Amin Khader revela intimidades, exigências e carinhos nos 30 anos em que foi secretário de Gal Costa


Em sua primeira grande entrevista após a morte da cantora, o ex-assistente pessoal de Gal conta a rotina que teve por quase trinta anos ao seu lado e compartilha pela primeira vez bilhetes que recebeu da artista

Por Danilo Casaletti
Atualização:

Amin Khader lembra até hoje o que Gal Costa gostava de comer no café da manhã nas suítes presidenciais de hotéis ao redor do mundo: dois ovos quentes - feitos com 18 segundos de fervura -, uma fatia de mamão papaia, uma banana, três fatias de queijo e leite sem nata. “Muitas vezes eu tirava a nata, sem ela ver”, diz.

Amin, atualmente com 67 anos, trabalhou por quase 30 anos como secretário particular de Gal, antes de ficar conhecido como repórter e colunista social na TV. Chegou a ter registro assinado pela cantora em carteira de trabalho, que ele guarda até hoje, com orgulho. Era responsável por atender as mais diversas solicitações de uma verdadeira estrela: filtrar telefonemas, organizar viagens, pagar funcionários, resolver questões bancárias, entre outras demandas.

Durante os shows, ficava na coxia, atento a tudo o que ocorria no palco. Se Gal precisasse de algo, lá estava Amin. Quando a cantora saía do palco, ele a acolhia no percurso até o camarim. Amin acompanhou o auge da popularidade de Gal, nos anos 1970, 1980 e parte dos 1990.

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“Gal era uma Ivete Sangalo. Uma estrela, gente”, diz ao mensurar o sucesso da cantora para quem não viveu essa época.

Gal Costa com seu ex-secretario, Amin Khader. "Ela era uma mulher muito inteligente", diz  Foto: Acervo Pessoal/Amin Khader

Sobre as polêmicas que envolveram o nome de Gal nos últimos tempos, com acusações contra a viúva, a empresária Wilma Petrillo, Amin não quer falar. “É uma pena o que estão fazendo com a maior cantora do Brasil. Deixem a Gal em paz”, diz, sucinto.

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Na conversa que teve com a reportagem do Estadão, por telefone, Amin preferiu relembrar os bons momentos que viveu ao lado da cantora, de quem era fã desde a adolescência. Os contratempos foram muitos também. Mas, agora, eles surgem ressignificados na memória de Amin, com um misto de saudade e comicidade.

Amin, pela primeira vez, mostra os bilhetes carinhosos que recebia de Gal (veja-os ao longo da reportagem), que assinava quase sempre como “sua estrela”. A vida ao lado da cantora parecia uma festa.

Ela já não gosta mais de mim

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Carioca do bairro de Lins de Vasconcelos, no zona norte do Rio de Janeiro, Amin, ainda na adolescência, pegava três ônibus para chegar à casa de Gal na zona sul da cidade. Tocava a campainha da casa de sua musa e pedia para falar com a cantora. Dona Mariah, mãe de Gal, dizia que a filha não estava. “Mentira, a janela do quarto está fechada. Ela está dormindo, o carro está na garagem”, rebatia Amin, que sabia perfeitamente a rotina dela.

Gal não dava bola para o fã Amin e para os outros quatro ou cinco amigos de colégio que ele carregava na peregrinação quase diária para o endereço da cantora. Ela jogava guimbas de cigarro na turma postada em frente ao seu portão. Como as bitucas ficavam marcadas pelo batom que ela usava, Amin as guardava ou as trocava por sanduíche na escola.

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Para chamar a atenção, ele e os amigos cantavam um sucesso de Gal na época, a canção Que Pena, de Jorge Ben Jor. “Ela já não gosta mais de mim, mas eu gosto dela mesmo assim”, repetiam, sentados em uma mureta na Estrada do Tambá, no Morro do Vidigal, onde Gal morava em um duplex com vista para o Leblon.

