Carlos Santana se apresenta no festival Woodstock, que completa 50 anos


Em entrevista ao 'Estado', guitarrista diz que drogas turvaram lembranças mas que elogio de Jimi Hendrix é inesquecível

Por Fernanda Brambilla

Os inconfundíveis riffs de guitarra de Carlos Santana ganharão novo fôlego em meio aos tambores da música africana. Aos 71 anos, o virtuoso artista com mais de 100 milhões de discos vendidos, dono de 10 prêmios Grammy, outros três Latinos, estabeleceu uma missão bastante simples: aumentar o volume do som para chamar a atenção. “Queria causar um efeito forte na mente das pessoas, para lembrá-las de que estão numa prisão, de culpa, medo, vergonha. É o que Bob Marley chamava de mente escravizada. Precisamos de algo vibrante para romper essas correntes”, diz Santana em entrevista ao Estado na Cidade do México, onde ele apresentou informalmente o novo disco. Esta é a premissa de Africa Speaks: “A música africana tem os ingredientes necessários para curar essa febre de medo que estamos vivendo”.

Carlos Santana em Las Vegas Foto: Eric Jamison/Invision/AP

Se a ordem do dia é fazer barulho, o discurso destoa da figura serena, de fala mansa e que se esconde atrás do chapéu, e parece não estar totalmente à vontade sem a guitarra em mãos. Santana agradece a cada comentário, e a Deus; e não se cansa de pedir mais luz e amor a todos. “Para esse disco, eu realmente buscava algo forte. Mas, no seguinte, pode ser que faça algo mais suave, está bem assim?”, brinca, mostrando que não pensa em parar tão cedo.

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“Quero, com minha música, propor um mundo sem barreiras, fronteiras ou paredes.” O viés à primeira vista parece político, mas ele nega. “Não quero fazer política, a política é muito corrupta. Apenas acredito que temos de pensar em uma outra maneira de coexistir, com mais classe e dignidade. Mas isso não tem a ver com política, mas com espiritualidade. A espiritualidade é como água, mas a religião e a política são como Coca-Cola. Se você toma, vai te causar estrago.”

E conclui: “Minha música não é entretenimento. O que faço tem outro propósito, o de elevar o espírito e fazer com que as pessoas possam mudar a maneira como veem o mundo, e consigam validação pessoal”, diz. “Sabe, eu não consigo entender quem ouve música para passar o tempo. Isso não existe.” 

Africa Speaks é fruto do contrato firmado com a Concord Records em janeiro, e o começo de um ano cheio de realizações. Neste 2019, serão celebrados 50 anos de sua apresentação no festival de Woodstock, em 1969, que o pôs no mapa do rock, de onde nunca mais saiu, e no qual confirmou sua presença. Outro aniversário é o de 20 anos do hit Supernatural, álbum cheio de participações que ganhou nove Grammys e evocou à exaustão a baladinha Smooth, com vocais de Rob Thomas (de Matchbox Twenty) e embalada por riffs de guitarra que até hoje resistem na memória de gerações, além de María María (com The Product G&B) e Corazón Espinado (com a banda mexicana Maná).

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Santana se sentia ‘entre cores’ em Woodstock

“Tive anjos que me abriram portas ao longo da vida, e esse disco é a mais recente delas”, filosofa Carlos Santana na continuação da entrevista ao Estado. Em Woodstock, lembra, o convite para tocar veio de um amigo. “Ninguém nos conhecia, foi (o produtor) Bill Graham que falou ao Michael Lang (organizador do festival) para nos incluir. Ele perguntou: ‘O que é Santana?’, e Bill disse: ‘Espere e você vai ver só!’.”

As memórias daquele festival imortalizado, porém, não são muito claras, por culpa de um “estado de consciência mais elevado”, como define. “Eu tinha tomado muita ayahuasca e LSD naquela época” – algo que ele recomenda ainda hoje, “mas com supervisão, por favor”.

