BB King fica ainda maior em exposição que estreia no MIS; conheça


Mostra inédita, com experiências sensoriais de impacto, vai além da imagem de ‘Rei do Blues’ para atingir o homem que ajudou a implodir o segregacionismo oficial nos Estados Unidos

Por Julio Maria
Atualização:

São duas portas, uma preta e outra branca. Ao abrirmos a branca, nos deparamos com uma sala minúscula e uma placa que diz “proibido cachorros, negros e mexicanos”. Já a preta, ao lado, revela um caminho que não tem fim. Ela leva o visitante a um mundo que começa escaldante – e sentimos o calor – em um campo de algodão no Sul dos Estados Unidos, atravessa os anos em que homens negros eram enforcados nas árvores por suspeita de importunarem mulheres brancas, passa pela conversão do blues rural em eletrificado, entra em um ônibus de assentos para “pessoas de cor” separadas dos demais e chega à glória de um homem que decidiu implodir a dor que sentia ao ver tudo isso oferecendo uma guitarra, três acordes e um sorriso demolidor.

BB King faz show em São Paulo, no Bourbon Street, em 2006 Foto: J.F.Diório

A exposição que estreia no MIS, em São Paulo, nesta quarta, dia 26, chamada BB King: Um Mundo Melhor em Algum Lugar, traz a trajetória oficial, mas também implícita, do único nome de fato planetário produzido pelo blues desde sua origem. Numa abordagem reveladora e comovente, BB King, morto em 2015, aos 89 anos, é redimensionado dentro de um universo reverencial que o tem indiscutivelmente como rei, mas raras vezes como agente de militância racial. Pois a proposta de experiências sensoriais com informação, levantada pelo MIS, consegue perfurar a camada na qual muitos param, a do bluesman, para chegar à essência de Riley Ben King, o homem por trás do sorriso. Veja o serviço completo abaixo.

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Alguns pontos já fariam do evento algo relevante na largada. Segundo o diretor do MIS, Museu da Imagem e do Som, André Sturm, esta é a primeira vez em que o BB King Museum, localizado em Indianola, no Mississippi, envia itens de seu acervo para outro lugar. “Curiosamente, nós não lembramos de BB King quando falamos de segregação racial, mesmo tendo sido ele um dos primeiros artistas negros a tocar para plateias brancas nos Estados Unidos”, ele diz.

Exposição de BB King, no MIS Foto: TABA BENEDICTO

O BB King com o qual se entra na exposição não deverá ser o mesmo que nos acompanha na saída, esse ainda maior, o que significa uma vitória dos responsáveis pela mostra. Maior nome do blues, reverenciado por sua própria geração de guitarristas negros norte-americanos, como Buddy Guy, que acabou de afirmar ao Estadão que todos os músicos de sua era quiseram tocar guitarra por causa de BB King, mas também pelos escavadores ingleses dos anos 70, como Eric Clapton, Keith Richards, Pete Townshend e Jimmy Page, BB King foi um desbravador de territórios. O maior ato de sua luta estava em sua presença.

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A aura gregária e pacifista de BB, algo que o aproximava de um Nelson Mandela do pós-apartheid, que pediu para que os brancos ficassem em seus gabinetes para reconstruírem uma África do Sul não negra, mas multirracial, sempre o impediu de fazer ataques mesmo a músicos brancos que, na visão de outros artistas negros, como Ike Turner, Ray Charles e Chuck Berry, teriam se apropriado da herança afro-americana para se darem bem. Sempre que perguntado sobre o que achava das montanhas de discos vendidos por bandas como Led Zeppelin, Cream, The Who e Rolling Stones, todas abastecidas por um blues já quase invisível nos Estados Unidos, BB dizia: “Só devemos agradecer a cada um deles.”

Interior de um ônibus nos tempos da segregação racial nos EUA Foto: TABA BENEDICTO

Ao redor do músico também há lugares reducionistas criados por uma ideia comum de “artista simples” que uma exposição só não daria conta de realinhar. Sua guitarra Lucille (na verdade, são muitas), a mesma que ele entrou em uma casa em chamas para salvar de um incêndio, como conta em sua autobiografia, pode ter um fraseado enxuto, e os anos foram tirando notas e mais notas até ficarem apenas as essenciais, mas nunca foi fácil reproduzir o que ele fazia. “O sonho de todo guitarrista é buscar essas notas simples para terem sua marca nelas”, diz o guitarrista Marcos Ottaviano, músico, professor e um dos maiores entendidos na guitarra de BB King no Brasil, que já tocou com o artista e abriu alguns de seus shows no País.

