Cantores do ‘country conservador’ dominam paradas nos EUA e superam divas pop; entenda fenômeno


Novos astros como Morgan Wallen e Luke Combs exaltam ‘valores familiares de cidades pequenas’ e disputam números com Taylor Swift e Dua Lipa. Eles quebram recordes na música e colecionam acusações de racismo fora dela

Por Julia Queiroz

“Por que essa música está tocando tanto neste país agora?”. Foi o que perguntou a moderadora Martha MacCallum aos pré-candidatos do Partido Republicano durante um debate presidencial da organização realizado na última quarta-feira, 23.

Ela se referia à canção Rich Men North of Richmond, de Oliver Anthony, que atingiu o primeiro lugar da Billboard Hot 100, a principal parada musical dos Estados Unidos, na última semana. Ele foi o primeiro artista na história a estrear no topo da lista sem nunca ter aparecido em nenhuma outra parada anteriormente.

Anthony é um agricultor que se arriscou na música e acabou viralizando no TikTok com a faixa. Ele agradou a extrema-direita americana com versos como: “E os obesos mamando assistência social. Deus, se você tem 1,60m e pesa 136kg, os impostos não deveriam pagar seus pacotes de biscoitos”.

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“Suas letras falam de alienação, uma profunda frustração com o estado do governo e deste país“, disse MacCallum. Anthony, por outro lado, não gostou muito de ter sido citado no debate, alegando que a música foi feita justamente para criticar os políticos do país.

“Outra coisa que acho irritante é que foi engraçado ver minha música no debate presidencial, porque escrevi essa música sobre essas pessoas. Para eles sentarem lá e ouvirem isso, isso me deixa louco”, argumentou em um vídeo divulgado na última sexta-feira, 25.

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Anthony é o mais novo nome de um fenômeno que parece estar dominando os EUA nos últimos meses: o country conservador, que ostenta ideais tradicionalistas, referências ao cristianismo e polêmicas que vão de racismo a brigas de bar.

A disputa nas paradas

O principal exponente desse fenômeno é o cantor Morgan Wallen. Ele destronou Harry Styles como o artista solo que passou o maior número de semanas com uma música em primeiro lugar na Billboard Hot 100.

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A canção Last Night já permaneceu 29 semanas na lista, sendo 16 delas no topo, ultrapassando a popular As It Was, do britânico, que ficou “apenas” 15.

Mas se você não tem costume de acompanhar o ranking divulgado semanalmente pela revista especializada Billboard, é provável que nunca tenha ouvido falar no nome de Wallen.

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O cantor de 30 anos é acompanhado por nomes como Luke Combs, cuja música Fast Car, um cover do clássico folk de Tracy Chapman lançado em 1988, já passou 21 semanas na Billboard Hot 100 e, nesta semana, ocupa a segunda colocação.

No final de julho, o veterano Jason Aldean conquistou o primeiro lugar da parada com a controversa Try That In A Small Town - o vídeo da canção foi excluído do Country Music Television (CMT), canal no Youtube dedicado à música country, após internautas apontarem que ele incentiva a violência armada e transmite ideias racistas.

A Hot 100 é calculada por meio de uma combinação entre o número de transmissões de uma música em emissoras de rádios, quantidade de vendas físicas e digitais, e reproduções em serviços de streaming, como Spotify, Deezer e Apple Music.

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Além da parada, a Billboard também divulga outras duas importantes listas que englobam todos os gêneros musicais: a Global 200, que inclui os Estados Unidos e o restante do mundo, e a Global (excluding U.S), que faz o cálculo sem os números estadunidense.

Aqui, um fator importante: Wallen fez apenas aparições discretas nestas listas, não chegando ao Top 5. Combs e Aldean então, não aparecem nem no Top 10. É somente no ranking que calcula exclusivamente o consumo nos Estados Unidos que o country conservador reina.

Para efeito de comparação: segundo dados do YouTube, o Brasil é o sétimo país que mais escuta músicas de Combs na plataforma. Mesmo assim, a audiência do cantor em solo americano é quase 100 vezes maior: são 546 mil visualizações aqui, contra 53,5 milhões nos EUA.

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No caso de Wallen, a diferença é ainda mais expressiva. O Brasil é o oitavo país que mais assiste o cantor no YouTube, com 243 mil visualizações. Nos Estados Unidos, contudo, são 109 milhões de visualizações - 100 milhões a mais do que o segundo colocado, o Canadá, com 8, 81 milhões.