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“Quando nos mandaram ao palco àquela tarde, eu estava em um estado de ameba, com muitas cores. Nesse dia, descobri meu primeiro mantra: ‘Deus meu, me ajude’. Repeti isso por horas e deu certo.” Histórias à parte, dessa mítica apresentação Santana guarda, com carinho, um elogio de Jimi Hendrix. “Ele me disse que tinha gostado muito da minha seleção de notas”, conta.  A nova versão do festival de Woodstock está programada para agosto em Watkins Glen, NY, e Santana estará presente. “Desta vez, vamos aparecer com mais energia que nunca.”

O segredo da longevidade, conta ele, é uma fórmula caseira. “Me disseram que chegar ao Hall da Fama do Rock é o fim da linha para qualquer artista, mas eu consegui isso em 1997. Eu não ando por aí como um camelo velho. Olhe para mim. Tenho 71 anos, a maioria das pessoas na minha idade não tem essa energia, paixão, clareza de ideias e a vontade de subir ao palco e tocar 3 horas sem parar. Isso vem dos meus pais”, conta. Do pai, Carlos Santana herdou o carisma. Da mãe, a disciplina. 

“Se não fosse por ela, ainda estaria tocando na rua em Tijuana. Foi minha mãe quem me ensinou a ter disciplina. Ela sempre dizia: ‘Cocaína, heroína, essas coisas não são para você’”, diz, dedo em riste.

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Se Santana é um livro aberto e os capítulos parecem saltar, nem mesmo os mais difíceis, de traumas de infância, são tabus para o artista. “Hoje, eu posso afirmar que não tenho medo de nada. Mas vivo um desafio constante de vencer a parte ‘baixa’, triste, de Carlos. Hoje sei articular o que quero, mas foi um longo processo. Cresci com um conceito de vítima, pelo que passei quando era pequeno”, afirma, em referência a um período de sua infância em que sofreu abuso sexual de um padre, algo que revelou há alguns anos aos meios mexicanos.

“Tive a oportunidade de enfrentar essa situação e isso não me define. A pessoa que me fez isso eu mando para a luz. Até porque, se mandasse para o inferno, provavelmente teria de encontrá-lo lá. Já o perdoei”, diz.

O guitarrista não descarta entrar na lista das biopics da moda, com uma produção cinematográfica que conte sua vida. “Se ainda não fizeram um filme meu, é porque eu só deixo fazer se for uma história de sucesso. Se tentam me convencer de que não dá para vender uma boa história sem fracasso, eu digo que é melhor guardar seu dinheiro, porque aqui não tem nenhuma vítima.”

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Santana muda de tema com a facilidade de suas notas musicais. Voltando à África, ele conclui: “É o futuro da música. E está por todos os lados, no Brasil também, com o candomblé e a macumba. Eu gosto muito do Brasil, de Tom Jobim e Elis Regina, entre muitas outras coisas, porque são verdadeiros, vêm do coração.” 

Santana, em 2017 Foto: Kelley L Cox-USA TODAY

‘Ela é meu Bruce Lee’, diz músico sobre baterista 

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Uma primeira visita tardia ao museu do Louvre, em Paris, em 2016, e o deslumbramento com a obra de Leonardo da Vinci serviram de inspiração para o último EP de Carlos Santana, In Search of Mona Lisa, lançado em janeiro. “Eu nunca havia entendido o fascínio por essa mulher até que a vi. Foi uma conexão instantânea.” A Gioconda povoou os sonhos do guitarrista. “Ela me recordou que fomos amantes em uma vida passada”, conta Santana sobre os cinco temas do EP.