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Ottaviano fala difícil para mostrar que os blues de BB King são mais embaixo – ou mais acima. “Ele vai mudando seu jeito de tocar pelas décadas de 50, 60, 70... E chega a um solo mais alinhado ao jazz do que ao blues tradicional. Como foi muito influenciado pelo guitarrista T-Bone Walker, carrega o swing e o jump blues o tempo todo. Usa uma abordagem de solos cromáticos, arpejos diminutos, sons do modo mixolídio e escalas menor melódica e harmônica, mas tudo colocado em doses homeopáticas.” Pois é, é preciso estudar para falar da simplicidade de BB King.

Mostra dá dimensão planetária ao ativismo de BB King Foto: TABA BENEDICTO

Havia um apreço especial do bluesman pelo Brasil graças também a Edgar Radesca, dono da casa Bourbon Street, inaugurada pelo guitarrista em 1993 e na qual ele fez seu último show no País, em 2012, depois de 11 shows só naquele palco. Radesca se tornou um parceiro da exposição, oferecendo fotos, instrumentos e objetos que fizeram parte dessa história. “Depois de um desses shows, presenteamos BB com um viola caipira quando ele ainda estava no palco, em troca de uma de suas guitarras”, conta. A imagem está na exposição, assim como vídeos em que Radesca aparece narrando suas histórias ao lado do guitarrista. “BB era discreto, mas amaria uma exposição como essa. Ele sempre dizia: ‘No people, no BB‘ (sem pessoas, sem BB King)”, diz o empresário.

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A curadoria do projeto ficou com André Sturm e Cacau Ras, a pesquisa e os textos com Gabriela Antero, a consultoria com Chris Flannery, homem que trouxe dos Estados Unidos a ideia de se fazer no MIS algo em torno de BB, e a responsabilidade do planejamento expográfico, aliás, de saltar aos olhos, do ateliê de Marko Brajovic. Entre os destaques visuais, aparecem muitas imagens do acervo do B.B. King Museum, como a foto do artista jovem, com 23 anos, empunhando seu violão Gibson L48.

“O que queremos mostrar é algo lindo, mas também impactante”, disse Cacau Ras na entrevista coletiva realizada no MIS, na manhã desta terça-feira, 25. De fato, o impacto funciona, e não apenas para efeitos visuais. Há um retirada de BB da festa para mostrar o quão disruptivos seus blues também foram quando as plateias e as bandas começaram a ser formados, graças a ele, por brancos e negros. Ver BB assim pode ser mais transformador até mesmo do que ver Rita Lee, David Bowie ou Stanley Kubrick retratados em exposições exuberantes por uma razão. Todos sabem o quanto todos eles foram reluzentes, mas talvez poucos conseguiriam ver BB King para além de um Rei do Blues.

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Serviço

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B.B. King: um mundo melhor em algum lugar

  • Museu da Imagem e do Som – MIS
  • Avenida Europa, 158, Jardim Europa
  • 2117 4777 | www.mis-sp.org.br
  • De 26 de julho a 8 de outubro
  • Terças a sextas, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 10h às 18h
  • Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
  • Entrada gratuita às terças (retirada na bilheteria física do MIS)

São duas portas, uma preta e outra branca. Ao abrirmos a branca, nos deparamos com uma sala minúscula e uma placa que diz “proibido cachorros, negros e mexicanos”. Já a preta, ao lado, revela um caminho que não tem fim. Ela leva o visitante a um mundo que começa escaldante – e sentimos o calor – em um campo de algodão no Sul dos Estados Unidos, atravessa os anos em que homens negros eram enforcados nas árvores por suspeita de importunarem mulheres brancas, passa pela conversão do blues rural em eletrificado, entra em um ônibus de assentos para “pessoas de cor” separadas dos demais e chega à glória de um homem que decidiu implodir a dor que sentia ao ver tudo isso oferecendo uma guitarra, três acordes e um sorriso demolidor.

BB King faz show em São Paulo, no Bourbon Street, em 2006 Foto: J.F.Diório

A exposição que estreia no MIS, em São Paulo, nesta quarta, dia 26, chamada BB King: Um Mundo Melhor em Algum Lugar, traz a trajetória oficial, mas também implícita, do único nome de fato planetário produzido pelo blues desde sua origem. Numa abordagem reveladora e comovente, BB King, morto em 2015, aos 89 anos, é redimensionado dentro de um universo reverencial que o tem indiscutivelmente como rei, mas raras vezes como agente de militância racial. Pois a proposta de experiências sensoriais com informação, levantada pelo MIS, consegue perfurar a camada na qual muitos param, a do bluesman, para chegar à essência de Riley Ben King, o homem por trás do sorriso. Veja o serviço completo abaixo.

