Bruce Springsteen afirma que agora está pronto para recomeçar


O artista de 71 anos, que passou as últimas seis décadas no palco, fala sobre o lançamento de 'Letter to You', seu primeiro álbum com a E Street Band em seis anos, e um filme no Apple+ com o mesmo título

Por Lindsay Zoladz

Todo fã de música com o sangue fervendo nas veias anda angustiado com a falta de shows ao vivo, mas o sofrimento tem sido particularmente agudo para Bruce Springsteen, artista que passou as últimas seis décadas no palco, mas ele afirma que agora está pronto para recomeçar.

Bruce Springsteen. Foto: Angela Weiss / AFP

“Estou num ponto da minha vida artística e de tocar que sinto como nunca que é vital”, disse ele numa entrevista pelo Zoom, falando de sua casa em Nova Jersey. “Minha banda está na sua melhor condição e temos tanto conhecimento e arte acumulados sobre o que fazer que chegou um momento que eu me disse 'quero usar isto o máximo que puder'”.

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Springsteen, de 71 anos, estava no seu pequeno home office, com capas de arquivo em cores primárias penduradas na parede em lugar de uma decoração mais viva, para falar sobre Letter to You, seu primeiro álbum com a E Street Band em seis anos, e um filme no Apple+ com o mesmo título que captura a experiência cinética da gravação em novembro passado.

Letter to You com frequência remonta a uma época muito anterior a essa. O elegíaco rock Last Man Standing é uma ode à banda à qual o cantor se juntou quando adolescente, os Castiles (e uma meditação sobre o fato, depois da morte do seu amigo George Theiss em 2018, de que ele é o único membro sobrevivente do grupo).

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E três das músicas do álbum foram compostas há quase 50 anos, quando Springsteen era um desconhecido escrevendo baladas floridas no estilo de Bob Dylan. “Este é o primeiro álbum que gravei em que o tema é a música propriamente dita. Tem a ver com música popular. Sobre estar numa banda de rock durante todo esse tempo. E é também uma conversa direta minha com meus fãs a um nível que, acho, eles esperavam há anos”.

O mais próximo que Springsteen chegou em termos de hobby durante a quarentena tem sido apresentar um programa de rádio na Sirius XM, From My Home to Yours, um projeto no qual se lançou com um entusiasmo palpável. Ele busca seu laptop para ler exultante a lista de artistas cuja música o empolgaram recentemente: J.S. Ondara, Mondo Cozmo, H.E.R, Orville Peck, Larkin Poe e Bon Iver, entre outros. (Ele disse que não ouviu ainda Folklore, de Taylor Swift, mas só tem ouvido críticas boas a respeito).

Ter tempo para ouvir pelo menos é o lado positivo de ficar preso em casa. “Venho desfrutando dessa espécie de retorno à música”, disse o cantor. “Isso me lembra quando ainda era um garoto. Estava sempre nas lojas de discos procurando as últimas novidades”.

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Imagem da capa de 'Letter To You', de Bruce Springsteen. O álbum será lançado em 23 de outubro. Foto: Columbia Records via AP

Abaixo, trechos da entrevista.

Como ocorreu com todo mundo, este ano não tem sido exatamente o que você esperava. Você está produzindo um álbum e não pode ainda fazer uma turnê para divulgá-lo.

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Sim. Acho que será um processo até as pessoas se sentirem tranquilas para se encostarem umas nas outras novamente. Mas se alguém me disser que “jamais vai acontecer de novo”, isto seria uma enorme mudança da vida para mim. O ato de tocar tem sido uma das coisas mais persistentes na minha vida desde que eu tinha 16 anos de idade. Dependo muito da música e não só para a minha sobrevivência, mas para o meu bem-estar emocional. Portanto se alguém disser, “talvez daqui a cinco anos” é um tempo muito longo, particularmente na minha idade, tenho 71 anos e venho pensando: “bem, a única coisa que eu sei é que estou num estado de espírito perfeito neste momento para derrubar a casa enquanto puder”.

Suponho que você viu as pessoas tocando 'Born in the USA' diante do centro médico de Walter Reed quando o presidente Donald Trump esteve lá no início do mês. Como se sentiu? Décadas depois de Ronald Reagan e as pessoas ainda parecem não ter entendido essa música.

É o meu destino (risos). E aprendi a viver com ele com um sorriso. Quero dizer, acredito que não só o trabalho do compositor é escrever bem, mas também aquele que ouve tem de ouvir bem. Mas, de vez em quando, ainda vamos ouvir algo como o que você mencionou.

