Antonio Nóbrega investiga os versos do Brasil


Artista pernambucano cria espetáculo 'Rima', a partir de hoje (2), no Itaú Cultural, para mostrar músicas inéditas compostas sobre formas como sextilhas, septilhas e carretilhas

Por Julio Maria

No Brasil em que a poesia chega primeiro – antes do lápis, das letras, do professor e da própria ideia de poesia –, os versos vêm no lombo do cavalo, no canto das lavadeiras, no lamento das violas. São construções aparentemente simples, feitas por populares anônimos, muitos semiletrados, transmitidas pela oralidade e aparentemente sem grande profundidade poética até que se ouça com mais carinho.

Aboios, emboladas, cocos e maracatus colocam em prática muitos modelos de rima que estão fora das publicações musicais, mais atentas às narrativas europeias. São pensamentos poéticos que se organizam em quadras, sextilhas, septilhas, carretilhas e deságuam em ritmos como o martelo agalopado, com estrofe de dez versos decassílabos, ou o galope a beira mar, de dez versos hendecassílabos (onze sílabas), que o artista tridimensional Antonio Nóbrega decidiu investigar para criar um novo espetáculo. 

Antonio Nóbrega ensaia no Itaú Cultural Foto: GABRIELA BILÓ
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Rima será apresentado em dois finais de semana, de sexta a domingo, a partir de hoje (3), no Itaú Cultural. Nóbrega, o idealizador, terá ao lado o diretor cultural, arranjador e músico Edmilson Capelupi, um parceiro de outras temporadas, e mais o grupo com Edson Alves (arranjos e cordas dedilhadas), Cleber Almeida e Leo Rodrigues (bateria e percussão), Olivinho (acordeom) e Zezinho Pitoco (clarinete, sax alto e zabumba). Um time grande que faz música nos detalhes e no acabamento.

As canções serão inéditas, feitas em parceria entre Nóbrega, Wilson Freire e Bráulio Tavares. Sua investigação poética coloca o foco nos versos e nas rimas, ao contrário de temporadas anteriores em que as sonoridades estavam à frente. A única música fora dos padrões é um samba de protesto, um momento especial da noite, chamado Quem Mandou Matar Marielle?.

A quadra À Deriva, feita com Wilson Freire, traz a forma talvez mais usada. “Nessa nave viva vida / tripulante ou passageiro / não sou último nem primeiro / de chegada ou de partida.” Na outra ponta, o martelo agalopado de Poeta Não Cala, também com Freire, mostra uma forma mais elástica. “Minha voz vem do peito e da garganta / de Homero, de Lorca e Lourival / Bob Dylan, Leminski e João Cabral / de Camões, de Cecília que encanta / É a voz que exalta, brada e espanta / a amargura, a tristeza, e a tudo embala / É o grito do mundo, da senzala / de Drummond, Vilanova e Neruda / Da beleza e do sonho não desgruda / É que a voz de um poeta nunca cala...”

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E pode a rima se tornar uma prisão? Poderia o criador castrar as próprias ideias para fazer seus versos tomar caminhos que levem aos fonemas necessários? A forma ganha do conteúdo? “É possível, mesmo seguindo esses padrões específicos, apostar na veemência da articulação. Há sim uma pressão para a necessidade de se rimar e de desenvolver uma ideia em cima disso, mas a poesia ganha. É uma busca”, diz Nóbrega. A septilha Minha Nau, outra do pernambucano e de Wilson Frente, sai praticamente cantada mesmo quando não se canta. “À deriva pelo Cosmos / numa Nau Catarineta / vejo os bilhões de marujos / desta nossa Nau Planeta / São passageiros piratas / levam o verde, ouro e prata / tripulantes pernetas.”

A interpretação de Nóbrega é um de seus poderes. Seu canto não tem técnica refinada e sua voz não é de crooner, mas ao imprimir a intensidade certa em cada palavra, deixa tudo o que passa por si verdadeiro e faz o texto ganhar vida. E talvez esteja aí o foco de sua nova apresentação. Músico rabequeiro e percussionista, compositor e bailarino, pensador de espetáculos dos mais bem avaliados, esse pequeno homem de Pernambuco canta com o corpo e dança com a boca. “Nem no açoite, nem no tiro / nem na lança que empala / na angústia, na tortura / nem na morte que avassala / Minha voz não silencia / porque poeta não cala”, diz mais em Poeta não Cala.