Alguns pontos já fariam do evento algo relevante na largada. Segundo o diretor do MIS, Museu da Imagem e do Som, André Sturm, esta é a primeira vez em que o BB King Museum, localizado em Indianola, no Mississippi, envia itens de seu acervo para outro lugar. “Curiosamente, nós não lembramos de BB King quando falamos de segregação racial, mesmo tendo sido ele um dos primeiros artistas negros a tocar para plateias brancas nos Estados Unidos”, ele diz.

Exposição de BB King, no MIS Foto: TABA BENEDICTO

O BB King com o qual se entra na exposição não deverá ser o mesmo que nos acompanha na saída, esse ainda maior, o que significa uma vitória dos responsáveis pela mostra. Maior nome do blues, reverenciado por sua própria geração de guitarristas negros norte-americanos, como Buddy Guy, que acabou de afirmar ao Estadão que todos os músicos de sua era quiseram tocar guitarra por causa de BB King, mas também pelos escavadores ingleses dos anos 70, como Eric Clapton, Keith Richards, Pete Townshend e Jimmy Page, BB King foi um desbravador de territórios. O maior ato de sua luta estava em sua presença.

A aura gregária e pacifista de BB, algo que o aproximava de um Nelson Mandela do pós-apartheid, que pediu para que os brancos ficassem em seus gabinetes para reconstruírem uma África do Sul não negra, mas multirracial, sempre o impediu de fazer ataques mesmo a músicos brancos que, na visão de outros artistas negros, como Ike Turner, Ray Charles e Chuck Berry, teriam se apropriado da herança afro-americana para se darem bem. Sempre que perguntado sobre o que achava das montanhas de discos vendidos por bandas como Led Zeppelin, Cream, The Who e Rolling Stones, todas abastecidas por um blues já quase invisível nos Estados Unidos, BB dizia: “Só devemos agradecer a cada um deles.”

Interior de um ônibus nos tempos da segregação racial nos EUA Foto: TABA BENEDICTO

Ao redor do músico também há lugares reducionistas criados por uma ideia comum de “artista simples” que uma exposição só não daria conta de realinhar. Sua guitarra Lucille (na verdade, são muitas), a mesma que ele entrou em uma casa em chamas para salvar de um incêndio, como conta em sua autobiografia, pode ter um fraseado enxuto, e os anos foram tirando notas e mais notas até ficarem apenas as essenciais, mas nunca foi fácil reproduzir o que ele fazia. “O sonho de todo guitarrista é buscar essas notas simples para terem sua marca nelas”, diz o guitarrista Marcos Ottaviano, músico, professor e um dos maiores entendidos na guitarra de BB King no Brasil, que já tocou com o artista e abriu alguns de seus shows no País.

Ottaviano fala difícil para mostrar que os blues de BB King são mais embaixo – ou mais acima. “Ele vai mudando seu jeito de tocar pelas décadas de 50, 60, 70... E chega a um solo mais alinhado ao jazz do que ao blues tradicional. Como foi muito influenciado pelo guitarrista T-Bone Walker, carrega o swing e o jump blues o tempo todo. Usa uma abordagem de solos cromáticos, arpejos diminutos, sons do modo mixolídio e escalas menor melódica e harmônica, mas tudo colocado em doses homeopáticas.” Pois é, é preciso estudar para falar da simplicidade de BB King.

Mostra dá dimensão planetária ao ativismo de BB King Foto: TABA BENEDICTO

Havia um apreço especial do bluesman pelo Brasil graças também a Edgar Radesca, dono da casa Bourbon Street, inaugurada pelo guitarrista em 1993 e na qual ele fez seu último show no País, em 2012, depois de 11 shows só naquele palco. Radesca se tornou um parceiro da exposição, oferecendo fotos, instrumentos e objetos que fizeram parte dessa história. “Depois de um desses shows, presenteamos BB com um viola caipira quando ele ainda estava no palco, em troca de uma de suas guitarras”, conta. A imagem está na exposição, assim como vídeos em que Radesca aparece narrando suas histórias ao lado do guitarrista. “BB era discreto, mas amaria uma exposição como essa. Ele sempre dizia: ‘No people, no BB‘ (sem pessoas, sem BB King)”, diz o empresário.

