Análise: Lewis Capaldi vai partir seu coração, mas não leve muito a sério


O novo álbum do cantor escocês segue em sua pegada pop e doce

Por Jon Caramica / The New York Times
Atualização:

A primeira coisa que você precisa saber sobre Lewis Capaldi é que ele está de brincadeira. O músico escocês, especialista em pop meloso, é desbocado feito uma criança: atrevido e fofinho, sem um pingo de agressividade. Ele não curte piedade, é um cara que faz piada o tempo todo. Quase tudo o que ele diz é acompanhado por uma piscadela.

O cantor Capaldi Foto: Lyndon French/The New York Times

Numa tarde de quarta-feira do mês passado, Capaldi saltou de um SUV com motorista na Times Square, junto com seu empresário e um punhado de assessores. Um telão mostrava, entre vários outros, o anúncio de um documentário que Capaldi tinha lançado na Netflix naquele mesmo dia, e ele estava lá para filmar algum conteúdo promocional chocante para as redes sociais.

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Na primeira vez que o anúncio apareceu, Capaldi tentou algumas fotos apontando para si mesmo – não ficou muito engraçado. Na terceira vez, após várias interrupções de fãs surpresos ao ver a superestrela global, ele bolou um plano malandro.

Ele apertou o botão de gravar. “As pessoas aqui estão tendo orgasmos múltiplos”, gritou para a câmera de seu celular, enquanto clipes do filme passavam atrás dele. Depois olhou para a câmera, com a cara séria, e acrescentou: “Toda vez que veem meu rosto”.

Parece ter ficado satisfeito. No dia seguinte, postou o vídeo nos seus stories do seu perfil de Instagram, junto com imagens de alguém colando cartazes sobre os anúncios dele. “Meus quinze minutos de fama acabaram”, brincou.

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Esses minutos, porém, foram muito, muito intensos. No final de 2018, Capaldi lançou ‘Someone You Loved’, um hit lindo e cristalino com potência de bomba nuclear. Tem algo meio anos 1980 – mega-doce, hiper-melodramático –, um recurso cada vez menos comum na paisagem pop contemporânea. Virou a quarta música mais tocada na história do Spotify, com 2,76 bilhões de streams.

Pouco antes de seu passeio na Times Square, Capaldi, 26 anos, estava tomando Sprite numa das mesas ao ar livre do clássico bar Ear Inn, em Nova York, refletindo sobre o peso de um sucesso tão grande.

“Que anomalia”, disse ele. “Não gosto de falar disso porque quase me dá ânsia de vômito. Está virando uma música perene. Ainda a ouço tanto quanto quando a lancei da primeira vez”. Ele entende as pessoas que se sentem oprimidas pela música: “Chegou aquele ponto em que as pessoas às vezes pensam: ‘Não queremos mais ouvir você choramingando de novo. Não dá para fazer alguma coisa que seja um pouco menos sofrida?”.

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O segundo álbum de Capaldi, Broken by Desire to Be Heavenly Sent, vai ser lançado este mês. Nem todas as faixas são um ataque direto à estabilidade emocional de quem ouve, mas as melhores são. Se ele vai conseguir atingir o público no mesmo grau que fez da última vez, ainda não se sabe.

De todo jeito, Capaldi continua otimista. “Comecei a lançar ‘Someone You Loved’ pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai muito longe’. Hoje estou aqui pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai tão longe quanto ‘Someone You Loved’. Já é um salto bem grande”, disse ele.

Capaldi tem uma voz poderosa e rascante que fica melhor em canções angustiadas. Até o momento, sua carreira avançou de coração partido em coração partido. Seu single de estreia, Bruises, em 2017, viralizou naquela época. Seu álbum de estreia, Divinely Uninspired to a Hellish Extent, foi lançado em 2019 e trazia ‘Someone You Loved’ – que liderou a Billboard Hot 100 e foi indicada ao Grammy de música do ano –, além de ‘Before You Go’, outro catálogo de desesperos uivante e comovente.

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Enquanto tudo isso acontecia, ele era um bobo da corte implacável na internet e na mídia: hilariantemente autodepreciativo no Instagram e, mais tarde, no TikTok. (“No Reino Unido é meio, ‘Esse cara de novo, p...’”, disse Capaldi sobre seu sucesso musical lá. Já nos Estados Unidos, “Tem gente aqui que nem conhece o TikTok”).

Enquanto isso, sua saúde estava precária. No ano passado, ele anunciou que recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette – no caso de Capaldi, ela se manifesta em tiques físicos que surgem aleatoriamente e podem ser agravados pelo estresse. Às vezes, os tiques acontecem quando ele está no palco – teve um show em que a multidão terminou de cantar as músicas que ele não conseguia. Mas os tiques diminuem quando ele está à vontade – e quase desapareceram quando os fãs se aproximavam para conversar no Ear Inn.

“Parece meio nojento, mas virou parte de uma estratégia de marketing”, disse ele. “Todo conteúdo que vejo com meu nome traz a palavra Tourette. O que é uma loucura, porque eu fico, tipo, Billie Eilish também tem síndrome de Tourette, e ela não fala sobre isso como eu falo”.

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Ele continuou: “Parece jogo sujo. É meio estranho”. Aí ele acrescentou, dando uma risada: “Fazemos qualquer negócio para vender discos!”

O diagnóstico de Capaldi e o gerenciamento da doença são temas centrais de seu novo documentário, Lewis Capaldi: How I’m Feeling Now, que originalmente pretendia mostrá-lo lutando para encontrar uma sequência musical à altura de uma das maiores canções dos últimos anos, mas acabou documentando também uma série de eventos muito mais sombrios.

