Ana Carolina: ‘Cássia Eller me deu força para pensar que eu também gostava de meninos e meninas’


Cantora faz os dois últimos shows da turnê que homenageia Cássia Eller, de quem compartilha histórias e inspirações, fala sobre timidez, diz que prepara disco novo e revela preocupação com a música de hoje: ‘As canções precisam prevalecer à tecnologia’

Por Danilo Casaletti
Foto: Priscila Prade
Entrevista comAna CarolinaCantora e compositora

Ana Carolina está com um sentimento de nostalgia. Nesta sexta-feira, 28, e sábado, 29, no Tokio Marine Hall, ela faz as duas últimas apresentações do show Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você, no qual ela canta o repertório de Cássia Eller. Foram dois anos de uma turnê que passou por 50 cidades brasileiras, além de ter ido a Portugal.

“Saio desse show com um pouco mais de bagagem”, admite Ana em conversa com o Estadão. O tributo passa longe de ser oportunista. Ana conhece cada passo de Cássia. Sabe de cor as faixas e os compositores que a cantora gravou em cada álbum. Analisa as fases - da vanguarda até o estouro pop. “Mas ela nunca perdeu a personalidade”, pontua.

Dirigida por Jorge Farjalla, a turnê, que ganhou um registro audiovisual disponível no YouTube, tenta representar todos esses movimentos de Cássia, de quem Ana se declara uma fã fervorosa - e, apesar do título do show, que remete à canção All Star, a relação entre elas ficou apenas no campo da admiração.

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Ana, 49 anos, confessa que também prepara novo repertório - seu álbum mais recente, Fogueira em Alto Mar, foi lançado em 2019 -, com compositores jovens. Ou, ao menos os que tem ouvido com frequência e atenção em saraus que organiza em sua casa no Rio de Janeiro. Mais uma lição que aprendeu com Cássia, que a recebeu em sua casa, no fim dos anos 1990, quando Ana, que é de Juiz de Fora, Minas Gerais, não tinha lugar para ficar no Rio. “Eu tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. Não precisava fazer nada disso.”

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Ana Carolina falou com o Estadão, por telefone, às vésperas de seu show em São Paulo.

Há, obviamente, sempre uma questão comercial para se encerrar uma turnê. Mas, do ponto de vista artístico, como um artista define que é a hora de parar um trabalho? Que tipo de sentimento é esse?

Bom, quando canto Cássia eu só enxergo o lado artístico. Já estou nostálgica, mas foi muito salutar cantar a obra dela, tirar férias do meu repertório. Cássia continua me influenciando, assim como me influenciou em 1990 [quando a cantora começou a carreira profissional]. Aprendi muito com essa turnê. Fui procurar o rock da Cássia, as músicas nas quais eu poderia usar o pandeiro, o violão folk. Sem dúvida, saio desse show com um pouco mais de bagagem.

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Em 1990, Cássia deve ter te influenciado de uma maneira e, agora, de outra. Qual a diferença desses dois momentos?

Em primeiro lugar, tem a parte técnica, vocal. Nesse show, uso a voz mais rouca, mais rasgada, em músicas como Eu Queria Ser Cássia Eller e Mercedes Bens. Para Relicário, fiz uma versão voz e piano. Me mostrei de outra forma como cantora.

E Cássia, apesar da timidez, tinha algo muito livre no palco. Isso você levou também para esse show, não?

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Para mim, o palco sempre foi um coliseu. É algo como ‘o último show’. Gosto dessa sensação. Gosto de usar minha voz, meu corpo. Desde a estreia de Ana Canta Cássia as pessoas entenderam a felicidade que eu sinto no palco com esse show. A direção do Jorge Farjalla também me ajudou a colocar cada coisa em seu devido lugar. Cantar Cássia é um desafio.

Meu primeiro disco foi totalmente influenciado pela Cássia. ‘Garganta’ eu canto em um registro grave para médio que é dela

Ana Carolina

Acredito que você, como tantas cantoras da sua geração, tinham como inspiração nomes como Elis, Gal, Bethânia, Simone, Rita, Marisa. De repente, surge Cássia, no início dos anos 1990, com um jeito de cantar diferente, com outra proposta. O que ela te despertou naquela época?

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Lembro que escutei Por Enquanto (versão de Cássia por o hit do Legião Urbana) em uma rádio. Liguei para saber quem estava cantando. Descobri, então, que havia um LP. Fiquei passada! Rapidamente entendi que a Cássia iria mudar toda uma geração com aquele jeitão dela. Por Enquanto tem uma levada de violão totalmente dela. Ela se apropriou da canção. Virou uma coisa Cássia Eller. Meu primeiro disco foi totalmente influenciado por ela. Garganta eu canto em um registro grave para médio que é dela. Ela usou esse registro até Veneno Antimonotonia. Uma emissão forte!

Ana Carolina encerra turnê em homenagem a Cássia Eller Foto: Priscila P

Os dois primeiros discos da Cássia são meio de vanguarda, com músicas de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Mário Manga, fora do que estava rolando na música naquele momento. Ela foi corajosa, nesse sentido...