A curadoria do projeto ficou com André Sturm e Cacau Ras, a pesquisa e os textos com Gabriela Antero, a consultoria com Chris Flannery, homem que trouxe dos Estados Unidos a ideia de se fazer no MIS algo em torno de BB, e a responsabilidade do planejamento expográfico, aliás, de saltar aos olhos, do ateliê de Marko Brajovic. Entre os destaques visuais, aparecem muitas imagens do acervo do B.B. King Museum, como a foto do artista jovem, com 23 anos, empunhando seu violão Gibson L48.

“O que queremos mostrar é algo lindo, mas também impactante”, disse Cacau Ras na entrevista coletiva realizada no MIS, na manhã desta terça-feira, 25. De fato, o impacto funciona, e não apenas para efeitos visuais. Há um retirada de BB da festa para mostrar o quão disruptivos seus blues também foram quando as plateias e as bandas começaram a ser formados, graças a ele, por brancos e negros. Ver BB assim pode ser mais transformador até mesmo do que ver Rita Lee, David Bowie ou Stanley Kubrick retratados em exposições exuberantes por uma razão. Todos sabem o quanto todos eles foram reluzentes, mas talvez poucos conseguiriam ver BB King para além de um Rei do Blues.

Serviço

B.B. King: um mundo melhor em algum lugar

  • Museu da Imagem e do Som – MIS
  • Avenida Europa, 158, Jardim Europa
  • 2117 4777 | www.mis-sp.org.br
  • De 26 de julho a 8 de outubro
  • Terças a sextas, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 10h às 18h
  • Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
  • Entrada gratuita às terças (retirada na bilheteria física do MIS)

São duas portas, uma preta e outra branca. Ao abrirmos a branca, nos deparamos com uma sala minúscula e uma placa que diz “proibido cachorros, negros e mexicanos”. Já a preta, ao lado, revela um caminho que não tem fim. Ela leva o visitante a um mundo que começa escaldante – e sentimos o calor – em um campo de algodão no Sul dos Estados Unidos, atravessa os anos em que homens negros eram enforcados nas árvores por suspeita de importunarem mulheres brancas, passa pela conversão do blues rural em eletrificado, entra em um ônibus de assentos para “pessoas de cor” separadas dos demais e chega à glória de um homem que decidiu implodir a dor que sentia ao ver tudo isso oferecendo uma guitarra, três acordes e um sorriso demolidor.

BB King faz show em São Paulo, no Bourbon Street, em 2006 Foto: J.F.Diório

A exposição que estreia no MIS, em São Paulo, nesta quarta, dia 26, chamada BB King: Um Mundo Melhor em Algum Lugar, traz a trajetória oficial, mas também implícita, do único nome de fato planetário produzido pelo blues desde sua origem. Numa abordagem reveladora e comovente, BB King, morto em 2015, aos 89 anos, é redimensionado dentro de um universo reverencial que o tem indiscutivelmente como rei, mas raras vezes como agente de militância racial. Pois a proposta de experiências sensoriais com informação, levantada pelo MIS, consegue perfurar a camada na qual muitos param, a do bluesman, para chegar à essência de Riley Ben King, o homem por trás do sorriso. Veja o serviço completo abaixo.

Alguns pontos já fariam do evento algo relevante na largada. Segundo o diretor do MIS, Museu da Imagem e do Som, André Sturm, esta é a primeira vez em que o BB King Museum, localizado em Indianola, no Mississippi, envia itens de seu acervo para outro lugar. “Curiosamente, nós não lembramos de BB King quando falamos de segregação racial, mesmo tendo sido ele um dos primeiros artistas negros a tocar para plateias brancas nos Estados Unidos”, ele diz.

Exposição de BB King, no MIS Foto: TABA BENEDICTO

O BB King com o qual se entra na exposição não deverá ser o mesmo que nos acompanha na saída, esse ainda maior, o que significa uma vitória dos responsáveis pela mostra. Maior nome do blues, reverenciado por sua própria geração de guitarristas negros norte-americanos, como Buddy Guy, que acabou de afirmar ao Estadão que todos os músicos de sua era quiseram tocar guitarra por causa de BB King, mas também pelos escavadores ingleses dos anos 70, como Eric Clapton, Keith Richards, Pete Townshend e Jimmy Page, BB King foi um desbravador de territórios. O maior ato de sua luta estava em sua presença.