As formas de versos populares se espalharam pela música brasileira e chegaram às formas de Noel Rosa e de seu principal herdeiro, Chico Buarque. “Eles usam muito esses formatos, como quadra e carretilha”, observa Nóbrega. A carretilha é uma estrofe de quatro versos e a quadra está no DNA dos cordelistas, que já a abandonaram. As estrofes de quatro versos são muito usadas ainda em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira e a embolada. Há uma quadra famosa, usada com sete sílabas. Obrigatoriamente, tem que haver rima em dois versos (linhas), e muitos usam rimar a segunda com a quarta: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / As aves que aqui gorjeiam / Não gorjeiam como lá”, diz Canção do Exílio, do romântico Gonçalves Dias.

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A septilha é mais complexa. Muitas vezes, rima-se o segundo, quarto e sétimo versos e, em outras estrofes, o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro. Um grande de representante é Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. “Da Paraíba falada / Cantando nas escrituras / Saudando o pai da coaiada / A lua branca alumia / Jesus, José e Maria / Três anjos na farinhada. / Napoleão era um / Bom capitão de navio / Sofria de tosse braba / No tempo que era sadio / Foi poeta e demagogo / Numa coivara de fogo / Morreu tremendo de frio.”

Aboiadores, violeiros, emboladores e toda sorte de brasileiro letrado na fonética não conta sílabas. Eles apenas criam e deixam a análise para acadêmicos e pesquisadores, que ainda não entenderam de onde sai o talento de um cabra que não lê. Imagine se chegassem à faculdade.

RIMA Estreia hoje, às 20h. Até dia 12.  Sala Itaú Cultural (224 lugares) Avenida Paulista, 149 / Entrada gratuita

No Brasil em que a poesia chega primeiro – antes do lápis, das letras, do professor e da própria ideia de poesia –, os versos vêm no lombo do cavalo, no canto das lavadeiras, no lamento das violas. São construções aparentemente simples, feitas por populares anônimos, muitos semiletrados, transmitidas pela oralidade e aparentemente sem grande profundidade poética até que se ouça com mais carinho.

Aboios, emboladas, cocos e maracatus colocam em prática muitos modelos de rima que estão fora das publicações musicais, mais atentas às narrativas europeias. São pensamentos poéticos que se organizam em quadras, sextilhas, septilhas, carretilhas e deságuam em ritmos como o martelo agalopado, com estrofe de dez versos decassílabos, ou o galope a beira mar, de dez versos hendecassílabos (onze sílabas), que o artista tridimensional Antonio Nóbrega decidiu investigar para criar um novo espetáculo. 

Antonio Nóbrega ensaia no Itaú Cultural Foto: GABRIELA BILÓ

Rima será apresentado em dois finais de semana, de sexta a domingo, a partir de hoje (3), no Itaú Cultural. Nóbrega, o idealizador, terá ao lado o diretor cultural, arranjador e músico Edmilson Capelupi, um parceiro de outras temporadas, e mais o grupo com Edson Alves (arranjos e cordas dedilhadas), Cleber Almeida e Leo Rodrigues (bateria e percussão), Olivinho (acordeom) e Zezinho Pitoco (clarinete, sax alto e zabumba). Um time grande que faz música nos detalhes e no acabamento.

As canções serão inéditas, feitas em parceria entre Nóbrega, Wilson Freire e Bráulio Tavares. Sua investigação poética coloca o foco nos versos e nas rimas, ao contrário de temporadas anteriores em que as sonoridades estavam à frente. A única música fora dos padrões é um samba de protesto, um momento especial da noite, chamado Quem Mandou Matar Marielle?.

A quadra À Deriva, feita com Wilson Freire, traz a forma talvez mais usada. “Nessa nave viva vida / tripulante ou passageiro / não sou último nem primeiro / de chegada ou de partida.” Na outra ponta, o martelo agalopado de Poeta Não Cala, também com Freire, mostra uma forma mais elástica. “Minha voz vem do peito e da garganta / de Homero, de Lorca e Lourival / Bob Dylan, Leminski e João Cabral / de Camões, de Cecília que encanta / É a voz que exalta, brada e espanta / a amargura, a tristeza, e a tudo embala / É o grito do mundo, da senzala / de Drummond, Vilanova e Neruda / Da beleza e do sonho não desgruda / É que a voz de um poeta nunca cala...”