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Acredito que esta é uma das melhores músicas que compus e, quando a interpretamos, há um poder cumulativo que permanece com ela. O orgulho das pessoas como se fizessem parte dessa música. Mas para compreendê-la você precisa fazer o que os adultos são capazes de fazer, ou seja, ter em mente duas ideias contraditórias de alguma coisa ao mesmo tempo. Como algo pode ser motivo de orgulho e ao mesmo tempo chama a nação à responsabilidade. Esta é apenas uma parte dessa música. Uma música que não é necessariamente o que aparenta ser.

Você reuniu a banda para 'Letter to You'. Quando se deu conta de que precisava fazer uma gravação com a E Street Band?

Sabia que desejava fazer uma gravação com a banda e que fosse pura instrumentação: dois teclados, guitarras, baixo, bateria e saxofone, e nada mais. Não queria um demo ou ter ideias preconcebidas da música, de modo que não entrei com as canções até ensiná-las para a banda. Meu projeto se resumia basicamente nas duas músicas que compus no passado que haviam sido gravadas ao vivo, Darkness on the Edge of Town e Born in the USA, que são como dois takes. Assim gravamos cada uma durante três horas, as duas em um dia e finalizamos tudo em quatro dias. E no quinto dia descansamos.

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Gravar nem sempre foi fácil para você.

Oh, não, gravar costuma ser um inferno. Passo horas fazendo gravações. Mesmo Western Stars levou um longo tempo. Não é um processo doloroso, mas muito lento.

Além do novo material, há três músicas neste álbum que você compôs no início dos anos 1970. O que o fez retornar a elas?

Vinha trabalhando num conjunto de músicas no nosso baú e deparei com algumas que havia gravado para John Hammond, o antigo vice-presidente da Columbia Records que me descobriu e me contratou para um demo em 1971, quando eu tinha 22 anos de idade. E essas músicas estavam no baú e eu as compus para minha primeira gravação. Então deparei com elas e descobri algumas outras que achei que seria interessante a banda tocar.

É divertido retornar e ver como minhas letras eram selvagens e o quão reprimidas eram numa certa época, e trazê-las para o momento presente com a banda e cantar com a minha voz hoje foi muito divertido. Cada frase é insana. E de algum modo acabam fazendo sentido. Não lembro bem como compus naquela época.

Vi que você estava numa luta com a espiritualidade nesta gravação especialmente numa música como 'The Power of Prayer'.

Estou envelhecendo e me tornei um compositor espiritual por natureza, pelas coisas que passaram a me interessar. No fim, estou compondo música sobre minha própria vida espiritual e me endereçando à sua. Compomos muito música que tem a ver com a alma; é o caráter da nossa banda. Ouvindo a voz de Bem E. King ou The Driffers, alguns dos artistas pop transcendentais do início dos anos 1960, eu acho que existe uma grande essência espiritual neles. E sempre foi algo que desejava comunicar quando compunha minha própria música. Não há nada de dogmático, exagerado e não envolve nenhuma religião. Apenas espírito, espero.

reference

Entre o seu livro, o show na Broadway e agora o documentário 'Letter for You' e algumas reflexões sobre este álbum, minha sensação é de que está começando a pensar no seu legado.

Legado já estava na minha mente quando eu era um garoto. Quanto mais velho você fica, mais você se questiona. Quem sabe o que vai durar e o que não vai.

John Sayles, um diretor amigo meu, disse-me “faço meus filmes para o momento. Faço-os para o público que vai assisti-los agora e assimilá-los em suas vidas”. Porque ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. E adotei o que ele disse como meu mantra nos últimos 20 ou 25 anos, no sentido de que minha música e meus álbuns são para o momento presente.

Eles são que são para você agora e é aí que está meu prazer neles e no meu público.

Acho que os projetos que fiz que foram num certo sentido uma soma de tudo - o livro foi, o show da Broadway, e mesmo este filme - é uma espécie de parada por um momento e avaliar o que fez e quando chega a um ponto crítico da sua vida, que, penso, você atinge quando chega aos 70 anos. Mas ainda vejo um trabalho vital à frente.

Simplesmente procuro encontrar uma veia de energia no que estou fazendo e na linguagem que aprendi para tornar minha música atual e relevante. Acho que se você mantém vivo o espírito interior do que está fazendo, continua relevante.