O cantor Morgan Wallen, que tem dominado as paradas dos Estados Unidos com a música 'Last Night'. REUTERS/Steve Marcus Foto: Steve Marcus/REUTERS

Na Billboard Hot 100, esses cantores têm feito frente às grandes divas da música pop atual: Taylor Swift, Dua Lipa, Olivia Rodrigo e Selena Gomez, todas aparecem abaixo dos cantores country na lista divulgada na última segunda-feira, 21.

Taylor, por exemplo, tenta há semanas emplacar o “hit do verão” com Cruel Summer, música de quatro anos atrás que tem sido alavancada por fãs, mas ainda não conseguiu alcançar o primeiro lugar.

O mesmo acontece com Dance The Night, lançada por Dua Lipa como parte da trilha sonora de Barbie, e Calm Down, parceria de Selena Gomez com Rema que está há meses na lista, mas nunca no topo. Olivia Rodrigo chegou a conquistar o número um com Vampire, mas caiu para Wallen na semana seguinte.

Já nesta semana, todas elas foram “barradas” pela já citada Rich Men North of Richmond, de Oliver Anthony. Em músicas mais antigas publicadas por ele no TikTok, onde o cantor tem mais de 1,6 milhão de seguidores, ele fala sobre problemas com álcool e faz críticas aos políticos norte-americanos.

Em entrevista à Billboard, Draven Riffe, empresário de Anthony, afirmou acreditar que “Deus escolheu falar por meio de Oliver e falar com todos os americanos por meio de sua música”.

Country conservador é regado a polêmicas

Anthony é apenas o caso mais recente de um cantor country que conquista as paradas americanas e é cercado por polêmicas. O dominante Morgan Wallen tem um longo histórico de controvérsias.

Em maio de 2020, já durante a pandemia de covid-19, ele foi expulso de um bar no centro de Nashville, Tennessee, preso e acusado de “embriaguez pública e conduta desordeira”. No dia seguinte, ele pediu desculpas em uma publicação agora deletada no Twitter e, mais tarde, os promotores desistiram das acusações.

Em outubro do mesmo ano, ele foi flagrado festejando sem máscara em um bar no estado do Alabama, que naquele ponto havia imposto o uso obrigatório da proteção e um mandato de distanciamento social para impedir a propagação da covid.

Já em fevereiro de 2021, surgiu nas redes sociais um vídeo de Wallen proferindo a palavra “nigger”, que é amplamente considerado um termo depreciativo e ofensivo para se referir a pessoas negras nos Estados Unidos.

“Estou envergonhado e arrependido”, disse ao TMZ na época. “Usei uma calúnia racial inaceitável e inadequada que gostaria de poder retirar. Não há desculpas para usar esse tipo de linguagem, nunca. Quero me desculpar sinceramente por usar a palavra. Prometo fazer melhor.”

Morgan Wallen foi acusado de racismo e de quebrar os protocolos sanitários durante a pandemia de covid-19. Foto: Steve Marcus / REUTERS

Ele não é o único a enfrentar acusações de racismo. Em 2015, Luke Combs participou de um videoclipe que mostra a imagem da bandeira dos Estados Confederados, grupo que, durante a Guerra Civil Americana, buscou a independência para impedir a abolição da escravatura.

A bandeira hoje é considerada um símbolo da supremacia branca e já foi usada por grupos como a Ku Klux Klan, que defende a segregação racial. Assim como Wallen, Combs chegou a pedir desculpas pelas suas ações.

Vale notar que a canção em questão, chamada Can I get a Outlaw - uma parceria com o rapper Ryan Upchurch - surfa na onda do “Make America Great Again” (”Faça a América grande novo”), slogan de campanha do ex-presidente Donald Trump.

“Naquela época, eram seis armas e seis cordas. Cara, aquilo era o país. É assim que o país ainda está para ser”, canta Combs. A música é saudosista, mencionando antigos nomes da música country, e depois ainda diz: “Eu preciso de um pregador, preciso de um salvador. E vocês?”

O caso de Jason Aldean talvez tenha sido a polêmica recente mais emblemática. No vídeo de Try That In A Small Town, o cantor inseriu imagens de protestos e manifestantes em conflito com a polícia, que muitos associaram ao movimento Black Lives Matter, junto com registros de criminosos em ação.