E pode a rima se tornar uma prisão? Poderia o criador castrar as próprias ideias para fazer seus versos tomar caminhos que levem aos fonemas necessários? A forma ganha do conteúdo? “É possível, mesmo seguindo esses padrões específicos, apostar na veemência da articulação. Há sim uma pressão para a necessidade de se rimar e de desenvolver uma ideia em cima disso, mas a poesia ganha. É uma busca”, diz Nóbrega. A septilha Minha Nau, outra do pernambucano e de Wilson Frente, sai praticamente cantada mesmo quando não se canta. “À deriva pelo Cosmos / numa Nau Catarineta / vejo os bilhões de marujos / desta nossa Nau Planeta / São passageiros piratas / levam o verde, ouro e prata / tripulantes pernetas.”

A interpretação de Nóbrega é um de seus poderes. Seu canto não tem técnica refinada e sua voz não é de crooner, mas ao imprimir a intensidade certa em cada palavra, deixa tudo o que passa por si verdadeiro e faz o texto ganhar vida. E talvez esteja aí o foco de sua nova apresentação. Músico rabequeiro e percussionista, compositor e bailarino, pensador de espetáculos dos mais bem avaliados, esse pequeno homem de Pernambuco canta com o corpo e dança com a boca. “Nem no açoite, nem no tiro / nem na lança que empala / na angústia, na tortura / nem na morte que avassala / Minha voz não silencia / porque poeta não cala”, diz mais em Poeta não Cala.

As formas de versos populares se espalharam pela música brasileira e chegaram às formas de Noel Rosa e de seu principal herdeiro, Chico Buarque. “Eles usam muito esses formatos, como quadra e carretilha”, observa Nóbrega. A carretilha é uma estrofe de quatro versos e a quadra está no DNA dos cordelistas, que já a abandonaram. As estrofes de quatro versos são muito usadas ainda em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira e a embolada. Há uma quadra famosa, usada com sete sílabas. Obrigatoriamente, tem que haver rima em dois versos (linhas), e muitos usam rimar a segunda com a quarta: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / As aves que aqui gorjeiam / Não gorjeiam como lá”, diz Canção do Exílio, do romântico Gonçalves Dias.

A septilha é mais complexa. Muitas vezes, rima-se o segundo, quarto e sétimo versos e, em outras estrofes, o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro. Um grande de representante é Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. “Da Paraíba falada / Cantando nas escrituras / Saudando o pai da coaiada / A lua branca alumia / Jesus, José e Maria / Três anjos na farinhada. / Napoleão era um / Bom capitão de navio / Sofria de tosse braba / No tempo que era sadio / Foi poeta e demagogo / Numa coivara de fogo / Morreu tremendo de frio.”

Aboiadores, violeiros, emboladores e toda sorte de brasileiro letrado na fonética não conta sílabas. Eles apenas criam e deixam a análise para acadêmicos e pesquisadores, que ainda não entenderam de onde sai o talento de um cabra que não lê. Imagine se chegassem à faculdade.

RIMA Estreia hoje, às 20h. Até dia 12.  Sala Itaú Cultural (224 lugares) Avenida Paulista, 149 / Entrada gratuita

No Brasil em que a poesia chega primeiro – antes do lápis, das letras, do professor e da própria ideia de poesia –, os versos vêm no lombo do cavalo, no canto das lavadeiras, no lamento das violas. São construções aparentemente simples, feitas por populares anônimos, muitos semiletrados, transmitidas pela oralidade e aparentemente sem grande profundidade poética até que se ouça com mais carinho.

Aboios, emboladas, cocos e maracatus colocam em prática muitos modelos de rima que estão fora das publicações musicais, mais atentas às narrativas europeias. São pensamentos poéticos que se organizam em quadras, sextilhas, septilhas, carretilhas e deságuam em ritmos como o martelo agalopado, com estrofe de dez versos decassílabos, ou o galope a beira mar, de dez versos hendecassílabos (onze sílabas), que o artista tridimensional Antonio Nóbrega decidiu investigar para criar um novo espetáculo. 

