Amigo íntimo de John Lennon e Yoko Ono revela em livro detalhes da convivência; leia entrevista


Elliot Mintz, radialista e escritor, está lançando o livro ‘We All Shine On (John, Yoko, and Me)’ e fala sobre o período em que chegou a ter uma linha exclusiva para receber ligações do casal e sobre o livro que acaba de lançar nos EUA; obra já tem previsão de chegar ao Brasil

Por Marcelo Fróes
Atualização:
Foto: Richard Creamer/Michael Ochs Archives via Dutton
Entrevista com Elliott MintzRadialista e escritor

Filho caçula da guerra, como os primeiros seguidores dos Beatles e de seus colegas de mesma geração, o jovem Elliot Mintz nasceu em família imigrante da Polônia e, com vinte e poucos anos, na virada dos anos 1970, começou a trabalhar em rádios da região de Los Angeles e foi morar num pequeno apartamento em Laurel Canyon, um recanto onde se escondiam roqueiros como Micky Dolenz, David Crosby e Frank Zappa.

Em pouco tempo teve uma ideia e começou a animar os fins de noite de domingo da rádio, tocando na íntegra um novo disco e entrevistando o artista - que poderia ser um desconhecido apresentando algo interessante, ou - quem sabe? - alguém famoso. E assim, num bendito domingo de 1971, ele elegeu um álbum duplo de Yoko Ono recém-lançado pela Apple Records.

O casal John Lennon (1940-1980) & Yoko Ono havia acabado de se mudar para Nova York e estava lançando cada qual seu disco. John chegava com sua obra-prima Imagine mas, por algum motivo, Elliot passou batido e, para o desespero da direção da rádio, além de tocar o álbum duplo inteiro, ainda ficou um bom tempo conversando pelo telefone com a artista, sem sequer perguntar por Lennon. Impressionada com esse comportamento, Yoko ligou para continuar a conversa na madrugada do dia seguinte e as conversas tornaram-se rotina.

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Só muito tempo depois nasceu a amizade com John e, eventualmente, em 1972 os Lennon foram à Califórnia e Elliot pode conhecê-los pessoalmente. Ao final do encontro, Lennon entregou a Mintz algo que mudaria sua vida e selaria para sempre sua amizade com o casal: uma cópia em acetato do novo álbum do casal, para que ele tocasse em furo mundial no seu programa.

O disco não tinha capa nem rótulo, mas Mintz correu pra rádio e mandou o operador tocar. Era Some Time in New York City, o disco em que Lennon comprou briga com o governo Nixon. Cada faixa, um protesto, uma bandeira e, ao final, o radialista foi sumariamente demitido. Juntou-se aos Lennon em São Francisco e, na volta, foi contratado para um emprego muito melhor: faria matérias para um telejornal da costa oeste. Ali fez fama e construiu sua carreira.

Mintz sabe das coisas. Quando tomamos conhecimento do lançamento de seu livro We All Shine On (John, Yoko, and Me) na semana passada, procuramos o escritório dos Lennon para solicitar seu contato e agendar uma entrevista. Mintz estava assoberbado, com tardes e noites de autógrafo, e muitas, muitas entrevistas.

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Elliott Mintz ao telefone em sua casa em Nova York. Foto: Bob Gruen/www.bobgruen.com via Dutton

Propusemos mandar as perguntas para que ele respondesse por e-mail. Seria complicado, responderam.

Mas de repente, no final de semana, por mensagem do próprio Mintz, veio uma proposta: “Ligue nesse número na segunda às 20h, horário de verão de Los Angeles”. Aqui já seria madrugada de terça, então ficou bem claro: conversaríamos por telefone no mesmo esquema que John Lennon lhe ligava, em linha exclusiva, toda madrugada, diretamente de Nova York, até sua morte em 1980.

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E com um agravante: seria madrugada do 5 de novembro, dia de eleição presidencial. Lennon ocupara aquela linha toda madrugada por 9 anos, então haveria muita energia envolvida. Era mais que um sinal de que seria um papo inesquecível. E foi.

A conversa começou, claro, com Mintz falando sobre como o país estava nervoso, e como levaria tempo para tudo se acalmar. “O dia de amanhã se prolongará, afinal metade do país ficará bem descontente”, disse, ainda com o resultado incerto. Horas depois, Trump venceria Kamala Harris.

O livro sobre John e Yoko

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Previsto para ser lançado em abril de 2025, pela Sextante, We All Shine On (John, Yoko, and Me) é, para o grande público, uma grande surpresa, pois é a primeira vez que um insider dos Lennon escreve com apoio da família. Até então, só oportunistas que haviam trabalhado em algum momento para eles ou autores que reuniram informações de segunda ou terceira mão, nunca direto da fonte, tinham escrito sobre o casal.

Ele apresenta detalhes da vida da família Lennon a partir do momento em que eles se mudam para Nova York, já que foi nessa época que o autor conheceu John e Yoko. Entende-se finalmente a dinâmica do casal, que degringolou logo em 1972, quando, enfurecido com críticas a um show e com a reeleição de Nixon, Lennon extravasou com uma groupie durante uma festa em que Yoko também estava presente.