“Desacate um policial, cuspa na cara dele. Pise na bandeira e a queime. Sim, você se acha o forte”, canta ele na música. “Tenho uma arma que meu avô me deu. Dizem que um dia eles vão nos cercar. Bem, essa merd* pode funcionar na cidade grande, boa sorte”.

Jason Aldean, na música Try That In a Small Town

Aldean foi acusado de propagar ideias racistas e incentivar a violência armada. No entanto, ele alegou que “não há uma única letra na música que faça referência à raça ou aponte para ela” e que a música se refere ao “sentimento de comunidade que teve enquanto crescia”.

Vale pontuar que o cantor foi elogiado pelo próprio Donald Trump e que a mulher dele, Brittany Aldean, e sua irmã, Kasi Rosa Wicks, possuem uma linha de roupas que, além de promover o artista, estampa frases como “fechem as fronteiras” e “não é conservador, é senso comum”.

Da onde vem esse sucesso?

O country, gênero musical tradicionalmente americano, é comumente comparado ao sertanejo no Brasil, apesar de ter maiores referências do folk e do rock. É também um estilo intrinsecamente ligado às suas raízes rurais do sul dos Estados Unidos. Em comum, ligação com a cultura rural.

No passado, foram artistas como Hank Williams, Johnny Cash e Dolly Parton que o tornaram tão popular. Depois, vieram nomes como Carrie Underwood, Tim McGraw, Blake Shelton e Miranda Lambert. A própria Taylor Swift começou no country antes de fazer uma transição para a música pop.

Não seria justo dizer que o country deixou de ser popular, mas Wallen e Combs fazem parte de uma geração que tem levado o gênero de volta ao mainstream, ou seja, popular fora apenas do público que sempre o consumiu.

É irônico que o country conservador tenha tantas controvérsias envolvendo acusações de racismo, pois para muitos especialistas em música norte-americanos, o sucesso desses cantores tem grande influência do fenômeno Old Town Road, de Lil Nas X, um artista negro.

Caso você não se lembre, a faixa, uma parceria com o cantor Billy Ray Cyrus, foi um grande hit em 2019, misturando elementos do country e do hip-hop. A música ainda detém o recorde de canção que passou mais tempo no topo da Billboard Hot 100 - foram 19 semanas, número que Wallen ainda pode bater, caso o sucesso de Last Night se mantenha.

Essa confluência entre os dois gêneros é um dos fatores que tem ajudado o country a se tornar mais popular, uma vez que Wallen e outros nomes do estilo tem usado o rap e até o pop como referência em suas músicas.

Outro fator importante é a dominância do streaming. Cada vez menos as pessoas vão a uma loja procurando por discos de um ritmo específico. Se você gosta de um música, provavelmente vai escutá-la sem se preocupar com o gênero musical.

Isso sem mencionar as controvérsias em torno das canções. A própria Billboard avaliou que as polêmicas de Rich Men North of Richmond e Try That In A Small Town ajudaram no sucesso das faixas, já que o debate público também faz com que as faixas cheguem a um público maior.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

“Por que essa música está tocando tanto neste país agora?”. Foi o que perguntou a moderadora Martha MacCallum aos pré-candidatos do Partido Republicano durante um debate presidencial da organização realizado na última quarta-feira, 23.

Ela se referia à canção Rich Men North of Richmond, de Oliver Anthony, que atingiu o primeiro lugar da Billboard Hot 100, a principal parada musical dos Estados Unidos, na última semana. Ele foi o primeiro artista na história a estrear no topo da lista sem nunca ter aparecido em nenhuma outra parada anteriormente.

Anthony é um agricultor que se arriscou na música e acabou viralizando no TikTok com a faixa. Ele agradou a extrema-direita americana com versos como: “E os obesos mamando assistência social. Deus, se você tem 1,60m e pesa 136kg, os impostos não deveriam pagar seus pacotes de biscoitos”.

“Suas letras falam de alienação, uma profunda frustração com o estado do governo e deste país“, disse MacCallum. Anthony, por outro lado, não gostou muito de ter sido citado no debate, alegando que a música foi feita justamente para criticar os políticos do país.

