fortes. Eu mudei até de quarto. Gal e eu dormíamos no mesmo quarto. Eu fechei o quarto onde tudo ocorreu. As coisas dela estão lá, eu não consigo... Eu chamei até uns meninos para me ajudar. É complicado. Foram muitos anos. Eu pego uma blusa (da Gal) e penso: ah, ela usou essa blusa quando fomos em tal lugar. Aí largo lá, deixo. Nunca pensei que fosse algo tão complicado, sabe? Os discos – aqueles em que eu tive mais participação – eu coloco duas ou três músicas para ouvir e depois tiro. Coloco [Maria] Callas. Não que eu troque Gal por Callas. E nem a equiparo. Ou coloco Nat King Cole. Gal é muito especial. Eu não vejo outra cantora igual a ela.

Tem alguma música mais marcante para a senhora?

Gal cantava Morena do Mar para mim, porque eu sou de Iemanjá. Cantava Meu Bem, Meu Mal e A Handful Of Stars, do Nat King Cole.

O que a senhora espera agora?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa de meu filho. Se eu quisesse aparecer nos jornais, já tinha aparecido há muito tempo. Eu não consigo dormir... Eu estou tomando cada bola [remédio]. Para mim, o Gabriel ainda é uma criança. Vi uma foto dele agora, que está triste, com os olhos baixos. Quero que ele volte para casa. Ele tem as chaves, pode voltar quando quiser.

O que dizem os citados por Wilma Petrillo

  • Luci Vieira Nunes, advogada de Gabriel Costa: “A Dra. Luci Vieira Nunes não comenta os casos em que atua ou atuou.”
  • Marcus Preto, produtor e diretor musical: “Gente, ela é extremamente maravilhosa. Só faltou dizer que eu morro de inveja da beleza dela.”
  • Anamaris Torres Lecca, produtora: Não quis se manifestar.
  • Verônica Silva, prima de Gal Costa: “Nós não temos nada a informar sobre Wilma. Além disso, o processo está em segredo de Justiça.”
  • Programa Fantástico e a jornalista Renata Ceribelli: Não responderam à mensagem do Estadão.
  • Daniela Tonani Izzo: Não respondeu ao pedido de manifestação do Estadão.
  • Gabriel Costa, em nota, por meio de advogados: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

O espaço segue aberto.

A cantora Gal Costa (1945-2022) gravou centenas de músicas ao longo de quase 60 anos de carreira. Uma delas, porém, faz com que a empresária Wilma Petrillo se lembre da cantora de forma especial: Meu Bem, Meu Mal, composição de Caetano Veloso, lançada por Gal em 1981, doze anos antes das duas se conhecerem em Nova York. Gal e Wilma teriam convivido por quase 30 anos.

“Ela cantava essa para mim. E também Morena do Mar e A Handful Of Stars”, diz Wilma, 74 anos, com fala pausada para a reportagem do Estadão, durante entrevista exclusiva realizada no escritório da empresária, na região dos Jardins - antes de ser divulgado nesta terça, 9, pelo G1, que a Justiça de São Paulo negou a pedido de exumação feito por Gabriel Costa. Ao Estadão, defesa de Gabriel afirma que vai recorrer da decisão.

A Justiça também determinou que o processo seja encaminhado à investigação por meio da Central de Inquéritos Policiais e Processos (CIPP) para a apuração de um possível crime por parte de Wilma. A reportagem do Estadão voltou a entrar em contato com a defesa de Wilma na manhã desta quarta-feira, 10. A advogada Vanessa Bispo afirmou que a empresária não foi citada nessa ação de exumação. “Os fatos que Gabriel imputa a Wilma são graves e ele terá que provar”, diz a advogada.

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Vanessa disse ainda que Wilma tem interesse em que os fatos sejam esclarecidos e que ela não se opõe a uma investigação. Afirmou ainda achar estranho que Gabriel, aparentemente, não tenha solicitado ao Hospital Albert Einstein, onde Gal fazia um tratamento para uma neoplastia maligna [câncer] de cabeça e pescoço, os boletins médicos que podem atestar a gravidade da doença da cantora.

Relembre o caso e as acusações e entenda o contexto da disputa

Desde a morte de Gal, em novembro de 2022, Wilma Petrillo, que atuou como empresária da cantora, ganhou os holofotes. Inicialmente por requerer o reconhecimento de união estável com Gal - o que causou surpresa e indignação em muito gente, já que a cantora sempre manteve discrição sobre sua vida amorosa - e, consequentemente, ter direito à herança da cantora.

Posteriormente, por ser personagem de uma reportagem publicada pela revista Piauí em junho de 2023 na qual foi alvo de denúncias de mais de uma dezena de pessoas que a acusaram de golpes financeiros, assédio moral e agressões físicas e verbais, inclusive contra Gal. “Nunca provaram nada”, diz Wilma.

A empresária Wilma Petrillo durante entrevista ao 'Estadão' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Wilma segue no foco. Depois de ter a união estável reconhecida pela Justiça e ter sido declarada como inventariante dos bens de Gal, a empresária trava uma batalha contra Gabriel Costa, filho único da cantora, de 18 anos. Registrado apenas no nome de Gal, Gabriel, em um primeiro momento, reconheceu perante um juiz, em uma audiência realizada em março de 2023, a união entre a mãe e Wilma, a quem tratava como madrinha.

Nos meses seguintes à morte de Gal, Wilma e Gabriel pareciam mesmo viver em harmonia. Foram vistos juntos em um show de Chico Buarque, em março de 2023. No entanto, no fim de janeiro deste ano, Gabriel deixou a casa em que morava com Wilma, mesmo local onde Gal morreu. Um mês depois, entrou com uma ação anulatória da união estável e pediu que a Justiça retirasse Wilma da função de inventariante. O caso ainda não foi analisado pela Justiça.

No processo ao qual o Estadão teve acesso, a defesa de Gabriel alega que ele estava sob efeitos de medicamentos administrados por Wilma e, por isso, “teve sua capacidade cognitiva severamente reduzida” e que a declaração que prestou “se encontra maculada por coação física e psicológica”.

À reportagem, Wilma nega que administrava medicamentos a Gabriel, a quem ela chama de “filho” a todo momento. Ela atribui a mudança de comportamento de Gabriel à sua atual namorada, a fonoaudióloga Daniela Tonani Izzo, de 50 anos, mãe da ex-namorada de Gabriel.

“Ela está interessada na herança”, afirma Wilma. “Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso”, completa. O Estadão procurou Daniela, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Daniela, anteriormente, também deu uma declaração à Justiça afirmando reconhecer a união estável entre Gal e Wilma. Assim como Gabriel, ela, agora, pede a anulação do depoimento. Alega que foi ludibriada por Wilma à época.

Para provar a união estável de Gal e Wilma, a defesa de Wilma anexou ao processo inúmeras fotos delas juntas. Há ainda imagens de ambas com Gabriel. Outras duas fotos destacam as alianças iguais que elas usavam na mão esquerda e que, agora, estão no dedo anelar de Wilma. A defesa da empresária também anexou bilhetes que Gal teria escrito para Wilma. São declarações de amor. Elas se chamavam de ‘Tunca’. “Era um de nossos apelidos carinhosos”, diz a empresária. Em um desses escritos aparece a mesma frase que Wilma afirma ter ouvido da cantora instantes antes dela morrer, na madrugada do dia 9 de novembro de 2022, em sua casa, no bairro do Jardim Europa, em São Paulo: “Não sei mais viver sem você”.

Wilma, em uma entrevista de cerca de 2h30 ao Estadão, rebateu as acusações que pesam contra ela e revelou que Gal enfrentava dívidas financeiras, o que pode fazer com que a herança deixada pela cantora seja menos do que muitos pensam - por ora, há uma casa que na escritura tem o valor de R$ 5,2 milhões e dois automóveis. Diz querer adotar Gabriel. Algumas das respostas à reportagem tiveram a intervenção de sua nova advogada, Vanessa Bispo, que assumiu o caso há cerca de três semanas e trabalha na tese de que Gabriel se encontra em situação de vulnerabilidade psicológica. “Morando em um hotel vagabundo na Avenida Paulista”, diz Wilma, em um dos poucos momentos da entrevista em que se exaltou.

Procurada pela reportagem, a defesa de Gabriel enviou a seguinte nota: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

Previamente, a advogada Mariana de Athayde Ferreira afirmou à reportagem do Estadão que Gabriel não quer conceder entrevista pois ficou “incomodado” com as notícias envolvendo o nome de sua namorada. Ela reafirmou a versão de que Gabriel ingeriu medicamentos ministrados por Wilma.

Leia a entrevista exclusiva com Wilma Petrillo

Ao final, estão as respostas das pessoas citadas.

A relação, profissional ou afetiva, entre a senhora e Gal existe desde 1993, é isso? Começou em um avião rumo a Nova York, com a senhora oferecendo uma garrafa de champanhe para Gal?

Estávamos juntas desde o dia 5 de novembro de 1993. Mas essa história do avião é mentira. Eu não bebo, Gal não bebe. Para que eu ia mandar uma garrafa de champanhe para ela beber no avião? Isso é lenda, fantasia. Coisa de gente cafajeste. Eu morava em Nova York, conhecia os donos da festa Brazilian Day, que eu acho cafona. Todo ano eles convidavam uma personalidade. Em 1993, convidaram Gal. Foi onde nos encontramos, apesar de que eu já tinha assistido a um show dela quatro ou cinco anos antes, no Brasil.

Quem decidiu adotar Gabriel?

Nós duas. Eu mais. Enchia o saco dela. Gal dizia que não tinha mais idade para isso. Eu dizia que isso de idade era bobagem. Na época, apareceu uma reportagem na TV Globo, com a Gloria Maria, sobre um recém-nascido que a mãe embrulhou em um saco plástico e lançou em uma lagoa [da Pampulha, em Minas Gerais]. Gal ligou para Gloria Maria e disse que queria adotar esse bebê. Mãe Cleusa [do terreiro do Gantois, na Bahia] disse para Gal não adotar essa criança, que já estava muito estigmatizada por tudo o que tinha ocorrido. Depois disso, começamos a procurar uma criança em abrigos do Rio e São Paulo. Até que, no Rio, encontramos o Gabriel. Ficamos apaixonadas por ele. Procuramos a Luci [a advogada, que atualmente trabalha na defesa de Gabriel e que foi procuradora de Gal nos anos 1990], mas ela era funcionária pública, não podia advogar. Substabeleceu o caso para um colega meio doidinho. Cobramos a Luci, ela enfiou o dinheiro no bolso e perdemos a adoção na Justiça em segunda instância. Eu fiquei desesperada. Em São Paulo, encontrei o Paulo Henrique Lucon [advogado e ex-juiz que agora assina uma declaração a favor do reconhecimento da união estável entre Gal e Wilma, anexada ao processo] e conseguimos a adoção.

Apenas Gal registrou Gabriel, não?

A gente nem pensou nisso. [A advogada Vanessa Bispo intervém para dizer que, à época, 18 anos atrás, não existia isso de dois homens ou duas mulheres registrarem uma criança no nome de dois homens ou duas mulheres. “Diante de toda a confusão que essa mulher, Luci, tinha feito na adoção do Gabriel, para que criar mais uma? Gal era figura pública. Ficaria mais fácil, diante de toda a situação já complicada, Gal adotar do que Wilma”].

Hoje seria uma prova da união entre as duas...

Nem passou pela nossa cabeça. Nós queríamos o Gabriel. Aliás, eu dei o nome a ele. Gal queria Emanoel, que eu não gosto. Disse a ela que esse era um nome pesado. Vamos dar Gabriel, falei. Nunca me preocupei com papel. Eu sou a segunda mãe do Gabriel, com nome ou sem nome [no registro].

A senhora, então, se considera mãe de Gabriel?

Não tenho a menor dúvida. Tudo o que eu fiz, qualquer mãe faria. Ou fiz até melhor que qualquer mãe. Cuidei de Gabriel com tanto amor, com tanto carinho. Médico, dentista, psicanalista, psicólogo, escola... Cansei de ir a reuniões. Quando eu viajava, trazia para ele, juro por Deus, três, quatro malas de roupas e brinquedos. Tudo o que uma mãe faz e mais um pouco eu fiz. Então, você imagina minha tristeza de agora ver tudo isso.

A relação entre a senhora e Gal mudou com a adoção do Gabriel?

Mudou. Mudou não, ficou mais forte. Tornou-se uma relação definitiva. Não que não fosse. Já era. Como vou te explicar? Ficou algo mais forte mesmo. Agora, tínhamos uma responsabilidade a mais, que era criar uma criança. Então, tomávamos um cuidado absurdo para que Gal não passasse nada de ruim para Gabriel. Tanto que ela estava doente – muito – com um câncer agressivo, e não disse nada a ele.

A doença de Gal, então, era grave?

Era bem grave. Ela tinha um câncer de nariz e garganta que passou para o cérebro. Ela enfrentou uma cirurgia de nove horas. Foi muito angustiante, para mim, esperar [do lado de fora da sala de cirurgia]. Gal fez todos os exames, mas só a cirurgia para confirmar mesmo a gravidade. O tumor era bem maior do que os médicos haviam dito. O médico explicou que quando você mexe no nariz, é preciso cavar para tirar as margens do tumor. Por conta disso, nessa cirurgia, Gal teve que fazer uma plástica também. Ela teria que fazer mais duas plásticas depois da radioterapia, por conta do encolhimento do tecido. Me lembro quando o médico disse para Gal que o câncer era agressivo, invasivo, e que ela teria que fazer 20 sessões de radioterapia e, após isso, fazer mais umas oito de quimioterapia. Ela ficou desesperada, mas disse que tinha fé nos orixás. Ligou para Mãe Carmem, de Salvador, que disse para ela não ter medo.

Gal tinha alguma outra doença?

Tinha um problema de pulmão bem sério. Uma DPOC [Depressão Pulmonar Obstrutiva Crônica]. Gal tinha uma tosse que era um absurdo. Tossia muito, sobretudo à noite. E não ia ao médico. Marquei três vezes, ela não foi. Acho que já estava com medo. Gal era uma pessoa teimosinha mesmo. Ela me dizia que a tosse era um cacoete.

A cantora Gal Costa em foto de 2005 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Como Gal reagiu à notícia de que estava com câncer?

Ela ficou muito assustada. Muito. Primeiro o médico disse que era um cisto, que tiraria no consultório mesmo. Depois, nos ligou para dizer que era melhor fazer no hospital. Quando chegamos ao Einstein, ele chamou o pneumologista que avaliou que Gal não poderia operar. Seria necessário fazer um tratamento primeiro. O pulmão estava bastante comprometido. Gal ficou dez dias internada para esse tratamento. Ela pediu para ser liberada e fazer o show no Coala, que foi o último dela. No dia seguinte, Gal voltou ao hospital e, um dia depois, fez a cirurgia.

O que ocorreu no dia da morte de Gal?

Fomos fazer a radioterapia. Foram 20 minutos de sessão. Ao sair, ela disse que estava com fome. Fomos à lanchonete do hospital, ela pediu uma empadinha, mas não conseguiu comer. Fomos para casa. Ela reclamou que estava muito enjoada. Pediu uma canja, mas só tomou uma colherada. Sentamos para ver televisão. Quando era uma hora da manhã, mais ou menos, ela me disse: “vamos subir?”. Nunca tinha visto Gal ir para o quarto antes das quatro horas da manhã na minha vida. Fomos para o quarto, ela chegou lá em cima bastante ofegante. Gabriel diz que estava nessa hora, mas não estava. Estava no quarto dele jogando no computador.

Gal estava com os olhinhos muito tristes. Perguntei se ela estava bem. Ela disse que estava com muito frio. Peguei um cobertor térmico, um pijama de inverno, coloquei meias. Disse que chamaria um médico. Ela não quis. Liguei para um geriatra que sugeriu levá-la para o hospital. Gal disse que, se não melhorasse, iria. Fiz um chá de capim-santo bem forte para ela tomar. Ela tomou. Deitou e dormiu uns quarenta minutos, uma hora. Ela acordou, eu falei: “e aí, Tunca? Como você está?”. Ela disse que estava melhor, não tinha mais frio. Ela deitou a cabeça no meu ombro e falou: “é, vai ser assim. Você vai ficar até, até, até... Eu não sei mais viver sem você, te amo”. Gal se virou para o lado, eu pensei que ela fosse vomitar. Eu dei a volta na cama. Ela não respondia mais. Vi que ela não tinha mais pulso. Chamei Gabriel para me ajudar a virá-la. Chamei o Samu. Comecei a fazer massagem cardíaca. Gabriel também fez, orientado pela atendente do Samu. O Samu demorou muito. Pedi que ele ligasse para o Einstein, para o Sírio. Até que falaram que ela tinha morrido. Eu pirei, Gabriel pirou.

Wilma Petrillo afirma ter vivido uma união estável com Gal Costa durante quase 30 anos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Vocês haviam decidido não contar para o Gabriel sobre a doença de Gal, foi isso?

Gal não queria de jeito nenhum. Ela tinha pavor que a doença vazasse na imprensa. Tinha pavor que Gabriel soubesse. Ficou preocupada que ele não fosse entender. Queríamos poupá-lo. Gal não contava nada de problemas para o Gabriel. Só passava para ele o que era legal. “Olha, nós vamos para a Europa, vamos para Nova York”. Gabriel achava legal, dizia: “vamos fazer compras”. Ele não tinha culpa. Foi criado assim, né?