As câmeras pairam sobre Capaldi para mostrar sua forma mais desajeitada: tentativas fracassadas de composição no estúdio (“Eu estava tão inseguro!”), feridas nos seus lábios, o empresário achando que nenhuma música seria uma continuação digna de ‘Someone You Loved’, os pais criticando suas canções. E também os tiques que marcaram sua vida desde a infância e que ele agora entende que vêm da síndrome de Tourette. Ele fala sobre tomar o medicamento sertralina, que lhe causa diarreia e disfunção erétil.

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O documentário termina com uma nota levemente triunfante, mas o final original era mais pesado. Capaldi disse que assistir ao filme foi desorientador: “Eu fiquei tipo, ‘Eu morri? Esse negócio é póstumo?’”

No dia seguinte à aventura de Capaldi na Times Square, ele estava se apresentando no Radio City Music Hall. Nos bastidores algumas horas antes do show, entre jogar videogame e comer Cheetos, ele comentou que estava planejando tomar pílulas de omeprazol antes de sua aparição no talk show Hot Ones, onde os convidados enfrentam o desafio de comer asinhas de frango apimentadas, programa que em um tweet de 2018 ele chamou de “meu sonho de vida”.

Nos Estados Unidos ele é muito, muito popular e, de alguma maneira, meio desconhecido. No palco do Radio City, ele brincou dizendo que aquele show era muito menor do que os que ele tinha feito recentemente na Europa. “A cada minuto que passo aqui, estou perdendo dinheiro”, disse ele. “Realmente não vale a pena”. (O show ainda foi sua maior apresentação americana até agora, uma peculiaridade do fato de ter explodido pouco antes da pandemia).

Perto do final do set, ele tocou ‘Wish You the Best’, música que é a herdeira lógica de ‘Someone You Loved’ – cataclismicamente depressiva, mas triunfante e projetada para aclamação universal. O clipe é angustiante; no TikTok, Capaldi tem repostado alegremente os clipes dos fãs chorando incontrolavelmente no final.

No documentário, vemos Capaldi e o empresário sofrendo com a pressão subsequente. No SUV indo para a Times Square, Capaldi o alfinetou por ter uma “mentalidade de gravadora grande”.

Mas ele entende. “Tem muita coisa em jogo”, explicou Capaldi. “Entendo totalmente porque as pessoas estão tensas e nervosas”.

Capaldi fecha o álbum com ‘How I’m Feeling Now’, uma confissão acústica de suas inseguranças. “É meio o filme do Homem Elefante – ‘Eu sou um ser humano!’”, disse ele, enfatizando que é mais do que só um robô que compõe baladas românticas. “Eu queria um pouco o ar”.

No Radio City, porém, havia poucos sinais de que Capaldi estava insatisfeito com sua sorte. “Nova York!”, ele gritou. “É muito bom estar dentro de você!” No estande de merchandising, ele vendia camisetas com os dizeres “O retorno do namoradinho da América: roubando corações em todos os estados”. Os Jonas Brothers se juntaram a ele no palco para uma música, e Capaldi gritou para a multidão dizendo como.... como ele estava excitado.

Antes de ‘Before You Go’, que fala sobre a morte de sua tia por suicídio, ele proclamou solenemente: “Quero agradecer a você, Pat, porque essa música me rendeu muito dinheiro”. E durante ‘Lost on You’, ele repreendeu de brincadeira a multidão por cantar junto com muito entusiasmo – “A música não acabou, calem a boca, p...”.

Ele fez uma pausa e abriu um sorriso maroto: “Fica muito melhor quando eu canto”. E todo mundo bateu palma.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

A primeira coisa que você precisa saber sobre Lewis Capaldi é que ele está de brincadeira. O músico escocês, especialista em pop meloso, é desbocado feito uma criança: atrevido e fofinho, sem um pingo de agressividade. Ele não curte piedade, é um cara que faz piada o tempo todo. Quase tudo o que ele diz é acompanhado por uma piscadela.

O cantor Capaldi Foto: Lyndon French/The New York Times

Numa tarde de quarta-feira do mês passado, Capaldi saltou de um SUV com motorista na Times Square, junto com seu empresário e um punhado de assessores. Um telão mostrava, entre vários outros, o anúncio de um documentário que Capaldi tinha lançado na Netflix naquele mesmo dia, e ele estava lá para filmar algum conteúdo promocional chocante para as redes sociais.

Na primeira vez que o anúncio apareceu, Capaldi tentou algumas fotos apontando para si mesmo – não ficou muito engraçado. Na terceira vez, após várias interrupções de fãs surpresos ao ver a superestrela global, ele bolou um plano malandro.

Ele apertou o botão de gravar. “As pessoas aqui estão tendo orgasmos múltiplos”, gritou para a câmera de seu celular, enquanto clipes do filme passavam atrás dele. Depois olhou para a câmera, com a cara séria, e acrescentou: “Toda vez que veem meu rosto”.

Parece ter ficado satisfeito. No dia seguinte, postou o vídeo nos seus stories do seu perfil de Instagram, junto com imagens de alguém colando cartazes sobre os anúncios dele. “Meus quinze minutos de fama acabaram”, brincou.

Esses minutos, porém, foram muito, muito intensos. No final de 2018, Capaldi lançou ‘Someone You Loved’, um hit lindo e cristalino com potência de bomba nuclear. Tem algo meio anos 1980 – mega-doce, hiper-melodramático –, um recurso cada vez menos comum na paisagem pop contemporânea. Virou a quarta música mais tocada na história do Spotify, com 2,76 bilhões de streams.

Pouco antes de seu passeio na Times Square, Capaldi, 26 anos, estava tomando Sprite numa das mesas ao ar livre do clássico bar Ear Inn, em Nova York, refletindo sobre o peso de um sucesso tão grande.