O autor só conta histórias que ele testemunhou e, nesse quesito, ele foi coadjuvante de muita presença na separação dos Lennon, nas confusões da fossa, na reconciliação e nos cinco anos de calmaria em que cuidaram do filho já sem brigas com a imigração americana.

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A versão em audiobook, com narração do próprio autor, radialista de voz macia, tem sido um sucesso surpreendente na nos Estados Unidos, deixando a tradicional edição de capa dura para trás, ainda que a mesma traga algumas fotos interessantes do acervo pessoal do autor.

Mintz, que tem assinado todos os exemplares que encontra em livrarias, para estimular a venda física também, vive novamente em Los Angeles. Além de amigo muito próximo do casal Lennon até a morte de John, ele foi por 40 anos porta-voz da família e inventariante do acervo - contratado por Yoko já naquela madrugada logo após o assassinato.

O autor assumiu como um sentinela a responsabilidade que incluía ajudar na criação do menino Sean (1975), que a propósito sabemos pelo livro só não ter sido padrinho da criança porque, palavras de Lennon, “Elton John daria presentes mais caros”. Quem mandou Sean Lennon pedir a Elliot que escrevesse a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade?

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Elliot Mintz , que lança o livro 'We All Shine On (John, Yoko, and Me)' sobre sua relação com Yoko Ono e John Lennon. Foto: Jimmy Steinfeldt/Divulgação via Dutton

Como você se sente sendo o entrevistado, depois de tantos anos na posição diária de entrevistador?

Eu prefiro a posição de entrevistador, que sempre curti muito. Até agora já fiz umas cinquenta entrevistas sobre o livro e as pessoas geralmente me fazem as mesmas perguntas. Algumas pessoas me parecem totalmente despreparadas, sem ter sequer lido o livro, mas há aqueles que pesquisam para fazer suas pautas e aí eu costumo admirar esse tipo de jornalista. Por tudo isso, eu prefiro fazer as perguntas.

Por que demorou tanto para você escrever essas memórias tão preciosas?

Eu nunca sequer pensei em escrever esse livro, na verdade nunca pensei em escrever livro algum. Eu esperava ter uma aposentadoria tranquila, longe dessa correria de escrever, lançar e promover um livro. Mas conversei com Sean uma vez e ele me deu total apoio, então como já estou com 79 anos resolvi fazer logo. Do contrário não faria nunca.

A primeira vez que vi algo seu foi quando colaborou numa coletânea de textos com amigos lembrando de John, intitulada ‘The Ballad of John and Yoko’ (1982)

Sim, eu colaborei com aquele livro. Escrevi umas vinte páginas, e lembro que na época Yoko me ligou para dizer que havia gostado tanto do meu capítulo, que achava que eu deveria escrever um livro inteiro. Sei que para muita gente isso é tranquilo, muita gente escreve 10 ou 20 livros na vida, mas para mim é uma experiência emocional muito forte. Meu respeito pela memória de John é imenso, então não seria simplesmente escrever um romance. Não estou reclamando, eu acho que o livro ficou honesto. Tentei ser justo e fico feliz de ter realizado.

Ao longo dos anos tivemos lindos livros fotográficos apoiados pelos Lennon, mas nunca uma biografia formal. Alguma reserva quanto a biografias ou biógrafos?

Esses livros são ótimos, mas há mais de 100 biografias de John por aí. Acho que a de Ray Coleman é bem detalhada, mas em geral há muita coisa superficial por aí.

Anthony Fawcett, ex-assistente de John e Yoko na Apple londrina entre 1968 e 1971, lançou a biografia ‘One Day at a Time’ em 1976, quando John ainda estava vivo. Você lembra de algum comentário dele a respeito desse livro?

Sim, eu lembro desse livro, eu o li na época, mas retrata um período imediatamente anterior a meu primeiro contato com os Lennon. Então não sei julgar, mas nunca ouvi nada que o desabone. John falava muito pouco sobre os Beatles, preferíamos religião, arte, filosofia, etc. - mas nunca sobre a banda.

Elliott Mintz e John Lennon. O radialista e o músico foram amigos próximos na década de 1970. Foto: Courtesy of Elliot Mintz via Dutton

Os Lennon criavam gatos no apartamento do Dakota. Você lembra quantos eram, seus nomes, se sofreram com a tragédia?

É uma boa pergunta, mas não lembro de detalhes. Mas se alguém nesse planeta sabe é a Madeline Bocaro (autora do livro The Infinite Universe of Yoko Ono, a quem imediatamente encaminha a pergunta e que responde prontamente com a informação, que ele lê na entrevista). John, Yoko e Sean passavam noites tranquilas no apartamento do Dakota, acompanhados de suas três gatas persas - a branca Sasha, a presa sedosa Micha e a pelo de carneiro Charo, favorita de John porque segundo ele tinha uma cara engraçada. Quando ele estava vivo, as gatas iam até ele sempre que a porta da cozinha estava aberta. Uma noite, depois que ele morreu, a porta abriu sozinha e as gatas foram esperá-lo. Elas nunca mais foram as mesmas depois. Elas se escondiam nos cantos e debaixo de cadeiras. E quando as músicas de John tocavam no rádio, Yoko corria para desligar porque não conseguia suportar. Mas todas as gatas pulavam em cima do rádio, lembrando de sua voz. Aquilo era tão doloroso!

