Outra Autobiografia chega como uma faixa-bônus, inesperada gorjeta criativa de uma da personalidade fundamental da cultura brasileira. Não carrega nas costas a responsabilidade de Uma Autobiografia, lançado em 2016, que frustrou expectativas de quem esperava um relato mais aprofundado e revelador, com rigor jornalístico à altura da obra e da trajetória de Rita Lee.
O novo livro, escrito em condições de saúde difíceis, humaniza a cantora e compositora para além do personagem artístico que ela brilhantemente criou e cultivou ao longo de quase seis décadas.
Rita está diante da finitude, confrontada ao mesmo tempo com o desgaste de seu corpo físico (“tão maltratado nesses 74 anos”, lamenta), com inquietações metafísicas, obviamente, e também com as questões de saúde mental que a acompanharam por muito tempo.
A Rita Lee que aparece é sem filtro, mas também sem máscara. Ela não deixa nem teria como deixar de lado seu humor de assinatura, ao mesmo tempo ácido (os tumores apelidados “bolsinhos 01,02,03 e 04″) e chanchadesco, desavergonhadamente brasileiro. Estão no texto as tiradas autodepreciativas, o lado escatológico infantil (um dos efeitos colaterais das terapias era a flatulência), a insubordinação cívica essencial de suas canções.
Mas também percebemos a mulher de afetos sinceros, sem transbordamentos. É comovente o tesão e a presteza com que ela se atira ao trabalho, compondo de bate-pronto a música para Elza Soares, e também “Change”, seu último lançamento. Ao mesmo tempo, aparece a artista profissional, preocupada em “ganhar um dinheirinho” com uma live e se sentindo na obrigação de parecer feliz na entrevista gravada em vídeo.
Na lida com a doença (o clichê “luta contra o câncer” não tem vez nessa história), a gigante Rita sucumbe a pensamentos mágicos e eventuais platitudes. Como qualquer mortal. É bonito perceber isso. A nave-mãe do rock e do pop brasileiro sai destas páginas mais humana.
Rita Lee: Outra Autobiografia
Editora: Globo Livros (192 págs.; R$ 64,90; R$ 44,90 (o e-book)