“Que anomalia”, disse ele. “Não gosto de falar disso porque quase me dá ânsia de vômito. Está virando uma música perene. Ainda a ouço tanto quanto quando a lancei da primeira vez”. Ele entende as pessoas que se sentem oprimidas pela música: “Chegou aquele ponto em que as pessoas às vezes pensam: ‘Não queremos mais ouvir você choramingando de novo. Não dá para fazer alguma coisa que seja um pouco menos sofrida?”.

O segundo álbum de Capaldi, Broken by Desire to Be Heavenly Sent, vai ser lançado este mês. Nem todas as faixas são um ataque direto à estabilidade emocional de quem ouve, mas as melhores são. Se ele vai conseguir atingir o público no mesmo grau que fez da última vez, ainda não se sabe.

De todo jeito, Capaldi continua otimista. “Comecei a lançar ‘Someone You Loved’ pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai muito longe’. Hoje estou aqui pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai tão longe quanto ‘Someone You Loved’. Já é um salto bem grande”, disse ele.

Capaldi tem uma voz poderosa e rascante que fica melhor em canções angustiadas. Até o momento, sua carreira avançou de coração partido em coração partido. Seu single de estreia, Bruises, em 2017, viralizou naquela época. Seu álbum de estreia, Divinely Uninspired to a Hellish Extent, foi lançado em 2019 e trazia ‘Someone You Loved’ – que liderou a Billboard Hot 100 e foi indicada ao Grammy de música do ano –, além de ‘Before You Go’, outro catálogo de desesperos uivante e comovente.

Enquanto tudo isso acontecia, ele era um bobo da corte implacável na internet e na mídia: hilariantemente autodepreciativo no Instagram e, mais tarde, no TikTok. (“No Reino Unido é meio, ‘Esse cara de novo, p...’”, disse Capaldi sobre seu sucesso musical lá. Já nos Estados Unidos, “Tem gente aqui que nem conhece o TikTok”).

Enquanto isso, sua saúde estava precária. No ano passado, ele anunciou que recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette – no caso de Capaldi, ela se manifesta em tiques físicos que surgem aleatoriamente e podem ser agravados pelo estresse. Às vezes, os tiques acontecem quando ele está no palco – teve um show em que a multidão terminou de cantar as músicas que ele não conseguia. Mas os tiques diminuem quando ele está à vontade – e quase desapareceram quando os fãs se aproximavam para conversar no Ear Inn.

“Parece meio nojento, mas virou parte de uma estratégia de marketing”, disse ele. “Todo conteúdo que vejo com meu nome traz a palavra Tourette. O que é uma loucura, porque eu fico, tipo, Billie Eilish também tem síndrome de Tourette, e ela não fala sobre isso como eu falo”.

Ele continuou: “Parece jogo sujo. É meio estranho”. Aí ele acrescentou, dando uma risada: “Fazemos qualquer negócio para vender discos!”

O diagnóstico de Capaldi e o gerenciamento da doença são temas centrais de seu novo documentário, Lewis Capaldi: How I’m Feeling Now, que originalmente pretendia mostrá-lo lutando para encontrar uma sequência musical à altura de uma das maiores canções dos últimos anos, mas acabou documentando também uma série de eventos muito mais sombrios.

As câmeras pairam sobre Capaldi para mostrar sua forma mais desajeitada: tentativas fracassadas de composição no estúdio (“Eu estava tão inseguro!”), feridas nos seus lábios, o empresário achando que nenhuma música seria uma continuação digna de ‘Someone You Loved’, os pais criticando suas canções. E também os tiques que marcaram sua vida desde a infância e que ele agora entende que vêm da síndrome de Tourette. Ele fala sobre tomar o medicamento sertralina, que lhe causa diarreia e disfunção erétil.

O documentário termina com uma nota levemente triunfante, mas o final original era mais pesado. Capaldi disse que assistir ao filme foi desorientador: “Eu fiquei tipo, ‘Eu morri? Esse negócio é póstumo?’”

No dia seguinte à aventura de Capaldi na Times Square, ele estava se apresentando no Radio City Music Hall. Nos bastidores algumas horas antes do show, entre jogar videogame e comer Cheetos, ele comentou que estava planejando tomar pílulas de omeprazol antes de sua aparição no talk show Hot Ones, onde os convidados enfrentam o desafio de comer asinhas de frango apimentadas, programa que em um tweet de 2018 ele chamou de “meu sonho de vida”.

Nos Estados Unidos ele é muito, muito popular e, de alguma maneira, meio desconhecido. No palco do Radio City, ele brincou dizendo que aquele show era muito menor do que os que ele tinha feito recentemente na Europa. “A cada minuto que passo aqui, estou perdendo dinheiro”, disse ele. “Realmente não vale a pena”. (O show ainda foi sua maior apresentação americana até agora, uma peculiaridade do fato de ter explodido pouco antes da pandemia).

Perto do final do set, ele tocou ‘Wish You the Best’, música que é a herdeira lógica de ‘Someone You Loved’ – cataclismicamente depressiva, mas triunfante e projetada para aclamação universal. O clipe é angustiante; no TikTok, Capaldi tem repostado alegremente os clipes dos fãs chorando incontrolavelmente no final.

No documentário, vemos Capaldi e o empresário sofrendo com a pressão subsequente. No SUV indo para a Times Square, Capaldi o alfinetou por ter uma “mentalidade de gravadora grande”.

Mas ele entende. “Tem muita coisa em jogo”, explicou Capaldi. “Entendo totalmente porque as pessoas estão tensas e nervosas”.