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Sim! Ela compunha pouquíssimo e, por isso, foi buscar repertório. Para o disco Marginal ela fez Eles [em parceria com Tavinho Fialho e Luiz Pinheiro]. Regravou Caso Você Queira Saber, do Beto Guedes e Márcio Borges, cantando para c......! Ninguém passa batido por essa gravação. Em Cássia Eller (1994), com produção de Guto Graça Mello, ela ficou mais pop, regravou Lanterna dos Afogados. Teve uma atividade para deixá-la mais comercial. E teve Malandragem. Cássia não perdeu a personalidade, mas chegou no público. Em Com Você Meu Mundo Ficaria Completo (1999), outra virada, inspirada por aquela história de que o Chicão [filho de Cássia] disse que ela cantava berrando. Mesmo assim ela gravou Pedra Gigante do Gilberto Gil e não Palco, saca?

Ao contrário de cantoras da geração anterior, que não assumiam sua homossexualidade, ou bissexualidade, Cássia chegou bem resolvida com essa orientação. Isso foi importante para você? Importante para ser o que quisesse ser e se mostrar artisticamente?

Foi. Me ajudou muito na época. Me deu uma certa força para pensar ‘também sou isso. Gosto de meninos e meninas’. Porque, realmente, havia cantoras que não gostavam de falar abertamente - e não entendo o motivo. Qual o problema? Cássia não levantava bandeiras. Apenas vivia normalmente: ‘Prazer, essa é minha namorada’. Foi o que eu também fiz desde o começo. Não precisei fazer nada de anormal - até porque isso é supernormal.

Há aquela história clássica de você dormir na casa de Cássia, no início de sua carreira...

Sim, eu não tinha lugar para ficar no Rio de Janeiro. Tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. E ela não precisava fazer nada disso. E foi tão importante para mim... Cássia me ensinou a ter generosidade com outros artistas. Porque tem muito ego nesse meio, né? Há muito desse negócio de criar rivalidade entre as cantoras. Pô! Tem que falar bem das pessoas, ajudar. Não é o comercial. É a música, porra! É o violão! Eu toco, eu te ajudo. Entende? Eu adoro trocar com as pessoas que estão fazendo música agora. Parecidas comigo ou não. Atualmente, o que me deixa mais feliz é fazer saraus. Ouvir o que o pessoal do Bala Desejo, Alice Caymmi, Liniker, Ivisson... O pessoal de 22, 23 anos. Fazer algo com eles.

Isso indica que você prepara um novo álbum ou está, ao menos, compondo?

Sim. E está muito bom! Estar perto dessa galera que pensa o mundo de hoje com um frescor em relação à vida. Outro dia, um amigo me perguntou se eu ainda me emociono com um Mi maior. O meu Mi maior sempre foi com uma nona. Essa nova geração faz uma música que sai. Porque eu faço, mas interfiro. Quero sempre brincar um pouco. ‘E se eu mudar isso, fazer aquilo?’. Essa galera faz a música daquele momento, com aquele parceiro.

Cassia Eller, em show em São Paulo, em 1990 Foto: César Diniz/ Estadão

Para você ainda faz sentido fazer um álbum com 10, 12 canções, em tempos em que as plataformas vivem de singles e EPs?

Para mim, é interessante fazer mais canções porque eu penso sempre no show que virá depois, que precisa ter um conceito. As canções precisam prevalecer à tecnologia. Eu tenho pavor de estúdio! Se eu pudesse, faria só discos ao vivo, no palco.

Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar

Ana Carolina

Você fez muito sucesso, emplacou grandes hits. Cássia, segundo relatos de pessoas próximas, foi sugada por esse sucesso. Como você resistiu a isso?

O artista vive essa dualidade de se mostrar e se esconder. Se você cria algo, filme, música ou livro, quer mostrar para as pessoas. Então, é um jogo eterno de se mostrar e se esconder. Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar. Não dá para criar e ficar sozinha dentro do quarto. No entanto, nem só as músicas que fizeram sucesso me interessam - aliás, as que não fizeram me interessam muito mais. Tenho uma música, Leveza de Valsa, com o [violonista e compositor] Guinga. Eu tiro essa onda! E as pessoas têm que engolir isso. Nos meus saraus, canto essa e outras que podem soar estranhas para as pessoas. No meu íntimo, não tem nada de sucesso.

Depois daquele primeiro encontro, você e Cássia seguiram próximas?

Em 1999, lancei meu primeiro disco que logo virou disco de ouro. Saí em turnê de voz e violão pelo País e pelo exterior. Era difícil de me encontrar até comigo mesmo. Fiquei cansada. Algo que também ocorreu com Quem de Nós Dois [2001]. Consegui ir a um show da Cássia em São Paulo, em uma dessas casas de show grandes. Fui ao camarim, tomamos cerveja. Quando ela morreu, eu estava em Salvador, ensaiando com a Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Alguém abriu a porta do estúdio e disse: “a Cássia morreu”. Foi uma tristeza absurda!