Em seu livro você descreve em detalhes os ambientes do Studio One, escritório que os Lennon tinham no térreo do edifício Dakota. Você lembra quantos funcionários trabalhavam lá e o que faziam?

Eu particularmente preferia ir ao apartamento quando chegava de Los Angeles, mas sempre ia lá cumprimentar a pequena equipe de três ou quatro pessoas que trabalhavam - atendendo ligações, administrando pedidos, manuseando as cartas dos fãs, etc. Uma das salas tinha arquivos de pastas que ocupavam toda parede, imediatamente antes da sala de Yoko - super bem decorada, com art déco, pintura do céu no teto e um banheiro exclusivo.

John descia sempre para o escritório? O que ele geralmente fazia? Ele costumava ler as cartas dos fãs?

Sim, ele e Yoko gostavam de ver os cartões postais que os fãs mandavam de todo mundo. A maioria queria apenas um autógrafo, então eles assinavam no verso dos postais e dos cartões de Natal e mandavam de volta. Eles curtiam fazer isso.

John e Yoko chegaram a planejar concretamente uma turnê para divulgar ‘Double Fantasy’, o último do casal, lançado em novembro de 1980?

Sim, logo depois que eles terminaram de gravar o álbum eu perguntei se eles gostariam de fazer uma pequena turnê com aquela banda. A ideia seria a de fazer algumas poucas datas nos Estados Unidos apenas, mas não pudemos ir adiante.

John curtia visitar lojas de discos?

Acho que não. Veja bem, era muito complicado para o John entrar em lojas para ficar olhando os produtos. Tudo terminava em comoção, e ele nem podia ir a um supermercado, porque quando puxava o cartão de crédito as pessoas viam seu nome e queriam autógrafos, fazer sugestões, pedidos, propor projetos, etc. Mas ele tinha uma jukebox que tocava velhos discos de 78 rpm e uma vez fomos ao centro rodar alguns sebos e ninguém o reconheceu. Uma outra vez estávamos andando e ele viu um imenso casaco prateado, aquele que aparece no vídeo de Woman. Ele curtiu na hora, correu pra comprar, passou o cartão e quando vimos já estava rolando comoção. Para compras em geral ele incumbia algum empregado. Ele não entrava em sorveterias, bancos, supermercados...

John morreu antes da existência da MTV, dos CDs, dos celulares, dos computadores pessoais, da internet. Você acha que ele teria curtido essas novidades?

Eu procuro nunca especular, só posso testemunhar o que vi enquanto ele estava vivo. Qualquer coisa além disso, é especulação. Mas, pela forma como ele respondia a artigos que não gostava em jornais e revistas, com cartas para a redação, eu acho que ele teria mergulhado na infinidade de opções das mídias sociais.

A linha exclusiva para receber ligações dos Lennon em sua casa ainda existe?

Oh sim, eu ainda tenho aquela linha aqui nesta outra casa em que moro há 30 anos. A central telefônica tem linhas para assuntos sociais, assuntos de trabalho, portão de segurança, fax e... sim... nunca cancelei aquela linha. De vez em quando ela toca e é algum tipo de telemarketing, mas eu mantenho para ver se algum dia acontece algo diferente.

Você vê Sean e Yoko com alguma frequência nos dias de hoje?

Não muito, porque não viajo tanto mais. Sempre que vem a Los Angeles, Sean vem me ver e a gente sai pra comer algo. Nos últimos cinco anos eu devo ter ido a Nova York apenas umas duas vezes, uma delas pra festa de 90 anos da Yoko ano passado.

Filho caçula da guerra, como os primeiros seguidores dos Beatles e de seus colegas de mesma geração, o jovem Elliot Mintz nasceu em família imigrante da Polônia e, com vinte e poucos anos, na virada dos anos 1970, começou a trabalhar em rádios da região de Los Angeles e foi morar num pequeno apartamento em Laurel Canyon, um recanto onde se escondiam roqueiros como Micky Dolenz, David Crosby e Frank Zappa.

Em pouco tempo teve uma ideia e começou a animar os fins de noite de domingo da rádio, tocando na íntegra um novo disco e entrevistando o artista - que poderia ser um desconhecido apresentando algo interessante, ou - quem sabe? - alguém famoso. E assim, num bendito domingo de 1971, ele elegeu um álbum duplo de Yoko Ono recém-lançado pela Apple Records.

O casal John Lennon (1940-1980) & Yoko Ono havia acabado de se mudar para Nova York e estava lançando cada qual seu disco. John chegava com sua obra-prima Imagine mas, por algum motivo, Elliot passou batido e, para o desespero da direção da rádio, além de tocar o álbum duplo inteiro, ainda ficou um bom tempo conversando pelo telefone com a artista, sem sequer perguntar por Lennon. Impressionada com esse comportamento, Yoko ligou para continuar a conversa na madrugada do dia seguinte e as conversas tornaram-se rotina.