Capaldi fecha o álbum com ‘How I’m Feeling Now’, uma confissão acústica de suas inseguranças. “É meio o filme do Homem Elefante – ‘Eu sou um ser humano!’”, disse ele, enfatizando que é mais do que só um robô que compõe baladas românticas. “Eu queria um pouco o ar”.

No Radio City, porém, havia poucos sinais de que Capaldi estava insatisfeito com sua sorte. “Nova York!”, ele gritou. “É muito bom estar dentro de você!” No estande de merchandising, ele vendia camisetas com os dizeres “O retorno do namoradinho da América: roubando corações em todos os estados”. Os Jonas Brothers se juntaram a ele no palco para uma música, e Capaldi gritou para a multidão dizendo como.... como ele estava excitado.

Antes de ‘Before You Go’, que fala sobre a morte de sua tia por suicídio, ele proclamou solenemente: “Quero agradecer a você, Pat, porque essa música me rendeu muito dinheiro”. E durante ‘Lost on You’, ele repreendeu de brincadeira a multidão por cantar junto com muito entusiasmo – “A música não acabou, calem a boca, p...”.

Ele fez uma pausa e abriu um sorriso maroto: “Fica muito melhor quando eu canto”. E todo mundo bateu palma.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

A primeira coisa que você precisa saber sobre Lewis Capaldi é que ele está de brincadeira. O músico escocês, especialista em pop meloso, é desbocado feito uma criança: atrevido e fofinho, sem um pingo de agressividade. Ele não curte piedade, é um cara que faz piada o tempo todo. Quase tudo o que ele diz é acompanhado por uma piscadela.

O cantor Capaldi Foto: Lyndon French/The New York Times

Numa tarde de quarta-feira do mês passado, Capaldi saltou de um SUV com motorista na Times Square, junto com seu empresário e um punhado de assessores. Um telão mostrava, entre vários outros, o anúncio de um documentário que Capaldi tinha lançado na Netflix naquele mesmo dia, e ele estava lá para filmar algum conteúdo promocional chocante para as redes sociais.

Na primeira vez que o anúncio apareceu, Capaldi tentou algumas fotos apontando para si mesmo – não ficou muito engraçado. Na terceira vez, após várias interrupções de fãs surpresos ao ver a superestrela global, ele bolou um plano malandro.

Ele apertou o botão de gravar. “As pessoas aqui estão tendo orgasmos múltiplos”, gritou para a câmera de seu celular, enquanto clipes do filme passavam atrás dele. Depois olhou para a câmera, com a cara séria, e acrescentou: “Toda vez que veem meu rosto”.

Parece ter ficado satisfeito. No dia seguinte, postou o vídeo nos seus stories do seu perfil de Instagram, junto com imagens de alguém colando cartazes sobre os anúncios dele. “Meus quinze minutos de fama acabaram”, brincou.

Esses minutos, porém, foram muito, muito intensos. No final de 2018, Capaldi lançou ‘Someone You Loved’, um hit lindo e cristalino com potência de bomba nuclear. Tem algo meio anos 1980 – mega-doce, hiper-melodramático –, um recurso cada vez menos comum na paisagem pop contemporânea. Virou a quarta música mais tocada na história do Spotify, com 2,76 bilhões de streams.

Pouco antes de seu passeio na Times Square, Capaldi, 26 anos, estava tomando Sprite numa das mesas ao ar livre do clássico bar Ear Inn, em Nova York, refletindo sobre o peso de um sucesso tão grande.

“Que anomalia”, disse ele. “Não gosto de falar disso porque quase me dá ânsia de vômito. Está virando uma música perene. Ainda a ouço tanto quanto quando a lancei da primeira vez”. Ele entende as pessoas que se sentem oprimidas pela música: “Chegou aquele ponto em que as pessoas às vezes pensam: ‘Não queremos mais ouvir você choramingando de novo. Não dá para fazer alguma coisa que seja um pouco menos sofrida?”.

O segundo álbum de Capaldi, Broken by Desire to Be Heavenly Sent, vai ser lançado este mês. Nem todas as faixas são um ataque direto à estabilidade emocional de quem ouve, mas as melhores são. Se ele vai conseguir atingir o público no mesmo grau que fez da última vez, ainda não se sabe.

De todo jeito, Capaldi continua otimista. “Comecei a lançar ‘Someone You Loved’ pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai muito longe’. Hoje estou aqui pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai tão longe quanto ‘Someone You Loved’. Já é um salto bem grande”, disse ele.

Capaldi tem uma voz poderosa e rascante que fica melhor em canções angustiadas. Até o momento, sua carreira avançou de coração partido em coração partido. Seu single de estreia, Bruises, em 2017, viralizou naquela época. Seu álbum de estreia, Divinely Uninspired to a Hellish Extent, foi lançado em 2019 e trazia ‘Someone You Loved’ – que liderou a Billboard Hot 100 e foi indicada ao Grammy de música do ano –, além de ‘Before You Go’, outro catálogo de desesperos uivante e comovente.

Enquanto tudo isso acontecia, ele era um bobo da corte implacável na internet e na mídia: hilariantemente autodepreciativo no Instagram e, mais tarde, no TikTok. (“No Reino Unido é meio, ‘Esse cara de novo, p...’”, disse Capaldi sobre seu sucesso musical lá. Já nos Estados Unidos, “Tem gente aqui que nem conhece o TikTok”).

Enquanto isso, sua saúde estava precária. No ano passado, ele anunciou que recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette – no caso de Capaldi, ela se manifesta em tiques físicos que surgem aleatoriamente e podem ser agravados pelo estresse. Às vezes, os tiques acontecem quando ele está no palco – teve um show em que a multidão terminou de cantar as músicas que ele não conseguia. Mas os tiques diminuem quando ele está à vontade – e quase desapareceram quando os fãs se aproximavam para conversar no Ear Inn.