“Outra coisa que acho irritante é que foi engraçado ver minha música no debate presidencial, porque escrevi essa música sobre essas pessoas. Para eles sentarem lá e ouvirem isso, isso me deixa louco”, argumentou em um vídeo divulgado na última sexta-feira, 25.

Anthony é o mais novo nome de um fenômeno que parece estar dominando os EUA nos últimos meses: o country conservador, que ostenta ideais tradicionalistas, referências ao cristianismo e polêmicas que vão de racismo a brigas de bar.

A disputa nas paradas

O principal exponente desse fenômeno é o cantor Morgan Wallen. Ele destronou Harry Styles como o artista solo que passou o maior número de semanas com uma música em primeiro lugar na Billboard Hot 100.

A canção Last Night já permaneceu 29 semanas na lista, sendo 16 delas no topo, ultrapassando a popular As It Was, do britânico, que ficou “apenas” 15.

Mas se você não tem costume de acompanhar o ranking divulgado semanalmente pela revista especializada Billboard, é provável que nunca tenha ouvido falar no nome de Wallen.

O cantor de 30 anos é acompanhado por nomes como Luke Combs, cuja música Fast Car, um cover do clássico folk de Tracy Chapman lançado em 1988, já passou 21 semanas na Billboard Hot 100 e, nesta semana, ocupa a segunda colocação.

No final de julho, o veterano Jason Aldean conquistou o primeiro lugar da parada com a controversa Try That In A Small Town - o vídeo da canção foi excluído do Country Music Television (CMT), canal no Youtube dedicado à música country, após internautas apontarem que ele incentiva a violência armada e transmite ideias racistas.

A Hot 100 é calculada por meio de uma combinação entre o número de transmissões de uma música em emissoras de rádios, quantidade de vendas físicas e digitais, e reproduções em serviços de streaming, como Spotify, Deezer e Apple Music.

Além da parada, a Billboard também divulga outras duas importantes listas que englobam todos os gêneros musicais: a Global 200, que inclui os Estados Unidos e o restante do mundo, e a Global (excluding U.S), que faz o cálculo sem os números estadunidense.

Aqui, um fator importante: Wallen fez apenas aparições discretas nestas listas, não chegando ao Top 5. Combs e Aldean então, não aparecem nem no Top 10. É somente no ranking que calcula exclusivamente o consumo nos Estados Unidos que o country conservador reina.

Para efeito de comparação: segundo dados do YouTube, o Brasil é o sétimo país que mais escuta músicas de Combs na plataforma. Mesmo assim, a audiência do cantor em solo americano é quase 100 vezes maior: são 546 mil visualizações aqui, contra 53,5 milhões nos EUA.

No caso de Wallen, a diferença é ainda mais expressiva. O Brasil é o oitavo país que mais assiste o cantor no YouTube, com 243 mil visualizações. Nos Estados Unidos, contudo, são 109 milhões de visualizações - 100 milhões a mais do que o segundo colocado, o Canadá, com 8, 81 milhões.

O cantor Morgan Wallen, que tem dominado as paradas dos Estados Unidos com a música 'Last Night'. REUTERS/Steve Marcus Foto: Steve Marcus/REUTERS

Na Billboard Hot 100, esses cantores têm feito frente às grandes divas da música pop atual: Taylor Swift, Dua Lipa, Olivia Rodrigo e Selena Gomez, todas aparecem abaixo dos cantores country na lista divulgada na última segunda-feira, 21.

Taylor, por exemplo, tenta há semanas emplacar o “hit do verão” com Cruel Summer, música de quatro anos atrás que tem sido alavancada por fãs, mas ainda não conseguiu alcançar o primeiro lugar.

O mesmo acontece com Dance The Night, lançada por Dua Lipa como parte da trilha sonora de Barbie, e Calm Down, parceria de Selena Gomez com Rema que está há meses na lista, mas nunca no topo. Olivia Rodrigo chegou a conquistar o número um com Vampire, mas caiu para Wallen na semana seguinte.

Já nesta semana, todas elas foram “barradas” pela já citada Rich Men North of Richmond, de Oliver Anthony. Em músicas mais antigas publicadas por ele no TikTok, onde o cantor tem mais de 1,6 milhão de seguidores, ele fala sobre problemas com álcool e faz críticas aos políticos norte-americanos.

Em entrevista à Billboard, Draven Riffe, empresário de Anthony, afirmou acreditar que “Deus escolheu falar por meio de Oliver e falar com todos os americanos por meio de sua música”.