Só muito tempo depois nasceu a amizade com John e, eventualmente, em 1972 os Lennon foram à Califórnia e Elliot pode conhecê-los pessoalmente. Ao final do encontro, Lennon entregou a Mintz algo que mudaria sua vida e selaria para sempre sua amizade com o casal: uma cópia em acetato do novo álbum do casal, para que ele tocasse em furo mundial no seu programa.

O disco não tinha capa nem rótulo, mas Mintz correu pra rádio e mandou o operador tocar. Era Some Time in New York City, o disco em que Lennon comprou briga com o governo Nixon. Cada faixa, um protesto, uma bandeira e, ao final, o radialista foi sumariamente demitido. Juntou-se aos Lennon em São Francisco e, na volta, foi contratado para um emprego muito melhor: faria matérias para um telejornal da costa oeste. Ali fez fama e construiu sua carreira.

Mintz sabe das coisas. Quando tomamos conhecimento do lançamento de seu livro We All Shine On (John, Yoko, and Me) na semana passada, procuramos o escritório dos Lennon para solicitar seu contato e agendar uma entrevista. Mintz estava assoberbado, com tardes e noites de autógrafo, e muitas, muitas entrevistas.

Elliott Mintz ao telefone em sua casa em Nova York. Foto: Bob Gruen/www.bobgruen.com via Dutton

Propusemos mandar as perguntas para que ele respondesse por e-mail. Seria complicado, responderam.

Mas de repente, no final de semana, por mensagem do próprio Mintz, veio uma proposta: “Ligue nesse número na segunda às 20h, horário de verão de Los Angeles”. Aqui já seria madrugada de terça, então ficou bem claro: conversaríamos por telefone no mesmo esquema que John Lennon lhe ligava, em linha exclusiva, toda madrugada, diretamente de Nova York, até sua morte em 1980.

E com um agravante: seria madrugada do 5 de novembro, dia de eleição presidencial. Lennon ocupara aquela linha toda madrugada por 9 anos, então haveria muita energia envolvida. Era mais que um sinal de que seria um papo inesquecível. E foi.

A conversa começou, claro, com Mintz falando sobre como o país estava nervoso, e como levaria tempo para tudo se acalmar. “O dia de amanhã se prolongará, afinal metade do país ficará bem descontente”, disse, ainda com o resultado incerto. Horas depois, Trump venceria Kamala Harris.

O livro sobre John e Yoko

Previsto para ser lançado em abril de 2025, pela Sextante, We All Shine On (John, Yoko, and Me) é, para o grande público, uma grande surpresa, pois é a primeira vez que um insider dos Lennon escreve com apoio da família. Até então, só oportunistas que haviam trabalhado em algum momento para eles ou autores que reuniram informações de segunda ou terceira mão, nunca direto da fonte, tinham escrito sobre o casal.

Ele apresenta detalhes da vida da família Lennon a partir do momento em que eles se mudam para Nova York, já que foi nessa época que o autor conheceu John e Yoko. Entende-se finalmente a dinâmica do casal, que degringolou logo em 1972, quando, enfurecido com críticas a um show e com a reeleição de Nixon, Lennon extravasou com uma groupie durante uma festa em que Yoko também estava presente.

O autor só conta histórias que ele testemunhou e, nesse quesito, ele foi coadjuvante de muita presença na separação dos Lennon, nas confusões da fossa, na reconciliação e nos cinco anos de calmaria em que cuidaram do filho já sem brigas com a imigração americana.

A versão em audiobook, com narração do próprio autor, radialista de voz macia, tem sido um sucesso surpreendente na nos Estados Unidos, deixando a tradicional edição de capa dura para trás, ainda que a mesma traga algumas fotos interessantes do acervo pessoal do autor.

Mintz, que tem assinado todos os exemplares que encontra em livrarias, para estimular a venda física também, vive novamente em Los Angeles. Além de amigo muito próximo do casal Lennon até a morte de John, ele foi por 40 anos porta-voz da família e inventariante do acervo - contratado por Yoko já naquela madrugada logo após o assassinato.

O autor assumiu como um sentinela a responsabilidade que incluía ajudar na criação do menino Sean (1975), que a propósito sabemos pelo livro só não ter sido padrinho da criança porque, palavras de Lennon, “Elton John daria presentes mais caros”. Quem mandou Sean Lennon pedir a Elliot que escrevesse a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade?

Elliot Mintz , que lança o livro 'We All Shine On (John, Yoko, and Me)' sobre sua relação com Yoko Ono e John Lennon. Foto: Jimmy Steinfeldt/Divulgação via Dutton

Como você se sente sendo o entrevistado, depois de tantos anos na posição diária de entrevistador?

Eu prefiro a posição de entrevistador, que sempre curti muito. Até agora já fiz umas cinquenta entrevistas sobre o livro e as pessoas geralmente me fazem as mesmas perguntas. Algumas pessoas me parecem totalmente despreparadas, sem ter sequer lido o livro, mas há aqueles que pesquisam para fazer suas pautas e aí eu costumo admirar esse tipo de jornalista. Por tudo isso, eu prefiro fazer as perguntas.