Gal passava em um Fiat conversível vermelho, modelo importado. “Ela tinha pânico de mim. Quem gosta de fã?”, indaga o ex-secretário.

Vida de artista

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A aproximação definitiva do fã com o ídolo ocorreu de forma indireta. Amin foi contratado para colar cartazes de um show que o cantor Caetano Veloso faria no Teatro Tereza Rachel. O empresário Guilherme Araújo, que comandava a carreira de Gal, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, impressionado com a divulgação, quis conhecer o jovem.

Amin virou funcionário da GAPA, a Guilherme Araújo Produções Artísticas. Quando Gal precisou de um novo secretário, Araújo não pensou duas vezes para designá-lo à função. Era época do show Cantar, de 1974, dirigido por Caetano e com participação de João Donato no piano.

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“Quando Gal me viu, disse: não! Demorei cinco anos para conquistá-la”, diz Amin. Com o tempo, a cantora confiou até senhas de banco ao secretário. Chegaram a ter uma conta conjunta.

“Gal era riquíssima, mas muito pão dura também. Só não economizava com ela. Comprava sempre o melhor notebook, o celular mais moderno”, conta Amin.

Amin lembra-se, sobretudo, da quantidade de malas com que a cantora viajava: cinco. Gal fazia questão, durante um tempo, de levar um violão. “Ela nunca tocava, mas queria levar”, conta Amin.

Nos quartos de hotéis, além de fazer o pedido de café da manhã, Amin recusava telefonemas e driblava garçons e camareiras que batiam na porta mais de uma vez por dia. Todos queriam conhecer Gal. Ele a protegia ao máximo. “Ninguém via a Gal”.

Brinca que, ao todo, serviu dois milhões, setecentos e vinte oito mil, trezentos e quinze cafezinhos, com sete gotas de adoçantes, para a cantora.

Ela era uma rosa

Gal Costa no show 'Gal Tropical'. Nos cabelos, só rosas naturais Foto: PAULO LEITE / ESTADÃO

Em 1979, Gal estreou um de seus shows mais marcantes da carreira: Gal Tropical. O espetáculo, e o disco que o inspirou, simbolizaram um ponto de virada na trajetória artística da cantora. Guiada pelo empresário Guilherme Araújo, Gal, que gostava de cantar descalça, com roupas despojadas, assumiu a imagem de grande estrela.

De vestido vermelho estilo rumbeira, curto na frente e com babados atrás, Gal, para entrar em cena, descia, elegantemente, uma escadaria colocada no palco do Canecão, casa de show mais famosa do Rio de Janeiro à época. Nos pés, saltos altos. Nos cabelos, duas rosas: uma vermelha e outra amarela - mesma imagem que ela usou na capa do álbum que trazia parte do repertório do show - canções de Luiz Melodia, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Caetano Veloso e Roberto e Erasmo Carlos.

“Eu rodava o Rio de Janeiro para encontrar as rosas para ela usar em cena. Ela não queria flores artificiais. E nem podia comprar em porta de cemitério”, diverte-se, hoje, Amin.

O show ficou dois anos em cartaz. Na porta do camarim, todas as noites, longas filas de fãs e artistas para falar com Gal. Não foram raras as ocasiões em que a cantora saía do Canecão depois das 3 horas da manhã.

Às vezes, Amin, para despistar os fãs, inventava que ela tinha gravação para o Fantástico. Mas fazia questão de tratar todos muito bem. ”Quem faz o artista é quem trabalha com ele”, diz.

No show Fantasia, de 1981, Gal apareceu ainda mais glamourosa, em uma super produção. Usava cinco vestidos diferentes, alguns com plumas e adereços. Na abertura, vinte bailarinos entravam usando máscaras que reproduziam o rosto da cantora. No cenário, dois chafarizes.