Antonio Nóbrega ensaia no Itaú Cultural Foto: GABRIELA BILÓ

Rima será apresentado em dois finais de semana, de sexta a domingo, a partir de hoje (3), no Itaú Cultural. Nóbrega, o idealizador, terá ao lado o diretor cultural, arranjador e músico Edmilson Capelupi, um parceiro de outras temporadas, e mais o grupo com Edson Alves (arranjos e cordas dedilhadas), Cleber Almeida e Leo Rodrigues (bateria e percussão), Olivinho (acordeom) e Zezinho Pitoco (clarinete, sax alto e zabumba). Um time grande que faz música nos detalhes e no acabamento.

As canções serão inéditas, feitas em parceria entre Nóbrega, Wilson Freire e Bráulio Tavares. Sua investigação poética coloca o foco nos versos e nas rimas, ao contrário de temporadas anteriores em que as sonoridades estavam à frente. A única música fora dos padrões é um samba de protesto, um momento especial da noite, chamado Quem Mandou Matar Marielle?.

A quadra À Deriva, feita com Wilson Freire, traz a forma talvez mais usada. “Nessa nave viva vida / tripulante ou passageiro / não sou último nem primeiro / de chegada ou de partida.” Na outra ponta, o martelo agalopado de Poeta Não Cala, também com Freire, mostra uma forma mais elástica. “Minha voz vem do peito e da garganta / de Homero, de Lorca e Lourival / Bob Dylan, Leminski e João Cabral / de Camões, de Cecília que encanta / É a voz que exalta, brada e espanta / a amargura, a tristeza, e a tudo embala / É o grito do mundo, da senzala / de Drummond, Vilanova e Neruda / Da beleza e do sonho não desgruda / É que a voz de um poeta nunca cala...”

E pode a rima se tornar uma prisão? Poderia o criador castrar as próprias ideias para fazer seus versos tomar caminhos que levem aos fonemas necessários? A forma ganha do conteúdo? “É possível, mesmo seguindo esses padrões específicos, apostar na veemência da articulação. Há sim uma pressão para a necessidade de se rimar e de desenvolver uma ideia em cima disso, mas a poesia ganha. É uma busca”, diz Nóbrega. A septilha Minha Nau, outra do pernambucano e de Wilson Frente, sai praticamente cantada mesmo quando não se canta. “À deriva pelo Cosmos / numa Nau Catarineta / vejo os bilhões de marujos / desta nossa Nau Planeta / São passageiros piratas / levam o verde, ouro e prata / tripulantes pernetas.”

A interpretação de Nóbrega é um de seus poderes. Seu canto não tem técnica refinada e sua voz não é de crooner, mas ao imprimir a intensidade certa em cada palavra, deixa tudo o que passa por si verdadeiro e faz o texto ganhar vida. E talvez esteja aí o foco de sua nova apresentação. Músico rabequeiro e percussionista, compositor e bailarino, pensador de espetáculos dos mais bem avaliados, esse pequeno homem de Pernambuco canta com o corpo e dança com a boca. “Nem no açoite, nem no tiro / nem na lança que empala / na angústia, na tortura / nem na morte que avassala / Minha voz não silencia / porque poeta não cala”, diz mais em Poeta não Cala.

As formas de versos populares se espalharam pela música brasileira e chegaram às formas de Noel Rosa e de seu principal herdeiro, Chico Buarque. “Eles usam muito esses formatos, como quadra e carretilha”, observa Nóbrega. A carretilha é uma estrofe de quatro versos e a quadra está no DNA dos cordelistas, que já a abandonaram. As estrofes de quatro versos são muito usadas ainda em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira e a embolada. Há uma quadra famosa, usada com sete sílabas. Obrigatoriamente, tem que haver rima em dois versos (linhas), e muitos usam rimar a segunda com a quarta: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / As aves que aqui gorjeiam / Não gorjeiam como lá”, diz Canção do Exílio, do romântico Gonçalves Dias.