Por que demorou tanto para você escrever essas memórias tão preciosas?

Eu nunca sequer pensei em escrever esse livro, na verdade nunca pensei em escrever livro algum. Eu esperava ter uma aposentadoria tranquila, longe dessa correria de escrever, lançar e promover um livro. Mas conversei com Sean uma vez e ele me deu total apoio, então como já estou com 79 anos resolvi fazer logo. Do contrário não faria nunca.

A primeira vez que vi algo seu foi quando colaborou numa coletânea de textos com amigos lembrando de John, intitulada ‘The Ballad of John and Yoko’ (1982)

Sim, eu colaborei com aquele livro. Escrevi umas vinte páginas, e lembro que na época Yoko me ligou para dizer que havia gostado tanto do meu capítulo, que achava que eu deveria escrever um livro inteiro. Sei que para muita gente isso é tranquilo, muita gente escreve 10 ou 20 livros na vida, mas para mim é uma experiência emocional muito forte. Meu respeito pela memória de John é imenso, então não seria simplesmente escrever um romance. Não estou reclamando, eu acho que o livro ficou honesto. Tentei ser justo e fico feliz de ter realizado.

Ao longo dos anos tivemos lindos livros fotográficos apoiados pelos Lennon, mas nunca uma biografia formal. Alguma reserva quanto a biografias ou biógrafos?

Esses livros são ótimos, mas há mais de 100 biografias de John por aí. Acho que a de Ray Coleman é bem detalhada, mas em geral há muita coisa superficial por aí.

Anthony Fawcett, ex-assistente de John e Yoko na Apple londrina entre 1968 e 1971, lançou a biografia ‘One Day at a Time’ em 1976, quando John ainda estava vivo. Você lembra de algum comentário dele a respeito desse livro?

Sim, eu lembro desse livro, eu o li na época, mas retrata um período imediatamente anterior a meu primeiro contato com os Lennon. Então não sei julgar, mas nunca ouvi nada que o desabone. John falava muito pouco sobre os Beatles, preferíamos religião, arte, filosofia, etc. - mas nunca sobre a banda.

Elliott Mintz e John Lennon. O radialista e o músico foram amigos próximos na década de 1970. Foto: Courtesy of Elliot Mintz via Dutton

Os Lennon criavam gatos no apartamento do Dakota. Você lembra quantos eram, seus nomes, se sofreram com a tragédia?

É uma boa pergunta, mas não lembro de detalhes. Mas se alguém nesse planeta sabe é a Madeline Bocaro (autora do livro The Infinite Universe of Yoko Ono, a quem imediatamente encaminha a pergunta e que responde prontamente com a informação, que ele lê na entrevista). John, Yoko e Sean passavam noites tranquilas no apartamento do Dakota, acompanhados de suas três gatas persas - a branca Sasha, a presa sedosa Micha e a pelo de carneiro Charo, favorita de John porque segundo ele tinha uma cara engraçada. Quando ele estava vivo, as gatas iam até ele sempre que a porta da cozinha estava aberta. Uma noite, depois que ele morreu, a porta abriu sozinha e as gatas foram esperá-lo. Elas nunca mais foram as mesmas depois. Elas se escondiam nos cantos e debaixo de cadeiras. E quando as músicas de John tocavam no rádio, Yoko corria para desligar porque não conseguia suportar. Mas todas as gatas pulavam em cima do rádio, lembrando de sua voz. Aquilo era tão doloroso!

Em seu livro você descreve em detalhes os ambientes do Studio One, escritório que os Lennon tinham no térreo do edifício Dakota. Você lembra quantos funcionários trabalhavam lá e o que faziam?

Eu particularmente preferia ir ao apartamento quando chegava de Los Angeles, mas sempre ia lá cumprimentar a pequena equipe de três ou quatro pessoas que trabalhavam - atendendo ligações, administrando pedidos, manuseando as cartas dos fãs, etc. Uma das salas tinha arquivos de pastas que ocupavam toda parede, imediatamente antes da sala de Yoko - super bem decorada, com art déco, pintura do céu no teto e um banheiro exclusivo.

John descia sempre para o escritório? O que ele geralmente fazia? Ele costumava ler as cartas dos fãs?

Sim, ele e Yoko gostavam de ver os cartões postais que os fãs mandavam de todo mundo. A maioria queria apenas um autógrafo, então eles assinavam no verso dos postais e dos cartões de Natal e mandavam de volta. Eles curtiam fazer isso.

John e Yoko chegaram a planejar concretamente uma turnê para divulgar ‘Double Fantasy’, o último do casal, lançado em novembro de 1980?

Sim, logo depois que eles terminaram de gravar o álbum eu perguntei se eles gostariam de fazer uma pequena turnê com aquela banda. A ideia seria a de fazer algumas poucas datas nos Estados Unidos apenas, mas não pudemos ir adiante.

John curtia visitar lojas de discos?