A aura gregária e pacifista de BB, algo que o aproximava de um Nelson Mandela do pós-apartheid, que pediu para que os brancos ficassem em seus gabinetes para reconstruírem uma África do Sul não negra, mas multirracial, sempre o impediu de fazer ataques mesmo a músicos brancos que, na visão de outros artistas negros, como Ike Turner, Ray Charles e Chuck Berry, teriam se apropriado da herança afro-americana para se darem bem. Sempre que perguntado sobre o que achava das montanhas de discos vendidos por bandas como Led Zeppelin, Cream, The Who e Rolling Stones, todas abastecidas por um blues já quase invisível nos Estados Unidos, BB dizia: “Só devemos agradecer a cada um deles.”

Interior de um ônibus nos tempos da segregação racial nos EUA Foto: TABA BENEDICTO

Ao redor do músico também há lugares reducionistas criados por uma ideia comum de “artista simples” que uma exposição só não daria conta de realinhar. Sua guitarra Lucille (na verdade, são muitas), a mesma que ele entrou em uma casa em chamas para salvar de um incêndio, como conta em sua autobiografia, pode ter um fraseado enxuto, e os anos foram tirando notas e mais notas até ficarem apenas as essenciais, mas nunca foi fácil reproduzir o que ele fazia. “O sonho de todo guitarrista é buscar essas notas simples para terem sua marca nelas”, diz o guitarrista Marcos Ottaviano, músico, professor e um dos maiores entendidos na guitarra de BB King no Brasil, que já tocou com o artista e abriu alguns de seus shows no País.

Ottaviano fala difícil para mostrar que os blues de BB King são mais embaixo – ou mais acima. “Ele vai mudando seu jeito de tocar pelas décadas de 50, 60, 70... E chega a um solo mais alinhado ao jazz do que ao blues tradicional. Como foi muito influenciado pelo guitarrista T-Bone Walker, carrega o swing e o jump blues o tempo todo. Usa uma abordagem de solos cromáticos, arpejos diminutos, sons do modo mixolídio e escalas menor melódica e harmônica, mas tudo colocado em doses homeopáticas.” Pois é, é preciso estudar para falar da simplicidade de BB King.

Mostra dá dimensão planetária ao ativismo de BB King Foto: TABA BENEDICTO

Havia um apreço especial do bluesman pelo Brasil graças também a Edgar Radesca, dono da casa Bourbon Street, inaugurada pelo guitarrista em 1993 e na qual ele fez seu último show no País, em 2012, depois de 11 shows só naquele palco. Radesca se tornou um parceiro da exposição, oferecendo fotos, instrumentos e objetos que fizeram parte dessa história. “Depois de um desses shows, presenteamos BB com um viola caipira quando ele ainda estava no palco, em troca de uma de suas guitarras”, conta. A imagem está na exposição, assim como vídeos em que Radesca aparece narrando suas histórias ao lado do guitarrista. “BB era discreto, mas amaria uma exposição como essa. Ele sempre dizia: ‘No people, no BB‘ (sem pessoas, sem BB King)”, diz o empresário.

A curadoria do projeto ficou com André Sturm e Cacau Ras, a pesquisa e os textos com Gabriela Antero, a consultoria com Chris Flannery, homem que trouxe dos Estados Unidos a ideia de se fazer no MIS algo em torno de BB, e a responsabilidade do planejamento expográfico, aliás, de saltar aos olhos, do ateliê de Marko Brajovic. Entre os destaques visuais, aparecem muitas imagens do acervo do B.B. King Museum, como a foto do artista jovem, com 23 anos, empunhando seu violão Gibson L48.

“O que queremos mostrar é algo lindo, mas também impactante”, disse Cacau Ras na entrevista coletiva realizada no MIS, na manhã desta terça-feira, 25. De fato, o impacto funciona, e não apenas para efeitos visuais. Há um retirada de BB da festa para mostrar o quão disruptivos seus blues também foram quando as plateias e as bandas começaram a ser formados, graças a ele, por brancos e negros. Ver BB assim pode ser mais transformador até mesmo do que ver Rita Lee, David Bowie ou Stanley Kubrick retratados em exposições exuberantes por uma razão. Todos sabem o quanto todos eles foram reluzentes, mas talvez poucos conseguiriam ver BB King para além de um Rei do Blues.

Serviço

B.B. King: um mundo melhor em algum lugar

  • Museu da Imagem e do Som – MIS
  • Avenida Europa, 158, Jardim Europa
  • 2117 4777 | www.mis-sp.org.br
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