Country conservador é regado a polêmicas

Anthony é apenas o caso mais recente de um cantor country que conquista as paradas americanas e é cercado por polêmicas. O dominante Morgan Wallen tem um longo histórico de controvérsias.

Em maio de 2020, já durante a pandemia de covid-19, ele foi expulso de um bar no centro de Nashville, Tennessee, preso e acusado de “embriaguez pública e conduta desordeira”. No dia seguinte, ele pediu desculpas em uma publicação agora deletada no Twitter e, mais tarde, os promotores desistiram das acusações.

Em outubro do mesmo ano, ele foi flagrado festejando sem máscara em um bar no estado do Alabama, que naquele ponto havia imposto o uso obrigatório da proteção e um mandato de distanciamento social para impedir a propagação da covid.

Já em fevereiro de 2021, surgiu nas redes sociais um vídeo de Wallen proferindo a palavra “nigger”, que é amplamente considerado um termo depreciativo e ofensivo para se referir a pessoas negras nos Estados Unidos.

“Estou envergonhado e arrependido”, disse ao TMZ na época. “Usei uma calúnia racial inaceitável e inadequada que gostaria de poder retirar. Não há desculpas para usar esse tipo de linguagem, nunca. Quero me desculpar sinceramente por usar a palavra. Prometo fazer melhor.”

Morgan Wallen foi acusado de racismo e de quebrar os protocolos sanitários durante a pandemia de covid-19. Foto: Steve Marcus / REUTERS

Ele não é o único a enfrentar acusações de racismo. Em 2015, Luke Combs participou de um videoclipe que mostra a imagem da bandeira dos Estados Confederados, grupo que, durante a Guerra Civil Americana, buscou a independência para impedir a abolição da escravatura.

A bandeira hoje é considerada um símbolo da supremacia branca e já foi usada por grupos como a Ku Klux Klan, que defende a segregação racial. Assim como Wallen, Combs chegou a pedir desculpas pelas suas ações.

Vale notar que a canção em questão, chamada Can I get a Outlaw - uma parceria com o rapper Ryan Upchurch - surfa na onda do “Make America Great Again” (”Faça a América grande novo”), slogan de campanha do ex-presidente Donald Trump.

“Naquela época, eram seis armas e seis cordas. Cara, aquilo era o país. É assim que o país ainda está para ser”, canta Combs. A música é saudosista, mencionando antigos nomes da música country, e depois ainda diz: “Eu preciso de um pregador, preciso de um salvador. E vocês?”

O caso de Jason Aldean talvez tenha sido a polêmica recente mais emblemática. No vídeo de Try That In A Small Town, o cantor inseriu imagens de protestos e manifestantes em conflito com a polícia, que muitos associaram ao movimento Black Lives Matter, junto com registros de criminosos em ação.

“Desacate um policial, cuspa na cara dele. Pise na bandeira e a queime. Sim, você se acha o forte”, canta ele na música. “Tenho uma arma que meu avô me deu. Dizem que um dia eles vão nos cercar. Bem, essa merd* pode funcionar na cidade grande, boa sorte”.

Jason Aldean, na música Try That In a Small Town

Aldean foi acusado de propagar ideias racistas e incentivar a violência armada. No entanto, ele alegou que “não há uma única letra na música que faça referência à raça ou aponte para ela” e que a música se refere ao “sentimento de comunidade que teve enquanto crescia”.

Vale pontuar que o cantor foi elogiado pelo próprio Donald Trump e que a mulher dele, Brittany Aldean, e sua irmã, Kasi Rosa Wicks, possuem uma linha de roupas que, além de promover o artista, estampa frases como “fechem as fronteiras” e “não é conservador, é senso comum”.

Da onde vem esse sucesso?

O country, gênero musical tradicionalmente americano, é comumente comparado ao sertanejo no Brasil, apesar de ter maiores referências do folk e do rock. É também um estilo intrinsecamente ligado às suas raízes rurais do sul dos Estados Unidos. Em comum, ligação com a cultura rural.

No passado, foram artistas como Hank Williams, Johnny Cash e Dolly Parton que o tornaram tão popular. Depois, vieram nomes como Carrie Underwood, Tim McGraw, Blake Shelton e Miranda Lambert. A própria Taylor Swift começou no country antes de fazer uma transição para a música pop.