E a senhora resolveu também não fazer autópsia para saber o que tinha ocorrido?

A menina [uma médica de ambulância que Wilma diz não se lembrar mais de qual hospital era ou se era do Samu] me perguntou se eu queria fazer a autópsia...

Foi essa médica que atestou a causa da morte?

A que atestou é uma médica que cuidou do câncer de Gal, assistente do médico Fernando Maluf.

A senhora que pediu para ela atestar?

Não, não pedi. [Nesse momento, a advogada Vanessa Bispo intervém novamente e disse estar “furiosa” com o programa Fantástico. “Eu afirmo que eles fizeram uma edição totalmente tendenciosa. Wilma ficou três horas dizendo coisas bastante esclarecedoras - e eu também - que fariam todo o sentido para os fatos”].

Então, para esclarecer: como a senhora chegou à conclusão de que a autópsia não deveria ser feita e que essa médica que cuidava de Gal poderia dar o atestado de óbito?

Eu acho o seguinte. Quando você vai ao médico, ele te dá um diagnóstico muito mais por seu histórico do que pelos exames. Às vezes, nem te examinam. Como eu sabia que Gal tinha problema no pulmão, tinha uma arritmia coronariana e estava com um câncer pesado... Uma vez estávamos vendo um programa... e eu queria te pedir muito, de joelhos, para que você corrigisse isso, porque no Fantástico disseram que Gal saiu de casa direto para o velório. É mentira. E falei para a menina [médica que Wilma afirma que estava na casa no dia da morte da Gal]: “não, não precisa da autópsia”. Nós estávamos vendo um programa na televisão, um ou dois meses antes, sobre autópsia. Gal virou para mim e disse: “Deus me livre. Você morre e ainda fazem isso com você. Eu não quero que façam comigo”. Ela já tinha sofrido muito, bastante. Eu não queria que fosse feita uma autópsia em Gal.

Eu chamei uma agência funerária que fica na [rua] São Carlos do Pinhal [Funeral Home]. O corpo da Gal foi levado para lá às quatro horas da tarde. Eu queria esperar a Kati Almeida Braga [empresária, dona da gravadora Biscoito Fino]. Elas trouxeram tudo. Disseram que o caixão era vagabundo. Magina (sic). Custou R$ 12 mil. Não tem nada de vagabundo. As pessoas são cruéis. Veio um pessoal da Bahia, do Gantois. Mãe Carmem mandou quatro irmãos de santo de Gal e eles fizeram uma axexê [ritual fúnebre para uma pessoa importante na comunidade religiosa]. Gal foi enterrada em um cemitério em São Paulo porque o jazigo é da minha família e Gal é da minha família. Meus sobrinhos chamavam Gal de tia. Ela achava o maior barato.

Os amigos de Gal disseram que ela queria ser enterrada no Rio, no jazigo onde está a mãe.

As pessoas não sabem e falam bobagem. Gal, realmente, tinha um jazigo no qual colocou dona Mariah. Mas ela jamais falou que queria ser enterrada aqui ou lá. Porque, assim, para Gal, a morte não existia. Na cabecinha dela, ela iria morrer, sei lá, com 120 anos, igual dona Canô, algo assim. Gal tinha outros planos para esse jazigo que eu não vou falar porque todo mundo vai dizer que eu estou mentindo. Em 30 anos de convivência, nós fomos ao jazigo de dona Mariah duas vezes. Gal dizia: “eu não venho mais porque minha mãezinha não está aqui”. Preferia ir na igreja rezar por ela. Pensando que Gal era da minha família, por que não a colocar perto de mim e do filho? É um cemitério particular [Cemitério Venerável da Ordem Terceira Nossa Senhora do Carmo], exclusivo, tombado. É um jazigo bonito, não tem nada de esculhambado como dizem. Só que você precisa tocar a campainha e dizer “vim ver o túmulo de Gal Costa”.

A senhora nunca proibiu o acesso dos fãs ao túmulo [isso foi alegado por alguns admiradores de Gal]?

Nunca. Nem posso. Como vou proibir? Tem um menino que disse que fui ao cemitério brigar. Mentira. O que ocorreu é que começaram a colocar fotografias. Eu tirei. Nem fui eu que tirei, na verdade. Foi o pessoal do cemitério. Eu nem estava andando na época [devido à queda que resultou na fratura de fêmur, em dezembro de 2022]. Minha recuperação durou oito meses.

A senhora não acha legítimo que Gabriel, que não foi informado sobre a doença da mãe, queira a exumação do corpo de Gal para saber o que possa ter ocorrido?

Sabe por que não? Quer dizer, é legítimo ele pedir o que quiser. Para mim, tanto faz. Quer dizer, tanto faz não. Acho legítimo ele pedir porque não sabia, mas, no dia seguinte do enterro de Gal, eu expliquei tudo para ele. Do câncer, do problema do pulmão. Ele entendeu direitinho. Gabriel não tem nada de burro. Gabriel é esperto. Muito esperto. Mais esperto que você e eu juntos. Eu expliquei que Gal estava com câncer, falei da cirurgia, da radioterapia, que foi muito forte, que ela talvez não tenha suportado. Gal tinha 77 anos.

A senhora e Gabriel, depois da morte de Gal, continuaram a viver juntos, na mesma casa, foram juntos ao show do Chico Buarque, por exemplo...

Maravilhosamente bem.

Em que momento ou o que fez essa relação entre a senhora e Gabriel se deteriorar?

Eu tinha uma relação fantástica com o Gabriel. De amor, com muito amor. Uma criança que eu cuidei, amei, desde os dois anos de idade. A partida de Gal só nos uniu. Ele me dizia: “agora eu só tenho a você. Minha mãe já foi, a primeira já foi (a biológica)”. Eu respondia: “eu também, Fufo”. Eu dizia, “vamos vender essa casa que só nos traz péssimas recordações, vamos para Nova York, para a Europa”. Gabriel tinha muitos amigos, mas, hoje em dia, não tem mais. Essa mulher o afastou de todos.

Quem é essa mulher a quem a senhora se refere?

É a Daniela Tonani [fonoaudióloga de 50 anos, mãe de Luísa Tonani, ex-namorada de Gabriel]. Eu levava Gabriel na casa de um amigo no Ipiranga, ia buscar às duas, três da manhã. Levava em outro na Pompeia. Enfim, era extremamente carinhosa com ele, e ele comigo. Ele começou a namorar uma menina, muito bonitinha, na Mooca. O pai dela não a deixava vir para minha casa. Todo dia o Gabriel tinha que ir para a Mooca. Era um saco! A mãe da menina (Daniela) começou a trazê-lo todo dia para casa, sem a filha. Eu a chamei e disse: “olha, vocês ficam na porta de casa, dentro do carro, conversando, é perigoso. Por que vocês não entram e conversam na sala?” Comecei a achar tudo muito esquisito. Gabriel dizia que a Luísa não vinha porque estava com sono. Um dia, ele me disse que não queria namorar mais a Luísa. Eu achei normal, um garoto de 17 anos, não vai casar, né? De repente, a Daniela começou a vir em casa com a desculpa de que tinha que resolver o problema da Luísa com o Gabriel. Eu estava em uma cama hospitalar, ela chegou do meu lado e disse: “Gabriel brigou com a Luísa, ele precisa falar com ela, ela está muito mal”. E começou a ligar para o Gabriel ir para a Mooca outra vez.

Um dia perguntei para o Gabriel: “você está namorando a mãe da Luísa?”. Ele sentou na minha cama e disse: “Wi, vou te contar uma coisa. A gente foi em um centro espírita e um espírito que veio disse que eu a Daniela fomos amante em uma encarnação passada e que agora nós nos reencontramos e que temos que ficar juntos”.

Eu disse para o Gabriel: “vamos no Zé, um espírita amigo meu, que tem um centro espírita sério” – ele, aliás, já havia me avisado que eu iria enfrentar uma encrenca boa – “para esclarecer isso”. Mas Gabriel não foi.

Um dia, ela ligou dizendo que o marido a tinha agredido, quebrado a clavícula dela. Pediu que Gabriel fosse encontrá-la em um hotel de luxo [segundo a advogada de Wilma, Gabriel, então com 17 anos, se hospedou com um RG falsificado]. Uma mulher de 50 anos, com um garoto de 17, para resolver os problemas dela? Como assim? Queriam viajar para Montes Verdes, Riviera. Viagens românticas. Pedi para conversar com a Daniela, mas ela inventava desculpas.

Em janeiro (de 2024), três horas da manhã, Gabriel me disse: “Daniela quer que eu passe uma semana com ela no hotel”. “Para quê?”, eu o questionei. Ele disse que Daniela não queria mais ficar em casa. Eu disse para ele que isso era uma arapuca.

De repente, meus advogados me ligaram e disseram que tinha ocorrido uma loucura. Uma coisa bárbara com o Gabriel. Quando eles falaram “com o Gabriel”, eu entrei em pânico. Pensei em um acidente, algo de grave. Aí eles me explicaram que Gabriel havia entrado com uma ação, pedindo a anulação do reconhecimento da minha união estável com Gal. Eu fiquei atônita.

Gabriel não havia falado nada com a senhora?

Um pouco antes, eu comecei a ficar com raiva da Daniela. Porque Gabriel, que nunca foi criado com a preocupação de ter ou não dinheiro, perguntou para mim: “Wi, você é mais velha que eu. Pela lógica, você deve morrer antes de mim”. Eu disse a ele que não, que ele podia ser atropelado na rua e morrer antes. Ele continuou: “se você morrer antes de mim, seus irmãos ficam com tudo? [Wilma tem dois irmãos vivos]”. Eu disse que não, que podia fazer um testamento, usufruto, adotá-lo. O inventário estava quase no fim... Aí eu saquei que tinha sido coisa da Daniela.

A senhora atribui as ações recentes de Gabriel a uma influência da Daniela, é isso?

Sim. Só pode vir dela. Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso. Quando teve aquela avalanche de falarem mal de mim, e eu nem sei por que, começaram a falar que eu manipulava Gal. Gal não era uma pessoa manipulável. As pessoas não conhecem Gal. Acham que ela era uma figura doce, que obedecia a todos. Não obedecia a ninguém. Gal tinha personalidade. Foi uma pessoa muito forte. Que veio da Bahia, sem dinheiro... Você acha que era manipulável?

Amigos e fãs afirmam que a senhora afastou Gal de muita gente...

Eles falam o que querem... Falam que eu a manipulava, que eu gastava o dinheiro dela...

Antes da entrevista, a senhora me disse que queria fazer uma turnê que juntasse Gal e Bethânia. Também acusam a senhora, dizendo que afastou Gal de Bethânia, do Gil, do Caetano...

(risos) Magina! (sic) Moramos por muito tempo ao lado de Caetano na Bahia. Caetano era a pessoa que Gal tinha mais contato. Com Gil, ela fez uma turnê [Trinca de Ases, em 2017]. Eu não a afastei de ninguém. Gal se afastou porque ela quis. Gal era uma pessoa que se ela cismasse que alguém não tinha uma boa vibração, nem Deus tirava isso da cabeça dela. Dona Mariah a chamava de mula. Eu era sócia da Gal, mas não administrava nada, não fazia pagamentos. Gal comprava o que queria. Quando voltou para a Bahia, comprou sete automóveis.

O público esperava por uma nova turnê dos Doces Bárbaros (Gal, Bethânia, Caetano e Gil)...

Ah, já estavam todos velhos. Não ia funcionar. Seria como juntar os Beatles hoje em dia, se John Lennon e George Harrison estivessem vivos. Acho que não era algo novo [para se fazer].

Gal, então, tinha independência financeira?

Total.

Quando queria comprar algo, comprava, pagava e não precisava te consultar, por exemplo?

Ou não pagava... Ela só fazia o que queria. Ninguém mandava em Gal. Ninguém.

Quando a senhora conheceu Gal, ela estava no auge. Tinha uma cobertura no Rio, apartamento em Nova York, fez casa em Trancoso. Depois, ainda viveu outros auges na carreira. O que ocorreu com todos esses bens?

Não era tudo junto. Quando eu a conheci, ela tinha um sítio em Petrópolis, quatro salas comerciais no Leblon, o apartamento de Dona Mariah e uma cobertura em São Conrado. Ela me disse que queria sair do Rio, ir para São Paulo ou Nova York. A cobertura dela era deslumbrante, vizinha à do Boni [ex-diretor geral da TV Globo]. Eu tinha uma casa em Porto Seguro. Ela foi comigo até lá e se encantou pelo lugar. Fomos a um restaurante, quando entramos, estava tocando Billie Holiday. Foi a conta. Um rapaz, que estava sem dinheiro, estava vendendo um terreno. Ele nem sabia a metragem direito. Como eu estava acostumada, minha família tinha muitas terras, eu vi que era muito mais do que ele dizia. Disse para Gal: oferece tanto que ele te vende. Tinha 20 mil metros quadrados de área total e 125 metros de praia. Ela fez a casa, chalés, tinha canil, oito empregados.

Depois de um tempo, resolveu vender. Quis ir para Salvador e comprou uma casa. Disse que era a casa que ela sonhava desde criança. Eu havia dito que não valia o que estavam pedindo. A casa tinha problemas. Gal não ouvia. Comprou. Foram dois anos de reforma. Era vizinha a do Caetano. Ficamos lá de 1998 até 2008.

Em que momento as finanças de Gal começaram a dar problema?

Sempre foram problemáticas. Ela vendeu a cobertura do Rio e enterrou tudo na construção de Trancoso. Vendeu Trancoso, comprou essa casa em Salvador. E não tinha todo o dinheiro para isso. Pegou empréstimo no banco. Os juros eram impagáveis.

O cachê de Gal não era baixo. Ela era uma das grandes estrelas da MPB...

O cachê era, em média, R$ 180 mil, para shows corporativos [segundo apurou o Estadão, esse valor poderia ser menos do que a metade disso quando Gal recebia pela bilheteria do show, em vez de um cachê fechado e previamente acordado]. Mas tinha que pagar os músicos, impostos, Ecad, nota fiscal...

A senhora era a empresária, sócia de Gal. Ficava com uma parte ou era um dinheiro que entrava, digamos, na casa?

Eu tinha 10%. Eu era empresária, mas não administrava o dinheiro de Gal. Os músicos de Gal ganhavam fortunas [o Estadão apurou que os músicos que tocavam com Gal ganhavam cachês equivalentes aos pagos por artistas como Caetano Veloso e Maria Bethânia], mais os produtores, mais o roadie, mais o teleprompter, meus 10%. O que sobrava ficava com ela, que gastava como queria.

Como Gal lidava com as dívidas?

Não lidava. Quando a coisa apertava, ela pedia para os advogados resolverem. Gal era completamente desorganizada financeiramente. Quando ela veio gravar um programa em São Paulo, viu o colégio Dante Alighieri e disse que queria que Gabriel estudasse lá. Pedimos que uma amiga corretora indicasse um apartamento. Ela nos mostrou um caríssimo na [rua] José Maria Lisboa. Gal entrou por uma porta, saiu por outra e disse: “eu quero”. Nem perguntou o preço. Tempos depois, foi levar o Gabriel no Dante e viu um prédio em frente ao colégio, perguntou se tinha um apartamento para vender. Gostou e comprou. Tinha mais de 500 metros quadrados. Teve que vender para pagar o banco, que era uma dívida monstruosa.

A senhora tentava conter os gastos?

Sim, fiz o que pude.

A disputa entre a senhora e Gabriel envolve a herança de Gal. De quanto é essa herança?

Não posso te dizer precisamente. O levantamento ainda não foi feito. Tem a casa, que não é nenhuma mansão [onde Gal morava quando morreu], que está paga, mas tem muitos impostos para serem pagos. Tem um carro, uma BMW 2013, que Gal usava e que não pode rodar porque está com o IPVA atrasado. Essa Daniela Tonani... Eu percebi o interesse dela porque um dia ela queria tirar o carro da garagem, trouxe até gasolina. Esse carro é do Gabriel. [a advogada Vanessa Bispo diz que um levantamento de bens e dívidas de Gal está sendo feito. Segundo ela, além da casa, há dois carros].

Há realmente dívidas de impostos em Nova York?

Gal também pegou empréstimo para comprar esse apartamento.

A história, até relatada pela revista Piauí, é que Gal tinha medo de entrar nos Estados Unidos porque devia impostos da venda desse apartamento...

Mentira. Gal não entrava nos Estados Unidos porque não queria. As pessoas fantasiam. Assim como dizem que eu matei um cachorro dela.... Gal tinha o Green Card. Ela o recebeu por faculdades extraordinárias. Gal não podia ser barrada. Se ela tinha dívidas, teria que se ver com o imposto de renda de lá. Não com a imigração. Uma amiga nossa, americana, cantora, deve fábulas para o imposto de renda e entra e sai a hora que ela quer. Dizer que Gal ficou com medo de ir para os Estados Unidos porque eu não declarei o imposto é puro sonho.

Em 1990, Gal vivia um de seus auges na carreira com o show 'Plural' Foto: Acervo/Estadão

A reportagem da Piauí trouxe graves acusações contra a senhora. Mais de uma dezena de depoimentos. O que a senhora diz sobre isso?

Eles provaram alguma coisa? Nunca provaram nada.

Na época, a senhora não respondeu às essas acusações. Seu advogado mandou uma nota para a revista. Há denúncias de estelionato, golpes e agressões verbais e físicas contra funcionários e contra a própria Gal. A senhora pode explicar essas denúncias?