Dois meses depois, Africa Speaks surge das mãos do mesmo produtor, Rick Rubin. Inúmeras visitas ao continente africano e uma imersiva exploração de temas e ritmos dessa cultura levaram Santana à sua nova criação. “Eu não tinha nenhum outro interesse além de música africana”, filosofa o guitarrista, que conta com duas vozes femininas: a britânica Laura Mvula e a espanhola Buika.  Nas apresentações ao vivo, no entanto, é outra força maior que chama a atenção no palco de Santana: Cindy Blackman, de 59 anos e um vigor de adolescente, é mulher de Santana e baterista da banda, destila a experiência de anos na banda de Lenny Kravitz, além de uma dezena de discos de jazz lançados ao longo das últimas décadas. 

No domingo, 17, Santana se apresentou na Cidade do México como uma das atrações do festival Vive Latino. Antes de ele subir ao palco, os telões levaram os espectadores a um túnel do tempo, com imagens psicodélicas de The Grateful Dead, Jefferson Airplane, entre outros artistas da época de Woodstock. Igualmente vibrante como o guitarrista, Cindy brilhou e teve grandes momentos de solos de bateria. Carlos Santana sabe a sorte que tem: “Ela é meu Bruce Lee”.

Os inconfundíveis riffs de guitarra de Carlos Santana ganharão novo fôlego em meio aos tambores da música africana. Aos 71 anos, o virtuoso artista com mais de 100 milhões de discos vendidos, dono de 10 prêmios Grammy, outros três Latinos, estabeleceu uma missão bastante simples: aumentar o volume do som para chamar a atenção. “Queria causar um efeito forte na mente das pessoas, para lembrá-las de que estão numa prisão, de culpa, medo, vergonha. É o que Bob Marley chamava de mente escravizada. Precisamos de algo vibrante para romper essas correntes”, diz Santana em entrevista ao Estado na Cidade do México, onde ele apresentou informalmente o novo disco. Esta é a premissa de Africa Speaks: “A música africana tem os ingredientes necessários para curar essa febre de medo que estamos vivendo”.

Carlos Santana em Las Vegas Foto: Eric Jamison/Invision/AP

Se a ordem do dia é fazer barulho, o discurso destoa da figura serena, de fala mansa e que se esconde atrás do chapéu, e parece não estar totalmente à vontade sem a guitarra em mãos. Santana agradece a cada comentário, e a Deus; e não se cansa de pedir mais luz e amor a todos. “Para esse disco, eu realmente buscava algo forte. Mas, no seguinte, pode ser que faça algo mais suave, está bem assim?”, brinca, mostrando que não pensa em parar tão cedo.

“Quero, com minha música, propor um mundo sem barreiras, fronteiras ou paredes.” O viés à primeira vista parece político, mas ele nega. “Não quero fazer política, a política é muito corrupta. Apenas acredito que temos de pensar em uma outra maneira de coexistir, com mais classe e dignidade. Mas isso não tem a ver com política, mas com espiritualidade. A espiritualidade é como água, mas a religião e a política são como Coca-Cola. Se você toma, vai te causar estrago.”

E conclui: “Minha música não é entretenimento. O que faço tem outro propósito, o de elevar o espírito e fazer com que as pessoas possam mudar a maneira como veem o mundo, e consigam validação pessoal”, diz. “Sabe, eu não consigo entender quem ouve música para passar o tempo. Isso não existe.” 

Africa Speaks é fruto do contrato firmado com a Concord Records em janeiro, e o começo de um ano cheio de realizações. Neste 2019, serão celebrados 50 anos de sua apresentação no festival de Woodstock, em 1969, que o pôs no mapa do rock, de onde nunca mais saiu, e no qual confirmou sua presença. Outro aniversário é o de 20 anos do hit Supernatural, álbum cheio de participações que ganhou nove Grammys e evocou à exaustão a baladinha Smooth, com vocais de Rob Thomas (de Matchbox Twenty) e embalada por riffs de guitarra que até hoje resistem na memória de gerações, além de María María (com The Product G&B) e Corazón Espinado (com a banda mexicana Maná).