Acho que não. Veja bem, era muito complicado para o John entrar em lojas para ficar olhando os produtos. Tudo terminava em comoção, e ele nem podia ir a um supermercado, porque quando puxava o cartão de crédito as pessoas viam seu nome e queriam autógrafos, fazer sugestões, pedidos, propor projetos, etc. Mas ele tinha uma jukebox que tocava velhos discos de 78 rpm e uma vez fomos ao centro rodar alguns sebos e ninguém o reconheceu. Uma outra vez estávamos andando e ele viu um imenso casaco prateado, aquele que aparece no vídeo de Woman. Ele curtiu na hora, correu pra comprar, passou o cartão e quando vimos já estava rolando comoção. Para compras em geral ele incumbia algum empregado. Ele não entrava em sorveterias, bancos, supermercados...

John morreu antes da existência da MTV, dos CDs, dos celulares, dos computadores pessoais, da internet. Você acha que ele teria curtido essas novidades?

Eu procuro nunca especular, só posso testemunhar o que vi enquanto ele estava vivo. Qualquer coisa além disso, é especulação. Mas, pela forma como ele respondia a artigos que não gostava em jornais e revistas, com cartas para a redação, eu acho que ele teria mergulhado na infinidade de opções das mídias sociais.

A linha exclusiva para receber ligações dos Lennon em sua casa ainda existe?

Oh sim, eu ainda tenho aquela linha aqui nesta outra casa em que moro há 30 anos. A central telefônica tem linhas para assuntos sociais, assuntos de trabalho, portão de segurança, fax e... sim... nunca cancelei aquela linha. De vez em quando ela toca e é algum tipo de telemarketing, mas eu mantenho para ver se algum dia acontece algo diferente.

Você vê Sean e Yoko com alguma frequência nos dias de hoje?

Não muito, porque não viajo tanto mais. Sempre que vem a Los Angeles, Sean vem me ver e a gente sai pra comer algo. Nos últimos cinco anos eu devo ter ido a Nova York apenas umas duas vezes, uma delas pra festa de 90 anos da Yoko ano passado.

Filho caçula da guerra, como os primeiros seguidores dos Beatles e de seus colegas de mesma geração, o jovem Elliot Mintz nasceu em família imigrante da Polônia e, com vinte e poucos anos, na virada dos anos 1970, começou a trabalhar em rádios da região de Los Angeles e foi morar num pequeno apartamento em Laurel Canyon, um recanto onde se escondiam roqueiros como Micky Dolenz, David Crosby e Frank Zappa.

Em pouco tempo teve uma ideia e começou a animar os fins de noite de domingo da rádio, tocando na íntegra um novo disco e entrevistando o artista - que poderia ser um desconhecido apresentando algo interessante, ou - quem sabe? - alguém famoso. E assim, num bendito domingo de 1971, ele elegeu um álbum duplo de Yoko Ono recém-lançado pela Apple Records.

O casal John Lennon (1940-1980) & Yoko Ono havia acabado de se mudar para Nova York e estava lançando cada qual seu disco. John chegava com sua obra-prima Imagine mas, por algum motivo, Elliot passou batido e, para o desespero da direção da rádio, além de tocar o álbum duplo inteiro, ainda ficou um bom tempo conversando pelo telefone com a artista, sem sequer perguntar por Lennon. Impressionada com esse comportamento, Yoko ligou para continuar a conversa na madrugada do dia seguinte e as conversas tornaram-se rotina.

Só muito tempo depois nasceu a amizade com John e, eventualmente, em 1972 os Lennon foram à Califórnia e Elliot pode conhecê-los pessoalmente. Ao final do encontro, Lennon entregou a Mintz algo que mudaria sua vida e selaria para sempre sua amizade com o casal: uma cópia em acetato do novo álbum do casal, para que ele tocasse em furo mundial no seu programa.

O disco não tinha capa nem rótulo, mas Mintz correu pra rádio e mandou o operador tocar. Era Some Time in New York City, o disco em que Lennon comprou briga com o governo Nixon. Cada faixa, um protesto, uma bandeira e, ao final, o radialista foi sumariamente demitido. Juntou-se aos Lennon em São Francisco e, na volta, foi contratado para um emprego muito melhor: faria matérias para um telejornal da costa oeste. Ali fez fama e construiu sua carreira.

Mintz sabe das coisas. Quando tomamos conhecimento do lançamento de seu livro We All Shine On (John, Yoko, and Me) na semana passada, procuramos o escritório dos Lennon para solicitar seu contato e agendar uma entrevista. Mintz estava assoberbado, com tardes e noites de autógrafo, e muitas, muitas entrevistas.

Elliott Mintz ao telefone em sua casa em Nova York. Foto: Bob Gruen/www.bobgruen.com via Dutton

Propusemos mandar as perguntas para que ele respondesse por e-mail. Seria complicado, responderam.

Mas de repente, no final de semana, por mensagem do próprio Mintz, veio uma proposta: “Ligue nesse número na segunda às 20h, horário de verão de Los Angeles”. Aqui já seria madrugada de terça, então ficou bem claro: conversaríamos por telefone no mesmo esquema que John Lennon lhe ligava, em linha exclusiva, toda madrugada, diretamente de Nova York, até sua morte em 1980.