Lembro-me de ter tocado atrás de Roy Orbison em 1988. Fiquei surpreso como sua música era incrivelmente presente e atual e isto por causa da maneira como ele cantava. Entendi que não era uma espécie de nostalgia para ele. Era algo tão vivo no seu coração e no seu espírito em 1988 como havia sido em 1960.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Todo fã de música com o sangue fervendo nas veias anda angustiado com a falta de shows ao vivo, mas o sofrimento tem sido particularmente agudo para Bruce Springsteen, artista que passou as últimas seis décadas no palco, mas ele afirma que agora está pronto para recomeçar.

Bruce Springsteen. Foto: Angela Weiss / AFP

“Estou num ponto da minha vida artística e de tocar que sinto como nunca que é vital”, disse ele numa entrevista pelo Zoom, falando de sua casa em Nova Jersey. “Minha banda está na sua melhor condição e temos tanto conhecimento e arte acumulados sobre o que fazer que chegou um momento que eu me disse 'quero usar isto o máximo que puder'”.

Springsteen, de 71 anos, estava no seu pequeno home office, com capas de arquivo em cores primárias penduradas na parede em lugar de uma decoração mais viva, para falar sobre Letter to You, seu primeiro álbum com a E Street Band em seis anos, e um filme no Apple+ com o mesmo título que captura a experiência cinética da gravação em novembro passado.

Letter to You com frequência remonta a uma época muito anterior a essa. O elegíaco rock Last Man Standing é uma ode à banda à qual o cantor se juntou quando adolescente, os Castiles (e uma meditação sobre o fato, depois da morte do seu amigo George Theiss em 2018, de que ele é o único membro sobrevivente do grupo).

E três das músicas do álbum foram compostas há quase 50 anos, quando Springsteen era um desconhecido escrevendo baladas floridas no estilo de Bob Dylan. “Este é o primeiro álbum que gravei em que o tema é a música propriamente dita. Tem a ver com música popular. Sobre estar numa banda de rock durante todo esse tempo. E é também uma conversa direta minha com meus fãs a um nível que, acho, eles esperavam há anos”.

O mais próximo que Springsteen chegou em termos de hobby durante a quarentena tem sido apresentar um programa de rádio na Sirius XM, From My Home to Yours, um projeto no qual se lançou com um entusiasmo palpável. Ele busca seu laptop para ler exultante a lista de artistas cuja música o empolgaram recentemente: J.S. Ondara, Mondo Cozmo, H.E.R, Orville Peck, Larkin Poe e Bon Iver, entre outros. (Ele disse que não ouviu ainda Folklore, de Taylor Swift, mas só tem ouvido críticas boas a respeito).

Ter tempo para ouvir pelo menos é o lado positivo de ficar preso em casa. “Venho desfrutando dessa espécie de retorno à música”, disse o cantor. “Isso me lembra quando ainda era um garoto. Estava sempre nas lojas de discos procurando as últimas novidades”.

Imagem da capa de 'Letter To You', de Bruce Springsteen. O álbum será lançado em 23 de outubro. Foto: Columbia Records via AP

Abaixo, trechos da entrevista.

Como ocorreu com todo mundo, este ano não tem sido exatamente o que você esperava. Você está produzindo um álbum e não pode ainda fazer uma turnê para divulgá-lo.

Sim. Acho que será um processo até as pessoas se sentirem tranquilas para se encostarem umas nas outras novamente. Mas se alguém me disser que “jamais vai acontecer de novo”, isto seria uma enorme mudança da vida para mim. O ato de tocar tem sido uma das coisas mais persistentes na minha vida desde que eu tinha 16 anos de idade. Dependo muito da música e não só para a minha sobrevivência, mas para o meu bem-estar emocional. Portanto se alguém disser, “talvez daqui a cinco anos” é um tempo muito longo, particularmente na minha idade, tenho 71 anos e venho pensando: “bem, a única coisa que eu sei é que estou num estado de espírito perfeito neste momento para derrubar a casa enquanto puder”.

Suponho que você viu as pessoas tocando 'Born in the USA' diante do centro médico de Walter Reed quando o presidente Donald Trump esteve lá no início do mês. Como se sentiu? Décadas depois de Ronald Reagan e as pessoas ainda parecem não ter entendido essa música.

É o meu destino (risos). E aprendi a viver com ele com um sorriso. Quero dizer, acredito que não só o trabalho do compositor é escrever bem, mas também aquele que ouve tem de ouvir bem. Mas, de vez em quando, ainda vamos ouvir algo como o que você mencionou.