Na estreia, deu tudo errado. Gal disse mais de uma vez em entrevistas que alguém mexeu na mesa de som, em um suposto boicote. Os técnicos correram para ajustar o áudio com Gal já em cena. Os chafarizes não jorraram a água planejada. A história nunca foi totalmente esclarecida.

A crítica não perdoou os deslizes. Gal ficou chateada com os severos textos publicados nos jornais. “Ela vomitou depois de ler”, conta Amin. Elis Regina foi uma das que ligou para dar apoio à cantora.

Minha senhora

Amim comandava os disputados camarins de Gal nos anos 1970 e 1980 Foto: Amin Khader/Acervo Pessoal

As lembranças de Amin passeiam por outras tantas histórias. Ele conta o dia em que, incumbido de pagar os funcionários de um sítio que a cantora tinha na Estrada da Posse, no Rio, vizinho ao de Jô Soares, se deparou com uma grande festa no local organizada pelo caseiro. Por telefone, de São Paulo, Gal ordenou: “Chama a polícia, Amin!”.

Em 1985, Amin foi convocado pelo empresário Roberto Medina para comandar os camarins da edição inicial do Rock in Rio. Um desafio. Era a primeira vez que um grande festival iria ocorrer no País. No line-up, astros internacionais como Rod Stewart, James Taylor, Nina Hagen e as bandas Yes, Queen e Iron Maiden.

Gal fez mistério se liberaria seu pupilo para o trabalho. Acabou cedendo. Amin fez as três primeiras edições do festival. “Ela gostava do meu sucesso no Rock in Rio”, conta. Na época, Gal estava nas paradas com as músicas Um Dia de Domingo e Sorte.

Amin ganhou fama. Virou relações públicas de uma casa de shows no Rio e chegou à televisão. Por meio de Gal, conheceu Roberto Carlos. Foi Dody Sirena, empresário do cantor na época, que o levou tomar café da manhã com Donna Summer, seu outro grande ídolo na música, em um hotel de luxo em São Paulo.

“Gal me dizia: você gosta mais da Donna Summer do que de mim. Donna achou estranho eu trabalhar com uma cantora tão poderosa no Brasil e ser fã de outra”, conta.

Em 2003, Amin ainda era visto nos bastidores do show Todas as Coisas e Eu, protagonizado por Gal. Aos poucos, diz, foi deixando de trabalhar com a cantora. Já como repórter da TV Record, entrevistou a ex-patroa. “Ela falou que eu tinha sido o fiel escudeiro dela”, conta, com orgulho.

Certo dia, recebeu um e-mail de Gal. “Amin, você sempre quis ser famoso, por isso está me abandonando”.

Entre momentos que jamais se repetirão e uma coleção de bilhetes que recebeu da cantora ao longo dos anos, Amin define Gal: “Minha mãe, minha irmã, minha mulher, minha companheira. Gal era uma mulher muito inteligente”.

Amin Khader Foto: Reprodução/Record

Amin Khader lembra até hoje o que Gal Costa gostava de comer no café da manhã nas suítes presidenciais de hotéis ao redor do mundo: dois ovos quentes - feitos com 18 segundos de fervura -, uma fatia de mamão papaia, uma banana, três fatias de queijo e leite sem nata. “Muitas vezes eu tirava a nata, sem ela ver”, diz.

Amin, atualmente com 67 anos, trabalhou por quase 30 anos como secretário particular de Gal, antes de ficar conhecido como repórter e colunista social na TV. Chegou a ter registro assinado pela cantora em carteira de trabalho, que ele guarda até hoje, com orgulho. Era responsável por atender as mais diversas solicitações de uma verdadeira estrela: filtrar telefonemas, organizar viagens, pagar funcionários, resolver questões bancárias, entre outras demandas.

Durante os shows, ficava na coxia, atento a tudo o que ocorria no palco. Se Gal precisasse de algo, lá estava Amin. Quando a cantora saía do palco, ele a acolhia no percurso até o camarim. Amin acompanhou o auge da popularidade de Gal, nos anos 1970, 1980 e parte dos 1990.