Serviço:

  • Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você
  • 28/6, sexta-feira, 22h; 29/6, sábado, 22h
  • Tokio Marine Hall. Rua Bragança Paulista, 1.281, Chácara Santo Antônio.
  • R$ 290/ R$ 540.

Ana Carolina está com um sentimento de nostalgia. Nesta sexta-feira, 28, e sábado, 29, no Tokio Marine Hall, ela faz as duas últimas apresentações do show Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você, no qual ela canta o repertório de Cássia Eller. Foram dois anos de uma turnê que passou por 50 cidades brasileiras, além de ter ido a Portugal.

“Saio desse show com um pouco mais de bagagem”, admite Ana em conversa com o Estadão. O tributo passa longe de ser oportunista. Ana conhece cada passo de Cássia. Sabe de cor as faixas e os compositores que a cantora gravou em cada álbum. Analisa as fases - da vanguarda até o estouro pop. “Mas ela nunca perdeu a personalidade”, pontua.

Dirigida por Jorge Farjalla, a turnê, que ganhou um registro audiovisual disponível no YouTube, tenta representar todos esses movimentos de Cássia, de quem Ana se declara uma fã fervorosa - e, apesar do título do show, que remete à canção All Star, a relação entre elas ficou apenas no campo da admiração.

Ana, 49 anos, confessa que também prepara novo repertório - seu álbum mais recente, Fogueira em Alto Mar, foi lançado em 2019 -, com compositores jovens. Ou, ao menos os que tem ouvido com frequência e atenção em saraus que organiza em sua casa no Rio de Janeiro. Mais uma lição que aprendeu com Cássia, que a recebeu em sua casa, no fim dos anos 1990, quando Ana, que é de Juiz de Fora, Minas Gerais, não tinha lugar para ficar no Rio. “Eu tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. Não precisava fazer nada disso.”

Ana Carolina falou com o Estadão, por telefone, às vésperas de seu show em São Paulo.

Há, obviamente, sempre uma questão comercial para se encerrar uma turnê. Mas, do ponto de vista artístico, como um artista define que é a hora de parar um trabalho? Que tipo de sentimento é esse?

Bom, quando canto Cássia eu só enxergo o lado artístico. Já estou nostálgica, mas foi muito salutar cantar a obra dela, tirar férias do meu repertório. Cássia continua me influenciando, assim como me influenciou em 1990 [quando a cantora começou a carreira profissional]. Aprendi muito com essa turnê. Fui procurar o rock da Cássia, as músicas nas quais eu poderia usar o pandeiro, o violão folk. Sem dúvida, saio desse show com um pouco mais de bagagem.

Em 1990, Cássia deve ter te influenciado de uma maneira e, agora, de outra. Qual a diferença desses dois momentos?

Em primeiro lugar, tem a parte técnica, vocal. Nesse show, uso a voz mais rouca, mais rasgada, em músicas como Eu Queria Ser Cássia Eller e Mercedes Bens. Para Relicário, fiz uma versão voz e piano. Me mostrei de outra forma como cantora.

E Cássia, apesar da timidez, tinha algo muito livre no palco. Isso você levou também para esse show, não?

Para mim, o palco sempre foi um coliseu. É algo como ‘o último show’. Gosto dessa sensação. Gosto de usar minha voz, meu corpo. Desde a estreia de Ana Canta Cássia as pessoas entenderam a felicidade que eu sinto no palco com esse show. A direção do Jorge Farjalla também me ajudou a colocar cada coisa em seu devido lugar. Cantar Cássia é um desafio.

Meu primeiro disco foi totalmente influenciado pela Cássia. ‘Garganta’ eu canto em um registro grave para médio que é dela

Ana Carolina

Acredito que você, como tantas cantoras da sua geração, tinham como inspiração nomes como Elis, Gal, Bethânia, Simone, Rita, Marisa. De repente, surge Cássia, no início dos anos 1990, com um jeito de cantar diferente, com outra proposta. O que ela te despertou naquela época?

Lembro que escutei Por Enquanto (versão de Cássia por o hit do Legião Urbana) em uma rádio. Liguei para saber quem estava cantando. Descobri, então, que havia um LP. Fiquei passada! Rapidamente entendi que a Cássia iria mudar toda uma geração com aquele jeitão dela. Por Enquanto tem uma levada de violão totalmente dela. Ela se apropriou da canção. Virou uma coisa Cássia Eller. Meu primeiro disco foi totalmente influenciado por ela. Garganta eu canto em um registro grave para médio que é dela. Ela usou esse registro até Veneno Antimonotonia. Uma emissão forte!

Ana Carolina encerra turnê em homenagem a Cássia Eller Foto: Priscila P

Os dois primeiros discos da Cássia são meio de vanguarda, com músicas de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Mário Manga, fora do que estava rolando na música naquele momento. Ela foi corajosa, nesse sentido...