Acredito que esta é uma das melhores músicas que compus e, quando a interpretamos, há um poder cumulativo que permanece com ela. O orgulho das pessoas como se fizessem parte dessa música. Mas para compreendê-la você precisa fazer o que os adultos são capazes de fazer, ou seja, ter em mente duas ideias contraditórias de alguma coisa ao mesmo tempo. Como algo pode ser motivo de orgulho e ao mesmo tempo chama a nação à responsabilidade. Esta é apenas uma parte dessa música. Uma música que não é necessariamente o que aparenta ser.

Você reuniu a banda para 'Letter to You'. Quando se deu conta de que precisava fazer uma gravação com a E Street Band?

Sabia que desejava fazer uma gravação com a banda e que fosse pura instrumentação: dois teclados, guitarras, baixo, bateria e saxofone, e nada mais. Não queria um demo ou ter ideias preconcebidas da música, de modo que não entrei com as canções até ensiná-las para a banda. Meu projeto se resumia basicamente nas duas músicas que compus no passado que haviam sido gravadas ao vivo, Darkness on the Edge of Town e Born in the USA, que são como dois takes. Assim gravamos cada uma durante três horas, as duas em um dia e finalizamos tudo em quatro dias. E no quinto dia descansamos.

Gravar nem sempre foi fácil para você.

Oh, não, gravar costuma ser um inferno. Passo horas fazendo gravações. Mesmo Western Stars levou um longo tempo. Não é um processo doloroso, mas muito lento.

Além do novo material, há três músicas neste álbum que você compôs no início dos anos 1970. O que o fez retornar a elas?

Vinha trabalhando num conjunto de músicas no nosso baú e deparei com algumas que havia gravado para John Hammond, o antigo vice-presidente da Columbia Records que me descobriu e me contratou para um demo em 1971, quando eu tinha 22 anos de idade. E essas músicas estavam no baú e eu as compus para minha primeira gravação. Então deparei com elas e descobri algumas outras que achei que seria interessante a banda tocar.

É divertido retornar e ver como minhas letras eram selvagens e o quão reprimidas eram numa certa época, e trazê-las para o momento presente com a banda e cantar com a minha voz hoje foi muito divertido. Cada frase é insana. E de algum modo acabam fazendo sentido. Não lembro bem como compus naquela época.

Vi que você estava numa luta com a espiritualidade nesta gravação especialmente numa música como 'The Power of Prayer'.

Estou envelhecendo e me tornei um compositor espiritual por natureza, pelas coisas que passaram a me interessar. No fim, estou compondo música sobre minha própria vida espiritual e me endereçando à sua. Compomos muito música que tem a ver com a alma; é o caráter da nossa banda. Ouvindo a voz de Bem E. King ou The Driffers, alguns dos artistas pop transcendentais do início dos anos 1960, eu acho que existe uma grande essência espiritual neles. E sempre foi algo que desejava comunicar quando compunha minha própria música. Não há nada de dogmático, exagerado e não envolve nenhuma religião. Apenas espírito, espero.

reference

Entre o seu livro, o show na Broadway e agora o documentário 'Letter for You' e algumas reflexões sobre este álbum, minha sensação é de que está começando a pensar no seu legado.

Legado já estava na minha mente quando eu era um garoto. Quanto mais velho você fica, mais você se questiona. Quem sabe o que vai durar e o que não vai.

John Sayles, um diretor amigo meu, disse-me “faço meus filmes para o momento. Faço-os para o público que vai assisti-los agora e assimilá-los em suas vidas”. Porque ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. E adotei o que ele disse como meu mantra nos últimos 20 ou 25 anos, no sentido de que minha música e meus álbuns são para o momento presente.

Eles são que são para você agora e é aí que está meu prazer neles e no meu público.

Acho que os projetos que fiz que foram num certo sentido uma soma de tudo - o livro foi, o show da Broadway, e mesmo este filme - é uma espécie de parada por um momento e avaliar o que fez e quando chega a um ponto crítico da sua vida, que, penso, você atinge quando chega aos 70 anos. Mas ainda vejo um trabalho vital à frente.

Simplesmente procuro encontrar uma veia de energia no que estou fazendo e na linguagem que aprendi para tornar minha música atual e relevante. Acho que se você mantém vivo o espírito interior do que está fazendo, continua relevante.