Primeiramente, eu não respondi porque eu acho que essas coisas quanto mais você mexe, pior ficar. Como era só comigo – e eu já não tinha mais a posição de empresária de Gal – eu pensei: eu vou responder à menina que trabalhava no escritório [Anamaris Torres Lecca, de acordo com a Piauí] e disse que eu ficava nua, que não deixava ela ir ao banheiro em uma sala que tinha dois banheiros? Uma menina que trabalhou lá porque eu tinha pena dela. Ela resolveu processar a gente na Justiça do Trabalho. Aí disse que eu tirava a roupa quando estava calor. Para que eu faria isso? Tinha ar condicionado, meu amor... Ela, realmente, não tinha autorização para fechar os shows de Gal porque não tinha competência nenhuma.

E as denúncias de agressões contra Gal?

Você acha que eu batia em Gal? Fala sério. Nunca bati em Gabriel.

Como era a relação entre a senhora e Gal?

Vou te contar. Como Gal havia tido relações que não foram legais, que ela não sentia saudade, nós combinamos que a nossa seria fechada [para o público]. E assim foi. Eu tinha uma cumplicidade com Gal enorme. Tanto que ela ia dizer alguma coisa e eu já sabia. Eu tinha com Gal um amor... Olha que fui casada, amei muito na minha vida. Gal era muito especial para mim. Quando eu tive o câncer, ela ficou desesperada, com medo que eu fosse morrer. Disfarcei que era forte. Se bem que eu não estava me importando muito se eu fosse morrer. Aliás, eu sabia que não iria morrer.

Pessoas com quem conversei reconhecem que havia, sim, uma união entre vocês, mas que vocês viviam uma relação tumultuada, com muitas brigas...

Não, desculpa, mas eu vou te decepcionar. Às vezes, divergíamos em algumas coisas. Exemplo: eu gosto desse copo. Ah, mas eu não gosto. Agora, tumulto? Briga de bater? Jamais. Te juro. Nunca ocorreu. Eu não sou desse tipo. Gal muito menos. Eu iria bater em Gal por que? Porque eu a achava feia, gorda, burra, que não cantava? É de uma estupidez dizer uma coisa dessas... As empregadas podem testemunhar. Aliás, minha empregada se ofereceu para testemunhar.

No Fantástico, a senhora apontou a inveja como motivadora de todas essas acusações. Qual outro motivo - concreto - haveria para tanta gente te acusar?

Uma pergunta difícil. O que posso te dizer é que vou responder judicialmente a um por um. O Marcus Preto [produtor dos últimos álbuns e shows de Gal], por exemplo, deu uma declaração dizendo que eu e Gal tínhamos uma relação abusiva e tóxica [Preto fez uma postagem em sua conta no Instagram, mas não citou o nome de Wilma ou Gal]. Quem falou para ele? O psicanalista, o psiquiatra? Dele ou de Gal? Gal não tinha psicanalista. Até onde eu sei, ele também não. Até precisaria. Ele é um rapaz que quer vencer na vida a qualquer custo. Ele está atrás de Bethânia, da Simone... Ele achava que podia me chutar e ficar como empresário de Gal. Eu te digo: ele é um maluco. Como ele pode dizer que era uma relação tóxica se ele não frequentava minha casa? Gal não contava para ele sobre nossa relação. Porque ela não contava mesmo. Não vou falar de um por um, senão vamos ficar aqui até amanhã... [A advogada afirma que a fala de Wilma sobre a inveja foi descontextualizada no programa Fantástico].

Gabriel pede a anulação do depoimento em que reconheceu sua união estável com Gal alegando que ele estava sob o efeito de remédios. A defesa dele afirma que esses remédios eram ministrados pela senhora. A senhora deu remédios a Gabriel?

O psiquiatra prescreveu uma medicação porque ele tem TDAH (diagnosticado na infância) e estava com ansiedade e depressão. Mas eu nunca administrei para ele. Eu apenas escrevi nas caixas os horários que ele deveria tomar cada um. Ele disse que sabia tomar, que não era criança. Eu, então, disse: “eu tenho total confiança em você”. Ele nunca tomou os remédios.

A defesa de Gabriel alega que a senhora o levou em outro psiquiatra, que mudou a mediação e que ele estaria dopado para dar aquele depoimento de reconhecimento da união estável entre a senhora e Gal.

Você quer que eu te responda o que? É uma mentira. Estão apelando. Eu jamais faria isso. Ele não mudou de psiquiatra.

Gabriel sabia que a senhora e Gal eram um casal?

Sabia. Ele me perguntou. Nosso casamento era público. Gal era uma pessoa pública. Eu não, pois sempre me recolhi. As mães do Dante começaram a comentar com Gabriel. Ele, então, chegou para mim e perguntou. Eu respondi que sim, que éramos casadas. E ele tem um amigo no Ipiranga cuja mãe também tem uma relação homoafetiva. Ele sabia mesmo. Eu e Gal usávamos aliança. Ele percebeu que nossos anéis eram iguais.

Wilma Petrillo usa a aliança que foi de Gal Costa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Sente-se desconfortável em expor Gabriel e enfrentá-lo na Justiça?

É muito difícil. Você criar uma pessoa com todo amor, com afeto, preocupação...Eu jamais imaginei que passaria por uma situação dessas. Em um primeiro momento, não acreditei. Fiquei pensando: o que teria ocorrido para ele ter uma reação dessas? Aí, voltei o filme e comecei a me lembrar do interesse de Daniela na herança. Ela me perguntou sobre quanto era a herança de Gal.

O seu sentimento por Gabriel mudou?

Quando eu vi tudo isso, pensei: esse não é meu filho, ele não foi educado assim.

Espera por uma reconciliação?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa do meu filho. Quando foi comigo, eu não estava nem aí. Mas, quando meu filho é colocado em uma cilada, de uma maldade, de uma crueldade sem tamanho... Você pegar um menino de 17, 18 anos, uma mulher de 50 anos, e colocá-lo em um quarto de hotel vagabundo, na Avenida Paulista... Sabe Deus se ele está indo à escola [Gabriel está no segundo ano do Ensino Médio]. Gabriel me bloqueou no WhatsApp.

No processo, Daniela Tonani alega que te emprestou dinheiro. É verdade?

Sim, me emprestou. Daniela começou a ficar enfiada na minha casa. Você entrava no quarto de Gabriel, ele estava nu, e ela estava lá, deitada na cama dele. Era uma coisa nojenta. Gabriel dizia que Daniela tinha pânico e precisava vê-lo para não ter crise. Eu estava precisando [de dinheiro], a Kati [Almeida Braga] estava viajando e ela disse que me emprestava. Acho que foram uns R$ 18 mil, R$ 20 mil. Emprestou não, pagou as contas da casa.

As primas de Gal, Verônica e Priscila Silva, também reivindicam a herança por meio de um documento antigo em que Gal dizia que deixaria tudo para uma fundação. Elas alegam que, no passado, a senhora a coagiu para anular esse documento...

Esse documento é de 1997. Gal, na época, estava preocupada porque não queria deixar nada para a família. O pai de Gal casou com a mãe dela, mas tinha outra família, no interior da Bahia. Ele tinha outros quatro ou cinco filhos. Gal dizia: “meu pai nunca meu deu uma chupeta”. Era uma mágoa muito grande que ela carregava. Ela dizia que não queria que a família do pai herdasse nada dela. Ela, então, fez esse documento, um testamento, e colocou essas duas primas. Quando apareceu Gabriel, ela anulou esse documento. Essas primas nem eram íntimas. Dá para contar nos dedos da mão as vezes que elas foram em casa. Uma delas, a Verônica, queria ser cantora. Gal tentou ajudar, mas o Mazzola [Marco, produtor] disse para Gal tirar isso da cabeça dela porque não ia dar certo. Acho que elas querem aparecer no jornal.

A senhora está com fama de vilã. Como se sente nessa posição?

Pois é, eu mato, tem que exumar porque há uma dúvida... Estou lindando mal com isso. Perder Gabriel. Me dá uma coisa... Um filho que foi criado com tanto carinho, agora está em um hotel fuleiro, com uma mulher maluca. O marido na porta da minha casa fazendo escândalo, os vizinhos aparecendo. Como eu posso ficar? Eu não tenho dinheiro para nada. Eu tenho que lavar o carro, comprar comida. Eu estou em uma situação que eu nunca me vi na vida. Eu estou mal. Não estou me fazendo de vítima. É uma situação horrorosa.

A senhora, se tiver direito à herança, administrará também o legado artístico de Gal. Como pretende conduzir essa questão? Há herdeiros que barram novos lançamentos.

Não sou assim. Não sou Aninha Jobim [viúva de Tom Jobim]. Não tenho a menor intenção de barrar nada.

Os fãs de Gal sempre te acusaram de tratá-los mal, de impedir que falassem com Gal...

Morta?

Viva. Nos camarins...

É tudo mentira. Nunca impedi ninguém de entrar no camarim. Pelo contrário. Se Gal não recebia um fã, é porque ela não queria. E não porque eu mandava. Te juro por Deus. Nunca disse “fulano não entra no camarim”. Eles não veem que falando isso estão prejudicando a própria Gal? Gal não era essa fragilidade que eles estão colocando. Tinha dias que ela não estava a fim de receber ninguém. O artista é assim. Eu conheço o Chico [Buarque] desde que eu estudava na PUC e ele na FAU. A gente frequentava um boteco na Major Sertório [centro de São Paulo] para tomar batida. Eu tinha 18 anos. No dia que eu fui ao show, eu falei: acho que vou dar um beijo no Chico. O produtor me disse: “o Chico se picou, deixou um beijo para você”. Quer dizer, o cara não estava a fim de receber. Tem dia que Caetano, Bethânia, Gil não estão a fim. Tinha dias que Gal não estava a fim. A culpa era minha? Me poupe.

A senhora interferia na parte artística de Gal?

Eu dava palpites. Mas Gal era muito teimosa. Às vezes, rejeitava os palpites. Quando o disco estava pronto, ela me mostrava, perguntava o que eu tinha achado, se tinha gostado. Lembro muito da gravação do Recanto [álbum de 2012]. Ela levou um susto [positivo, com os arranjos]. As bases chegavam, o Moreno [Veloso] ia fazendo e mandava. O Moreno, aliás, fez agora [a masterização] do Coala. Foi o último show de Gal. Ele me disse que chorou do começo ao fim quando ouviu a gravação.

E será lançado?

Tem que sair. Está com a [gravadora] Biscoito Fino. Acho que estão esperando um momento mais oportuno, esperando a poeira baixar. Está lindo, tenho aqui no meu celular.

Para a senhora, é tranquilo ouvir Gal atualmente?

Você sabe que estou morando na casa que morávamos juntas. Eu quero sair de lá. As lembranças são muito fortes. Eu mudei até de quarto. Gal e eu dormíamos no mesmo quarto. Eu fechei o quarto onde tudo ocorreu. As coisas dela estão lá, eu não consigo... Eu chamei até uns meninos para me ajudar. É complicado. Foram muitos anos. Eu pego uma blusa (da Gal) e penso: ah, ela usou essa blusa quando fomos em tal lugar. Aí largo lá, deixo. Nunca pensei que fosse algo tão complicado, sabe? Os discos – aqueles em que eu tive mais participação – eu coloco duas ou três músicas para ouvir e depois tiro. Coloco [Maria] Callas. Não que eu troque Gal por Callas. E nem a equiparo. Ou coloco Nat King Cole. Gal é muito especial. Eu não vejo outra cantora igual a ela.

Tem alguma música mais marcante para a senhora?

Gal cantava Morena do Mar para mim, porque eu sou de Iemanjá. Cantava Meu Bem, Meu Mal e A Handful Of Stars, do Nat King Cole.

O que a senhora espera agora?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa de meu filho. Se eu quisesse aparecer nos jornais, já tinha aparecido há muito tempo. Eu não consigo dormir... Eu estou tomando cada bola [remédio]. Para mim, o Gabriel ainda é uma criança. Vi uma foto dele agora, que está triste, com os olhos baixos. Quero que ele volte para casa. Ele tem as chaves, pode voltar quando quiser.

O que dizem os citados por Wilma Petrillo

  • Luci Vieira Nunes, advogada de Gabriel Costa: “A Dra. Luci Vieira Nunes não comenta os casos em que atua ou atuou.”
  • Marcus Preto, produtor e diretor musical: “Gente, ela é extremamente maravilhosa. Só faltou dizer que eu morro de inveja da beleza dela.”
  • Anamaris Torres Lecca, produtora: Não quis se manifestar.
  • Verônica Silva, prima de Gal Costa: “Nós não temos nada a informar sobre Wilma. Além disso, o processo está em segredo de Justiça.”
  • Programa Fantástico e a jornalista Renata Ceribelli: Não responderam à mensagem do Estadão.
  • Daniela Tonani Izzo: Não respondeu ao pedido de manifestação do Estadão.
  • Gabriel Costa, em nota, por meio de advogados: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

O espaço segue aberto.

A cantora Gal Costa (1945-2022) gravou centenas de músicas ao longo de quase 60 anos de carreira. Uma delas, porém, faz com que a empresária Wilma Petrillo se lembre da cantora de forma especial: Meu Bem, Meu Mal, composição de Caetano Veloso, lançada por Gal em 1981, doze anos antes das duas se conhecerem em Nova York. Gal e Wilma teriam convivido por quase 30 anos.

“Ela cantava essa para mim. E também Morena do Mar e A Handful Of Stars”, diz Wilma, 74 anos, com fala pausada para a reportagem do Estadão, durante entrevista exclusiva realizada no escritório da empresária, na região dos Jardins - antes de ser divulgado nesta terça, 9, pelo G1, que a Justiça de São Paulo negou a pedido de exumação feito por Gabriel Costa. Ao Estadão, defesa de Gabriel afirma que vai recorrer da decisão.

A Justiça também determinou que o processo seja encaminhado à investigação por meio da Central de Inquéritos Policiais e Processos (CIPP) para a apuração de um possível crime por parte de Wilma. A reportagem do Estadão voltou a entrar em contato com a defesa de Wilma na manhã desta quarta-feira, 10. A advogada Vanessa Bispo afirmou que a empresária não foi citada nessa ação de exumação. “Os fatos que Gabriel imputa a Wilma são graves e ele terá que provar”, diz a advogada.

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Vanessa disse ainda que Wilma tem interesse em que os fatos sejam esclarecidos e que ela não se opõe a uma investigação. Afirmou ainda achar estranho que Gabriel, aparentemente, não tenha solicitado ao Hospital Albert Einstein, onde Gal fazia um tratamento para uma neoplastia maligna [câncer] de cabeça e pescoço, os boletins médicos que podem atestar a gravidade da doença da cantora.

Relembre o caso e as acusações e entenda o contexto da disputa

Desde a morte de Gal, em novembro de 2022, Wilma Petrillo, que atuou como empresária da cantora, ganhou os holofotes. Inicialmente por requerer o reconhecimento de união estável com Gal - o que causou surpresa e indignação em muito gente, já que a cantora sempre manteve discrição sobre sua vida amorosa - e, consequentemente, ter direito à herança da cantora.

Posteriormente, por ser personagem de uma reportagem publicada pela revista Piauí em junho de 2023 na qual foi alvo de denúncias de mais de uma dezena de pessoas que a acusaram de golpes financeiros, assédio moral e agressões físicas e verbais, inclusive contra Gal. “Nunca provaram nada”, diz Wilma.

A empresária Wilma Petrillo durante entrevista ao 'Estadão' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Wilma segue no foco. Depois de ter a união estável reconhecida pela Justiça e ter sido declarada como inventariante dos bens de Gal, a empresária trava uma batalha contra Gabriel Costa, filho único da cantora, de 18 anos. Registrado apenas no nome de Gal, Gabriel, em um primeiro momento, reconheceu perante um juiz, em uma audiência realizada em março de 2023, a união entre a mãe e Wilma, a quem tratava como madrinha.

Nos meses seguintes à morte de Gal, Wilma e Gabriel pareciam mesmo viver em harmonia. Foram vistos juntos em um show de Chico Buarque, em março de 2023. No entanto, no fim de janeiro deste ano, Gabriel deixou a casa em que morava com Wilma, mesmo local onde Gal morreu. Um mês depois, entrou com uma ação anulatória da união estável e pediu que a Justiça retirasse Wilma da função de inventariante. O caso ainda não foi analisado pela Justiça.

No processo ao qual o Estadão teve acesso, a defesa de Gabriel alega que ele estava sob efeitos de medicamentos administrados por Wilma e, por isso, “teve sua capacidade cognitiva severamente reduzida” e que a declaração que prestou “se encontra maculada por coação física e psicológica”.

À reportagem, Wilma nega que administrava medicamentos a Gabriel, a quem ela chama de “filho” a todo momento. Ela atribui a mudança de comportamento de Gabriel à sua atual namorada, a fonoaudióloga Daniela Tonani Izzo, de 50 anos, mãe da ex-namorada de Gabriel.

“Ela está interessada na herança”, afirma Wilma. “Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso”, completa. O Estadão procurou Daniela, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Daniela, anteriormente, também deu uma declaração à Justiça afirmando reconhecer a união estável entre Gal e Wilma. Assim como Gabriel, ela, agora, pede a anulação do depoimento. Alega que foi ludibriada por Wilma à época.