A septilha é mais complexa. Muitas vezes, rima-se o segundo, quarto e sétimo versos e, em outras estrofes, o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro. Um grande de representante é Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. “Da Paraíba falada / Cantando nas escrituras / Saudando o pai da coaiada / A lua branca alumia / Jesus, José e Maria / Três anjos na farinhada. / Napoleão era um / Bom capitão de navio / Sofria de tosse braba / No tempo que era sadio / Foi poeta e demagogo / Numa coivara de fogo / Morreu tremendo de frio.”

Aboiadores, violeiros, emboladores e toda sorte de brasileiro letrado na fonética não conta sílabas. Eles apenas criam e deixam a análise para acadêmicos e pesquisadores, que ainda não entenderam de onde sai o talento de um cabra que não lê. Imagine se chegassem à faculdade.

RIMA Estreia hoje, às 20h. Até dia 12.  Sala Itaú Cultural (224 lugares) Avenida Paulista, 149 / Entrada gratuita

No Brasil em que a poesia chega primeiro – antes do lápis, das letras, do professor e da própria ideia de poesia –, os versos vêm no lombo do cavalo, no canto das lavadeiras, no lamento das violas. São construções aparentemente simples, feitas por populares anônimos, muitos semiletrados, transmitidas pela oralidade e aparentemente sem grande profundidade poética até que se ouça com mais carinho.

Aboios, emboladas, cocos e maracatus colocam em prática muitos modelos de rima que estão fora das publicações musicais, mais atentas às narrativas europeias. São pensamentos poéticos que se organizam em quadras, sextilhas, septilhas, carretilhas e deságuam em ritmos como o martelo agalopado, com estrofe de dez versos decassílabos, ou o galope a beira mar, de dez versos hendecassílabos (onze sílabas), que o artista tridimensional Antonio Nóbrega decidiu investigar para criar um novo espetáculo. 

Antonio Nóbrega ensaia no Itaú Cultural Foto: GABRIELA BILÓ

Rima será apresentado em dois finais de semana, de sexta a domingo, a partir de hoje (3), no Itaú Cultural. Nóbrega, o idealizador, terá ao lado o diretor cultural, arranjador e músico Edmilson Capelupi, um parceiro de outras temporadas, e mais o grupo com Edson Alves (arranjos e cordas dedilhadas), Cleber Almeida e Leo Rodrigues (bateria e percussão), Olivinho (acordeom) e Zezinho Pitoco (clarinete, sax alto e zabumba). Um time grande que faz música nos detalhes e no acabamento.

As canções serão inéditas, feitas em parceria entre Nóbrega, Wilson Freire e Bráulio Tavares. Sua investigação poética coloca o foco nos versos e nas rimas, ao contrário de temporadas anteriores em que as sonoridades estavam à frente. A única música fora dos padrões é um samba de protesto, um momento especial da noite, chamado Quem Mandou Matar Marielle?.

A quadra À Deriva, feita com Wilson Freire, traz a forma talvez mais usada. “Nessa nave viva vida / tripulante ou passageiro / não sou último nem primeiro / de chegada ou de partida.” Na outra ponta, o martelo agalopado de Poeta Não Cala, também com Freire, mostra uma forma mais elástica. “Minha voz vem do peito e da garganta / de Homero, de Lorca e Lourival / Bob Dylan, Leminski e João Cabral / de Camões, de Cecília que encanta / É a voz que exalta, brada e espanta / a amargura, a tristeza, e a tudo embala / É o grito do mundo, da senzala / de Drummond, Vilanova e Neruda / Da beleza e do sonho não desgruda / É que a voz de um poeta nunca cala...”

E pode a rima se tornar uma prisão? Poderia o criador castrar as próprias ideias para fazer seus versos tomar caminhos que levem aos fonemas necessários? A forma ganha do conteúdo? “É possível, mesmo seguindo esses padrões específicos, apostar na veemência da articulação. Há sim uma pressão para a necessidade de se rimar e de desenvolver uma ideia em cima disso, mas a poesia ganha. É uma busca”, diz Nóbrega. A septilha Minha Nau, outra do pernambucano e de Wilson Frente, sai praticamente cantada mesmo quando não se canta. “À deriva pelo Cosmos / numa Nau Catarineta / vejo os bilhões de marujos / desta nossa Nau Planeta / São passageiros piratas / levam o verde, ouro e prata / tripulantes pernetas.”