Santana se sentia ‘entre cores’ em Woodstock

“Tive anjos que me abriram portas ao longo da vida, e esse disco é a mais recente delas”, filosofa Carlos Santana na continuação da entrevista ao Estado. Em Woodstock, lembra, o convite para tocar veio de um amigo. “Ninguém nos conhecia, foi (o produtor) Bill Graham que falou ao Michael Lang (organizador do festival) para nos incluir. Ele perguntou: ‘O que é Santana?’, e Bill disse: ‘Espere e você vai ver só!’.”

As memórias daquele festival imortalizado, porém, não são muito claras, por culpa de um “estado de consciência mais elevado”, como define. “Eu tinha tomado muita ayahuasca e LSD naquela época” – algo que ele recomenda ainda hoje, “mas com supervisão, por favor”.

“Quando nos mandaram ao palco àquela tarde, eu estava em um estado de ameba, com muitas cores. Nesse dia, descobri meu primeiro mantra: ‘Deus meu, me ajude’. Repeti isso por horas e deu certo.” Histórias à parte, dessa mítica apresentação Santana guarda, com carinho, um elogio de Jimi Hendrix. “Ele me disse que tinha gostado muito da minha seleção de notas”, conta.  A nova versão do festival de Woodstock está programada para agosto em Watkins Glen, NY, e Santana estará presente. “Desta vez, vamos aparecer com mais energia que nunca.”

O segredo da longevidade, conta ele, é uma fórmula caseira. “Me disseram que chegar ao Hall da Fama do Rock é o fim da linha para qualquer artista, mas eu consegui isso em 1997. Eu não ando por aí como um camelo velho. Olhe para mim. Tenho 71 anos, a maioria das pessoas na minha idade não tem essa energia, paixão, clareza de ideias e a vontade de subir ao palco e tocar 3 horas sem parar. Isso vem dos meus pais”, conta. Do pai, Carlos Santana herdou o carisma. Da mãe, a disciplina. 

“Se não fosse por ela, ainda estaria tocando na rua em Tijuana. Foi minha mãe quem me ensinou a ter disciplina. Ela sempre dizia: ‘Cocaína, heroína, essas coisas não são para você’”, diz, dedo em riste.

Se Santana é um livro aberto e os capítulos parecem saltar, nem mesmo os mais difíceis, de traumas de infância, são tabus para o artista. “Hoje, eu posso afirmar que não tenho medo de nada. Mas vivo um desafio constante de vencer a parte ‘baixa’, triste, de Carlos. Hoje sei articular o que quero, mas foi um longo processo. Cresci com um conceito de vítima, pelo que passei quando era pequeno”, afirma, em referência a um período de sua infância em que sofreu abuso sexual de um padre, algo que revelou há alguns anos aos meios mexicanos.

“Tive a oportunidade de enfrentar essa situação e isso não me define. A pessoa que me fez isso eu mando para a luz. Até porque, se mandasse para o inferno, provavelmente teria de encontrá-lo lá. Já o perdoei”, diz.

O guitarrista não descarta entrar na lista das biopics da moda, com uma produção cinematográfica que conte sua vida. “Se ainda não fizeram um filme meu, é porque eu só deixo fazer se for uma história de sucesso. Se tentam me convencer de que não dá para vender uma boa história sem fracasso, eu digo que é melhor guardar seu dinheiro, porque aqui não tem nenhuma vítima.”

Santana muda de tema com a facilidade de suas notas musicais. Voltando à África, ele conclui: “É o futuro da música. E está por todos os lados, no Brasil também, com o candomblé e a macumba. Eu gosto muito do Brasil, de Tom Jobim e Elis Regina, entre muitas outras coisas, porque são verdadeiros, vêm do coração.” 