E com um agravante: seria madrugada do 5 de novembro, dia de eleição presidencial. Lennon ocupara aquela linha toda madrugada por 9 anos, então haveria muita energia envolvida. Era mais que um sinal de que seria um papo inesquecível. E foi.

A conversa começou, claro, com Mintz falando sobre como o país estava nervoso, e como levaria tempo para tudo se acalmar. “O dia de amanhã se prolongará, afinal metade do país ficará bem descontente”, disse, ainda com o resultado incerto. Horas depois, Trump venceria Kamala Harris.

O livro sobre John e Yoko

Previsto para ser lançado em abril de 2025, pela Sextante, We All Shine On (John, Yoko, and Me) é, para o grande público, uma grande surpresa, pois é a primeira vez que um insider dos Lennon escreve com apoio da família. Até então, só oportunistas que haviam trabalhado em algum momento para eles ou autores que reuniram informações de segunda ou terceira mão, nunca direto da fonte, tinham escrito sobre o casal.

Ele apresenta detalhes da vida da família Lennon a partir do momento em que eles se mudam para Nova York, já que foi nessa época que o autor conheceu John e Yoko. Entende-se finalmente a dinâmica do casal, que degringolou logo em 1972, quando, enfurecido com críticas a um show e com a reeleição de Nixon, Lennon extravasou com uma groupie durante uma festa em que Yoko também estava presente.

O autor só conta histórias que ele testemunhou e, nesse quesito, ele foi coadjuvante de muita presença na separação dos Lennon, nas confusões da fossa, na reconciliação e nos cinco anos de calmaria em que cuidaram do filho já sem brigas com a imigração americana.

A versão em audiobook, com narração do próprio autor, radialista de voz macia, tem sido um sucesso surpreendente na nos Estados Unidos, deixando a tradicional edição de capa dura para trás, ainda que a mesma traga algumas fotos interessantes do acervo pessoal do autor.

Mintz, que tem assinado todos os exemplares que encontra em livrarias, para estimular a venda física também, vive novamente em Los Angeles. Além de amigo muito próximo do casal Lennon até a morte de John, ele foi por 40 anos porta-voz da família e inventariante do acervo - contratado por Yoko já naquela madrugada logo após o assassinato.

O autor assumiu como um sentinela a responsabilidade que incluía ajudar na criação do menino Sean (1975), que a propósito sabemos pelo livro só não ter sido padrinho da criança porque, palavras de Lennon, “Elton John daria presentes mais caros”. Quem mandou Sean Lennon pedir a Elliot que escrevesse a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade?

Elliot Mintz , que lança o livro 'We All Shine On (John, Yoko, and Me)' sobre sua relação com Yoko Ono e John Lennon. Foto: Jimmy Steinfeldt/Divulgação via Dutton

Como você se sente sendo o entrevistado, depois de tantos anos na posição diária de entrevistador?

Eu prefiro a posição de entrevistador, que sempre curti muito. Até agora já fiz umas cinquenta entrevistas sobre o livro e as pessoas geralmente me fazem as mesmas perguntas. Algumas pessoas me parecem totalmente despreparadas, sem ter sequer lido o livro, mas há aqueles que pesquisam para fazer suas pautas e aí eu costumo admirar esse tipo de jornalista. Por tudo isso, eu prefiro fazer as perguntas.

Por que demorou tanto para você escrever essas memórias tão preciosas?

Eu nunca sequer pensei em escrever esse livro, na verdade nunca pensei em escrever livro algum. Eu esperava ter uma aposentadoria tranquila, longe dessa correria de escrever, lançar e promover um livro. Mas conversei com Sean uma vez e ele me deu total apoio, então como já estou com 79 anos resolvi fazer logo. Do contrário não faria nunca.

A primeira vez que vi algo seu foi quando colaborou numa coletânea de textos com amigos lembrando de John, intitulada ‘The Ballad of John and Yoko’ (1982)

Sim, eu colaborei com aquele livro. Escrevi umas vinte páginas, e lembro que na época Yoko me ligou para dizer que havia gostado tanto do meu capítulo, que achava que eu deveria escrever um livro inteiro. Sei que para muita gente isso é tranquilo, muita gente escreve 10 ou 20 livros na vida, mas para mim é uma experiência emocional muito forte. Meu respeito pela memória de John é imenso, então não seria simplesmente escrever um romance. Não estou reclamando, eu acho que o livro ficou honesto. Tentei ser justo e fico feliz de ter realizado.

Ao longo dos anos tivemos lindos livros fotográficos apoiados pelos Lennon, mas nunca uma biografia formal. Alguma reserva quanto a biografias ou biógrafos?

Esses livros são ótimos, mas há mais de 100 biografias de John por aí. Acho que a de Ray Coleman é bem detalhada, mas em geral há muita coisa superficial por aí.

Anthony Fawcett, ex-assistente de John e Yoko na Apple londrina entre 1968 e 1971, lançou a biografia ‘One Day at a Time’ em 1976, quando John ainda estava vivo. Você lembra de algum comentário dele a respeito desse livro?