“Parece meio nojento, mas virou parte de uma estratégia de marketing”, disse ele. “Todo conteúdo que vejo com meu nome traz a palavra Tourette. O que é uma loucura, porque eu fico, tipo, Billie Eilish também tem síndrome de Tourette, e ela não fala sobre isso como eu falo”.

Ele continuou: “Parece jogo sujo. É meio estranho”. Aí ele acrescentou, dando uma risada: “Fazemos qualquer negócio para vender discos!”

O diagnóstico de Capaldi e o gerenciamento da doença são temas centrais de seu novo documentário, Lewis Capaldi: How I’m Feeling Now, que originalmente pretendia mostrá-lo lutando para encontrar uma sequência musical à altura de uma das maiores canções dos últimos anos, mas acabou documentando também uma série de eventos muito mais sombrios.

As câmeras pairam sobre Capaldi para mostrar sua forma mais desajeitada: tentativas fracassadas de composição no estúdio (“Eu estava tão inseguro!”), feridas nos seus lábios, o empresário achando que nenhuma música seria uma continuação digna de ‘Someone You Loved’, os pais criticando suas canções. E também os tiques que marcaram sua vida desde a infância e que ele agora entende que vêm da síndrome de Tourette. Ele fala sobre tomar o medicamento sertralina, que lhe causa diarreia e disfunção erétil.

O documentário termina com uma nota levemente triunfante, mas o final original era mais pesado. Capaldi disse que assistir ao filme foi desorientador: “Eu fiquei tipo, ‘Eu morri? Esse negócio é póstumo?’”

No dia seguinte à aventura de Capaldi na Times Square, ele estava se apresentando no Radio City Music Hall. Nos bastidores algumas horas antes do show, entre jogar videogame e comer Cheetos, ele comentou que estava planejando tomar pílulas de omeprazol antes de sua aparição no talk show Hot Ones, onde os convidados enfrentam o desafio de comer asinhas de frango apimentadas, programa que em um tweet de 2018 ele chamou de “meu sonho de vida”.

Nos Estados Unidos ele é muito, muito popular e, de alguma maneira, meio desconhecido. No palco do Radio City, ele brincou dizendo que aquele show era muito menor do que os que ele tinha feito recentemente na Europa. “A cada minuto que passo aqui, estou perdendo dinheiro”, disse ele. “Realmente não vale a pena”. (O show ainda foi sua maior apresentação americana até agora, uma peculiaridade do fato de ter explodido pouco antes da pandemia).

Perto do final do set, ele tocou ‘Wish You the Best’, música que é a herdeira lógica de ‘Someone You Loved’ – cataclismicamente depressiva, mas triunfante e projetada para aclamação universal. O clipe é angustiante; no TikTok, Capaldi tem repostado alegremente os clipes dos fãs chorando incontrolavelmente no final.

No documentário, vemos Capaldi e o empresário sofrendo com a pressão subsequente. No SUV indo para a Times Square, Capaldi o alfinetou por ter uma “mentalidade de gravadora grande”.

Mas ele entende. “Tem muita coisa em jogo”, explicou Capaldi. “Entendo totalmente porque as pessoas estão tensas e nervosas”.

Capaldi fecha o álbum com ‘How I’m Feeling Now’, uma confissão acústica de suas inseguranças. “É meio o filme do Homem Elefante – ‘Eu sou um ser humano!’”, disse ele, enfatizando que é mais do que só um robô que compõe baladas românticas. “Eu queria um pouco o ar”.

No Radio City, porém, havia poucos sinais de que Capaldi estava insatisfeito com sua sorte. “Nova York!”, ele gritou. “É muito bom estar dentro de você!” No estande de merchandising, ele vendia camisetas com os dizeres “O retorno do namoradinho da América: roubando corações em todos os estados”. Os Jonas Brothers se juntaram a ele no palco para uma música, e Capaldi gritou para a multidão dizendo como.... como ele estava excitado.

Antes de ‘Before You Go’, que fala sobre a morte de sua tia por suicídio, ele proclamou solenemente: “Quero agradecer a você, Pat, porque essa música me rendeu muito dinheiro”. E durante ‘Lost on You’, ele repreendeu de brincadeira a multidão por cantar junto com muito entusiasmo – “A música não acabou, calem a boca, p...”.

Ele fez uma pausa e abriu um sorriso maroto: “Fica muito melhor quando eu canto”. E todo mundo bateu palma.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

A primeira coisa que você precisa saber sobre Lewis Capaldi é que ele está de brincadeira. O músico escocês, especialista em pop meloso, é desbocado feito uma criança: atrevido e fofinho, sem um pingo de agressividade. Ele não curte piedade, é um cara que faz piada o tempo todo. Quase tudo o que ele diz é acompanhado por uma piscadela.

O cantor Capaldi Foto: Lyndon French/The New York Times

Numa tarde de quarta-feira do mês passado, Capaldi saltou de um SUV com motorista na Times Square, junto com seu empresário e um punhado de assessores. Um telão mostrava, entre vários outros, o anúncio de um documentário que Capaldi tinha lançado na Netflix naquele mesmo dia, e ele estava lá para filmar algum conteúdo promocional chocante para as redes sociais.

Na primeira vez que o anúncio apareceu, Capaldi tentou algumas fotos apontando para si mesmo – não ficou muito engraçado. Na terceira vez, após várias interrupções de fãs surpresos ao ver a superestrela global, ele bolou um plano malandro.