Para provar a união estável de Gal e Wilma, a defesa de Wilma anexou ao processo inúmeras fotos delas juntas. Há ainda imagens de ambas com Gabriel. Outras duas fotos destacam as alianças iguais que elas usavam na mão esquerda e que, agora, estão no dedo anelar de Wilma. A defesa da empresária também anexou bilhetes que Gal teria escrito para Wilma. São declarações de amor. Elas se chamavam de ‘Tunca’. “Era um de nossos apelidos carinhosos”, diz a empresária. Em um desses escritos aparece a mesma frase que Wilma afirma ter ouvido da cantora instantes antes dela morrer, na madrugada do dia 9 de novembro de 2022, em sua casa, no bairro do Jardim Europa, em São Paulo: “Não sei mais viver sem você”.

Wilma, em uma entrevista de cerca de 2h30 ao Estadão, rebateu as acusações que pesam contra ela e revelou que Gal enfrentava dívidas financeiras, o que pode fazer com que a herança deixada pela cantora seja menos do que muitos pensam - por ora, há uma casa que na escritura tem o valor de R$ 5,2 milhões e dois automóveis. Diz querer adotar Gabriel. Algumas das respostas à reportagem tiveram a intervenção de sua nova advogada, Vanessa Bispo, que assumiu o caso há cerca de três semanas e trabalha na tese de que Gabriel se encontra em situação de vulnerabilidade psicológica. “Morando em um hotel vagabundo na Avenida Paulista”, diz Wilma, em um dos poucos momentos da entrevista em que se exaltou.

Procurada pela reportagem, a defesa de Gabriel enviou a seguinte nota: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

Previamente, a advogada Mariana de Athayde Ferreira afirmou à reportagem do Estadão que Gabriel não quer conceder entrevista pois ficou “incomodado” com as notícias envolvendo o nome de sua namorada. Ela reafirmou a versão de que Gabriel ingeriu medicamentos ministrados por Wilma.

Leia a entrevista exclusiva com Wilma Petrillo

Ao final, estão as respostas das pessoas citadas.

A relação, profissional ou afetiva, entre a senhora e Gal existe desde 1993, é isso? Começou em um avião rumo a Nova York, com a senhora oferecendo uma garrafa de champanhe para Gal?

Estávamos juntas desde o dia 5 de novembro de 1993. Mas essa história do avião é mentira. Eu não bebo, Gal não bebe. Para que eu ia mandar uma garrafa de champanhe para ela beber no avião? Isso é lenda, fantasia. Coisa de gente cafajeste. Eu morava em Nova York, conhecia os donos da festa Brazilian Day, que eu acho cafona. Todo ano eles convidavam uma personalidade. Em 1993, convidaram Gal. Foi onde nos encontramos, apesar de que eu já tinha assistido a um show dela quatro ou cinco anos antes, no Brasil.

Quem decidiu adotar Gabriel?

Nós duas. Eu mais. Enchia o saco dela. Gal dizia que não tinha mais idade para isso. Eu dizia que isso de idade era bobagem. Na época, apareceu uma reportagem na TV Globo, com a Gloria Maria, sobre um recém-nascido que a mãe embrulhou em um saco plástico e lançou em uma lagoa [da Pampulha, em Minas Gerais]. Gal ligou para Gloria Maria e disse que queria adotar esse bebê. Mãe Cleusa [do terreiro do Gantois, na Bahia] disse para Gal não adotar essa criança, que já estava muito estigmatizada por tudo o que tinha ocorrido. Depois disso, começamos a procurar uma criança em abrigos do Rio e São Paulo. Até que, no Rio, encontramos o Gabriel. Ficamos apaixonadas por ele. Procuramos a Luci [a advogada, que atualmente trabalha na defesa de Gabriel e que foi procuradora de Gal nos anos 1990], mas ela era funcionária pública, não podia advogar. Substabeleceu o caso para um colega meio doidinho. Cobramos a Luci, ela enfiou o dinheiro no bolso e perdemos a adoção na Justiça em segunda instância. Eu fiquei desesperada. Em São Paulo, encontrei o Paulo Henrique Lucon [advogado e ex-juiz que agora assina uma declaração a favor do reconhecimento da união estável entre Gal e Wilma, anexada ao processo] e conseguimos a adoção.

Apenas Gal registrou Gabriel, não?

A gente nem pensou nisso. [A advogada Vanessa Bispo intervém para dizer que, à época, 18 anos atrás, não existia isso de dois homens ou duas mulheres registrarem uma criança no nome de dois homens ou duas mulheres. “Diante de toda a confusão que essa mulher, Luci, tinha feito na adoção do Gabriel, para que criar mais uma? Gal era figura pública. Ficaria mais fácil, diante de toda a situação já complicada, Gal adotar do que Wilma”].

Hoje seria uma prova da união entre as duas...

Nem passou pela nossa cabeça. Nós queríamos o Gabriel. Aliás, eu dei o nome a ele. Gal queria Emanoel, que eu não gosto. Disse a ela que esse era um nome pesado. Vamos dar Gabriel, falei. Nunca me preocupei com papel. Eu sou a segunda mãe do Gabriel, com nome ou sem nome [no registro].

A senhora, então, se considera mãe de Gabriel?

Não tenho a menor dúvida. Tudo o que eu fiz, qualquer mãe faria. Ou fiz até melhor que qualquer mãe. Cuidei de Gabriel com tanto amor, com tanto carinho. Médico, dentista, psicanalista, psicólogo, escola... Cansei de ir a reuniões. Quando eu viajava, trazia para ele, juro por Deus, três, quatro malas de roupas e brinquedos. Tudo o que uma mãe faz e mais um pouco eu fiz. Então, você imagina minha tristeza de agora ver tudo isso.

A relação entre a senhora e Gal mudou com a adoção do Gabriel?

Mudou. Mudou não, ficou mais forte. Tornou-se uma relação definitiva. Não que não fosse. Já era. Como vou te explicar? Ficou algo mais forte mesmo. Agora, tínhamos uma responsabilidade a mais, que era criar uma criança. Então, tomávamos um cuidado absurdo para que Gal não passasse nada de ruim para Gabriel. Tanto que ela estava doente – muito – com um câncer agressivo, e não disse nada a ele.

A doença de Gal, então, era grave?

Era bem grave. Ela tinha um câncer de nariz e garganta que passou para o cérebro. Ela enfrentou uma cirurgia de nove horas. Foi muito angustiante, para mim, esperar [do lado de fora da sala de cirurgia]. Gal fez todos os exames, mas só a cirurgia para confirmar mesmo a gravidade. O tumor era bem maior do que os médicos haviam dito. O médico explicou que quando você mexe no nariz, é preciso cavar para tirar as margens do tumor. Por conta disso, nessa cirurgia, Gal teve que fazer uma plástica também. Ela teria que fazer mais duas plásticas depois da radioterapia, por conta do encolhimento do tecido. Me lembro quando o médico disse para Gal que o câncer era agressivo, invasivo, e que ela teria que fazer 20 sessões de radioterapia e, após isso, fazer mais umas oito de quimioterapia. Ela ficou desesperada, mas disse que tinha fé nos orixás. Ligou para Mãe Carmem, de Salvador, que disse para ela não ter medo.

Gal tinha alguma outra doença?

Tinha um problema de pulmão bem sério. Uma DPOC [Depressão Pulmonar Obstrutiva Crônica]. Gal tinha uma tosse que era um absurdo. Tossia muito, sobretudo à noite. E não ia ao médico. Marquei três vezes, ela não foi. Acho que já estava com medo. Gal era uma pessoa teimosinha mesmo. Ela me dizia que a tosse era um cacoete.

A cantora Gal Costa em foto de 2005 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Como Gal reagiu à notícia de que estava com câncer?

Ela ficou muito assustada. Muito. Primeiro o médico disse que era um cisto, que tiraria no consultório mesmo. Depois, nos ligou para dizer que era melhor fazer no hospital. Quando chegamos ao Einstein, ele chamou o pneumologista que avaliou que Gal não poderia operar. Seria necessário fazer um tratamento primeiro. O pulmão estava bastante comprometido. Gal ficou dez dias internada para esse tratamento. Ela pediu para ser liberada e fazer o show no Coala, que foi o último dela. No dia seguinte, Gal voltou ao hospital e, um dia depois, fez a cirurgia.

O que ocorreu no dia da morte de Gal?

Fomos fazer a radioterapia. Foram 20 minutos de sessão. Ao sair, ela disse que estava com fome. Fomos à lanchonete do hospital, ela pediu uma empadinha, mas não conseguiu comer. Fomos para casa. Ela reclamou que estava muito enjoada. Pediu uma canja, mas só tomou uma colherada. Sentamos para ver televisão. Quando era uma hora da manhã, mais ou menos, ela me disse: “vamos subir?”. Nunca tinha visto Gal ir para o quarto antes das quatro horas da manhã na minha vida. Fomos para o quarto, ela chegou lá em cima bastante ofegante. Gabriel diz que estava nessa hora, mas não estava. Estava no quarto dele jogando no computador.

Gal estava com os olhinhos muito tristes. Perguntei se ela estava bem. Ela disse que estava com muito frio. Peguei um cobertor térmico, um pijama de inverno, coloquei meias. Disse que chamaria um médico. Ela não quis. Liguei para um geriatra que sugeriu levá-la para o hospital. Gal disse que, se não melhorasse, iria. Fiz um chá de capim-santo bem forte para ela tomar. Ela tomou. Deitou e dormiu uns quarenta minutos, uma hora. Ela acordou, eu falei: “e aí, Tunca? Como você está?”. Ela disse que estava melhor, não tinha mais frio. Ela deitou a cabeça no meu ombro e falou: “é, vai ser assim. Você vai ficar até, até, até... Eu não sei mais viver sem você, te amo”. Gal se virou para o lado, eu pensei que ela fosse vomitar. Eu dei a volta na cama. Ela não respondia mais. Vi que ela não tinha mais pulso. Chamei Gabriel para me ajudar a virá-la. Chamei o Samu. Comecei a fazer massagem cardíaca. Gabriel também fez, orientado pela atendente do Samu. O Samu demorou muito. Pedi que ele ligasse para o Einstein, para o Sírio. Até que falaram que ela tinha morrido. Eu pirei, Gabriel pirou.

Wilma Petrillo afirma ter vivido uma união estável com Gal Costa durante quase 30 anos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Vocês haviam decidido não contar para o Gabriel sobre a doença de Gal, foi isso?

Gal não queria de jeito nenhum. Ela tinha pavor que a doença vazasse na imprensa. Tinha pavor que Gabriel soubesse. Ficou preocupada que ele não fosse entender. Queríamos poupá-lo. Gal não contava nada de problemas para o Gabriel. Só passava para ele o que era legal. “Olha, nós vamos para a Europa, vamos para Nova York”. Gabriel achava legal, dizia: “vamos fazer compras”. Ele não tinha culpa. Foi criado assim, né?

E a senhora resolveu também não fazer autópsia para saber o que tinha ocorrido?

A menina [uma médica de ambulância que Wilma diz não se lembrar mais de qual hospital era ou se era do Samu] me perguntou se eu queria fazer a autópsia...

Foi essa médica que atestou a causa da morte?

A que atestou é uma médica que cuidou do câncer de Gal, assistente do médico Fernando Maluf.

A senhora que pediu para ela atestar?

Não, não pedi. [Nesse momento, a advogada Vanessa Bispo intervém novamente e disse estar “furiosa” com o programa Fantástico. “Eu afirmo que eles fizeram uma edição totalmente tendenciosa. Wilma ficou três horas dizendo coisas bastante esclarecedoras - e eu também - que fariam todo o sentido para os fatos”].

Então, para esclarecer: como a senhora chegou à conclusão de que a autópsia não deveria ser feita e que essa médica que cuidava de Gal poderia dar o atestado de óbito?

Eu acho o seguinte. Quando você vai ao médico, ele te dá um diagnóstico muito mais por seu histórico do que pelos exames. Às vezes, nem te examinam. Como eu sabia que Gal tinha problema no pulmão, tinha uma arritmia coronariana e estava com um câncer pesado... Uma vez estávamos vendo um programa... e eu queria te pedir muito, de joelhos, para que você corrigisse isso, porque no Fantástico disseram que Gal saiu de casa direto para o velório. É mentira. E falei para a menina [médica que Wilma afirma que estava na casa no dia da morte da Gal]: “não, não precisa da autópsia”. Nós estávamos vendo um programa na televisão, um ou dois meses antes, sobre autópsia. Gal virou para mim e disse: “Deus me livre. Você morre e ainda fazem isso com você. Eu não quero que façam comigo”. Ela já tinha sofrido muito, bastante. Eu não queria que fosse feita uma autópsia em Gal.

Eu chamei uma agência funerária que fica na [rua] São Carlos do Pinhal [Funeral Home]. O corpo da Gal foi levado para lá às quatro horas da tarde. Eu queria esperar a Kati Almeida Braga [empresária, dona da gravadora Biscoito Fino]. Elas trouxeram tudo. Disseram que o caixão era vagabundo. Magina (sic). Custou R$ 12 mil. Não tem nada de vagabundo. As pessoas são cruéis. Veio um pessoal da Bahia, do Gantois. Mãe Carmem mandou quatro irmãos de santo de Gal e eles fizeram uma axexê [ritual fúnebre para uma pessoa importante na comunidade religiosa]. Gal foi enterrada em um cemitério em São Paulo porque o jazigo é da minha família e Gal é da minha família. Meus sobrinhos chamavam Gal de tia. Ela achava o maior barato.

Os amigos de Gal disseram que ela queria ser enterrada no Rio, no jazigo onde está a mãe.

As pessoas não sabem e falam bobagem. Gal, realmente, tinha um jazigo no qual colocou dona Mariah. Mas ela jamais falou que queria ser enterrada aqui ou lá. Porque, assim, para Gal, a morte não existia. Na cabecinha dela, ela iria morrer, sei lá, com 120 anos, igual dona Canô, algo assim. Gal tinha outros planos para esse jazigo que eu não vou falar porque todo mundo vai dizer que eu estou mentindo. Em 30 anos de convivência, nós fomos ao jazigo de dona Mariah duas vezes. Gal dizia: “eu não venho mais porque minha mãezinha não está aqui”. Preferia ir na igreja rezar por ela. Pensando que Gal era da minha família, por que não a colocar perto de mim e do filho? É um cemitério particular [Cemitério Venerável da Ordem Terceira Nossa Senhora do Carmo], exclusivo, tombado. É um jazigo bonito, não tem nada de esculhambado como dizem. Só que você precisa tocar a campainha e dizer “vim ver o túmulo de Gal Costa”.

A senhora nunca proibiu o acesso dos fãs ao túmulo [isso foi alegado por alguns admiradores de Gal]?

Nunca. Nem posso. Como vou proibir? Tem um menino que disse que fui ao cemitério brigar. Mentira. O que ocorreu é que começaram a colocar fotografias. Eu tirei. Nem fui eu que tirei, na verdade. Foi o pessoal do cemitério. Eu nem estava andando na época [devido à queda que resultou na fratura de fêmur, em dezembro de 2022]. Minha recuperação durou oito meses.

A senhora não acha legítimo que Gabriel, que não foi informado sobre a doença da mãe, queira a exumação do corpo de Gal para saber o que possa ter ocorrido?

Sabe por que não? Quer dizer, é legítimo ele pedir o que quiser. Para mim, tanto faz. Quer dizer, tanto faz não. Acho legítimo ele pedir porque não sabia, mas, no dia seguinte do enterro de Gal, eu expliquei tudo para ele. Do câncer, do problema do pulmão. Ele entendeu direitinho. Gabriel não tem nada de burro. Gabriel é esperto. Muito esperto. Mais esperto que você e eu juntos. Eu expliquei que Gal estava com câncer, falei da cirurgia, da radioterapia, que foi muito forte, que ela talvez não tenha suportado. Gal tinha 77 anos.

A senhora e Gabriel, depois da morte de Gal, continuaram a viver juntos, na mesma casa, foram juntos ao show do Chico Buarque, por exemplo...

Maravilhosamente bem.

Em que momento ou o que fez essa relação entre a senhora e Gabriel se deteriorar?

Eu tinha uma relação fantástica com o Gabriel. De amor, com muito amor. Uma criança que eu cuidei, amei, desde os dois anos de idade. A partida de Gal só nos uniu. Ele me dizia: “agora eu só tenho a você. Minha mãe já foi, a primeira já foi (a biológica)”. Eu respondia: “eu também, Fufo”. Eu dizia, “vamos vender essa casa que só nos traz péssimas recordações, vamos para Nova York, para a Europa”. Gabriel tinha muitos amigos, mas, hoje em dia, não tem mais. Essa mulher o afastou de todos.

Quem é essa mulher a quem a senhora se refere?

É a Daniela Tonani [fonoaudióloga de 50 anos, mãe de Luísa Tonani, ex-namorada de Gabriel]. Eu levava Gabriel na casa de um amigo no Ipiranga, ia buscar às duas, três da manhã. Levava em outro na Pompeia. Enfim, era extremamente carinhosa com ele, e ele comigo. Ele começou a namorar uma menina, muito bonitinha, na Mooca. O pai dela não a deixava vir para minha casa. Todo dia o Gabriel tinha que ir para a Mooca. Era um saco! A mãe da menina (Daniela) começou a trazê-lo todo dia para casa, sem a filha. Eu a chamei e disse: “olha, vocês ficam na porta de casa, dentro do carro, conversando, é perigoso. Por que vocês não entram e conversam na sala?” Comecei a achar tudo muito esquisito. Gabriel dizia que a Luísa não vinha porque estava com sono. Um dia, ele me disse que não queria namorar mais a Luísa. Eu achei normal, um garoto de 17 anos, não vai casar, né? De repente, a Daniela começou a vir em casa com a desculpa de que tinha que resolver o problema da Luísa com o Gabriel. Eu estava em uma cama hospitalar, ela chegou do meu lado e disse: “Gabriel brigou com a Luísa, ele precisa falar com ela, ela está muito mal”. E começou a ligar para o Gabriel ir para a Mooca outra vez.

