O último espetáculo de Rita Lee tinha fila na porta. Os fãs chegavam segurando pôsteres e LPs e alguns cantavam, mas a maior parte do público vinha mesmo apressada e em silêncio, seguindo o zigue-zague entre as grades para não perder um segundo. Bem perto da porta, duas dezenas de coroas de flores enfeitavam a entrada da pista principal com mensagens espirituosas. “Mais uma estrela no céu – Jorge Ben Jor”; “Querida Rita, Saudades – Boninho e Ana”; “Mais um entre o monte de gente que você fez feliz, te amo – Matheus, RJ”; “Lovely Rita, Descanse em Paz” Glória Pires, Orlando Morais e Filhos”; “Querida Rita, Você Será Sempre Nossa Velha – MTV Brasil”
Alguns passos adiante e lá estava o palco, sob uma luz escura e misteriosa e diante de um cenário de espetáculo futurista. Ao centro dele, uma urna fechada, com seis pegadores dourados, três de cada lado, feito à base de madeira pinus escurecida e encerada. Um belo objeto, colocado debaixo do globo negro de luzes, ainda apagadas. Amigos e familiares sentavam-se na área vip, repórteres e cinegrafistas revezavam-se na zona de imprensa e o público, com as câmeras e as luzes do celular ativadas para não perder um instante da apresentação, adentrava pela porta estreita que dava acesso a uma espécie de pista fast-premium. Havia ali soluços, rezas, confissões, murmúrios, promessas, gratidões e a estranha sensação de que alguma entrada triunfante estava por acontecer.
O que mais poderia passar pela cabeça de quem se acostumou a ser surpreendido por Rita Lee? De quem jamais esperou que ela fosse escrever um livro de memórias como aquele em 2016? Dos fãs dos Mutantes, que a viram sair do grupo para que ressurgisse deliciosamente stoniana no Tutti Frutti? Dos fãs do Tutti Frutti, que a viram sair do grupo para ressurgir mais pop e planetária ao lado de Roberto de Carvalho?
A culpa é de Rita se alguém duvidou que seu corpo estaria mesmo entregue e sem vida dentro daquela cápsula opressora de um metro e sessenta de altura por 50 de largura. Não estaria ela pronta para adentrar ao grande teatro do Planetário do Ibirapuera, surpreendendo o choro de seus fãs, cantando: “Um belo dia resolvi mudar, e fazer tudo que eu queria fazer / Me libertei daquela vida vulgar, que eu levava estando junto a você.”?
O caixão fechado de Rita e a cremação que viria na sequência, e que só os familiares poderiam ver, deram aos sonhadores o benefício da dúvida eterna. Nenhum de nós viu o corpo de Rita Lee sem vida, e seu último espetáculo, realizado a este dia 10 de maio de 2023, não se deu por acaso no lugar que nos leva o mais perto possível das estrelas.