Lembro-me de ter tocado atrás de Roy Orbison em 1988. Fiquei surpreso como sua música era incrivelmente presente e atual e isto por causa da maneira como ele cantava. Entendi que não era uma espécie de nostalgia para ele. Era algo tão vivo no seu coração e no seu espírito em 1988 como havia sido em 1960.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Todo fã de música com o sangue fervendo nas veias anda angustiado com a falta de shows ao vivo, mas o sofrimento tem sido particularmente agudo para Bruce Springsteen, artista que passou as últimas seis décadas no palco, mas ele afirma que agora está pronto para recomeçar.

Bruce Springsteen. Foto: Angela Weiss / AFP

“Estou num ponto da minha vida artística e de tocar que sinto como nunca que é vital”, disse ele numa entrevista pelo Zoom, falando de sua casa em Nova Jersey. “Minha banda está na sua melhor condição e temos tanto conhecimento e arte acumulados sobre o que fazer que chegou um momento que eu me disse 'quero usar isto o máximo que puder'”.

Springsteen, de 71 anos, estava no seu pequeno home office, com capas de arquivo em cores primárias penduradas na parede em lugar de uma decoração mais viva, para falar sobre Letter to You, seu primeiro álbum com a E Street Band em seis anos, e um filme no Apple+ com o mesmo título que captura a experiência cinética da gravação em novembro passado.

Letter to You com frequência remonta a uma época muito anterior a essa. O elegíaco rock Last Man Standing é uma ode à banda à qual o cantor se juntou quando adolescente, os Castiles (e uma meditação sobre o fato, depois da morte do seu amigo George Theiss em 2018, de que ele é o único membro sobrevivente do grupo).

E três das músicas do álbum foram compostas há quase 50 anos, quando Springsteen era um desconhecido escrevendo baladas floridas no estilo de Bob Dylan. “Este é o primeiro álbum que gravei em que o tema é a música propriamente dita. Tem a ver com música popular. Sobre estar numa banda de rock durante todo esse tempo. E é também uma conversa direta minha com meus fãs a um nível que, acho, eles esperavam há anos”.

O mais próximo que Springsteen chegou em termos de hobby durante a quarentena tem sido apresentar um programa de rádio na Sirius XM, From My Home to Yours, um projeto no qual se lançou com um entusiasmo palpável. Ele busca seu laptop para ler exultante a lista de artistas cuja música o empolgaram recentemente: J.S. Ondara, Mondo Cozmo, H.E.R, Orville Peck, Larkin Poe e Bon Iver, entre outros. (Ele disse que não ouviu ainda Folklore, de Taylor Swift, mas só tem ouvido críticas boas a respeito).

Ter tempo para ouvir pelo menos é o lado positivo de ficar preso em casa. “Venho desfrutando dessa espécie de retorno à música”, disse o cantor. “Isso me lembra quando ainda era um garoto. Estava sempre nas lojas de discos procurando as últimas novidades”.

Imagem da capa de 'Letter To You', de Bruce Springsteen. O álbum será lançado em 23 de outubro. Foto: Columbia Records via AP

Abaixo, trechos da entrevista.

Como ocorreu com todo mundo, este ano não tem sido exatamente o que você esperava. Você está produzindo um álbum e não pode ainda fazer uma turnê para divulgá-lo.

Sim. Acho que será um processo até as pessoas se sentirem tranquilas para se encostarem umas nas outras novamente. Mas se alguém me disser que “jamais vai acontecer de novo”, isto seria uma enorme mudança da vida para mim. O ato de tocar tem sido uma das coisas mais persistentes na minha vida desde que eu tinha 16 anos de idade. Dependo muito da música e não só para a minha sobrevivência, mas para o meu bem-estar emocional. Portanto se alguém disser, “talvez daqui a cinco anos” é um tempo muito longo, particularmente na minha idade, tenho 71 anos e venho pensando: “bem, a única coisa que eu sei é que estou num estado de espírito perfeito neste momento para derrubar a casa enquanto puder”.

Suponho que você viu as pessoas tocando 'Born in the USA' diante do centro médico de Walter Reed quando o presidente Donald Trump esteve lá no início do mês. Como se sentiu? Décadas depois de Ronald Reagan e as pessoas ainda parecem não ter entendido essa música.

É o meu destino (risos). E aprendi a viver com ele com um sorriso. Quero dizer, acredito que não só o trabalho do compositor é escrever bem, mas também aquele que ouve tem de ouvir bem. Mas, de vez em quando, ainda vamos ouvir algo como o que você mencionou.