Um dia perguntei para o Gabriel: “você está namorando a mãe da Luísa?”. Ele sentou na minha cama e disse: “Wi, vou te contar uma coisa. A gente foi em um centro espírita e um espírito que veio disse que eu a Daniela fomos amante em uma encarnação passada e que agora nós nos reencontramos e que temos que ficar juntos”.

Eu disse para o Gabriel: “vamos no Zé, um espírita amigo meu, que tem um centro espírita sério” – ele, aliás, já havia me avisado que eu iria enfrentar uma encrenca boa – “para esclarecer isso”. Mas Gabriel não foi.

Um dia, ela ligou dizendo que o marido a tinha agredido, quebrado a clavícula dela. Pediu que Gabriel fosse encontrá-la em um hotel de luxo [segundo a advogada de Wilma, Gabriel, então com 17 anos, se hospedou com um RG falsificado]. Uma mulher de 50 anos, com um garoto de 17, para resolver os problemas dela? Como assim? Queriam viajar para Montes Verdes, Riviera. Viagens românticas. Pedi para conversar com a Daniela, mas ela inventava desculpas.

Em janeiro (de 2024), três horas da manhã, Gabriel me disse: “Daniela quer que eu passe uma semana com ela no hotel”. “Para quê?”, eu o questionei. Ele disse que Daniela não queria mais ficar em casa. Eu disse para ele que isso era uma arapuca.

De repente, meus advogados me ligaram e disseram que tinha ocorrido uma loucura. Uma coisa bárbara com o Gabriel. Quando eles falaram “com o Gabriel”, eu entrei em pânico. Pensei em um acidente, algo de grave. Aí eles me explicaram que Gabriel havia entrado com uma ação, pedindo a anulação do reconhecimento da minha união estável com Gal. Eu fiquei atônita.

Gabriel não havia falado nada com a senhora?

Um pouco antes, eu comecei a ficar com raiva da Daniela. Porque Gabriel, que nunca foi criado com a preocupação de ter ou não dinheiro, perguntou para mim: “Wi, você é mais velha que eu. Pela lógica, você deve morrer antes de mim”. Eu disse a ele que não, que ele podia ser atropelado na rua e morrer antes. Ele continuou: “se você morrer antes de mim, seus irmãos ficam com tudo? [Wilma tem dois irmãos vivos]”. Eu disse que não, que podia fazer um testamento, usufruto, adotá-lo. O inventário estava quase no fim... Aí eu saquei que tinha sido coisa da Daniela.

A senhora atribui as ações recentes de Gabriel a uma influência da Daniela, é isso?

Sim. Só pode vir dela. Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso. Quando teve aquela avalanche de falarem mal de mim, e eu nem sei por que, começaram a falar que eu manipulava Gal. Gal não era uma pessoa manipulável. As pessoas não conhecem Gal. Acham que ela era uma figura doce, que obedecia a todos. Não obedecia a ninguém. Gal tinha personalidade. Foi uma pessoa muito forte. Que veio da Bahia, sem dinheiro... Você acha que era manipulável?

Amigos e fãs afirmam que a senhora afastou Gal de muita gente...

Eles falam o que querem... Falam que eu a manipulava, que eu gastava o dinheiro dela...

Antes da entrevista, a senhora me disse que queria fazer uma turnê que juntasse Gal e Bethânia. Também acusam a senhora, dizendo que afastou Gal de Bethânia, do Gil, do Caetano...

(risos) Magina! (sic) Moramos por muito tempo ao lado de Caetano na Bahia. Caetano era a pessoa que Gal tinha mais contato. Com Gil, ela fez uma turnê [Trinca de Ases, em 2017]. Eu não a afastei de ninguém. Gal se afastou porque ela quis. Gal era uma pessoa que se ela cismasse que alguém não tinha uma boa vibração, nem Deus tirava isso da cabeça dela. Dona Mariah a chamava de mula. Eu era sócia da Gal, mas não administrava nada, não fazia pagamentos. Gal comprava o que queria. Quando voltou para a Bahia, comprou sete automóveis.

O público esperava por uma nova turnê dos Doces Bárbaros (Gal, Bethânia, Caetano e Gil)...

Ah, já estavam todos velhos. Não ia funcionar. Seria como juntar os Beatles hoje em dia, se John Lennon e George Harrison estivessem vivos. Acho que não era algo novo [para se fazer].

Gal, então, tinha independência financeira?

Total.

Quando queria comprar algo, comprava, pagava e não precisava te consultar, por exemplo?

Ou não pagava... Ela só fazia o que queria. Ninguém mandava em Gal. Ninguém.

Quando a senhora conheceu Gal, ela estava no auge. Tinha uma cobertura no Rio, apartamento em Nova York, fez casa em Trancoso. Depois, ainda viveu outros auges na carreira. O que ocorreu com todos esses bens?

Não era tudo junto. Quando eu a conheci, ela tinha um sítio em Petrópolis, quatro salas comerciais no Leblon, o apartamento de Dona Mariah e uma cobertura em São Conrado. Ela me disse que queria sair do Rio, ir para São Paulo ou Nova York. A cobertura dela era deslumbrante, vizinha à do Boni [ex-diretor geral da TV Globo]. Eu tinha uma casa em Porto Seguro. Ela foi comigo até lá e se encantou pelo lugar. Fomos a um restaurante, quando entramos, estava tocando Billie Holiday. Foi a conta. Um rapaz, que estava sem dinheiro, estava vendendo um terreno. Ele nem sabia a metragem direito. Como eu estava acostumada, minha família tinha muitas terras, eu vi que era muito mais do que ele dizia. Disse para Gal: oferece tanto que ele te vende. Tinha 20 mil metros quadrados de área total e 125 metros de praia. Ela fez a casa, chalés, tinha canil, oito empregados.

Depois de um tempo, resolveu vender. Quis ir para Salvador e comprou uma casa. Disse que era a casa que ela sonhava desde criança. Eu havia dito que não valia o que estavam pedindo. A casa tinha problemas. Gal não ouvia. Comprou. Foram dois anos de reforma. Era vizinha a do Caetano. Ficamos lá de 1998 até 2008.

Em que momento as finanças de Gal começaram a dar problema?

Sempre foram problemáticas. Ela vendeu a cobertura do Rio e enterrou tudo na construção de Trancoso. Vendeu Trancoso, comprou essa casa em Salvador. E não tinha todo o dinheiro para isso. Pegou empréstimo no banco. Os juros eram impagáveis.

O cachê de Gal não era baixo. Ela era uma das grandes estrelas da MPB...

O cachê era, em média, R$ 180 mil, para shows corporativos [segundo apurou o Estadão, esse valor poderia ser menos do que a metade disso quando Gal recebia pela bilheteria do show, em vez de um cachê fechado e previamente acordado]. Mas tinha que pagar os músicos, impostos, Ecad, nota fiscal...

A senhora era a empresária, sócia de Gal. Ficava com uma parte ou era um dinheiro que entrava, digamos, na casa?

Eu tinha 10%. Eu era empresária, mas não administrava o dinheiro de Gal. Os músicos de Gal ganhavam fortunas [o Estadão apurou que os músicos que tocavam com Gal ganhavam cachês equivalentes aos pagos por artistas como Caetano Veloso e Maria Bethânia], mais os produtores, mais o roadie, mais o teleprompter, meus 10%. O que sobrava ficava com ela, que gastava como queria.

Como Gal lidava com as dívidas?

Não lidava. Quando a coisa apertava, ela pedia para os advogados resolverem. Gal era completamente desorganizada financeiramente. Quando ela veio gravar um programa em São Paulo, viu o colégio Dante Alighieri e disse que queria que Gabriel estudasse lá. Pedimos que uma amiga corretora indicasse um apartamento. Ela nos mostrou um caríssimo na [rua] José Maria Lisboa. Gal entrou por uma porta, saiu por outra e disse: “eu quero”. Nem perguntou o preço. Tempos depois, foi levar o Gabriel no Dante e viu um prédio em frente ao colégio, perguntou se tinha um apartamento para vender. Gostou e comprou. Tinha mais de 500 metros quadrados. Teve que vender para pagar o banco, que era uma dívida monstruosa.

A senhora tentava conter os gastos?

Sim, fiz o que pude.

A disputa entre a senhora e Gabriel envolve a herança de Gal. De quanto é essa herança?

Não posso te dizer precisamente. O levantamento ainda não foi feito. Tem a casa, que não é nenhuma mansão [onde Gal morava quando morreu], que está paga, mas tem muitos impostos para serem pagos. Tem um carro, uma BMW 2013, que Gal usava e que não pode rodar porque está com o IPVA atrasado. Essa Daniela Tonani... Eu percebi o interesse dela porque um dia ela queria tirar o carro da garagem, trouxe até gasolina. Esse carro é do Gabriel. [a advogada Vanessa Bispo diz que um levantamento de bens e dívidas de Gal está sendo feito. Segundo ela, além da casa, há dois carros].

Há realmente dívidas de impostos em Nova York?

Gal também pegou empréstimo para comprar esse apartamento.

A história, até relatada pela revista Piauí, é que Gal tinha medo de entrar nos Estados Unidos porque devia impostos da venda desse apartamento...

Mentira. Gal não entrava nos Estados Unidos porque não queria. As pessoas fantasiam. Assim como dizem que eu matei um cachorro dela.... Gal tinha o Green Card. Ela o recebeu por faculdades extraordinárias. Gal não podia ser barrada. Se ela tinha dívidas, teria que se ver com o imposto de renda de lá. Não com a imigração. Uma amiga nossa, americana, cantora, deve fábulas para o imposto de renda e entra e sai a hora que ela quer. Dizer que Gal ficou com medo de ir para os Estados Unidos porque eu não declarei o imposto é puro sonho.

Em 1990, Gal vivia um de seus auges na carreira com o show 'Plural' Foto: Acervo/Estadão

A reportagem da Piauí trouxe graves acusações contra a senhora. Mais de uma dezena de depoimentos. O que a senhora diz sobre isso?

Eles provaram alguma coisa? Nunca provaram nada.

Na época, a senhora não respondeu às essas acusações. Seu advogado mandou uma nota para a revista. Há denúncias de estelionato, golpes e agressões verbais e físicas contra funcionários e contra a própria Gal. A senhora pode explicar essas denúncias?

Primeiramente, eu não respondi porque eu acho que essas coisas quanto mais você mexe, pior ficar. Como era só comigo – e eu já não tinha mais a posição de empresária de Gal – eu pensei: eu vou responder à menina que trabalhava no escritório [Anamaris Torres Lecca, de acordo com a Piauí] e disse que eu ficava nua, que não deixava ela ir ao banheiro em uma sala que tinha dois banheiros? Uma menina que trabalhou lá porque eu tinha pena dela. Ela resolveu processar a gente na Justiça do Trabalho. Aí disse que eu tirava a roupa quando estava calor. Para que eu faria isso? Tinha ar condicionado, meu amor... Ela, realmente, não tinha autorização para fechar os shows de Gal porque não tinha competência nenhuma.

E as denúncias de agressões contra Gal?

Você acha que eu batia em Gal? Fala sério. Nunca bati em Gabriel.

Como era a relação entre a senhora e Gal?

Vou te contar. Como Gal havia tido relações que não foram legais, que ela não sentia saudade, nós combinamos que a nossa seria fechada [para o público]. E assim foi. Eu tinha uma cumplicidade com Gal enorme. Tanto que ela ia dizer alguma coisa e eu já sabia. Eu tinha com Gal um amor... Olha que fui casada, amei muito na minha vida. Gal era muito especial para mim. Quando eu tive o câncer, ela ficou desesperada, com medo que eu fosse morrer. Disfarcei que era forte. Se bem que eu não estava me importando muito se eu fosse morrer. Aliás, eu sabia que não iria morrer.

Pessoas com quem conversei reconhecem que havia, sim, uma união entre vocês, mas que vocês viviam uma relação tumultuada, com muitas brigas...

Não, desculpa, mas eu vou te decepcionar. Às vezes, divergíamos em algumas coisas. Exemplo: eu gosto desse copo. Ah, mas eu não gosto. Agora, tumulto? Briga de bater? Jamais. Te juro. Nunca ocorreu. Eu não sou desse tipo. Gal muito menos. Eu iria bater em Gal por que? Porque eu a achava feia, gorda, burra, que não cantava? É de uma estupidez dizer uma coisa dessas... As empregadas podem testemunhar. Aliás, minha empregada se ofereceu para testemunhar.

No Fantástico, a senhora apontou a inveja como motivadora de todas essas acusações. Qual outro motivo - concreto - haveria para tanta gente te acusar?

Uma pergunta difícil. O que posso te dizer é que vou responder judicialmente a um por um. O Marcus Preto [produtor dos últimos álbuns e shows de Gal], por exemplo, deu uma declaração dizendo que eu e Gal tínhamos uma relação abusiva e tóxica [Preto fez uma postagem em sua conta no Instagram, mas não citou o nome de Wilma ou Gal]. Quem falou para ele? O psicanalista, o psiquiatra? Dele ou de Gal? Gal não tinha psicanalista. Até onde eu sei, ele também não. Até precisaria. Ele é um rapaz que quer vencer na vida a qualquer custo. Ele está atrás de Bethânia, da Simone... Ele achava que podia me chutar e ficar como empresário de Gal. Eu te digo: ele é um maluco. Como ele pode dizer que era uma relação tóxica se ele não frequentava minha casa? Gal não contava para ele sobre nossa relação. Porque ela não contava mesmo. Não vou falar de um por um, senão vamos ficar aqui até amanhã... [A advogada afirma que a fala de Wilma sobre a inveja foi descontextualizada no programa Fantástico].

Gabriel pede a anulação do depoimento em que reconheceu sua união estável com Gal alegando que ele estava sob o efeito de remédios. A defesa dele afirma que esses remédios eram ministrados pela senhora. A senhora deu remédios a Gabriel?

O psiquiatra prescreveu uma medicação porque ele tem TDAH (diagnosticado na infância) e estava com ansiedade e depressão. Mas eu nunca administrei para ele. Eu apenas escrevi nas caixas os horários que ele deveria tomar cada um. Ele disse que sabia tomar, que não era criança. Eu, então, disse: “eu tenho total confiança em você”. Ele nunca tomou os remédios.

A defesa de Gabriel alega que a senhora o levou em outro psiquiatra, que mudou a mediação e que ele estaria dopado para dar aquele depoimento de reconhecimento da união estável entre a senhora e Gal.

Você quer que eu te responda o que? É uma mentira. Estão apelando. Eu jamais faria isso. Ele não mudou de psiquiatra.

Gabriel sabia que a senhora e Gal eram um casal?

Sabia. Ele me perguntou. Nosso casamento era público. Gal era uma pessoa pública. Eu não, pois sempre me recolhi. As mães do Dante começaram a comentar com Gabriel. Ele, então, chegou para mim e perguntou. Eu respondi que sim, que éramos casadas. E ele tem um amigo no Ipiranga cuja mãe também tem uma relação homoafetiva. Ele sabia mesmo. Eu e Gal usávamos aliança. Ele percebeu que nossos anéis eram iguais.

Wilma Petrillo usa a aliança que foi de Gal Costa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Sente-se desconfortável em expor Gabriel e enfrentá-lo na Justiça?

É muito difícil. Você criar uma pessoa com todo amor, com afeto, preocupação...Eu jamais imaginei que passaria por uma situação dessas. Em um primeiro momento, não acreditei. Fiquei pensando: o que teria ocorrido para ele ter uma reação dessas? Aí, voltei o filme e comecei a me lembrar do interesse de Daniela na herança. Ela me perguntou sobre quanto era a herança de Gal.

O seu sentimento por Gabriel mudou?

Quando eu vi tudo isso, pensei: esse não é meu filho, ele não foi educado assim.

Espera por uma reconciliação?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa do meu filho. Quando foi comigo, eu não estava nem aí. Mas, quando meu filho é colocado em uma cilada, de uma maldade, de uma crueldade sem tamanho... Você pegar um menino de 17, 18 anos, uma mulher de 50 anos, e colocá-lo em um quarto de hotel vagabundo, na Avenida Paulista... Sabe Deus se ele está indo à escola [Gabriel está no segundo ano do Ensino Médio]. Gabriel me bloqueou no WhatsApp.

No processo, Daniela Tonani alega que te emprestou dinheiro. É verdade?

Sim, me emprestou. Daniela começou a ficar enfiada na minha casa. Você entrava no quarto de Gabriel, ele estava nu, e ela estava lá, deitada na cama dele. Era uma coisa nojenta. Gabriel dizia que Daniela tinha pânico e precisava vê-lo para não ter crise. Eu estava precisando [de dinheiro], a Kati [Almeida Braga] estava viajando e ela disse que me emprestava. Acho que foram uns R$ 18 mil, R$ 20 mil. Emprestou não, pagou as contas da casa.