“Gal era uma Ivete Sangalo. Uma estrela, gente”, diz ao mensurar o sucesso da cantora para quem não viveu essa época.

Gal Costa com seu ex-secretario, Amin Khader. "Ela era uma mulher muito inteligente", diz  Foto: Acervo Pessoal/Amin Khader

Sobre as polêmicas que envolveram o nome de Gal nos últimos tempos, com acusações contra a viúva, a empresária Wilma Petrillo, Amin não quer falar. “É uma pena o que estão fazendo com a maior cantora do Brasil. Deixem a Gal em paz”, diz, sucinto.

Na conversa que teve com a reportagem do Estadão, por telefone, Amin preferiu relembrar os bons momentos que viveu ao lado da cantora, de quem era fã desde a adolescência. Os contratempos foram muitos também. Mas, agora, eles surgem ressignificados na memória de Amin, com um misto de saudade e comicidade.

Amin, pela primeira vez, mostra os bilhetes carinhosos que recebia de Gal (veja-os ao longo da reportagem), que assinava quase sempre como “sua estrela”. A vida ao lado da cantora parecia uma festa.

Ela já não gosta mais de mim

Carioca do bairro de Lins de Vasconcelos, no zona norte do Rio de Janeiro, Amin, ainda na adolescência, pegava três ônibus para chegar à casa de Gal na zona sul da cidade. Tocava a campainha da casa de sua musa e pedia para falar com a cantora. Dona Mariah, mãe de Gal, dizia que a filha não estava. “Mentira, a janela do quarto está fechada. Ela está dormindo, o carro está na garagem”, rebatia Amin, que sabia perfeitamente a rotina dela.

Gal não dava bola para o fã Amin e para os outros quatro ou cinco amigos de colégio que ele carregava na peregrinação quase diária para o endereço da cantora. Ela jogava guimbas de cigarro na turma postada em frente ao seu portão. Como as bitucas ficavam marcadas pelo batom que ela usava, Amin as guardava ou as trocava por sanduíche na escola.

Para chamar a atenção, ele e os amigos cantavam um sucesso de Gal na época, a canção Que Pena, de Jorge Ben Jor. “Ela já não gosta mais de mim, mas eu gosto dela mesmo assim”, repetiam, sentados em uma mureta na Estrada do Tambá, no Morro do Vidigal, onde Gal morava em um duplex com vista para o Leblon.

Gal passava em um Fiat conversível vermelho, modelo importado. “Ela tinha pânico de mim. Quem gosta de fã?”, indaga o ex-secretário.

Vida de artista

A aproximação definitiva do fã com o ídolo ocorreu de forma indireta. Amin foi contratado para colar cartazes de um show que o cantor Caetano Veloso faria no Teatro Tereza Rachel. O empresário Guilherme Araújo, que comandava a carreira de Gal, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, impressionado com a divulgação, quis conhecer o jovem.

Amin virou funcionário da GAPA, a Guilherme Araújo Produções Artísticas. Quando Gal precisou de um novo secretário, Araújo não pensou duas vezes para designá-lo à função. Era época do show Cantar, de 1974, dirigido por Caetano e com participação de João Donato no piano.

“Quando Gal me viu, disse: não! Demorei cinco anos para conquistá-la”, diz Amin. Com o tempo, a cantora confiou até senhas de banco ao secretário. Chegaram a ter uma conta conjunta.

“Gal era riquíssima, mas muito pão dura também. Só não economizava com ela. Comprava sempre o melhor notebook, o celular mais moderno”, conta Amin.

Amin lembra-se, sobretudo, da quantidade de malas com que a cantora viajava: cinco. Gal fazia questão, durante um tempo, de levar um violão. “Ela nunca tocava, mas queria levar”, conta Amin.