A interpretação de Nóbrega é um de seus poderes. Seu canto não tem técnica refinada e sua voz não é de crooner, mas ao imprimir a intensidade certa em cada palavra, deixa tudo o que passa por si verdadeiro e faz o texto ganhar vida. E talvez esteja aí o foco de sua nova apresentação. Músico rabequeiro e percussionista, compositor e bailarino, pensador de espetáculos dos mais bem avaliados, esse pequeno homem de Pernambuco canta com o corpo e dança com a boca. “Nem no açoite, nem no tiro / nem na lança que empala / na angústia, na tortura / nem na morte que avassala / Minha voz não silencia / porque poeta não cala”, diz mais em Poeta não Cala.

As formas de versos populares se espalharam pela música brasileira e chegaram às formas de Noel Rosa e de seu principal herdeiro, Chico Buarque. “Eles usam muito esses formatos, como quadra e carretilha”, observa Nóbrega. A carretilha é uma estrofe de quatro versos e a quadra está no DNA dos cordelistas, que já a abandonaram. As estrofes de quatro versos são muito usadas ainda em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira e a embolada. Há uma quadra famosa, usada com sete sílabas. Obrigatoriamente, tem que haver rima em dois versos (linhas), e muitos usam rimar a segunda com a quarta: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / As aves que aqui gorjeiam / Não gorjeiam como lá”, diz Canção do Exílio, do romântico Gonçalves Dias.

A septilha é mais complexa. Muitas vezes, rima-se o segundo, quarto e sétimo versos e, em outras estrofes, o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro. Um grande de representante é Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. “Da Paraíba falada / Cantando nas escrituras / Saudando o pai da coaiada / A lua branca alumia / Jesus, José e Maria / Três anjos na farinhada. / Napoleão era um / Bom capitão de navio / Sofria de tosse braba / No tempo que era sadio / Foi poeta e demagogo / Numa coivara de fogo / Morreu tremendo de frio.”

Aboiadores, violeiros, emboladores e toda sorte de brasileiro letrado na fonética não conta sílabas. Eles apenas criam e deixam a análise para acadêmicos e pesquisadores, que ainda não entenderam de onde sai o talento de um cabra que não lê. Imagine se chegassem à faculdade.

RIMA Estreia hoje, às 20h. Até dia 12.  Sala Itaú Cultural (224 lugares) Avenida Paulista, 149 / Entrada gratuita

No Brasil em que a poesia chega primeiro – antes do lápis, das letras, do professor e da própria ideia de poesia –, os versos vêm no lombo do cavalo, no canto das lavadeiras, no lamento das violas. São construções aparentemente simples, feitas por populares anônimos, muitos semiletrados, transmitidas pela oralidade e aparentemente sem grande profundidade poética até que se ouça com mais carinho.

Aboios, emboladas, cocos e maracatus colocam em prática muitos modelos de rima que estão fora das publicações musicais, mais atentas às narrativas europeias. São pensamentos poéticos que se organizam em quadras, sextilhas, septilhas, carretilhas e deságuam em ritmos como o martelo agalopado, com estrofe de dez versos decassílabos, ou o galope a beira mar, de dez versos hendecassílabos (onze sílabas), que o artista tridimensional Antonio Nóbrega decidiu investigar para criar um novo espetáculo. 

Antonio Nóbrega ensaia no Itaú Cultural Foto: GABRIELA BILÓ

Rima será apresentado em dois finais de semana, de sexta a domingo, a partir de hoje (3), no Itaú Cultural. Nóbrega, o idealizador, terá ao lado o diretor cultural, arranjador e músico Edmilson Capelupi, um parceiro de outras temporadas, e mais o grupo com Edson Alves (arranjos e cordas dedilhadas), Cleber Almeida e Leo Rodrigues (bateria e percussão), Olivinho (acordeom) e Zezinho Pitoco (clarinete, sax alto e zabumba). Um time grande que faz música nos detalhes e no acabamento.