As primas de Gal, Verônica e Priscila Silva, também reivindicam a herança por meio de um documento antigo em que Gal dizia que deixaria tudo para uma fundação. Elas alegam que, no passado, a senhora a coagiu para anular esse documento...

Esse documento é de 1997. Gal, na época, estava preocupada porque não queria deixar nada para a família. O pai de Gal casou com a mãe dela, mas tinha outra família, no interior da Bahia. Ele tinha outros quatro ou cinco filhos. Gal dizia: “meu pai nunca meu deu uma chupeta”. Era uma mágoa muito grande que ela carregava. Ela dizia que não queria que a família do pai herdasse nada dela. Ela, então, fez esse documento, um testamento, e colocou essas duas primas. Quando apareceu Gabriel, ela anulou esse documento. Essas primas nem eram íntimas. Dá para contar nos dedos da mão as vezes que elas foram em casa. Uma delas, a Verônica, queria ser cantora. Gal tentou ajudar, mas o Mazzola [Marco, produtor] disse para Gal tirar isso da cabeça dela porque não ia dar certo. Acho que elas querem aparecer no jornal.

A senhora está com fama de vilã. Como se sente nessa posição?

Pois é, eu mato, tem que exumar porque há uma dúvida... Estou lindando mal com isso. Perder Gabriel. Me dá uma coisa... Um filho que foi criado com tanto carinho, agora está em um hotel fuleiro, com uma mulher maluca. O marido na porta da minha casa fazendo escândalo, os vizinhos aparecendo. Como eu posso ficar? Eu não tenho dinheiro para nada. Eu tenho que lavar o carro, comprar comida. Eu estou em uma situação que eu nunca me vi na vida. Eu estou mal. Não estou me fazendo de vítima. É uma situação horrorosa.

A senhora, se tiver direito à herança, administrará também o legado artístico de Gal. Como pretende conduzir essa questão? Há herdeiros que barram novos lançamentos.

Não sou assim. Não sou Aninha Jobim [viúva de Tom Jobim]. Não tenho a menor intenção de barrar nada.

Os fãs de Gal sempre te acusaram de tratá-los mal, de impedir que falassem com Gal...

Morta?

Viva. Nos camarins...

É tudo mentira. Nunca impedi ninguém de entrar no camarim. Pelo contrário. Se Gal não recebia um fã, é porque ela não queria. E não porque eu mandava. Te juro por Deus. Nunca disse “fulano não entra no camarim”. Eles não veem que falando isso estão prejudicando a própria Gal? Gal não era essa fragilidade que eles estão colocando. Tinha dias que ela não estava a fim de receber ninguém. O artista é assim. Eu conheço o Chico [Buarque] desde que eu estudava na PUC e ele na FAU. A gente frequentava um boteco na Major Sertório [centro de São Paulo] para tomar batida. Eu tinha 18 anos. No dia que eu fui ao show, eu falei: acho que vou dar um beijo no Chico. O produtor me disse: “o Chico se picou, deixou um beijo para você”. Quer dizer, o cara não estava a fim de receber. Tem dia que Caetano, Bethânia, Gil não estão a fim. Tinha dias que Gal não estava a fim. A culpa era minha? Me poupe.

A senhora interferia na parte artística de Gal?

Eu dava palpites. Mas Gal era muito teimosa. Às vezes, rejeitava os palpites. Quando o disco estava pronto, ela me mostrava, perguntava o que eu tinha achado, se tinha gostado. Lembro muito da gravação do Recanto [álbum de 2012]. Ela levou um susto [positivo, com os arranjos]. As bases chegavam, o Moreno [Veloso] ia fazendo e mandava. O Moreno, aliás, fez agora [a masterização] do Coala. Foi o último show de Gal. Ele me disse que chorou do começo ao fim quando ouviu a gravação.

E será lançado?

Tem que sair. Está com a [gravadora] Biscoito Fino. Acho que estão esperando um momento mais oportuno, esperando a poeira baixar. Está lindo, tenho aqui no meu celular.

Para a senhora, é tranquilo ouvir Gal atualmente?

Você sabe que estou morando na casa que morávamos juntas. Eu quero sair de lá. As lembranças são muito fortes. Eu mudei até de quarto. Gal e eu dormíamos no mesmo quarto. Eu fechei o quarto onde tudo ocorreu. As coisas dela estão lá, eu não consigo... Eu chamei até uns meninos para me ajudar. É complicado. Foram muitos anos. Eu pego uma blusa (da Gal) e penso: ah, ela usou essa blusa quando fomos em tal lugar. Aí largo lá, deixo. Nunca pensei que fosse algo tão complicado, sabe? Os discos – aqueles em que eu tive mais participação – eu coloco duas ou três músicas para ouvir e depois tiro. Coloco [Maria] Callas. Não que eu troque Gal por Callas. E nem a equiparo. Ou coloco Nat King Cole. Gal é muito especial. Eu não vejo outra cantora igual a ela.

Tem alguma música mais marcante para a senhora?

Gal cantava Morena do Mar para mim, porque eu sou de Iemanjá. Cantava Meu Bem, Meu Mal e A Handful Of Stars, do Nat King Cole.

O que a senhora espera agora?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa de meu filho. Se eu quisesse aparecer nos jornais, já tinha aparecido há muito tempo. Eu não consigo dormir... Eu estou tomando cada bola [remédio]. Para mim, o Gabriel ainda é uma criança. Vi uma foto dele agora, que está triste, com os olhos baixos. Quero que ele volte para casa. Ele tem as chaves, pode voltar quando quiser.

O que dizem os citados por Wilma Petrillo

  • Luci Vieira Nunes, advogada de Gabriel Costa: “A Dra. Luci Vieira Nunes não comenta os casos em que atua ou atuou.”
  • Marcus Preto, produtor e diretor musical: “Gente, ela é extremamente maravilhosa. Só faltou dizer que eu morro de inveja da beleza dela.”
  • Anamaris Torres Lecca, produtora: Não quis se manifestar.
  • Verônica Silva, prima de Gal Costa: “Nós não temos nada a informar sobre Wilma. Além disso, o processo está em segredo de Justiça.”
  • Programa Fantástico e a jornalista Renata Ceribelli: Não responderam à mensagem do Estadão.
  • Daniela Tonani Izzo: Não respondeu ao pedido de manifestação do Estadão.
  • Gabriel Costa, em nota, por meio de advogados: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

O espaço segue aberto.

A cantora Gal Costa (1945-2022) gravou centenas de músicas ao longo de quase 60 anos de carreira. Uma delas, porém, faz com que a empresária Wilma Petrillo se lembre da cantora de forma especial: Meu Bem, Meu Mal, composição de Caetano Veloso, lançada por Gal em 1981, doze anos antes das duas se conhecerem em Nova York. Gal e Wilma teriam convivido por quase 30 anos.

“Ela cantava essa para mim. E também Morena do Mar e A Handful Of Stars”, diz Wilma, 74 anos, com fala pausada para a reportagem do Estadão, durante entrevista exclusiva realizada no escritório da empresária, na região dos Jardins - antes de ser divulgado nesta terça, 9, pelo G1, que a Justiça de São Paulo negou a pedido de exumação feito por Gabriel Costa. Ao Estadão, defesa de Gabriel afirma que vai recorrer da decisão.

A Justiça também determinou que o processo seja encaminhado à investigação por meio da Central de Inquéritos Policiais e Processos (CIPP) para a apuração de um possível crime por parte de Wilma. A reportagem do Estadão voltou a entrar em contato com a defesa de Wilma na manhã desta quarta-feira, 10. A advogada Vanessa Bispo afirmou que a empresária não foi citada nessa ação de exumação. “Os fatos que Gabriel imputa a Wilma são graves e ele terá que provar”, diz a advogada.

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Vanessa disse ainda que Wilma tem interesse em que os fatos sejam esclarecidos e que ela não se opõe a uma investigação. Afirmou ainda achar estranho que Gabriel, aparentemente, não tenha solicitado ao Hospital Albert Einstein, onde Gal fazia um tratamento para uma neoplastia maligna [câncer] de cabeça e pescoço, os boletins médicos que podem atestar a gravidade da doença da cantora.

Relembre o caso e as acusações e entenda o contexto da disputa

Desde a morte de Gal, em novembro de 2022, Wilma Petrillo, que atuou como empresária da cantora, ganhou os holofotes. Inicialmente por requerer o reconhecimento de união estável com Gal - o que causou surpresa e indignação em muito gente, já que a cantora sempre manteve discrição sobre sua vida amorosa - e, consequentemente, ter direito à herança da cantora.

Posteriormente, por ser personagem de uma reportagem publicada pela revista Piauí em junho de 2023 na qual foi alvo de denúncias de mais de uma dezena de pessoas que a acusaram de golpes financeiros, assédio moral e agressões físicas e verbais, inclusive contra Gal. “Nunca provaram nada”, diz Wilma.

A empresária Wilma Petrillo durante entrevista ao 'Estadão' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Wilma segue no foco. Depois de ter a união estável reconhecida pela Justiça e ter sido declarada como inventariante dos bens de Gal, a empresária trava uma batalha contra Gabriel Costa, filho único da cantora, de 18 anos. Registrado apenas no nome de Gal, Gabriel, em um primeiro momento, reconheceu perante um juiz, em uma audiência realizada em março de 2023, a união entre a mãe e Wilma, a quem tratava como madrinha.

Nos meses seguintes à morte de Gal, Wilma e Gabriel pareciam mesmo viver em harmonia. Foram vistos juntos em um show de Chico Buarque, em março de 2023. No entanto, no fim de janeiro deste ano, Gabriel deixou a casa em que morava com Wilma, mesmo local onde Gal morreu. Um mês depois, entrou com uma ação anulatória da união estável e pediu que a Justiça retirasse Wilma da função de inventariante. O caso ainda não foi analisado pela Justiça.

No processo ao qual o Estadão teve acesso, a defesa de Gabriel alega que ele estava sob efeitos de medicamentos administrados por Wilma e, por isso, “teve sua capacidade cognitiva severamente reduzida” e que a declaração que prestou “se encontra maculada por coação física e psicológica”.

À reportagem, Wilma nega que administrava medicamentos a Gabriel, a quem ela chama de “filho” a todo momento. Ela atribui a mudança de comportamento de Gabriel à sua atual namorada, a fonoaudióloga Daniela Tonani Izzo, de 50 anos, mãe da ex-namorada de Gabriel.

“Ela está interessada na herança”, afirma Wilma. “Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso”, completa. O Estadão procurou Daniela, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Daniela, anteriormente, também deu uma declaração à Justiça afirmando reconhecer a união estável entre Gal e Wilma. Assim como Gabriel, ela, agora, pede a anulação do depoimento. Alega que foi ludibriada por Wilma à época.

Para provar a união estável de Gal e Wilma, a defesa de Wilma anexou ao processo inúmeras fotos delas juntas. Há ainda imagens de ambas com Gabriel. Outras duas fotos destacam as alianças iguais que elas usavam na mão esquerda e que, agora, estão no dedo anelar de Wilma. A defesa da empresária também anexou bilhetes que Gal teria escrito para Wilma. São declarações de amor. Elas se chamavam de ‘Tunca’. “Era um de nossos apelidos carinhosos”, diz a empresária. Em um desses escritos aparece a mesma frase que Wilma afirma ter ouvido da cantora instantes antes dela morrer, na madrugada do dia 9 de novembro de 2022, em sua casa, no bairro do Jardim Europa, em São Paulo: “Não sei mais viver sem você”.

Wilma, em uma entrevista de cerca de 2h30 ao Estadão, rebateu as acusações que pesam contra ela e revelou que Gal enfrentava dívidas financeiras, o que pode fazer com que a herança deixada pela cantora seja menos do que muitos pensam - por ora, há uma casa que na escritura tem o valor de R$ 5,2 milhões e dois automóveis. Diz querer adotar Gabriel. Algumas das respostas à reportagem tiveram a intervenção de sua nova advogada, Vanessa Bispo, que assumiu o caso há cerca de três semanas e trabalha na tese de que Gabriel se encontra em situação de vulnerabilidade psicológica. “Morando em um hotel vagabundo na Avenida Paulista”, diz Wilma, em um dos poucos momentos da entrevista em que se exaltou.

Procurada pela reportagem, a defesa de Gabriel enviou a seguinte nota: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

Previamente, a advogada Mariana de Athayde Ferreira afirmou à reportagem do Estadão que Gabriel não quer conceder entrevista pois ficou “incomodado” com as notícias envolvendo o nome de sua namorada. Ela reafirmou a versão de que Gabriel ingeriu medicamentos ministrados por Wilma.

Leia a entrevista exclusiva com Wilma Petrillo

Ao final, estão as respostas das pessoas citadas.

A relação, profissional ou afetiva, entre a senhora e Gal existe desde 1993, é isso? Começou em um avião rumo a Nova York, com a senhora oferecendo uma garrafa de champanhe para Gal?

Estávamos juntas desde o dia 5 de novembro de 1993. Mas essa história do avião é mentira. Eu não bebo, Gal não bebe. Para que eu ia mandar uma garrafa de champanhe para ela beber no avião? Isso é lenda, fantasia. Coisa de gente cafajeste. Eu morava em Nova York, conhecia os donos da festa Brazilian Day, que eu acho cafona. Todo ano eles convidavam uma personalidade. Em 1993, convidaram Gal. Foi onde nos encontramos, apesar de que eu já tinha assistido a um show dela quatro ou cinco anos antes, no Brasil.

Quem decidiu adotar Gabriel?

Nós duas. Eu mais. Enchia o saco dela. Gal dizia que não tinha mais idade para isso. Eu dizia que isso de idade era bobagem. Na época, apareceu uma reportagem na TV Globo, com a Gloria Maria, sobre um recém-nascido que a mãe embrulhou em um saco plástico e lançou em uma lagoa [da Pampulha, em Minas Gerais]. Gal ligou para Gloria Maria e disse que queria adotar esse bebê. Mãe Cleusa [do terreiro do Gantois, na Bahia] disse para Gal não adotar essa criança, que já estava muito estigmatizada por tudo o que tinha ocorrido. Depois disso, começamos a procurar uma criança em abrigos do Rio e São Paulo. Até que, no Rio, encontramos o Gabriel. Ficamos apaixonadas por ele. Procuramos a Luci [a advogada, que atualmente trabalha na defesa de Gabriel e que foi procuradora de Gal nos anos 1990], mas ela era funcionária pública, não podia advogar. Substabeleceu o caso para um colega meio doidinho. Cobramos a Luci, ela enfiou o dinheiro no bolso e perdemos a adoção na Justiça em segunda instância. Eu fiquei desesperada. Em São Paulo, encontrei o Paulo Henrique Lucon [advogado e ex-juiz que agora assina uma declaração a favor do reconhecimento da união estável entre Gal e Wilma, anexada ao processo] e conseguimos a adoção.

Apenas Gal registrou Gabriel, não?

A gente nem pensou nisso. [A advogada Vanessa Bispo intervém para dizer que, à época, 18 anos atrás, não existia isso de dois homens ou duas mulheres registrarem uma criança no nome de dois homens ou duas mulheres. “Diante de toda a confusão que essa mulher, Luci, tinha feito na adoção do Gabriel, para que criar mais uma? Gal era figura pública. Ficaria mais fácil, diante de toda a situação já complicada, Gal adotar do que Wilma”].

Hoje seria uma prova da união entre as duas...

Nem passou pela nossa cabeça. Nós queríamos o Gabriel. Aliás, eu dei o nome a ele. Gal queria Emanoel, que eu não gosto. Disse a ela que esse era um nome pesado. Vamos dar Gabriel, falei. Nunca me preocupei com papel. Eu sou a segunda mãe do Gabriel, com nome ou sem nome [no registro].

A senhora, então, se considera mãe de Gabriel?

Não tenho a menor dúvida. Tudo o que eu fiz, qualquer mãe faria. Ou fiz até melhor que qualquer mãe. Cuidei de Gabriel com tanto amor, com tanto carinho. Médico, dentista, psicanalista, psicólogo, escola... Cansei de ir a reuniões. Quando eu viajava, trazia para ele, juro por Deus, três, quatro malas de roupas e brinquedos. Tudo o que uma mãe faz e mais um pouco eu fiz. Então, você imagina minha tristeza de agora ver tudo isso.

A relação entre a senhora e Gal mudou com a adoção do Gabriel?

Mudou. Mudou não, ficou mais forte. Tornou-se uma relação definitiva. Não que não fosse. Já era. Como vou te explicar? Ficou algo mais forte mesmo. Agora, tínhamos uma responsabilidade a mais, que era criar uma criança. Então, tomávamos um cuidado absurdo para que Gal não passasse nada de ruim para Gabriel. Tanto que ela estava doente – muito – com um câncer agressivo, e não disse nada a ele.

A doença de Gal, então, era grave?

Era bem grave. Ela tinha um câncer de nariz e garganta que passou para o cérebro. Ela enfrentou uma cirurgia de nove horas. Foi muito angustiante, para mim, esperar [do lado de fora da sala de cirurgia]. Gal fez todos os exames, mas só a cirurgia para confirmar mesmo a gravidade. O tumor era bem maior do que os médicos haviam dito. O médico explicou que quando você mexe no nariz, é preciso cavar para tirar as margens do tumor. Por conta disso, nessa cirurgia, Gal teve que fazer uma plástica também. Ela teria que fazer mais duas plásticas depois da radioterapia, por conta do encolhimento do tecido. Me lembro quando o médico disse para Gal que o câncer era agressivo, invasivo, e que ela teria que fazer 20 sessões de radioterapia e, após isso, fazer mais umas oito de quimioterapia. Ela ficou desesperada, mas disse que tinha fé nos orixás. Ligou para Mãe Carmem, de Salvador, que disse para ela não ter medo.