Nos quartos de hotéis, além de fazer o pedido de café da manhã, Amin recusava telefonemas e driblava garçons e camareiras que batiam na porta mais de uma vez por dia. Todos queriam conhecer Gal. Ele a protegia ao máximo. “Ninguém via a Gal”.

Brinca que, ao todo, serviu dois milhões, setecentos e vinte oito mil, trezentos e quinze cafezinhos, com sete gotas de adoçantes, para a cantora.

Ela era uma rosa

Gal Costa no show 'Gal Tropical'. Nos cabelos, só rosas naturais Foto: PAULO LEITE / ESTADÃO

Em 1979, Gal estreou um de seus shows mais marcantes da carreira: Gal Tropical. O espetáculo, e o disco que o inspirou, simbolizaram um ponto de virada na trajetória artística da cantora. Guiada pelo empresário Guilherme Araújo, Gal, que gostava de cantar descalça, com roupas despojadas, assumiu a imagem de grande estrela.

De vestido vermelho estilo rumbeira, curto na frente e com babados atrás, Gal, para entrar em cena, descia, elegantemente, uma escadaria colocada no palco do Canecão, casa de show mais famosa do Rio de Janeiro à época. Nos pés, saltos altos. Nos cabelos, duas rosas: uma vermelha e outra amarela - mesma imagem que ela usou na capa do álbum que trazia parte do repertório do show - canções de Luiz Melodia, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Caetano Veloso e Roberto e Erasmo Carlos.

“Eu rodava o Rio de Janeiro para encontrar as rosas para ela usar em cena. Ela não queria flores artificiais. E nem podia comprar em porta de cemitério”, diverte-se, hoje, Amin.

O show ficou dois anos em cartaz. Na porta do camarim, todas as noites, longas filas de fãs e artistas para falar com Gal. Não foram raras as ocasiões em que a cantora saía do Canecão depois das 3 horas da manhã.

Às vezes, Amin, para despistar os fãs, inventava que ela tinha gravação para o Fantástico. Mas fazia questão de tratar todos muito bem. ”Quem faz o artista é quem trabalha com ele”, diz.

No show Fantasia, de 1981, Gal apareceu ainda mais glamourosa, em uma super produção. Usava cinco vestidos diferentes, alguns com plumas e adereços. Na abertura, vinte bailarinos entravam usando máscaras que reproduziam o rosto da cantora. No cenário, dois chafarizes.

Na estreia, deu tudo errado. Gal disse mais de uma vez em entrevistas que alguém mexeu na mesa de som, em um suposto boicote. Os técnicos correram para ajustar o áudio com Gal já em cena. Os chafarizes não jorraram a água planejada. A história nunca foi totalmente esclarecida.

A crítica não perdoou os deslizes. Gal ficou chateada com os severos textos publicados nos jornais. “Ela vomitou depois de ler”, conta Amin. Elis Regina foi uma das que ligou para dar apoio à cantora.

Minha senhora

Amim comandava os disputados camarins de Gal nos anos 1970 e 1980 Foto: Amin Khader/Acervo Pessoal

As lembranças de Amin passeiam por outras tantas histórias. Ele conta o dia em que, incumbido de pagar os funcionários de um sítio que a cantora tinha na Estrada da Posse, no Rio, vizinho ao de Jô Soares, se deparou com uma grande festa no local organizada pelo caseiro. Por telefone, de São Paulo, Gal ordenou: “Chama a polícia, Amin!”.

Em 1985, Amin foi convocado pelo empresário Roberto Medina para comandar os camarins da edição inicial do Rock in Rio. Um desafio. Era a primeira vez que um grande festival iria ocorrer no País. No line-up, astros internacionais como Rod Stewart, James Taylor, Nina Hagen e as bandas Yes, Queen e Iron Maiden.