Sim! Ela compunha pouquíssimo e, por isso, foi buscar repertório. Para o disco Marginal ela fez Eles [em parceria com Tavinho Fialho e Luiz Pinheiro]. Regravou Caso Você Queira Saber, do Beto Guedes e Márcio Borges, cantando para c......! Ninguém passa batido por essa gravação. Em Cássia Eller (1994), com produção de Guto Graça Mello, ela ficou mais pop, regravou Lanterna dos Afogados. Teve uma atividade para deixá-la mais comercial. E teve Malandragem. Cássia não perdeu a personalidade, mas chegou no público. Em Com Você Meu Mundo Ficaria Completo (1999), outra virada, inspirada por aquela história de que o Chicão [filho de Cássia] disse que ela cantava berrando. Mesmo assim ela gravou Pedra Gigante do Gilberto Gil e não Palco, saca?

Ao contrário de cantoras da geração anterior, que não assumiam sua homossexualidade, ou bissexualidade, Cássia chegou bem resolvida com essa orientação. Isso foi importante para você? Importante para ser o que quisesse ser e se mostrar artisticamente?

Foi. Me ajudou muito na época. Me deu uma certa força para pensar ‘também sou isso. Gosto de meninos e meninas’. Porque, realmente, havia cantoras que não gostavam de falar abertamente - e não entendo o motivo. Qual o problema? Cássia não levantava bandeiras. Apenas vivia normalmente: ‘Prazer, essa é minha namorada’. Foi o que eu também fiz desde o começo. Não precisei fazer nada de anormal - até porque isso é supernormal.

Há aquela história clássica de você dormir na casa de Cássia, no início de sua carreira...

Sim, eu não tinha lugar para ficar no Rio de Janeiro. Tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. E ela não precisava fazer nada disso. E foi tão importante para mim... Cássia me ensinou a ter generosidade com outros artistas. Porque tem muito ego nesse meio, né? Há muito desse negócio de criar rivalidade entre as cantoras. Pô! Tem que falar bem das pessoas, ajudar. Não é o comercial. É a música, porra! É o violão! Eu toco, eu te ajudo. Entende? Eu adoro trocar com as pessoas que estão fazendo música agora. Parecidas comigo ou não. Atualmente, o que me deixa mais feliz é fazer saraus. Ouvir o que o pessoal do Bala Desejo, Alice Caymmi, Liniker, Ivisson... O pessoal de 22, 23 anos. Fazer algo com eles.

Isso indica que você prepara um novo álbum ou está, ao menos, compondo?

Sim. E está muito bom! Estar perto dessa galera que pensa o mundo de hoje com um frescor em relação à vida. Outro dia, um amigo me perguntou se eu ainda me emociono com um Mi maior. O meu Mi maior sempre foi com uma nona. Essa nova geração faz uma música que sai. Porque eu faço, mas interfiro. Quero sempre brincar um pouco. ‘E se eu mudar isso, fazer aquilo?’. Essa galera faz a música daquele momento, com aquele parceiro.

Cassia Eller, em show em São Paulo, em 1990 Foto: César Diniz/ Estadão

Para você ainda faz sentido fazer um álbum com 10, 12 canções, em tempos em que as plataformas vivem de singles e EPs?

Para mim, é interessante fazer mais canções porque eu penso sempre no show que virá depois, que precisa ter um conceito. As canções precisam prevalecer à tecnologia. Eu tenho pavor de estúdio! Se eu pudesse, faria só discos ao vivo, no palco.

Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar

Ana Carolina

Você fez muito sucesso, emplacou grandes hits. Cássia, segundo relatos de pessoas próximas, foi sugada por esse sucesso. Como você resistiu a isso?

O artista vive essa dualidade de se mostrar e se esconder. Se você cria algo, filme, música ou livro, quer mostrar para as pessoas. Então, é um jogo eterno de se mostrar e se esconder. Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar. Não dá para criar e ficar sozinha dentro do quarto. No entanto, nem só as músicas que fizeram sucesso me interessam - aliás, as que não fizeram me interessam muito mais. Tenho uma música, Leveza de Valsa, com o [violonista e compositor] Guinga. Eu tiro essa onda! E as pessoas têm que engolir isso. Nos meus saraus, canto essa e outras que podem soar estranhas para as pessoas. No meu íntimo, não tem nada de sucesso.

Depois daquele primeiro encontro, você e Cássia seguiram próximas?

Em 1999, lancei meu primeiro disco que logo virou disco de ouro. Saí em turnê de voz e violão pelo País e pelo exterior. Era difícil de me encontrar até comigo mesmo. Fiquei cansada. Algo que também ocorreu com Quem de Nós Dois [2001]. Consegui ir a um show da Cássia em São Paulo, em uma dessas casas de show grandes. Fui ao camarim, tomamos cerveja. Quando ela morreu, eu estava em Salvador, ensaiando com a Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Alguém abriu a porta do estúdio e disse: “a Cássia morreu”. Foi uma tristeza absurda!

Serviço:

  • Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você
  • 28/6, sexta-feira, 22h; 29/6, sábado, 22h
  • Tokio Marine Hall. Rua Bragança Paulista, 1.281, Chácara Santo Antônio.
  • R$ 290/ R$ 540.