Acredito que esta é uma das melhores músicas que compus e, quando a interpretamos, há um poder cumulativo que permanece com ela. O orgulho das pessoas como se fizessem parte dessa música. Mas para compreendê-la você precisa fazer o que os adultos são capazes de fazer, ou seja, ter em mente duas ideias contraditórias de alguma coisa ao mesmo tempo. Como algo pode ser motivo de orgulho e ao mesmo tempo chama a nação à responsabilidade. Esta é apenas uma parte dessa música. Uma música que não é necessariamente o que aparenta ser.

Você reuniu a banda para 'Letter to You'. Quando se deu conta de que precisava fazer uma gravação com a E Street Band?

Sabia que desejava fazer uma gravação com a banda e que fosse pura instrumentação: dois teclados, guitarras, baixo, bateria e saxofone, e nada mais. Não queria um demo ou ter ideias preconcebidas da música, de modo que não entrei com as canções até ensiná-las para a banda. Meu projeto se resumia basicamente nas duas músicas que compus no passado que haviam sido gravadas ao vivo, Darkness on the Edge of Town e Born in the USA, que são como dois takes. Assim gravamos cada uma durante três horas, as duas em um dia e finalizamos tudo em quatro dias. E no quinto dia descansamos.

Gravar nem sempre foi fácil para você.

Oh, não, gravar costuma ser um inferno. Passo horas fazendo gravações. Mesmo Western Stars levou um longo tempo. Não é um processo doloroso, mas muito lento.

Além do novo material, há três músicas neste álbum que você compôs no início dos anos 1970. O que o fez retornar a elas?

Vinha trabalhando num conjunto de músicas no nosso baú e deparei com algumas que havia gravado para John Hammond, o antigo vice-presidente da Columbia Records que me descobriu e me contratou para um demo em 1971, quando eu tinha 22 anos de idade. E essas músicas estavam no baú e eu as compus para minha primeira gravação. Então deparei com elas e descobri algumas outras que achei que seria interessante a banda tocar.

É divertido retornar e ver como minhas letras eram selvagens e o quão reprimidas eram numa certa época, e trazê-las para o momento presente com a banda e cantar com a minha voz hoje foi muito divertido. Cada frase é insana. E de algum modo acabam fazendo sentido. Não lembro bem como compus naquela época.

Vi que você estava numa luta com a espiritualidade nesta gravação especialmente numa música como 'The Power of Prayer'.

Estou envelhecendo e me tornei um compositor espiritual por natureza, pelas coisas que passaram a me interessar. No fim, estou compondo música sobre minha própria vida espiritual e me endereçando à sua. Compomos muito música que tem a ver com a alma; é o caráter da nossa banda. Ouvindo a voz de Bem E. King ou The Driffers, alguns dos artistas pop transcendentais do início dos anos 1960, eu acho que existe uma grande essência espiritual neles. E sempre foi algo que desejava comunicar quando compunha minha própria música. Não há nada de dogmático, exagerado e não envolve nenhuma religião. Apenas espírito, espero.

reference

Entre o seu livro, o show na Broadway e agora o documentário 'Letter for You' e algumas reflexões sobre este álbum, minha sensação é de que está começando a pensar no seu legado.

Legado já estava na minha mente quando eu era um garoto. Quanto mais velho você fica, mais você se questiona. Quem sabe o que vai durar e o que não vai.

John Sayles, um diretor amigo meu, disse-me “faço meus filmes para o momento. Faço-os para o público que vai assisti-los agora e assimilá-los em suas vidas”. Porque ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. E adotei o que ele disse como meu mantra nos últimos 20 ou 25 anos, no sentido de que minha música e meus álbuns são para o momento presente.

Eles são que são para você agora e é aí que está meu prazer neles e no meu público.

Acho que os projetos que fiz que foram num certo sentido uma soma de tudo - o livro foi, o show da Broadway, e mesmo este filme - é uma espécie de parada por um momento e avaliar o que fez e quando chega a um ponto crítico da sua vida, que, penso, você atinge quando chega aos 70 anos. Mas ainda vejo um trabalho vital à frente.

Simplesmente procuro encontrar uma veia de energia no que estou fazendo e na linguagem que aprendi para tornar minha música atual e relevante. Acho que se você mantém vivo o espírito interior do que está fazendo, continua relevante.

Lembro-me de ter tocado atrás de Roy Orbison em 1988. Fiquei surpreso como sua música era incrivelmente presente e atual e isto por causa da maneira como ele cantava. Entendi que não era uma espécie de nostalgia para ele. Era algo tão vivo no seu coração e no seu espírito em 1988 como havia sido em 1960.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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