Gal fez mistério se liberaria seu pupilo para o trabalho. Acabou cedendo. Amin fez as três primeiras edições do festival. “Ela gostava do meu sucesso no Rock in Rio”, conta. Na época, Gal estava nas paradas com as músicas Um Dia de Domingo e Sorte.

Amin ganhou fama. Virou relações públicas de uma casa de shows no Rio e chegou à televisão. Por meio de Gal, conheceu Roberto Carlos. Foi Dody Sirena, empresário do cantor na época, que o levou tomar café da manhã com Donna Summer, seu outro grande ídolo na música, em um hotel de luxo em São Paulo.

“Gal me dizia: você gosta mais da Donna Summer do que de mim. Donna achou estranho eu trabalhar com uma cantora tão poderosa no Brasil e ser fã de outra”, conta.

Em 2003, Amin ainda era visto nos bastidores do show Todas as Coisas e Eu, protagonizado por Gal. Aos poucos, diz, foi deixando de trabalhar com a cantora. Já como repórter da TV Record, entrevistou a ex-patroa. “Ela falou que eu tinha sido o fiel escudeiro dela”, conta, com orgulho.

Certo dia, recebeu um e-mail de Gal. “Amin, você sempre quis ser famoso, por isso está me abandonando”.

Entre momentos que jamais se repetirão e uma coleção de bilhetes que recebeu da cantora ao longo dos anos, Amin define Gal: “Minha mãe, minha irmã, minha mulher, minha companheira. Gal era uma mulher muito inteligente”.

Amin Khader Foto: Reprodução/Record

Amin Khader lembra até hoje o que Gal Costa gostava de comer no café da manhã nas suítes presidenciais de hotéis ao redor do mundo: dois ovos quentes - feitos com 18 segundos de fervura -, uma fatia de mamão papaia, uma banana, três fatias de queijo e leite sem nata. “Muitas vezes eu tirava a nata, sem ela ver”, diz.

Amin, atualmente com 67 anos, trabalhou por quase 30 anos como secretário particular de Gal, antes de ficar conhecido como repórter e colunista social na TV. Chegou a ter registro assinado pela cantora em carteira de trabalho, que ele guarda até hoje, com orgulho. Era responsável por atender as mais diversas solicitações de uma verdadeira estrela: filtrar telefonemas, organizar viagens, pagar funcionários, resolver questões bancárias, entre outras demandas.

Durante os shows, ficava na coxia, atento a tudo o que ocorria no palco. Se Gal precisasse de algo, lá estava Amin. Quando a cantora saía do palco, ele a acolhia no percurso até o camarim. Amin acompanhou o auge da popularidade de Gal, nos anos 1970, 1980 e parte dos 1990.

“Gal era uma Ivete Sangalo. Uma estrela, gente”, diz ao mensurar o sucesso da cantora para quem não viveu essa época.

Gal Costa com seu ex-secretario, Amin Khader. "Ela era uma mulher muito inteligente", diz  Foto: Acervo Pessoal/Amin Khader

Sobre as polêmicas que envolveram o nome de Gal nos últimos tempos, com acusações contra a viúva, a empresária Wilma Petrillo, Amin não quer falar. “É uma pena o que estão fazendo com a maior cantora do Brasil. Deixem a Gal em paz”, diz, sucinto.

Na conversa que teve com a reportagem do Estadão, por telefone, Amin preferiu relembrar os bons momentos que viveu ao lado da cantora, de quem era fã desde a adolescência. Os contratempos foram muitos também. Mas, agora, eles surgem ressignificados na memória de Amin, com um misto de saudade e comicidade.

Amin, pela primeira vez, mostra os bilhetes carinhosos que recebia de Gal (veja-os ao longo da reportagem), que assinava quase sempre como “sua estrela”. A vida ao lado da cantora parecia uma festa.