Ana Carolina está com um sentimento de nostalgia. Nesta sexta-feira, 28, e sábado, 29, no Tokio Marine Hall, ela faz as duas últimas apresentações do show Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você, no qual ela canta o repertório de Cássia Eller. Foram dois anos de uma turnê que passou por 50 cidades brasileiras, além de ter ido a Portugal.

“Saio desse show com um pouco mais de bagagem”, admite Ana em conversa com o Estadão. O tributo passa longe de ser oportunista. Ana conhece cada passo de Cássia. Sabe de cor as faixas e os compositores que a cantora gravou em cada álbum. Analisa as fases - da vanguarda até o estouro pop. “Mas ela nunca perdeu a personalidade”, pontua.

Dirigida por Jorge Farjalla, a turnê, que ganhou um registro audiovisual disponível no YouTube, tenta representar todos esses movimentos de Cássia, de quem Ana se declara uma fã fervorosa - e, apesar do título do show, que remete à canção All Star, a relação entre elas ficou apenas no campo da admiração.

Ana, 49 anos, confessa que também prepara novo repertório - seu álbum mais recente, Fogueira em Alto Mar, foi lançado em 2019 -, com compositores jovens. Ou, ao menos os que tem ouvido com frequência e atenção em saraus que organiza em sua casa no Rio de Janeiro. Mais uma lição que aprendeu com Cássia, que a recebeu em sua casa, no fim dos anos 1990, quando Ana, que é de Juiz de Fora, Minas Gerais, não tinha lugar para ficar no Rio. “Eu tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. Não precisava fazer nada disso.”

Ana Carolina falou com o Estadão, por telefone, às vésperas de seu show em São Paulo.

Há, obviamente, sempre uma questão comercial para se encerrar uma turnê. Mas, do ponto de vista artístico, como um artista define que é a hora de parar um trabalho? Que tipo de sentimento é esse?

Bom, quando canto Cássia eu só enxergo o lado artístico. Já estou nostálgica, mas foi muito salutar cantar a obra dela, tirar férias do meu repertório. Cássia continua me influenciando, assim como me influenciou em 1990 [quando a cantora começou a carreira profissional]. Aprendi muito com essa turnê. Fui procurar o rock da Cássia, as músicas nas quais eu poderia usar o pandeiro, o violão folk. Sem dúvida, saio desse show com um pouco mais de bagagem.

Em 1990, Cássia deve ter te influenciado de uma maneira e, agora, de outra. Qual a diferença desses dois momentos?

Em primeiro lugar, tem a parte técnica, vocal. Nesse show, uso a voz mais rouca, mais rasgada, em músicas como Eu Queria Ser Cássia Eller e Mercedes Bens. Para Relicário, fiz uma versão voz e piano. Me mostrei de outra forma como cantora.

E Cássia, apesar da timidez, tinha algo muito livre no palco. Isso você levou também para esse show, não?

Para mim, o palco sempre foi um coliseu. É algo como ‘o último show’. Gosto dessa sensação. Gosto de usar minha voz, meu corpo. Desde a estreia de Ana Canta Cássia as pessoas entenderam a felicidade que eu sinto no palco com esse show. A direção do Jorge Farjalla também me ajudou a colocar cada coisa em seu devido lugar. Cantar Cássia é um desafio.

Meu primeiro disco foi totalmente influenciado pela Cássia. ‘Garganta’ eu canto em um registro grave para médio que é dela

Ana Carolina

Acredito que você, como tantas cantoras da sua geração, tinham como inspiração nomes como Elis, Gal, Bethânia, Simone, Rita, Marisa. De repente, surge Cássia, no início dos anos 1990, com um jeito de cantar diferente, com outra proposta. O que ela te despertou naquela época?

Lembro que escutei Por Enquanto (versão de Cássia por o hit do Legião Urbana) em uma rádio. Liguei para saber quem estava cantando. Descobri, então, que havia um LP. Fiquei passada! Rapidamente entendi que a Cássia iria mudar toda uma geração com aquele jeitão dela. Por Enquanto tem uma levada de violão totalmente dela. Ela se apropriou da canção. Virou uma coisa Cássia Eller. Meu primeiro disco foi totalmente influenciado por ela. Garganta eu canto em um registro grave para médio que é dela. Ela usou esse registro até Veneno Antimonotonia. Uma emissão forte!

Ana Carolina encerra turnê em homenagem a Cássia Eller Foto: Priscila P

Os dois primeiros discos da Cássia são meio de vanguarda, com músicas de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Mário Manga, fora do que estava rolando na música naquele momento. Ela foi corajosa, nesse sentido...