Gal tinha alguma outra doença?

Tinha um problema de pulmão bem sério. Uma DPOC [Depressão Pulmonar Obstrutiva Crônica]. Gal tinha uma tosse que era um absurdo. Tossia muito, sobretudo à noite. E não ia ao médico. Marquei três vezes, ela não foi. Acho que já estava com medo. Gal era uma pessoa teimosinha mesmo. Ela me dizia que a tosse era um cacoete.

A cantora Gal Costa em foto de 2005 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Como Gal reagiu à notícia de que estava com câncer?

Ela ficou muito assustada. Muito. Primeiro o médico disse que era um cisto, que tiraria no consultório mesmo. Depois, nos ligou para dizer que era melhor fazer no hospital. Quando chegamos ao Einstein, ele chamou o pneumologista que avaliou que Gal não poderia operar. Seria necessário fazer um tratamento primeiro. O pulmão estava bastante comprometido. Gal ficou dez dias internada para esse tratamento. Ela pediu para ser liberada e fazer o show no Coala, que foi o último dela. No dia seguinte, Gal voltou ao hospital e, um dia depois, fez a cirurgia.

O que ocorreu no dia da morte de Gal?

Fomos fazer a radioterapia. Foram 20 minutos de sessão. Ao sair, ela disse que estava com fome. Fomos à lanchonete do hospital, ela pediu uma empadinha, mas não conseguiu comer. Fomos para casa. Ela reclamou que estava muito enjoada. Pediu uma canja, mas só tomou uma colherada. Sentamos para ver televisão. Quando era uma hora da manhã, mais ou menos, ela me disse: “vamos subir?”. Nunca tinha visto Gal ir para o quarto antes das quatro horas da manhã na minha vida. Fomos para o quarto, ela chegou lá em cima bastante ofegante. Gabriel diz que estava nessa hora, mas não estava. Estava no quarto dele jogando no computador.

Gal estava com os olhinhos muito tristes. Perguntei se ela estava bem. Ela disse que estava com muito frio. Peguei um cobertor térmico, um pijama de inverno, coloquei meias. Disse que chamaria um médico. Ela não quis. Liguei para um geriatra que sugeriu levá-la para o hospital. Gal disse que, se não melhorasse, iria. Fiz um chá de capim-santo bem forte para ela tomar. Ela tomou. Deitou e dormiu uns quarenta minutos, uma hora. Ela acordou, eu falei: “e aí, Tunca? Como você está?”. Ela disse que estava melhor, não tinha mais frio. Ela deitou a cabeça no meu ombro e falou: “é, vai ser assim. Você vai ficar até, até, até... Eu não sei mais viver sem você, te amo”. Gal se virou para o lado, eu pensei que ela fosse vomitar. Eu dei a volta na cama. Ela não respondia mais. Vi que ela não tinha mais pulso. Chamei Gabriel para me ajudar a virá-la. Chamei o Samu. Comecei a fazer massagem cardíaca. Gabriel também fez, orientado pela atendente do Samu. O Samu demorou muito. Pedi que ele ligasse para o Einstein, para o Sírio. Até que falaram que ela tinha morrido. Eu pirei, Gabriel pirou.

Wilma Petrillo afirma ter vivido uma união estável com Gal Costa durante quase 30 anos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Vocês haviam decidido não contar para o Gabriel sobre a doença de Gal, foi isso?

Gal não queria de jeito nenhum. Ela tinha pavor que a doença vazasse na imprensa. Tinha pavor que Gabriel soubesse. Ficou preocupada que ele não fosse entender. Queríamos poupá-lo. Gal não contava nada de problemas para o Gabriel. Só passava para ele o que era legal. “Olha, nós vamos para a Europa, vamos para Nova York”. Gabriel achava legal, dizia: “vamos fazer compras”. Ele não tinha culpa. Foi criado assim, né?

E a senhora resolveu também não fazer autópsia para saber o que tinha ocorrido?

A menina [uma médica de ambulância que Wilma diz não se lembrar mais de qual hospital era ou se era do Samu] me perguntou se eu queria fazer a autópsia...

Foi essa médica que atestou a causa da morte?

A que atestou é uma médica que cuidou do câncer de Gal, assistente do médico Fernando Maluf.

A senhora que pediu para ela atestar?

Não, não pedi. [Nesse momento, a advogada Vanessa Bispo intervém novamente e disse estar “furiosa” com o programa Fantástico. “Eu afirmo que eles fizeram uma edição totalmente tendenciosa. Wilma ficou três horas dizendo coisas bastante esclarecedoras - e eu também - que fariam todo o sentido para os fatos”].

Então, para esclarecer: como a senhora chegou à conclusão de que a autópsia não deveria ser feita e que essa médica que cuidava de Gal poderia dar o atestado de óbito?

Eu acho o seguinte. Quando você vai ao médico, ele te dá um diagnóstico muito mais por seu histórico do que pelos exames. Às vezes, nem te examinam. Como eu sabia que Gal tinha problema no pulmão, tinha uma arritmia coronariana e estava com um câncer pesado... Uma vez estávamos vendo um programa... e eu queria te pedir muito, de joelhos, para que você corrigisse isso, porque no Fantástico disseram que Gal saiu de casa direto para o velório. É mentira. E falei para a menina [médica que Wilma afirma que estava na casa no dia da morte da Gal]: “não, não precisa da autópsia”. Nós estávamos vendo um programa na televisão, um ou dois meses antes, sobre autópsia. Gal virou para mim e disse: “Deus me livre. Você morre e ainda fazem isso com você. Eu não quero que façam comigo”. Ela já tinha sofrido muito, bastante. Eu não queria que fosse feita uma autópsia em Gal.

Eu chamei uma agência funerária que fica na [rua] São Carlos do Pinhal [Funeral Home]. O corpo da Gal foi levado para lá às quatro horas da tarde. Eu queria esperar a Kati Almeida Braga [empresária, dona da gravadora Biscoito Fino]. Elas trouxeram tudo. Disseram que o caixão era vagabundo. Magina (sic). Custou R$ 12 mil. Não tem nada de vagabundo. As pessoas são cruéis. Veio um pessoal da Bahia, do Gantois. Mãe Carmem mandou quatro irmãos de santo de Gal e eles fizeram uma axexê [ritual fúnebre para uma pessoa importante na comunidade religiosa]. Gal foi enterrada em um cemitério em São Paulo porque o jazigo é da minha família e Gal é da minha família. Meus sobrinhos chamavam Gal de tia. Ela achava o maior barato.

Os amigos de Gal disseram que ela queria ser enterrada no Rio, no jazigo onde está a mãe.

As pessoas não sabem e falam bobagem. Gal, realmente, tinha um jazigo no qual colocou dona Mariah. Mas ela jamais falou que queria ser enterrada aqui ou lá. Porque, assim, para Gal, a morte não existia. Na cabecinha dela, ela iria morrer, sei lá, com 120 anos, igual dona Canô, algo assim. Gal tinha outros planos para esse jazigo que eu não vou falar porque todo mundo vai dizer que eu estou mentindo. Em 30 anos de convivência, nós fomos ao jazigo de dona Mariah duas vezes. Gal dizia: “eu não venho mais porque minha mãezinha não está aqui”. Preferia ir na igreja rezar por ela. Pensando que Gal era da minha família, por que não a colocar perto de mim e do filho? É um cemitério particular [Cemitério Venerável da Ordem Terceira Nossa Senhora do Carmo], exclusivo, tombado. É um jazigo bonito, não tem nada de esculhambado como dizem. Só que você precisa tocar a campainha e dizer “vim ver o túmulo de Gal Costa”.

A senhora nunca proibiu o acesso dos fãs ao túmulo [isso foi alegado por alguns admiradores de Gal]?

Nunca. Nem posso. Como vou proibir? Tem um menino que disse que fui ao cemitério brigar. Mentira. O que ocorreu é que começaram a colocar fotografias. Eu tirei. Nem fui eu que tirei, na verdade. Foi o pessoal do cemitério. Eu nem estava andando na época [devido à queda que resultou na fratura de fêmur, em dezembro de 2022]. Minha recuperação durou oito meses.

A senhora não acha legítimo que Gabriel, que não foi informado sobre a doença da mãe, queira a exumação do corpo de Gal para saber o que possa ter ocorrido?

Sabe por que não? Quer dizer, é legítimo ele pedir o que quiser. Para mim, tanto faz. Quer dizer, tanto faz não. Acho legítimo ele pedir porque não sabia, mas, no dia seguinte do enterro de Gal, eu expliquei tudo para ele. Do câncer, do problema do pulmão. Ele entendeu direitinho. Gabriel não tem nada de burro. Gabriel é esperto. Muito esperto. Mais esperto que você e eu juntos. Eu expliquei que Gal estava com câncer, falei da cirurgia, da radioterapia, que foi muito forte, que ela talvez não tenha suportado. Gal tinha 77 anos.

A senhora e Gabriel, depois da morte de Gal, continuaram a viver juntos, na mesma casa, foram juntos ao show do Chico Buarque, por exemplo...

Maravilhosamente bem.

Em que momento ou o que fez essa relação entre a senhora e Gabriel se deteriorar?

Eu tinha uma relação fantástica com o Gabriel. De amor, com muito amor. Uma criança que eu cuidei, amei, desde os dois anos de idade. A partida de Gal só nos uniu. Ele me dizia: “agora eu só tenho a você. Minha mãe já foi, a primeira já foi (a biológica)”. Eu respondia: “eu também, Fufo”. Eu dizia, “vamos vender essa casa que só nos traz péssimas recordações, vamos para Nova York, para a Europa”. Gabriel tinha muitos amigos, mas, hoje em dia, não tem mais. Essa mulher o afastou de todos.

Quem é essa mulher a quem a senhora se refere?

É a Daniela Tonani [fonoaudióloga de 50 anos, mãe de Luísa Tonani, ex-namorada de Gabriel]. Eu levava Gabriel na casa de um amigo no Ipiranga, ia buscar às duas, três da manhã. Levava em outro na Pompeia. Enfim, era extremamente carinhosa com ele, e ele comigo. Ele começou a namorar uma menina, muito bonitinha, na Mooca. O pai dela não a deixava vir para minha casa. Todo dia o Gabriel tinha que ir para a Mooca. Era um saco! A mãe da menina (Daniela) começou a trazê-lo todo dia para casa, sem a filha. Eu a chamei e disse: “olha, vocês ficam na porta de casa, dentro do carro, conversando, é perigoso. Por que vocês não entram e conversam na sala?” Comecei a achar tudo muito esquisito. Gabriel dizia que a Luísa não vinha porque estava com sono. Um dia, ele me disse que não queria namorar mais a Luísa. Eu achei normal, um garoto de 17 anos, não vai casar, né? De repente, a Daniela começou a vir em casa com a desculpa de que tinha que resolver o problema da Luísa com o Gabriel. Eu estava em uma cama hospitalar, ela chegou do meu lado e disse: “Gabriel brigou com a Luísa, ele precisa falar com ela, ela está muito mal”. E começou a ligar para o Gabriel ir para a Mooca outra vez.

Um dia perguntei para o Gabriel: “você está namorando a mãe da Luísa?”. Ele sentou na minha cama e disse: “Wi, vou te contar uma coisa. A gente foi em um centro espírita e um espírito que veio disse que eu a Daniela fomos amante em uma encarnação passada e que agora nós nos reencontramos e que temos que ficar juntos”.

Eu disse para o Gabriel: “vamos no Zé, um espírita amigo meu, que tem um centro espírita sério” – ele, aliás, já havia me avisado que eu iria enfrentar uma encrenca boa – “para esclarecer isso”. Mas Gabriel não foi.

Um dia, ela ligou dizendo que o marido a tinha agredido, quebrado a clavícula dela. Pediu que Gabriel fosse encontrá-la em um hotel de luxo [segundo a advogada de Wilma, Gabriel, então com 17 anos, se hospedou com um RG falsificado]. Uma mulher de 50 anos, com um garoto de 17, para resolver os problemas dela? Como assim? Queriam viajar para Montes Verdes, Riviera. Viagens românticas. Pedi para conversar com a Daniela, mas ela inventava desculpas.

Em janeiro (de 2024), três horas da manhã, Gabriel me disse: “Daniela quer que eu passe uma semana com ela no hotel”. “Para quê?”, eu o questionei. Ele disse que Daniela não queria mais ficar em casa. Eu disse para ele que isso era uma arapuca.

De repente, meus advogados me ligaram e disseram que tinha ocorrido uma loucura. Uma coisa bárbara com o Gabriel. Quando eles falaram “com o Gabriel”, eu entrei em pânico. Pensei em um acidente, algo de grave. Aí eles me explicaram que Gabriel havia entrado com uma ação, pedindo a anulação do reconhecimento da minha união estável com Gal. Eu fiquei atônita.

Gabriel não havia falado nada com a senhora?

Um pouco antes, eu comecei a ficar com raiva da Daniela. Porque Gabriel, que nunca foi criado com a preocupação de ter ou não dinheiro, perguntou para mim: “Wi, você é mais velha que eu. Pela lógica, você deve morrer antes de mim”. Eu disse a ele que não, que ele podia ser atropelado na rua e morrer antes. Ele continuou: “se você morrer antes de mim, seus irmãos ficam com tudo? [Wilma tem dois irmãos vivos]”. Eu disse que não, que podia fazer um testamento, usufruto, adotá-lo. O inventário estava quase no fim... Aí eu saquei que tinha sido coisa da Daniela.

A senhora atribui as ações recentes de Gabriel a uma influência da Daniela, é isso?

Sim. Só pode vir dela. Eu conheço o filho que eu tenho. Ele jamais faria isso. Quando teve aquela avalanche de falarem mal de mim, e eu nem sei por que, começaram a falar que eu manipulava Gal. Gal não era uma pessoa manipulável. As pessoas não conhecem Gal. Acham que ela era uma figura doce, que obedecia a todos. Não obedecia a ninguém. Gal tinha personalidade. Foi uma pessoa muito forte. Que veio da Bahia, sem dinheiro... Você acha que era manipulável?

Amigos e fãs afirmam que a senhora afastou Gal de muita gente...

Eles falam o que querem... Falam que eu a manipulava, que eu gastava o dinheiro dela...

Antes da entrevista, a senhora me disse que queria fazer uma turnê que juntasse Gal e Bethânia. Também acusam a senhora, dizendo que afastou Gal de Bethânia, do Gil, do Caetano...

(risos) Magina! (sic) Moramos por muito tempo ao lado de Caetano na Bahia. Caetano era a pessoa que Gal tinha mais contato. Com Gil, ela fez uma turnê [Trinca de Ases, em 2017]. Eu não a afastei de ninguém. Gal se afastou porque ela quis. Gal era uma pessoa que se ela cismasse que alguém não tinha uma boa vibração, nem Deus tirava isso da cabeça dela. Dona Mariah a chamava de mula. Eu era sócia da Gal, mas não administrava nada, não fazia pagamentos. Gal comprava o que queria. Quando voltou para a Bahia, comprou sete automóveis.

O público esperava por uma nova turnê dos Doces Bárbaros (Gal, Bethânia, Caetano e Gil)...

Ah, já estavam todos velhos. Não ia funcionar. Seria como juntar os Beatles hoje em dia, se John Lennon e George Harrison estivessem vivos. Acho que não era algo novo [para se fazer].

Gal, então, tinha independência financeira?

Total.

Quando queria comprar algo, comprava, pagava e não precisava te consultar, por exemplo?

Ou não pagava... Ela só fazia o que queria. Ninguém mandava em Gal. Ninguém.

Quando a senhora conheceu Gal, ela estava no auge. Tinha uma cobertura no Rio, apartamento em Nova York, fez casa em Trancoso. Depois, ainda viveu outros auges na carreira. O que ocorreu com todos esses bens?

Não era tudo junto. Quando eu a conheci, ela tinha um sítio em Petrópolis, quatro salas comerciais no Leblon, o apartamento de Dona Mariah e uma cobertura em São Conrado. Ela me disse que queria sair do Rio, ir para São Paulo ou Nova York. A cobertura dela era deslumbrante, vizinha à do Boni [ex-diretor geral da TV Globo]. Eu tinha uma casa em Porto Seguro. Ela foi comigo até lá e se encantou pelo lugar. Fomos a um restaurante, quando entramos, estava tocando Billie Holiday. Foi a conta. Um rapaz, que estava sem dinheiro, estava vendendo um terreno. Ele nem sabia a metragem direito. Como eu estava acostumada, minha família tinha muitas terras, eu vi que era muito mais do que ele dizia. Disse para Gal: oferece tanto que ele te vende. Tinha 20 mil metros quadrados de área total e 125 metros de praia. Ela fez a casa, chalés, tinha canil, oito empregados.

Depois de um tempo, resolveu vender. Quis ir para Salvador e comprou uma casa. Disse que era a casa que ela sonhava desde criança. Eu havia dito que não valia o que estavam pedindo. A casa tinha problemas. Gal não ouvia. Comprou. Foram dois anos de reforma. Era vizinha a do Caetano. Ficamos lá de 1998 até 2008.

Em que momento as finanças de Gal começaram a dar problema?