Ele apertou o botão de gravar. “As pessoas aqui estão tendo orgasmos múltiplos”, gritou para a câmera de seu celular, enquanto clipes do filme passavam atrás dele. Depois olhou para a câmera, com a cara séria, e acrescentou: “Toda vez que veem meu rosto”.

Parece ter ficado satisfeito. No dia seguinte, postou o vídeo nos seus stories do seu perfil de Instagram, junto com imagens de alguém colando cartazes sobre os anúncios dele. “Meus quinze minutos de fama acabaram”, brincou.

Esses minutos, porém, foram muito, muito intensos. No final de 2018, Capaldi lançou ‘Someone You Loved’, um hit lindo e cristalino com potência de bomba nuclear. Tem algo meio anos 1980 – mega-doce, hiper-melodramático –, um recurso cada vez menos comum na paisagem pop contemporânea. Virou a quarta música mais tocada na história do Spotify, com 2,76 bilhões de streams.

Pouco antes de seu passeio na Times Square, Capaldi, 26 anos, estava tomando Sprite numa das mesas ao ar livre do clássico bar Ear Inn, em Nova York, refletindo sobre o peso de um sucesso tão grande.

“Que anomalia”, disse ele. “Não gosto de falar disso porque quase me dá ânsia de vômito. Está virando uma música perene. Ainda a ouço tanto quanto quando a lancei da primeira vez”. Ele entende as pessoas que se sentem oprimidas pela música: “Chegou aquele ponto em que as pessoas às vezes pensam: ‘Não queremos mais ouvir você choramingando de novo. Não dá para fazer alguma coisa que seja um pouco menos sofrida?”.

O segundo álbum de Capaldi, Broken by Desire to Be Heavenly Sent, vai ser lançado este mês. Nem todas as faixas são um ataque direto à estabilidade emocional de quem ouve, mas as melhores são. Se ele vai conseguir atingir o público no mesmo grau que fez da última vez, ainda não se sabe.

De todo jeito, Capaldi continua otimista. “Comecei a lançar ‘Someone You Loved’ pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai muito longe’. Hoje estou aqui pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai tão longe quanto ‘Someone You Loved’. Já é um salto bem grande”, disse ele.

Capaldi tem uma voz poderosa e rascante que fica melhor em canções angustiadas. Até o momento, sua carreira avançou de coração partido em coração partido. Seu single de estreia, Bruises, em 2017, viralizou naquela época. Seu álbum de estreia, Divinely Uninspired to a Hellish Extent, foi lançado em 2019 e trazia ‘Someone You Loved’ – que liderou a Billboard Hot 100 e foi indicada ao Grammy de música do ano –, além de ‘Before You Go’, outro catálogo de desesperos uivante e comovente.

Enquanto tudo isso acontecia, ele era um bobo da corte implacável na internet e na mídia: hilariantemente autodepreciativo no Instagram e, mais tarde, no TikTok. (“No Reino Unido é meio, ‘Esse cara de novo, p...’”, disse Capaldi sobre seu sucesso musical lá. Já nos Estados Unidos, “Tem gente aqui que nem conhece o TikTok”).

Enquanto isso, sua saúde estava precária. No ano passado, ele anunciou que recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette – no caso de Capaldi, ela se manifesta em tiques físicos que surgem aleatoriamente e podem ser agravados pelo estresse. Às vezes, os tiques acontecem quando ele está no palco – teve um show em que a multidão terminou de cantar as músicas que ele não conseguia. Mas os tiques diminuem quando ele está à vontade – e quase desapareceram quando os fãs se aproximavam para conversar no Ear Inn.

“Parece meio nojento, mas virou parte de uma estratégia de marketing”, disse ele. “Todo conteúdo que vejo com meu nome traz a palavra Tourette. O que é uma loucura, porque eu fico, tipo, Billie Eilish também tem síndrome de Tourette, e ela não fala sobre isso como eu falo”.

Ele continuou: “Parece jogo sujo. É meio estranho”. Aí ele acrescentou, dando uma risada: “Fazemos qualquer negócio para vender discos!”

O diagnóstico de Capaldi e o gerenciamento da doença são temas centrais de seu novo documentário, Lewis Capaldi: How I’m Feeling Now, que originalmente pretendia mostrá-lo lutando para encontrar uma sequência musical à altura de uma das maiores canções dos últimos anos, mas acabou documentando também uma série de eventos muito mais sombrios.

As câmeras pairam sobre Capaldi para mostrar sua forma mais desajeitada: tentativas fracassadas de composição no estúdio (“Eu estava tão inseguro!”), feridas nos seus lábios, o empresário achando que nenhuma música seria uma continuação digna de ‘Someone You Loved’, os pais criticando suas canções. E também os tiques que marcaram sua vida desde a infância e que ele agora entende que vêm da síndrome de Tourette. Ele fala sobre tomar o medicamento sertralina, que lhe causa diarreia e disfunção erétil.

O documentário termina com uma nota levemente triunfante, mas o final original era mais pesado. Capaldi disse que assistir ao filme foi desorientador: “Eu fiquei tipo, ‘Eu morri? Esse negócio é póstumo?’”

No dia seguinte à aventura de Capaldi na Times Square, ele estava se apresentando no Radio City Music Hall. Nos bastidores algumas horas antes do show, entre jogar videogame e comer Cheetos, ele comentou que estava planejando tomar pílulas de omeprazol antes de sua aparição no talk show Hot Ones, onde os convidados enfrentam o desafio de comer asinhas de frango apimentadas, programa que em um tweet de 2018 ele chamou de “meu sonho de vida”.