Não seria justo dizer que o country deixou de ser popular, mas Wallen e Combs fazem parte de uma geração que tem levado o gênero de volta ao mainstream, ou seja, popular fora apenas do público que sempre o consumiu.

É irônico que o country conservador tenha tantas controvérsias envolvendo acusações de racismo, pois para muitos especialistas em música norte-americanos, o sucesso desses cantores tem grande influência do fenômeno Old Town Road, de Lil Nas X, um artista negro.

Caso você não se lembre, a faixa, uma parceria com o cantor Billy Ray Cyrus, foi um grande hit em 2019, misturando elementos do country e do hip-hop. A música ainda detém o recorde de canção que passou mais tempo no topo da Billboard Hot 100 - foram 19 semanas, número que Wallen ainda pode bater, caso o sucesso de Last Night se mantenha.

Essa confluência entre os dois gêneros é um dos fatores que tem ajudado o country a se tornar mais popular, uma vez que Wallen e outros nomes do estilo tem usado o rap e até o pop como referência em suas músicas.

Outro fator importante é a dominância do streaming. Cada vez menos as pessoas vão a uma loja procurando por discos de um ritmo específico. Se você gosta de um música, provavelmente vai escutá-la sem se preocupar com o gênero musical.

Isso sem mencionar as controvérsias em torno das canções. A própria Billboard avaliou que as polêmicas de Rich Men North of Richmond e Try That In A Small Town ajudaram no sucesso das faixas, já que o debate público também faz com que as faixas cheguem a um público maior.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

“Por que essa música está tocando tanto neste país agora?”. Foi o que perguntou a moderadora Martha MacCallum aos pré-candidatos do Partido Republicano durante um debate presidencial da organização realizado na última quarta-feira, 23.

Ela se referia à canção Rich Men North of Richmond, de Oliver Anthony, que atingiu o primeiro lugar da Billboard Hot 100, a principal parada musical dos Estados Unidos, na última semana. Ele foi o primeiro artista na história a estrear no topo da lista sem nunca ter aparecido em nenhuma outra parada anteriormente.

Anthony é um agricultor que se arriscou na música e acabou viralizando no TikTok com a faixa. Ele agradou a extrema-direita americana com versos como: “E os obesos mamando assistência social. Deus, se você tem 1,60m e pesa 136kg, os impostos não deveriam pagar seus pacotes de biscoitos”.

“Suas letras falam de alienação, uma profunda frustração com o estado do governo e deste país“, disse MacCallum. Anthony, por outro lado, não gostou muito de ter sido citado no debate, alegando que a música foi feita justamente para criticar os políticos do país.

“Outra coisa que acho irritante é que foi engraçado ver minha música no debate presidencial, porque escrevi essa música sobre essas pessoas. Para eles sentarem lá e ouvirem isso, isso me deixa louco”, argumentou em um vídeo divulgado na última sexta-feira, 25.

Anthony é o mais novo nome de um fenômeno que parece estar dominando os EUA nos últimos meses: o country conservador, que ostenta ideais tradicionalistas, referências ao cristianismo e polêmicas que vão de racismo a brigas de bar.

A disputa nas paradas

O principal exponente desse fenômeno é o cantor Morgan Wallen. Ele destronou Harry Styles como o artista solo que passou o maior número de semanas com uma música em primeiro lugar na Billboard Hot 100.

A canção Last Night já permaneceu 29 semanas na lista, sendo 16 delas no topo, ultrapassando a popular As It Was, do britânico, que ficou “apenas” 15.

Mas se você não tem costume de acompanhar o ranking divulgado semanalmente pela revista especializada Billboard, é provável que nunca tenha ouvido falar no nome de Wallen.

O cantor de 30 anos é acompanhado por nomes como Luke Combs, cuja música Fast Car, um cover do clássico folk de Tracy Chapman lançado em 1988, já passou 21 semanas na Billboard Hot 100 e, nesta semana, ocupa a segunda colocação.

No final de julho, o veterano Jason Aldean conquistou o primeiro lugar da parada com a controversa Try That In A Small Town - o vídeo da canção foi excluído do Country Music Television (CMT), canal no Youtube dedicado à música country, após internautas apontarem que ele incentiva a violência armada e transmite ideias racistas.