Sim, eu lembro desse livro, eu o li na época, mas retrata um período imediatamente anterior a meu primeiro contato com os Lennon. Então não sei julgar, mas nunca ouvi nada que o desabone. John falava muito pouco sobre os Beatles, preferíamos religião, arte, filosofia, etc. - mas nunca sobre a banda.

Elliott Mintz e John Lennon. O radialista e o músico foram amigos próximos na década de 1970. Foto: Courtesy of Elliot Mintz via Dutton

Os Lennon criavam gatos no apartamento do Dakota. Você lembra quantos eram, seus nomes, se sofreram com a tragédia?

É uma boa pergunta, mas não lembro de detalhes. Mas se alguém nesse planeta sabe é a Madeline Bocaro (autora do livro The Infinite Universe of Yoko Ono, a quem imediatamente encaminha a pergunta e que responde prontamente com a informação, que ele lê na entrevista). John, Yoko e Sean passavam noites tranquilas no apartamento do Dakota, acompanhados de suas três gatas persas - a branca Sasha, a presa sedosa Micha e a pelo de carneiro Charo, favorita de John porque segundo ele tinha uma cara engraçada. Quando ele estava vivo, as gatas iam até ele sempre que a porta da cozinha estava aberta. Uma noite, depois que ele morreu, a porta abriu sozinha e as gatas foram esperá-lo. Elas nunca mais foram as mesmas depois. Elas se escondiam nos cantos e debaixo de cadeiras. E quando as músicas de John tocavam no rádio, Yoko corria para desligar porque não conseguia suportar. Mas todas as gatas pulavam em cima do rádio, lembrando de sua voz. Aquilo era tão doloroso!

Em seu livro você descreve em detalhes os ambientes do Studio One, escritório que os Lennon tinham no térreo do edifício Dakota. Você lembra quantos funcionários trabalhavam lá e o que faziam?

Eu particularmente preferia ir ao apartamento quando chegava de Los Angeles, mas sempre ia lá cumprimentar a pequena equipe de três ou quatro pessoas que trabalhavam - atendendo ligações, administrando pedidos, manuseando as cartas dos fãs, etc. Uma das salas tinha arquivos de pastas que ocupavam toda parede, imediatamente antes da sala de Yoko - super bem decorada, com art déco, pintura do céu no teto e um banheiro exclusivo.

John descia sempre para o escritório? O que ele geralmente fazia? Ele costumava ler as cartas dos fãs?

Sim, ele e Yoko gostavam de ver os cartões postais que os fãs mandavam de todo mundo. A maioria queria apenas um autógrafo, então eles assinavam no verso dos postais e dos cartões de Natal e mandavam de volta. Eles curtiam fazer isso.

John e Yoko chegaram a planejar concretamente uma turnê para divulgar ‘Double Fantasy’, o último do casal, lançado em novembro de 1980?

Sim, logo depois que eles terminaram de gravar o álbum eu perguntei se eles gostariam de fazer uma pequena turnê com aquela banda. A ideia seria a de fazer algumas poucas datas nos Estados Unidos apenas, mas não pudemos ir adiante.

John curtia visitar lojas de discos?

Acho que não. Veja bem, era muito complicado para o John entrar em lojas para ficar olhando os produtos. Tudo terminava em comoção, e ele nem podia ir a um supermercado, porque quando puxava o cartão de crédito as pessoas viam seu nome e queriam autógrafos, fazer sugestões, pedidos, propor projetos, etc. Mas ele tinha uma jukebox que tocava velhos discos de 78 rpm e uma vez fomos ao centro rodar alguns sebos e ninguém o reconheceu. Uma outra vez estávamos andando e ele viu um imenso casaco prateado, aquele que aparece no vídeo de Woman. Ele curtiu na hora, correu pra comprar, passou o cartão e quando vimos já estava rolando comoção. Para compras em geral ele incumbia algum empregado. Ele não entrava em sorveterias, bancos, supermercados...

John morreu antes da existência da MTV, dos CDs, dos celulares, dos computadores pessoais, da internet. Você acha que ele teria curtido essas novidades?

Eu procuro nunca especular, só posso testemunhar o que vi enquanto ele estava vivo. Qualquer coisa além disso, é especulação. Mas, pela forma como ele respondia a artigos que não gostava em jornais e revistas, com cartas para a redação, eu acho que ele teria mergulhado na infinidade de opções das mídias sociais.

A linha exclusiva para receber ligações dos Lennon em sua casa ainda existe?

Oh sim, eu ainda tenho aquela linha aqui nesta outra casa em que moro há 30 anos. A central telefônica tem linhas para assuntos sociais, assuntos de trabalho, portão de segurança, fax e... sim... nunca cancelei aquela linha. De vez em quando ela toca e é algum tipo de telemarketing, mas eu mantenho para ver se algum dia acontece algo diferente.

Você vê Sean e Yoko com alguma frequência nos dias de hoje?

Não muito, porque não viajo tanto mais. Sempre que vem a Los Angeles, Sean vem me ver e a gente sai pra comer algo. Nos últimos cinco anos eu devo ter ido a Nova York apenas umas duas vezes, uma delas pra festa de 90 anos da Yoko ano passado.

Entrevista por Marcelo Fróes

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