Sempre foram problemáticas. Ela vendeu a cobertura do Rio e enterrou tudo na construção de Trancoso. Vendeu Trancoso, comprou essa casa em Salvador. E não tinha todo o dinheiro para isso. Pegou empréstimo no banco. Os juros eram impagáveis.

O cachê de Gal não era baixo. Ela era uma das grandes estrelas da MPB...

O cachê era, em média, R$ 180 mil, para shows corporativos [segundo apurou o Estadão, esse valor poderia ser menos do que a metade disso quando Gal recebia pela bilheteria do show, em vez de um cachê fechado e previamente acordado]. Mas tinha que pagar os músicos, impostos, Ecad, nota fiscal...

A senhora era a empresária, sócia de Gal. Ficava com uma parte ou era um dinheiro que entrava, digamos, na casa?

Eu tinha 10%. Eu era empresária, mas não administrava o dinheiro de Gal. Os músicos de Gal ganhavam fortunas [o Estadão apurou que os músicos que tocavam com Gal ganhavam cachês equivalentes aos pagos por artistas como Caetano Veloso e Maria Bethânia], mais os produtores, mais o roadie, mais o teleprompter, meus 10%. O que sobrava ficava com ela, que gastava como queria.

Como Gal lidava com as dívidas?

Não lidava. Quando a coisa apertava, ela pedia para os advogados resolverem. Gal era completamente desorganizada financeiramente. Quando ela veio gravar um programa em São Paulo, viu o colégio Dante Alighieri e disse que queria que Gabriel estudasse lá. Pedimos que uma amiga corretora indicasse um apartamento. Ela nos mostrou um caríssimo na [rua] José Maria Lisboa. Gal entrou por uma porta, saiu por outra e disse: “eu quero”. Nem perguntou o preço. Tempos depois, foi levar o Gabriel no Dante e viu um prédio em frente ao colégio, perguntou se tinha um apartamento para vender. Gostou e comprou. Tinha mais de 500 metros quadrados. Teve que vender para pagar o banco, que era uma dívida monstruosa.

A senhora tentava conter os gastos?

Sim, fiz o que pude.

A disputa entre a senhora e Gabriel envolve a herança de Gal. De quanto é essa herança?

Não posso te dizer precisamente. O levantamento ainda não foi feito. Tem a casa, que não é nenhuma mansão [onde Gal morava quando morreu], que está paga, mas tem muitos impostos para serem pagos. Tem um carro, uma BMW 2013, que Gal usava e que não pode rodar porque está com o IPVA atrasado. Essa Daniela Tonani... Eu percebi o interesse dela porque um dia ela queria tirar o carro da garagem, trouxe até gasolina. Esse carro é do Gabriel. [a advogada Vanessa Bispo diz que um levantamento de bens e dívidas de Gal está sendo feito. Segundo ela, além da casa, há dois carros].

Há realmente dívidas de impostos em Nova York?

Gal também pegou empréstimo para comprar esse apartamento.

A história, até relatada pela revista Piauí, é que Gal tinha medo de entrar nos Estados Unidos porque devia impostos da venda desse apartamento...

Mentira. Gal não entrava nos Estados Unidos porque não queria. As pessoas fantasiam. Assim como dizem que eu matei um cachorro dela.... Gal tinha o Green Card. Ela o recebeu por faculdades extraordinárias. Gal não podia ser barrada. Se ela tinha dívidas, teria que se ver com o imposto de renda de lá. Não com a imigração. Uma amiga nossa, americana, cantora, deve fábulas para o imposto de renda e entra e sai a hora que ela quer. Dizer que Gal ficou com medo de ir para os Estados Unidos porque eu não declarei o imposto é puro sonho.

Em 1990, Gal vivia um de seus auges na carreira com o show 'Plural' Foto: Acervo/Estadão

A reportagem da Piauí trouxe graves acusações contra a senhora. Mais de uma dezena de depoimentos. O que a senhora diz sobre isso?

Eles provaram alguma coisa? Nunca provaram nada.

Na época, a senhora não respondeu às essas acusações. Seu advogado mandou uma nota para a revista. Há denúncias de estelionato, golpes e agressões verbais e físicas contra funcionários e contra a própria Gal. A senhora pode explicar essas denúncias?

Primeiramente, eu não respondi porque eu acho que essas coisas quanto mais você mexe, pior ficar. Como era só comigo – e eu já não tinha mais a posição de empresária de Gal – eu pensei: eu vou responder à menina que trabalhava no escritório [Anamaris Torres Lecca, de acordo com a Piauí] e disse que eu ficava nua, que não deixava ela ir ao banheiro em uma sala que tinha dois banheiros? Uma menina que trabalhou lá porque eu tinha pena dela. Ela resolveu processar a gente na Justiça do Trabalho. Aí disse que eu tirava a roupa quando estava calor. Para que eu faria isso? Tinha ar condicionado, meu amor... Ela, realmente, não tinha autorização para fechar os shows de Gal porque não tinha competência nenhuma.

E as denúncias de agressões contra Gal?

Você acha que eu batia em Gal? Fala sério. Nunca bati em Gabriel.

Como era a relação entre a senhora e Gal?

Vou te contar. Como Gal havia tido relações que não foram legais, que ela não sentia saudade, nós combinamos que a nossa seria fechada [para o público]. E assim foi. Eu tinha uma cumplicidade com Gal enorme. Tanto que ela ia dizer alguma coisa e eu já sabia. Eu tinha com Gal um amor... Olha que fui casada, amei muito na minha vida. Gal era muito especial para mim. Quando eu tive o câncer, ela ficou desesperada, com medo que eu fosse morrer. Disfarcei que era forte. Se bem que eu não estava me importando muito se eu fosse morrer. Aliás, eu sabia que não iria morrer.

Pessoas com quem conversei reconhecem que havia, sim, uma união entre vocês, mas que vocês viviam uma relação tumultuada, com muitas brigas...

Não, desculpa, mas eu vou te decepcionar. Às vezes, divergíamos em algumas coisas. Exemplo: eu gosto desse copo. Ah, mas eu não gosto. Agora, tumulto? Briga de bater? Jamais. Te juro. Nunca ocorreu. Eu não sou desse tipo. Gal muito menos. Eu iria bater em Gal por que? Porque eu a achava feia, gorda, burra, que não cantava? É de uma estupidez dizer uma coisa dessas... As empregadas podem testemunhar. Aliás, minha empregada se ofereceu para testemunhar.

No Fantástico, a senhora apontou a inveja como motivadora de todas essas acusações. Qual outro motivo - concreto - haveria para tanta gente te acusar?

Uma pergunta difícil. O que posso te dizer é que vou responder judicialmente a um por um. O Marcus Preto [produtor dos últimos álbuns e shows de Gal], por exemplo, deu uma declaração dizendo que eu e Gal tínhamos uma relação abusiva e tóxica [Preto fez uma postagem em sua conta no Instagram, mas não citou o nome de Wilma ou Gal]. Quem falou para ele? O psicanalista, o psiquiatra? Dele ou de Gal? Gal não tinha psicanalista. Até onde eu sei, ele também não. Até precisaria. Ele é um rapaz que quer vencer na vida a qualquer custo. Ele está atrás de Bethânia, da Simone... Ele achava que podia me chutar e ficar como empresário de Gal. Eu te digo: ele é um maluco. Como ele pode dizer que era uma relação tóxica se ele não frequentava minha casa? Gal não contava para ele sobre nossa relação. Porque ela não contava mesmo. Não vou falar de um por um, senão vamos ficar aqui até amanhã... [A advogada afirma que a fala de Wilma sobre a inveja foi descontextualizada no programa Fantástico].

Gabriel pede a anulação do depoimento em que reconheceu sua união estável com Gal alegando que ele estava sob o efeito de remédios. A defesa dele afirma que esses remédios eram ministrados pela senhora. A senhora deu remédios a Gabriel?

O psiquiatra prescreveu uma medicação porque ele tem TDAH (diagnosticado na infância) e estava com ansiedade e depressão. Mas eu nunca administrei para ele. Eu apenas escrevi nas caixas os horários que ele deveria tomar cada um. Ele disse que sabia tomar, que não era criança. Eu, então, disse: “eu tenho total confiança em você”. Ele nunca tomou os remédios.

A defesa de Gabriel alega que a senhora o levou em outro psiquiatra, que mudou a mediação e que ele estaria dopado para dar aquele depoimento de reconhecimento da união estável entre a senhora e Gal.

Você quer que eu te responda o que? É uma mentira. Estão apelando. Eu jamais faria isso. Ele não mudou de psiquiatra.

Gabriel sabia que a senhora e Gal eram um casal?

Sabia. Ele me perguntou. Nosso casamento era público. Gal era uma pessoa pública. Eu não, pois sempre me recolhi. As mães do Dante começaram a comentar com Gabriel. Ele, então, chegou para mim e perguntou. Eu respondi que sim, que éramos casadas. E ele tem um amigo no Ipiranga cuja mãe também tem uma relação homoafetiva. Ele sabia mesmo. Eu e Gal usávamos aliança. Ele percebeu que nossos anéis eram iguais.

Wilma Petrillo usa a aliança que foi de Gal Costa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Sente-se desconfortável em expor Gabriel e enfrentá-lo na Justiça?

É muito difícil. Você criar uma pessoa com todo amor, com afeto, preocupação...Eu jamais imaginei que passaria por uma situação dessas. Em um primeiro momento, não acreditei. Fiquei pensando: o que teria ocorrido para ele ter uma reação dessas? Aí, voltei o filme e comecei a me lembrar do interesse de Daniela na herança. Ela me perguntou sobre quanto era a herança de Gal.

O seu sentimento por Gabriel mudou?

Quando eu vi tudo isso, pensei: esse não é meu filho, ele não foi educado assim.

Espera por uma reconciliação?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa do meu filho. Quando foi comigo, eu não estava nem aí. Mas, quando meu filho é colocado em uma cilada, de uma maldade, de uma crueldade sem tamanho... Você pegar um menino de 17, 18 anos, uma mulher de 50 anos, e colocá-lo em um quarto de hotel vagabundo, na Avenida Paulista... Sabe Deus se ele está indo à escola [Gabriel está no segundo ano do Ensino Médio]. Gabriel me bloqueou no WhatsApp.

No processo, Daniela Tonani alega que te emprestou dinheiro. É verdade?

Sim, me emprestou. Daniela começou a ficar enfiada na minha casa. Você entrava no quarto de Gabriel, ele estava nu, e ela estava lá, deitada na cama dele. Era uma coisa nojenta. Gabriel dizia que Daniela tinha pânico e precisava vê-lo para não ter crise. Eu estava precisando [de dinheiro], a Kati [Almeida Braga] estava viajando e ela disse que me emprestava. Acho que foram uns R$ 18 mil, R$ 20 mil. Emprestou não, pagou as contas da casa.

As primas de Gal, Verônica e Priscila Silva, também reivindicam a herança por meio de um documento antigo em que Gal dizia que deixaria tudo para uma fundação. Elas alegam que, no passado, a senhora a coagiu para anular esse documento...

Esse documento é de 1997. Gal, na época, estava preocupada porque não queria deixar nada para a família. O pai de Gal casou com a mãe dela, mas tinha outra família, no interior da Bahia. Ele tinha outros quatro ou cinco filhos. Gal dizia: “meu pai nunca meu deu uma chupeta”. Era uma mágoa muito grande que ela carregava. Ela dizia que não queria que a família do pai herdasse nada dela. Ela, então, fez esse documento, um testamento, e colocou essas duas primas. Quando apareceu Gabriel, ela anulou esse documento. Essas primas nem eram íntimas. Dá para contar nos dedos da mão as vezes que elas foram em casa. Uma delas, a Verônica, queria ser cantora. Gal tentou ajudar, mas o Mazzola [Marco, produtor] disse para Gal tirar isso da cabeça dela porque não ia dar certo. Acho que elas querem aparecer no jornal.

A senhora está com fama de vilã. Como se sente nessa posição?

Pois é, eu mato, tem que exumar porque há uma dúvida... Estou lindando mal com isso. Perder Gabriel. Me dá uma coisa... Um filho que foi criado com tanto carinho, agora está em um hotel fuleiro, com uma mulher maluca. O marido na porta da minha casa fazendo escândalo, os vizinhos aparecendo. Como eu posso ficar? Eu não tenho dinheiro para nada. Eu tenho que lavar o carro, comprar comida. Eu estou em uma situação que eu nunca me vi na vida. Eu estou mal. Não estou me fazendo de vítima. É uma situação horrorosa.

A senhora, se tiver direito à herança, administrará também o legado artístico de Gal. Como pretende conduzir essa questão? Há herdeiros que barram novos lançamentos.

Não sou assim. Não sou Aninha Jobim [viúva de Tom Jobim]. Não tenho a menor intenção de barrar nada.

Os fãs de Gal sempre te acusaram de tratá-los mal, de impedir que falassem com Gal...

Morta?

Viva. Nos camarins...

É tudo mentira. Nunca impedi ninguém de entrar no camarim. Pelo contrário. Se Gal não recebia um fã, é porque ela não queria. E não porque eu mandava. Te juro por Deus. Nunca disse “fulano não entra no camarim”. Eles não veem que falando isso estão prejudicando a própria Gal? Gal não era essa fragilidade que eles estão colocando. Tinha dias que ela não estava a fim de receber ninguém. O artista é assim. Eu conheço o Chico [Buarque] desde que eu estudava na PUC e ele na FAU. A gente frequentava um boteco na Major Sertório [centro de São Paulo] para tomar batida. Eu tinha 18 anos. No dia que eu fui ao show, eu falei: acho que vou dar um beijo no Chico. O produtor me disse: “o Chico se picou, deixou um beijo para você”. Quer dizer, o cara não estava a fim de receber. Tem dia que Caetano, Bethânia, Gil não estão a fim. Tinha dias que Gal não estava a fim. A culpa era minha? Me poupe.

A senhora interferia na parte artística de Gal?

Eu dava palpites. Mas Gal era muito teimosa. Às vezes, rejeitava os palpites. Quando o disco estava pronto, ela me mostrava, perguntava o que eu tinha achado, se tinha gostado. Lembro muito da gravação do Recanto [álbum de 2012]. Ela levou um susto [positivo, com os arranjos]. As bases chegavam, o Moreno [Veloso] ia fazendo e mandava. O Moreno, aliás, fez agora [a masterização] do Coala. Foi o último show de Gal. Ele me disse que chorou do começo ao fim quando ouviu a gravação.

E será lançado?

Tem que sair. Está com a [gravadora] Biscoito Fino. Acho que estão esperando um momento mais oportuno, esperando a poeira baixar. Está lindo, tenho aqui no meu celular.

Para a senhora, é tranquilo ouvir Gal atualmente?

Você sabe que estou morando na casa que morávamos juntas. Eu quero sair de lá. As lembranças são muito fortes. Eu mudei até de quarto. Gal e eu dormíamos no mesmo quarto. Eu fechei o quarto onde tudo ocorreu. As coisas dela estão lá, eu não consigo... Eu chamei até uns meninos para me ajudar. É complicado. Foram muitos anos. Eu pego uma blusa (da Gal) e penso: ah, ela usou essa blusa quando fomos em tal lugar. Aí largo lá, deixo. Nunca pensei que fosse algo tão complicado, sabe? Os discos – aqueles em que eu tive mais participação – eu coloco duas ou três músicas para ouvir e depois tiro. Coloco [Maria] Callas. Não que eu troque Gal por Callas. E nem a equiparo. Ou coloco Nat King Cole. Gal é muito especial. Eu não vejo outra cantora igual a ela.

Tem alguma música mais marcante para a senhora?

Gal cantava Morena do Mar para mim, porque eu sou de Iemanjá. Cantava Meu Bem, Meu Mal e A Handful Of Stars, do Nat King Cole.

O que a senhora espera agora?

Eu só estou fazendo tudo isso por causa de meu filho. Se eu quisesse aparecer nos jornais, já tinha aparecido há muito tempo. Eu não consigo dormir... Eu estou tomando cada bola [remédio]. Para mim, o Gabriel ainda é uma criança. Vi uma foto dele agora, que está triste, com os olhos baixos. Quero que ele volte para casa. Ele tem as chaves, pode voltar quando quiser.

O que dizem os citados por Wilma Petrillo

  • Luci Vieira Nunes, advogada de Gabriel Costa: “A Dra. Luci Vieira Nunes não comenta os casos em que atua ou atuou.”
  • Marcus Preto, produtor e diretor musical: “Gente, ela é extremamente maravilhosa. Só faltou dizer que eu morro de inveja da beleza dela.”
  • Anamaris Torres Lecca, produtora: Não quis se manifestar.
  • Verônica Silva, prima de Gal Costa: “Nós não temos nada a informar sobre Wilma. Além disso, o processo está em segredo de Justiça.”
  • Programa Fantástico e a jornalista Renata Ceribelli: Não responderam à mensagem do Estadão.
  • Daniela Tonani Izzo: Não respondeu ao pedido de manifestação do Estadão.
  • Gabriel Costa, em nota, por meio de advogados: “A defesa de Gabriel lamenta a divulgação de mentiras e a exposição de questões pessoais da sua vida particular, alheias aos fatos do processo, para sustentar uma narrativa que não condiz com a realidade nem tem relevância para o caso. Isso demonstra também o claro desprezo da outra parte pelo bem-estar de Gabriel”.

O espaço segue aberto.

Entrevista por Danilo Casaletti

Repórter de Cultura do Estadão

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