A Hot 100 é calculada por meio de uma combinação entre o número de transmissões de uma música em emissoras de rádios, quantidade de vendas físicas e digitais, e reproduções em serviços de streaming, como Spotify, Deezer e Apple Music.

Além da parada, a Billboard também divulga outras duas importantes listas que englobam todos os gêneros musicais: a Global 200, que inclui os Estados Unidos e o restante do mundo, e a Global (excluding U.S), que faz o cálculo sem os números estadunidense.

Aqui, um fator importante: Wallen fez apenas aparições discretas nestas listas, não chegando ao Top 5. Combs e Aldean então, não aparecem nem no Top 10. É somente no ranking que calcula exclusivamente o consumo nos Estados Unidos que o country conservador reina.

Para efeito de comparação: segundo dados do YouTube, o Brasil é o sétimo país que mais escuta músicas de Combs na plataforma. Mesmo assim, a audiência do cantor em solo americano é quase 100 vezes maior: são 546 mil visualizações aqui, contra 53,5 milhões nos EUA.

No caso de Wallen, a diferença é ainda mais expressiva. O Brasil é o oitavo país que mais assiste o cantor no YouTube, com 243 mil visualizações. Nos Estados Unidos, contudo, são 109 milhões de visualizações - 100 milhões a mais do que o segundo colocado, o Canadá, com 8, 81 milhões.

O cantor Morgan Wallen, que tem dominado as paradas dos Estados Unidos com a música 'Last Night'. REUTERS/Steve Marcus Foto: Steve Marcus/REUTERS

Na Billboard Hot 100, esses cantores têm feito frente às grandes divas da música pop atual: Taylor Swift, Dua Lipa, Olivia Rodrigo e Selena Gomez, todas aparecem abaixo dos cantores country na lista divulgada na última segunda-feira, 21.

Taylor, por exemplo, tenta há semanas emplacar o “hit do verão” com Cruel Summer, música de quatro anos atrás que tem sido alavancada por fãs, mas ainda não conseguiu alcançar o primeiro lugar.

O mesmo acontece com Dance The Night, lançada por Dua Lipa como parte da trilha sonora de Barbie, e Calm Down, parceria de Selena Gomez com Rema que está há meses na lista, mas nunca no topo. Olivia Rodrigo chegou a conquistar o número um com Vampire, mas caiu para Wallen na semana seguinte.

Já nesta semana, todas elas foram “barradas” pela já citada Rich Men North of Richmond, de Oliver Anthony. Em músicas mais antigas publicadas por ele no TikTok, onde o cantor tem mais de 1,6 milhão de seguidores, ele fala sobre problemas com álcool e faz críticas aos políticos norte-americanos.

Em entrevista à Billboard, Draven Riffe, empresário de Anthony, afirmou acreditar que “Deus escolheu falar por meio de Oliver e falar com todos os americanos por meio de sua música”.

Country conservador é regado a polêmicas

Anthony é apenas o caso mais recente de um cantor country que conquista as paradas americanas e é cercado por polêmicas. O dominante Morgan Wallen tem um longo histórico de controvérsias.

Em maio de 2020, já durante a pandemia de covid-19, ele foi expulso de um bar no centro de Nashville, Tennessee, preso e acusado de “embriaguez pública e conduta desordeira”. No dia seguinte, ele pediu desculpas em uma publicação agora deletada no Twitter e, mais tarde, os promotores desistiram das acusações.

Em outubro do mesmo ano, ele foi flagrado festejando sem máscara em um bar no estado do Alabama, que naquele ponto havia imposto o uso obrigatório da proteção e um mandato de distanciamento social para impedir a propagação da covid.

Já em fevereiro de 2021, surgiu nas redes sociais um vídeo de Wallen proferindo a palavra “nigger”, que é amplamente considerado um termo depreciativo e ofensivo para se referir a pessoas negras nos Estados Unidos.

“Estou envergonhado e arrependido”, disse ao TMZ na época. “Usei uma calúnia racial inaceitável e inadequada que gostaria de poder retirar. Não há desculpas para usar esse tipo de linguagem, nunca. Quero me desculpar sinceramente por usar a palavra. Prometo fazer melhor.”