Ela já não gosta mais de mim

Carioca do bairro de Lins de Vasconcelos, no zona norte do Rio de Janeiro, Amin, ainda na adolescência, pegava três ônibus para chegar à casa de Gal na zona sul da cidade. Tocava a campainha da casa de sua musa e pedia para falar com a cantora. Dona Mariah, mãe de Gal, dizia que a filha não estava. “Mentira, a janela do quarto está fechada. Ela está dormindo, o carro está na garagem”, rebatia Amin, que sabia perfeitamente a rotina dela.

Gal não dava bola para o fã Amin e para os outros quatro ou cinco amigos de colégio que ele carregava na peregrinação quase diária para o endereço da cantora. Ela jogava guimbas de cigarro na turma postada em frente ao seu portão. Como as bitucas ficavam marcadas pelo batom que ela usava, Amin as guardava ou as trocava por sanduíche na escola.

Para chamar a atenção, ele e os amigos cantavam um sucesso de Gal na época, a canção Que Pena, de Jorge Ben Jor. “Ela já não gosta mais de mim, mas eu gosto dela mesmo assim”, repetiam, sentados em uma mureta na Estrada do Tambá, no Morro do Vidigal, onde Gal morava em um duplex com vista para o Leblon.

Gal passava em um Fiat conversível vermelho, modelo importado. “Ela tinha pânico de mim. Quem gosta de fã?”, indaga o ex-secretário.

Vida de artista

A aproximação definitiva do fã com o ídolo ocorreu de forma indireta. Amin foi contratado para colar cartazes de um show que o cantor Caetano Veloso faria no Teatro Tereza Rachel. O empresário Guilherme Araújo, que comandava a carreira de Gal, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, impressionado com a divulgação, quis conhecer o jovem.

Amin virou funcionário da GAPA, a Guilherme Araújo Produções Artísticas. Quando Gal precisou de um novo secretário, Araújo não pensou duas vezes para designá-lo à função. Era época do show Cantar, de 1974, dirigido por Caetano e com participação de João Donato no piano.

“Quando Gal me viu, disse: não! Demorei cinco anos para conquistá-la”, diz Amin. Com o tempo, a cantora confiou até senhas de banco ao secretário. Chegaram a ter uma conta conjunta.

“Gal era riquíssima, mas muito pão dura também. Só não economizava com ela. Comprava sempre o melhor notebook, o celular mais moderno”, conta Amin.

Amin lembra-se, sobretudo, da quantidade de malas com que a cantora viajava: cinco. Gal fazia questão, durante um tempo, de levar um violão. “Ela nunca tocava, mas queria levar”, conta Amin.

Nos quartos de hotéis, além de fazer o pedido de café da manhã, Amin recusava telefonemas e driblava garçons e camareiras que batiam na porta mais de uma vez por dia. Todos queriam conhecer Gal. Ele a protegia ao máximo. “Ninguém via a Gal”.

Brinca que, ao todo, serviu dois milhões, setecentos e vinte oito mil, trezentos e quinze cafezinhos, com sete gotas de adoçantes, para a cantora.

Ela era uma rosa

Gal Costa no show 'Gal Tropical'. Nos cabelos, só rosas naturais Foto: PAULO LEITE / ESTADÃO

Em 1979, Gal estreou um de seus shows mais marcantes da carreira: Gal Tropical. O espetáculo, e o disco que o inspirou, simbolizaram um ponto de virada na trajetória artística da cantora. Guiada pelo empresário Guilherme Araújo, Gal, que gostava de cantar descalça, com roupas despojadas, assumiu a imagem de grande estrela.

De vestido vermelho estilo rumbeira, curto na frente e com babados atrás, Gal, para entrar em cena, descia, elegantemente, uma escadaria colocada no palco do Canecão, casa de show mais famosa do Rio de Janeiro à época. Nos pés, saltos altos. Nos cabelos, duas rosas: uma vermelha e outra amarela - mesma imagem que ela usou na capa do álbum que trazia parte do repertório do show - canções de Luiz Melodia, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Caetano Veloso e Roberto e Erasmo Carlos.