Sim! Ela compunha pouquíssimo e, por isso, foi buscar repertório. Para o disco Marginal ela fez Eles [em parceria com Tavinho Fialho e Luiz Pinheiro]. Regravou Caso Você Queira Saber, do Beto Guedes e Márcio Borges, cantando para c......! Ninguém passa batido por essa gravação. Em Cássia Eller (1994), com produção de Guto Graça Mello, ela ficou mais pop, regravou Lanterna dos Afogados. Teve uma atividade para deixá-la mais comercial. E teve Malandragem. Cássia não perdeu a personalidade, mas chegou no público. Em Com Você Meu Mundo Ficaria Completo (1999), outra virada, inspirada por aquela história de que o Chicão [filho de Cássia] disse que ela cantava berrando. Mesmo assim ela gravou Pedra Gigante do Gilberto Gil e não Palco, saca?

Ao contrário de cantoras da geração anterior, que não assumiam sua homossexualidade, ou bissexualidade, Cássia chegou bem resolvida com essa orientação. Isso foi importante para você? Importante para ser o que quisesse ser e se mostrar artisticamente?

Foi. Me ajudou muito na época. Me deu uma certa força para pensar ‘também sou isso. Gosto de meninos e meninas’. Porque, realmente, havia cantoras que não gostavam de falar abertamente - e não entendo o motivo. Qual o problema? Cássia não levantava bandeiras. Apenas vivia normalmente: ‘Prazer, essa é minha namorada’. Foi o que eu também fiz desde o começo. Não precisei fazer nada de anormal - até porque isso é supernormal.

Há aquela história clássica de você dormir na casa de Cássia, no início de sua carreira...

Sim, eu não tinha lugar para ficar no Rio de Janeiro. Tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. E ela não precisava fazer nada disso. E foi tão importante para mim... Cássia me ensinou a ter generosidade com outros artistas. Porque tem muito ego nesse meio, né? Há muito desse negócio de criar rivalidade entre as cantoras. Pô! Tem que falar bem das pessoas, ajudar. Não é o comercial. É a música, porra! É o violão! Eu toco, eu te ajudo. Entende? Eu adoro trocar com as pessoas que estão fazendo música agora. Parecidas comigo ou não. Atualmente, o que me deixa mais feliz é fazer saraus. Ouvir o que o pessoal do Bala Desejo, Alice Caymmi, Liniker, Ivisson... O pessoal de 22, 23 anos. Fazer algo com eles.

Isso indica que você prepara um novo álbum ou está, ao menos, compondo?

Sim. E está muito bom! Estar perto dessa galera que pensa o mundo de hoje com um frescor em relação à vida. Outro dia, um amigo me perguntou se eu ainda me emociono com um Mi maior. O meu Mi maior sempre foi com uma nona. Essa nova geração faz uma música que sai. Porque eu faço, mas interfiro. Quero sempre brincar um pouco. ‘E se eu mudar isso, fazer aquilo?’. Essa galera faz a música daquele momento, com aquele parceiro.

Cassia Eller, em show em São Paulo, em 1990 Foto: César Diniz/ Estadão

Para você ainda faz sentido fazer um álbum com 10, 12 canções, em tempos em que as plataformas vivem de singles e EPs?

Para mim, é interessante fazer mais canções porque eu penso sempre no show que virá depois, que precisa ter um conceito. As canções precisam prevalecer à tecnologia. Eu tenho pavor de estúdio! Se eu pudesse, faria só discos ao vivo, no palco.

Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar

Ana Carolina

Você fez muito sucesso, emplacou grandes hits. Cássia, segundo relatos de pessoas próximas, foi sugada por esse sucesso. Como você resistiu a isso?

O artista vive essa dualidade de se mostrar e se esconder. Se você cria algo, filme, música ou livro, quer mostrar para as pessoas. Então, é um jogo eterno de se mostrar e se esconder. Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar. Não dá para criar e ficar sozinha dentro do quarto. No entanto, nem só as músicas que fizeram sucesso me interessam - aliás, as que não fizeram me interessam muito mais. Tenho uma música, Leveza de Valsa, com o [violonista e compositor] Guinga. Eu tiro essa onda! E as pessoas têm que engolir isso. Nos meus saraus, canto essa e outras que podem soar estranhas para as pessoas. No meu íntimo, não tem nada de sucesso.

Depois daquele primeiro encontro, você e Cássia seguiram próximas?

Em 1999, lancei meu primeiro disco que logo virou disco de ouro. Saí em turnê de voz e violão pelo País e pelo exterior. Era difícil de me encontrar até comigo mesmo. Fiquei cansada. Algo que também ocorreu com Quem de Nós Dois [2001]. Consegui ir a um show da Cássia em São Paulo, em uma dessas casas de show grandes. Fui ao camarim, tomamos cerveja. Quando ela morreu, eu estava em Salvador, ensaiando com a Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Alguém abriu a porta do estúdio e disse: “a Cássia morreu”. Foi uma tristeza absurda!

Serviço:

  • Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você
  • 28/6, sexta-feira, 22h; 29/6, sábado, 22h
  • Tokio Marine Hall. Rua Bragança Paulista, 1.281, Chácara Santo Antônio.
  • R$ 290/ R$ 540.

Ana Carolina está com um sentimento de nostalgia. Nesta sexta-feira, 28, e sábado, 29, no Tokio Marine Hall, ela faz as duas últimas apresentações do show Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você, no qual ela canta o repertório de Cássia Eller. Foram dois anos de uma turnê que passou por 50 cidades brasileiras, além de ter ido a Portugal.