Nos Estados Unidos ele é muito, muito popular e, de alguma maneira, meio desconhecido. No palco do Radio City, ele brincou dizendo que aquele show era muito menor do que os que ele tinha feito recentemente na Europa. “A cada minuto que passo aqui, estou perdendo dinheiro”, disse ele. “Realmente não vale a pena”. (O show ainda foi sua maior apresentação americana até agora, uma peculiaridade do fato de ter explodido pouco antes da pandemia).

Perto do final do set, ele tocou ‘Wish You the Best’, música que é a herdeira lógica de ‘Someone You Loved’ – cataclismicamente depressiva, mas triunfante e projetada para aclamação universal. O clipe é angustiante; no TikTok, Capaldi tem repostado alegremente os clipes dos fãs chorando incontrolavelmente no final.

No documentário, vemos Capaldi e o empresário sofrendo com a pressão subsequente. No SUV indo para a Times Square, Capaldi o alfinetou por ter uma “mentalidade de gravadora grande”.

Mas ele entende. “Tem muita coisa em jogo”, explicou Capaldi. “Entendo totalmente porque as pessoas estão tensas e nervosas”.

Capaldi fecha o álbum com ‘How I’m Feeling Now’, uma confissão acústica de suas inseguranças. “É meio o filme do Homem Elefante – ‘Eu sou um ser humano!’”, disse ele, enfatizando que é mais do que só um robô que compõe baladas românticas. “Eu queria um pouco o ar”.

No Radio City, porém, havia poucos sinais de que Capaldi estava insatisfeito com sua sorte. “Nova York!”, ele gritou. “É muito bom estar dentro de você!” No estande de merchandising, ele vendia camisetas com os dizeres “O retorno do namoradinho da América: roubando corações em todos os estados”. Os Jonas Brothers se juntaram a ele no palco para uma música, e Capaldi gritou para a multidão dizendo como.... como ele estava excitado.

Antes de ‘Before You Go’, que fala sobre a morte de sua tia por suicídio, ele proclamou solenemente: “Quero agradecer a você, Pat, porque essa música me rendeu muito dinheiro”. E durante ‘Lost on You’, ele repreendeu de brincadeira a multidão por cantar junto com muito entusiasmo – “A música não acabou, calem a boca, p...”.

Ele fez uma pausa e abriu um sorriso maroto: “Fica muito melhor quando eu canto”. E todo mundo bateu palma.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

A primeira coisa que você precisa saber sobre Lewis Capaldi é que ele está de brincadeira. O músico escocês, especialista em pop meloso, é desbocado feito uma criança: atrevido e fofinho, sem um pingo de agressividade. Ele não curte piedade, é um cara que faz piada o tempo todo. Quase tudo o que ele diz é acompanhado por uma piscadela.

O cantor Capaldi Foto: Lyndon French/The New York Times

Numa tarde de quarta-feira do mês passado, Capaldi saltou de um SUV com motorista na Times Square, junto com seu empresário e um punhado de assessores. Um telão mostrava, entre vários outros, o anúncio de um documentário que Capaldi tinha lançado na Netflix naquele mesmo dia, e ele estava lá para filmar algum conteúdo promocional chocante para as redes sociais.

Na primeira vez que o anúncio apareceu, Capaldi tentou algumas fotos apontando para si mesmo – não ficou muito engraçado. Na terceira vez, após várias interrupções de fãs surpresos ao ver a superestrela global, ele bolou um plano malandro.

Ele apertou o botão de gravar. “As pessoas aqui estão tendo orgasmos múltiplos”, gritou para a câmera de seu celular, enquanto clipes do filme passavam atrás dele. Depois olhou para a câmera, com a cara séria, e acrescentou: “Toda vez que veem meu rosto”.

Parece ter ficado satisfeito. No dia seguinte, postou o vídeo nos seus stories do seu perfil de Instagram, junto com imagens de alguém colando cartazes sobre os anúncios dele. “Meus quinze minutos de fama acabaram”, brincou.

Esses minutos, porém, foram muito, muito intensos. No final de 2018, Capaldi lançou ‘Someone You Loved’, um hit lindo e cristalino com potência de bomba nuclear. Tem algo meio anos 1980 – mega-doce, hiper-melodramático –, um recurso cada vez menos comum na paisagem pop contemporânea. Virou a quarta música mais tocada na história do Spotify, com 2,76 bilhões de streams.

Pouco antes de seu passeio na Times Square, Capaldi, 26 anos, estava tomando Sprite numa das mesas ao ar livre do clássico bar Ear Inn, em Nova York, refletindo sobre o peso de um sucesso tão grande.

“Que anomalia”, disse ele. “Não gosto de falar disso porque quase me dá ânsia de vômito. Está virando uma música perene. Ainda a ouço tanto quanto quando a lancei da primeira vez”. Ele entende as pessoas que se sentem oprimidas pela música: “Chegou aquele ponto em que as pessoas às vezes pensam: ‘Não queremos mais ouvir você choramingando de novo. Não dá para fazer alguma coisa que seja um pouco menos sofrida?”.

O segundo álbum de Capaldi, Broken by Desire to Be Heavenly Sent, vai ser lançado este mês. Nem todas as faixas são um ataque direto à estabilidade emocional de quem ouve, mas as melhores são. Se ele vai conseguir atingir o público no mesmo grau que fez da última vez, ainda não se sabe.

De todo jeito, Capaldi continua otimista. “Comecei a lançar ‘Someone You Loved’ pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai muito longe’. Hoje estou aqui pensando, ‘esse negócio provavelmente não vai tão longe quanto ‘Someone You Loved’. Já é um salto bem grande”, disse ele.