“Eu rodava o Rio de Janeiro para encontrar as rosas para ela usar em cena. Ela não queria flores artificiais. E nem podia comprar em porta de cemitério”, diverte-se, hoje, Amin.

O show ficou dois anos em cartaz. Na porta do camarim, todas as noites, longas filas de fãs e artistas para falar com Gal. Não foram raras as ocasiões em que a cantora saía do Canecão depois das 3 horas da manhã.

Às vezes, Amin, para despistar os fãs, inventava que ela tinha gravação para o Fantástico. Mas fazia questão de tratar todos muito bem. ”Quem faz o artista é quem trabalha com ele”, diz.

No show Fantasia, de 1981, Gal apareceu ainda mais glamourosa, em uma super produção. Usava cinco vestidos diferentes, alguns com plumas e adereços. Na abertura, vinte bailarinos entravam usando máscaras que reproduziam o rosto da cantora. No cenário, dois chafarizes.

Na estreia, deu tudo errado. Gal disse mais de uma vez em entrevistas que alguém mexeu na mesa de som, em um suposto boicote. Os técnicos correram para ajustar o áudio com Gal já em cena. Os chafarizes não jorraram a água planejada. A história nunca foi totalmente esclarecida.

A crítica não perdoou os deslizes. Gal ficou chateada com os severos textos publicados nos jornais. “Ela vomitou depois de ler”, conta Amin. Elis Regina foi uma das que ligou para dar apoio à cantora.

Minha senhora

Amim comandava os disputados camarins de Gal nos anos 1970 e 1980 Foto: Amin Khader/Acervo Pessoal

As lembranças de Amin passeiam por outras tantas histórias. Ele conta o dia em que, incumbido de pagar os funcionários de um sítio que a cantora tinha na Estrada da Posse, no Rio, vizinho ao de Jô Soares, se deparou com uma grande festa no local organizada pelo caseiro. Por telefone, de São Paulo, Gal ordenou: “Chama a polícia, Amin!”.

Em 1985, Amin foi convocado pelo empresário Roberto Medina para comandar os camarins da edição inicial do Rock in Rio. Um desafio. Era a primeira vez que um grande festival iria ocorrer no País. No line-up, astros internacionais como Rod Stewart, James Taylor, Nina Hagen e as bandas Yes, Queen e Iron Maiden.

Gal fez mistério se liberaria seu pupilo para o trabalho. Acabou cedendo. Amin fez as três primeiras edições do festival. “Ela gostava do meu sucesso no Rock in Rio”, conta. Na época, Gal estava nas paradas com as músicas Um Dia de Domingo e Sorte.

Amin ganhou fama. Virou relações públicas de uma casa de shows no Rio e chegou à televisão. Por meio de Gal, conheceu Roberto Carlos. Foi Dody Sirena, empresário do cantor na época, que o levou tomar café da manhã com Donna Summer, seu outro grande ídolo na música, em um hotel de luxo em São Paulo.

“Gal me dizia: você gosta mais da Donna Summer do que de mim. Donna achou estranho eu trabalhar com uma cantora tão poderosa no Brasil e ser fã de outra”, conta.

Em 2003, Amin ainda era visto nos bastidores do show Todas as Coisas e Eu, protagonizado por Gal. Aos poucos, diz, foi deixando de trabalhar com a cantora. Já como repórter da TV Record, entrevistou a ex-patroa. “Ela falou que eu tinha sido o fiel escudeiro dela”, conta, com orgulho.

Certo dia, recebeu um e-mail de Gal. “Amin, você sempre quis ser famoso, por isso está me abandonando”.

Entre momentos que jamais se repetirão e uma coleção de bilhetes que recebeu da cantora ao longo dos anos, Amin define Gal: “Minha mãe, minha irmã, minha mulher, minha companheira. Gal era uma mulher muito inteligente”.

Amin Khader Foto: Reprodução/Record

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