Morgan Wallen foi acusado de racismo e de quebrar os protocolos sanitários durante a pandemia de covid-19. Foto: Steve Marcus / REUTERS

Ele não é o único a enfrentar acusações de racismo. Em 2015, Luke Combs participou de um videoclipe que mostra a imagem da bandeira dos Estados Confederados, grupo que, durante a Guerra Civil Americana, buscou a independência para impedir a abolição da escravatura.

A bandeira hoje é considerada um símbolo da supremacia branca e já foi usada por grupos como a Ku Klux Klan, que defende a segregação racial. Assim como Wallen, Combs chegou a pedir desculpas pelas suas ações.

Vale notar que a canção em questão, chamada Can I get a Outlaw - uma parceria com o rapper Ryan Upchurch - surfa na onda do “Make America Great Again” (”Faça a América grande novo”), slogan de campanha do ex-presidente Donald Trump.

“Naquela época, eram seis armas e seis cordas. Cara, aquilo era o país. É assim que o país ainda está para ser”, canta Combs. A música é saudosista, mencionando antigos nomes da música country, e depois ainda diz: “Eu preciso de um pregador, preciso de um salvador. E vocês?”

O caso de Jason Aldean talvez tenha sido a polêmica recente mais emblemática. No vídeo de Try That In A Small Town, o cantor inseriu imagens de protestos e manifestantes em conflito com a polícia, que muitos associaram ao movimento Black Lives Matter, junto com registros de criminosos em ação.

“Desacate um policial, cuspa na cara dele. Pise na bandeira e a queime. Sim, você se acha o forte”, canta ele na música. “Tenho uma arma que meu avô me deu. Dizem que um dia eles vão nos cercar. Bem, essa merd* pode funcionar na cidade grande, boa sorte”.

Jason Aldean, na música Try That In a Small Town

Aldean foi acusado de propagar ideias racistas e incentivar a violência armada. No entanto, ele alegou que “não há uma única letra na música que faça referência à raça ou aponte para ela” e que a música se refere ao “sentimento de comunidade que teve enquanto crescia”.

Vale pontuar que o cantor foi elogiado pelo próprio Donald Trump e que a mulher dele, Brittany Aldean, e sua irmã, Kasi Rosa Wicks, possuem uma linha de roupas que, além de promover o artista, estampa frases como “fechem as fronteiras” e “não é conservador, é senso comum”.

Da onde vem esse sucesso?

O country, gênero musical tradicionalmente americano, é comumente comparado ao sertanejo no Brasil, apesar de ter maiores referências do folk e do rock. É também um estilo intrinsecamente ligado às suas raízes rurais do sul dos Estados Unidos. Em comum, ligação com a cultura rural.

No passado, foram artistas como Hank Williams, Johnny Cash e Dolly Parton que o tornaram tão popular. Depois, vieram nomes como Carrie Underwood, Tim McGraw, Blake Shelton e Miranda Lambert. A própria Taylor Swift começou no country antes de fazer uma transição para a música pop.

Não seria justo dizer que o country deixou de ser popular, mas Wallen e Combs fazem parte de uma geração que tem levado o gênero de volta ao mainstream, ou seja, popular fora apenas do público que sempre o consumiu.

É irônico que o country conservador tenha tantas controvérsias envolvendo acusações de racismo, pois para muitos especialistas em música norte-americanos, o sucesso desses cantores tem grande influência do fenômeno Old Town Road, de Lil Nas X, um artista negro.

Caso você não se lembre, a faixa, uma parceria com o cantor Billy Ray Cyrus, foi um grande hit em 2019, misturando elementos do country e do hip-hop. A música ainda detém o recorde de canção que passou mais tempo no topo da Billboard Hot 100 - foram 19 semanas, número que Wallen ainda pode bater, caso o sucesso de Last Night se mantenha.

Essa confluência entre os dois gêneros é um dos fatores que tem ajudado o country a se tornar mais popular, uma vez que Wallen e outros nomes do estilo tem usado o rap e até o pop como referência em suas músicas.

Outro fator importante é a dominância do streaming. Cada vez menos as pessoas vão a uma loja procurando por discos de um ritmo específico. Se você gosta de um música, provavelmente vai escutá-la sem se preocupar com o gênero musical.

Isso sem mencionar as controvérsias em torno das canções. A própria Billboard avaliou que as polêmicas de Rich Men North of Richmond e Try That In A Small Town ajudaram no sucesso das faixas, já que o debate público também faz com que as faixas cheguem a um público maior.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

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