“Saio desse show com um pouco mais de bagagem”, admite Ana em conversa com o Estadão. O tributo passa longe de ser oportunista. Ana conhece cada passo de Cássia. Sabe de cor as faixas e os compositores que a cantora gravou em cada álbum. Analisa as fases - da vanguarda até o estouro pop. “Mas ela nunca perdeu a personalidade”, pontua.

Dirigida por Jorge Farjalla, a turnê, que ganhou um registro audiovisual disponível no YouTube, tenta representar todos esses movimentos de Cássia, de quem Ana se declara uma fã fervorosa - e, apesar do título do show, que remete à canção All Star, a relação entre elas ficou apenas no campo da admiração.

Ana, 49 anos, confessa que também prepara novo repertório - seu álbum mais recente, Fogueira em Alto Mar, foi lançado em 2019 -, com compositores jovens. Ou, ao menos os que tem ouvido com frequência e atenção em saraus que organiza em sua casa no Rio de Janeiro. Mais uma lição que aprendeu com Cássia, que a recebeu em sua casa, no fim dos anos 1990, quando Ana, que é de Juiz de Fora, Minas Gerais, não tinha lugar para ficar no Rio. “Eu tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. Não precisava fazer nada disso.”

Ana Carolina falou com o Estadão, por telefone, às vésperas de seu show em São Paulo.

Há, obviamente, sempre uma questão comercial para se encerrar uma turnê. Mas, do ponto de vista artístico, como um artista define que é a hora de parar um trabalho? Que tipo de sentimento é esse?

Bom, quando canto Cássia eu só enxergo o lado artístico. Já estou nostálgica, mas foi muito salutar cantar a obra dela, tirar férias do meu repertório. Cássia continua me influenciando, assim como me influenciou em 1990 [quando a cantora começou a carreira profissional]. Aprendi muito com essa turnê. Fui procurar o rock da Cássia, as músicas nas quais eu poderia usar o pandeiro, o violão folk. Sem dúvida, saio desse show com um pouco mais de bagagem.

Em 1990, Cássia deve ter te influenciado de uma maneira e, agora, de outra. Qual a diferença desses dois momentos?

Em primeiro lugar, tem a parte técnica, vocal. Nesse show, uso a voz mais rouca, mais rasgada, em músicas como Eu Queria Ser Cássia Eller e Mercedes Bens. Para Relicário, fiz uma versão voz e piano. Me mostrei de outra forma como cantora.

E Cássia, apesar da timidez, tinha algo muito livre no palco. Isso você levou também para esse show, não?

Para mim, o palco sempre foi um coliseu. É algo como ‘o último show’. Gosto dessa sensação. Gosto de usar minha voz, meu corpo. Desde a estreia de Ana Canta Cássia as pessoas entenderam a felicidade que eu sinto no palco com esse show. A direção do Jorge Farjalla também me ajudou a colocar cada coisa em seu devido lugar. Cantar Cássia é um desafio.

Meu primeiro disco foi totalmente influenciado pela Cássia. ‘Garganta’ eu canto em um registro grave para médio que é dela

Ana Carolina

Acredito que você, como tantas cantoras da sua geração, tinham como inspiração nomes como Elis, Gal, Bethânia, Simone, Rita, Marisa. De repente, surge Cássia, no início dos anos 1990, com um jeito de cantar diferente, com outra proposta. O que ela te despertou naquela época?

Lembro que escutei Por Enquanto (versão de Cássia por o hit do Legião Urbana) em uma rádio. Liguei para saber quem estava cantando. Descobri, então, que havia um LP. Fiquei passada! Rapidamente entendi que a Cássia iria mudar toda uma geração com aquele jeitão dela. Por Enquanto tem uma levada de violão totalmente dela. Ela se apropriou da canção. Virou uma coisa Cássia Eller. Meu primeiro disco foi totalmente influenciado por ela. Garganta eu canto em um registro grave para médio que é dela. Ela usou esse registro até Veneno Antimonotonia. Uma emissão forte!

Ana Carolina encerra turnê em homenagem a Cássia Eller Foto: Priscila P

Os dois primeiros discos da Cássia são meio de vanguarda, com músicas de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Mário Manga, fora do que estava rolando na música naquele momento. Ela foi corajosa, nesse sentido...

Sim! Ela compunha pouquíssimo e, por isso, foi buscar repertório. Para o disco Marginal ela fez Eles [em parceria com Tavinho Fialho e Luiz Pinheiro]. Regravou Caso Você Queira Saber, do Beto Guedes e Márcio Borges, cantando para c......! Ninguém passa batido por essa gravação. Em Cássia Eller (1994), com produção de Guto Graça Mello, ela ficou mais pop, regravou Lanterna dos Afogados. Teve uma atividade para deixá-la mais comercial. E teve Malandragem. Cássia não perdeu a personalidade, mas chegou no público. Em Com Você Meu Mundo Ficaria Completo (1999), outra virada, inspirada por aquela história de que o Chicão [filho de Cássia] disse que ela cantava berrando. Mesmo assim ela gravou Pedra Gigante do Gilberto Gil e não Palco, saca?