Capaldi tem uma voz poderosa e rascante que fica melhor em canções angustiadas. Até o momento, sua carreira avançou de coração partido em coração partido. Seu single de estreia, Bruises, em 2017, viralizou naquela época. Seu álbum de estreia, Divinely Uninspired to a Hellish Extent, foi lançado em 2019 e trazia ‘Someone You Loved’ – que liderou a Billboard Hot 100 e foi indicada ao Grammy de música do ano –, além de ‘Before You Go’, outro catálogo de desesperos uivante e comovente.

Enquanto tudo isso acontecia, ele era um bobo da corte implacável na internet e na mídia: hilariantemente autodepreciativo no Instagram e, mais tarde, no TikTok. (“No Reino Unido é meio, ‘Esse cara de novo, p...’”, disse Capaldi sobre seu sucesso musical lá. Já nos Estados Unidos, “Tem gente aqui que nem conhece o TikTok”).

Enquanto isso, sua saúde estava precária. No ano passado, ele anunciou que recebeu o diagnóstico de síndrome de Tourette – no caso de Capaldi, ela se manifesta em tiques físicos que surgem aleatoriamente e podem ser agravados pelo estresse. Às vezes, os tiques acontecem quando ele está no palco – teve um show em que a multidão terminou de cantar as músicas que ele não conseguia. Mas os tiques diminuem quando ele está à vontade – e quase desapareceram quando os fãs se aproximavam para conversar no Ear Inn.

“Parece meio nojento, mas virou parte de uma estratégia de marketing”, disse ele. “Todo conteúdo que vejo com meu nome traz a palavra Tourette. O que é uma loucura, porque eu fico, tipo, Billie Eilish também tem síndrome de Tourette, e ela não fala sobre isso como eu falo”.

Ele continuou: “Parece jogo sujo. É meio estranho”. Aí ele acrescentou, dando uma risada: “Fazemos qualquer negócio para vender discos!”

O diagnóstico de Capaldi e o gerenciamento da doença são temas centrais de seu novo documentário, Lewis Capaldi: How I’m Feeling Now, que originalmente pretendia mostrá-lo lutando para encontrar uma sequência musical à altura de uma das maiores canções dos últimos anos, mas acabou documentando também uma série de eventos muito mais sombrios.

As câmeras pairam sobre Capaldi para mostrar sua forma mais desajeitada: tentativas fracassadas de composição no estúdio (“Eu estava tão inseguro!”), feridas nos seus lábios, o empresário achando que nenhuma música seria uma continuação digna de ‘Someone You Loved’, os pais criticando suas canções. E também os tiques que marcaram sua vida desde a infância e que ele agora entende que vêm da síndrome de Tourette. Ele fala sobre tomar o medicamento sertralina, que lhe causa diarreia e disfunção erétil.

O documentário termina com uma nota levemente triunfante, mas o final original era mais pesado. Capaldi disse que assistir ao filme foi desorientador: “Eu fiquei tipo, ‘Eu morri? Esse negócio é póstumo?’”

No dia seguinte à aventura de Capaldi na Times Square, ele estava se apresentando no Radio City Music Hall. Nos bastidores algumas horas antes do show, entre jogar videogame e comer Cheetos, ele comentou que estava planejando tomar pílulas de omeprazol antes de sua aparição no talk show Hot Ones, onde os convidados enfrentam o desafio de comer asinhas de frango apimentadas, programa que em um tweet de 2018 ele chamou de “meu sonho de vida”.

Nos Estados Unidos ele é muito, muito popular e, de alguma maneira, meio desconhecido. No palco do Radio City, ele brincou dizendo que aquele show era muito menor do que os que ele tinha feito recentemente na Europa. “A cada minuto que passo aqui, estou perdendo dinheiro”, disse ele. “Realmente não vale a pena”. (O show ainda foi sua maior apresentação americana até agora, uma peculiaridade do fato de ter explodido pouco antes da pandemia).

Perto do final do set, ele tocou ‘Wish You the Best’, música que é a herdeira lógica de ‘Someone You Loved’ – cataclismicamente depressiva, mas triunfante e projetada para aclamação universal. O clipe é angustiante; no TikTok, Capaldi tem repostado alegremente os clipes dos fãs chorando incontrolavelmente no final.

No documentário, vemos Capaldi e o empresário sofrendo com a pressão subsequente. No SUV indo para a Times Square, Capaldi o alfinetou por ter uma “mentalidade de gravadora grande”.

Mas ele entende. “Tem muita coisa em jogo”, explicou Capaldi. “Entendo totalmente porque as pessoas estão tensas e nervosas”.

Capaldi fecha o álbum com ‘How I’m Feeling Now’, uma confissão acústica de suas inseguranças. “É meio o filme do Homem Elefante – ‘Eu sou um ser humano!’”, disse ele, enfatizando que é mais do que só um robô que compõe baladas românticas. “Eu queria um pouco o ar”.

No Radio City, porém, havia poucos sinais de que Capaldi estava insatisfeito com sua sorte. “Nova York!”, ele gritou. “É muito bom estar dentro de você!” No estande de merchandising, ele vendia camisetas com os dizeres “O retorno do namoradinho da América: roubando corações em todos os estados”. Os Jonas Brothers se juntaram a ele no palco para uma música, e Capaldi gritou para a multidão dizendo como.... como ele estava excitado.

Antes de ‘Before You Go’, que fala sobre a morte de sua tia por suicídio, ele proclamou solenemente: “Quero agradecer a você, Pat, porque essa música me rendeu muito dinheiro”. E durante ‘Lost on You’, ele repreendeu de brincadeira a multidão por cantar junto com muito entusiasmo – “A música não acabou, calem a boca, p...”.

Ele fez uma pausa e abriu um sorriso maroto: “Fica muito melhor quando eu canto”. E todo mundo bateu palma.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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