As canções serão inéditas, feitas em parceria entre Nóbrega, Wilson Freire e Bráulio Tavares. Sua investigação poética coloca o foco nos versos e nas rimas, ao contrário de temporadas anteriores em que as sonoridades estavam à frente. A única música fora dos padrões é um samba de protesto, um momento especial da noite, chamado Quem Mandou Matar Marielle?.

A quadra À Deriva, feita com Wilson Freire, traz a forma talvez mais usada. “Nessa nave viva vida / tripulante ou passageiro / não sou último nem primeiro / de chegada ou de partida.” Na outra ponta, o martelo agalopado de Poeta Não Cala, também com Freire, mostra uma forma mais elástica. “Minha voz vem do peito e da garganta / de Homero, de Lorca e Lourival / Bob Dylan, Leminski e João Cabral / de Camões, de Cecília que encanta / É a voz que exalta, brada e espanta / a amargura, a tristeza, e a tudo embala / É o grito do mundo, da senzala / de Drummond, Vilanova e Neruda / Da beleza e do sonho não desgruda / É que a voz de um poeta nunca cala...”

E pode a rima se tornar uma prisão? Poderia o criador castrar as próprias ideias para fazer seus versos tomar caminhos que levem aos fonemas necessários? A forma ganha do conteúdo? “É possível, mesmo seguindo esses padrões específicos, apostar na veemência da articulação. Há sim uma pressão para a necessidade de se rimar e de desenvolver uma ideia em cima disso, mas a poesia ganha. É uma busca”, diz Nóbrega. A septilha Minha Nau, outra do pernambucano e de Wilson Frente, sai praticamente cantada mesmo quando não se canta. “À deriva pelo Cosmos / numa Nau Catarineta / vejo os bilhões de marujos / desta nossa Nau Planeta / São passageiros piratas / levam o verde, ouro e prata / tripulantes pernetas.”

A interpretação de Nóbrega é um de seus poderes. Seu canto não tem técnica refinada e sua voz não é de crooner, mas ao imprimir a intensidade certa em cada palavra, deixa tudo o que passa por si verdadeiro e faz o texto ganhar vida. E talvez esteja aí o foco de sua nova apresentação. Músico rabequeiro e percussionista, compositor e bailarino, pensador de espetáculos dos mais bem avaliados, esse pequeno homem de Pernambuco canta com o corpo e dança com a boca. “Nem no açoite, nem no tiro / nem na lança que empala / na angústia, na tortura / nem na morte que avassala / Minha voz não silencia / porque poeta não cala”, diz mais em Poeta não Cala.

As formas de versos populares se espalharam pela música brasileira e chegaram às formas de Noel Rosa e de seu principal herdeiro, Chico Buarque. “Eles usam muito esses formatos, como quadra e carretilha”, observa Nóbrega. A carretilha é uma estrofe de quatro versos e a quadra está no DNA dos cordelistas, que já a abandonaram. As estrofes de quatro versos são muito usadas ainda em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira e a embolada. Há uma quadra famosa, usada com sete sílabas. Obrigatoriamente, tem que haver rima em dois versos (linhas), e muitos usam rimar a segunda com a quarta: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / As aves que aqui gorjeiam / Não gorjeiam como lá”, diz Canção do Exílio, do romântico Gonçalves Dias.

A septilha é mais complexa. Muitas vezes, rima-se o segundo, quarto e sétimo versos e, em outras estrofes, o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro. Um grande de representante é Zé Limeira, o Poeta do Absurdo. “Da Paraíba falada / Cantando nas escrituras / Saudando o pai da coaiada / A lua branca alumia / Jesus, José e Maria / Três anjos na farinhada. / Napoleão era um / Bom capitão de navio / Sofria de tosse braba / No tempo que era sadio / Foi poeta e demagogo / Numa coivara de fogo / Morreu tremendo de frio.”

Aboiadores, violeiros, emboladores e toda sorte de brasileiro letrado na fonética não conta sílabas. Eles apenas criam e deixam a análise para acadêmicos e pesquisadores, que ainda não entenderam de onde sai o talento de um cabra que não lê. Imagine se chegassem à faculdade.

RIMA Estreia hoje, às 20h. Até dia 12.  Sala Itaú Cultural (224 lugares) Avenida Paulista, 149 / Entrada gratuita

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