Ao contrário de cantoras da geração anterior, que não assumiam sua homossexualidade, ou bissexualidade, Cássia chegou bem resolvida com essa orientação. Isso foi importante para você? Importante para ser o que quisesse ser e se mostrar artisticamente?

Foi. Me ajudou muito na época. Me deu uma certa força para pensar ‘também sou isso. Gosto de meninos e meninas’. Porque, realmente, havia cantoras que não gostavam de falar abertamente - e não entendo o motivo. Qual o problema? Cássia não levantava bandeiras. Apenas vivia normalmente: ‘Prazer, essa é minha namorada’. Foi o que eu também fiz desde o começo. Não precisei fazer nada de anormal - até porque isso é supernormal.

Há aquela história clássica de você dormir na casa de Cássia, no início de sua carreira...

Sim, eu não tinha lugar para ficar no Rio de Janeiro. Tinha ido com o meu Gol fazer um show. Ela foi generosa, legal. Pagou um roadie para o meu show. E ela não precisava fazer nada disso. E foi tão importante para mim... Cássia me ensinou a ter generosidade com outros artistas. Porque tem muito ego nesse meio, né? Há muito desse negócio de criar rivalidade entre as cantoras. Pô! Tem que falar bem das pessoas, ajudar. Não é o comercial. É a música, porra! É o violão! Eu toco, eu te ajudo. Entende? Eu adoro trocar com as pessoas que estão fazendo música agora. Parecidas comigo ou não. Atualmente, o que me deixa mais feliz é fazer saraus. Ouvir o que o pessoal do Bala Desejo, Alice Caymmi, Liniker, Ivisson... O pessoal de 22, 23 anos. Fazer algo com eles.

Isso indica que você prepara um novo álbum ou está, ao menos, compondo?

Sim. E está muito bom! Estar perto dessa galera que pensa o mundo de hoje com um frescor em relação à vida. Outro dia, um amigo me perguntou se eu ainda me emociono com um Mi maior. O meu Mi maior sempre foi com uma nona. Essa nova geração faz uma música que sai. Porque eu faço, mas interfiro. Quero sempre brincar um pouco. ‘E se eu mudar isso, fazer aquilo?’. Essa galera faz a música daquele momento, com aquele parceiro.

Cassia Eller, em show em São Paulo, em 1990 Foto: César Diniz/ Estadão

Para você ainda faz sentido fazer um álbum com 10, 12 canções, em tempos em que as plataformas vivem de singles e EPs?

Para mim, é interessante fazer mais canções porque eu penso sempre no show que virá depois, que precisa ter um conceito. As canções precisam prevalecer à tecnologia. Eu tenho pavor de estúdio! Se eu pudesse, faria só discos ao vivo, no palco.

Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar

Ana Carolina

Você fez muito sucesso, emplacou grandes hits. Cássia, segundo relatos de pessoas próximas, foi sugada por esse sucesso. Como você resistiu a isso?

O artista vive essa dualidade de se mostrar e se esconder. Se você cria algo, filme, música ou livro, quer mostrar para as pessoas. Então, é um jogo eterno de se mostrar e se esconder. Sou tímida, mas não posso ser a menina tímida pela vida toda. De vez em quando, sou acometida por esse micróbio que quer se mostrar. Não dá para criar e ficar sozinha dentro do quarto. No entanto, nem só as músicas que fizeram sucesso me interessam - aliás, as que não fizeram me interessam muito mais. Tenho uma música, Leveza de Valsa, com o [violonista e compositor] Guinga. Eu tiro essa onda! E as pessoas têm que engolir isso. Nos meus saraus, canto essa e outras que podem soar estranhas para as pessoas. No meu íntimo, não tem nada de sucesso.

Depois daquele primeiro encontro, você e Cássia seguiram próximas?

Em 1999, lancei meu primeiro disco que logo virou disco de ouro. Saí em turnê de voz e violão pelo País e pelo exterior. Era difícil de me encontrar até comigo mesmo. Fiquei cansada. Algo que também ocorreu com Quem de Nós Dois [2001]. Consegui ir a um show da Cássia em São Paulo, em uma dessas casas de show grandes. Fui ao camarim, tomamos cerveja. Quando ela morreu, eu estava em Salvador, ensaiando com a Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Alguém abriu a porta do estúdio e disse: “a Cássia morreu”. Foi uma tristeza absurda!

Serviço:

  • Ana Canta Cássia - Estranho Seria Se Eu Não Me Apaixonasse Por Você
  • 28/6, sexta-feira, 22h; 29/6, sábado, 22h
  • Tokio Marine Hall. Rua Bragança Paulista, 1.281, Chácara Santo Antônio.
  • R$ 290/ R$ 540.
Entrevista por Danilo Casaletti

Repórter de Cultura do Estadão

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