Santana, em 2017 Foto: Kelley L Cox-USA TODAY

‘Ela é meu Bruce Lee’, diz músico sobre baterista 

Uma primeira visita tardia ao museu do Louvre, em Paris, em 2016, e o deslumbramento com a obra de Leonardo da Vinci serviram de inspiração para o último EP de Carlos Santana, In Search of Mona Lisa, lançado em janeiro. “Eu nunca havia entendido o fascínio por essa mulher até que a vi. Foi uma conexão instantânea.” A Gioconda povoou os sonhos do guitarrista. “Ela me recordou que fomos amantes em uma vida passada”, conta Santana sobre os cinco temas do EP.

Dois meses depois, Africa Speaks surge das mãos do mesmo produtor, Rick Rubin. Inúmeras visitas ao continente africano e uma imersiva exploração de temas e ritmos dessa cultura levaram Santana à sua nova criação. “Eu não tinha nenhum outro interesse além de música africana”, filosofa o guitarrista, que conta com duas vozes femininas: a britânica Laura Mvula e a espanhola Buika.  Nas apresentações ao vivo, no entanto, é outra força maior que chama a atenção no palco de Santana: Cindy Blackman, de 59 anos e um vigor de adolescente, é mulher de Santana e baterista da banda, destila a experiência de anos na banda de Lenny Kravitz, além de uma dezena de discos de jazz lançados ao longo das últimas décadas. 

No domingo, 17, Santana se apresentou na Cidade do México como uma das atrações do festival Vive Latino. Antes de ele subir ao palco, os telões levaram os espectadores a um túnel do tempo, com imagens psicodélicas de The Grateful Dead, Jefferson Airplane, entre outros artistas da época de Woodstock. Igualmente vibrante como o guitarrista, Cindy brilhou e teve grandes momentos de solos de bateria. Carlos Santana sabe a sorte que tem: “Ela é meu Bruce Lee”.

Os inconfundíveis riffs de guitarra de Carlos Santana ganharão novo fôlego em meio aos tambores da música africana. Aos 71 anos, o virtuoso artista com mais de 100 milhões de discos vendidos, dono de 10 prêmios Grammy, outros três Latinos, estabeleceu uma missão bastante simples: aumentar o volume do som para chamar a atenção. “Queria causar um efeito forte na mente das pessoas, para lembrá-las de que estão numa prisão, de culpa, medo, vergonha. É o que Bob Marley chamava de mente escravizada. Precisamos de algo vibrante para romper essas correntes”, diz Santana em entrevista ao Estado na Cidade do México, onde ele apresentou informalmente o novo disco. Esta é a premissa de Africa Speaks: “A música africana tem os ingredientes necessários para curar essa febre de medo que estamos vivendo”.

Carlos Santana em Las Vegas Foto: Eric Jamison/Invision/AP

Se a ordem do dia é fazer barulho, o discurso destoa da figura serena, de fala mansa e que se esconde atrás do chapéu, e parece não estar totalmente à vontade sem a guitarra em mãos. Santana agradece a cada comentário, e a Deus; e não se cansa de pedir mais luz e amor a todos. “Para esse disco, eu realmente buscava algo forte. Mas, no seguinte, pode ser que faça algo mais suave, está bem assim?”, brinca, mostrando que não pensa em parar tão cedo.

“Quero, com minha música, propor um mundo sem barreiras, fronteiras ou paredes.” O viés à primeira vista parece político, mas ele nega. “Não quero fazer política, a política é muito corrupta. Apenas acredito que temos de pensar em uma outra maneira de coexistir, com mais classe e dignidade. Mas isso não tem a ver com política, mas com espiritualidade. A espiritualidade é como água, mas a religião e a política são como Coca-Cola. Se você toma, vai te causar estrago.”

E conclui: “Minha música não é entretenimento. O que faço tem outro propósito, o de elevar o espírito e fazer com que as pessoas possam mudar a maneira como veem o mundo, e consigam validação pessoal”, diz. “Sabe, eu não consigo entender quem ouve música para passar o tempo. Isso não existe.” 

Africa Speaks é fruto do contrato firmado com a Concord Records em janeiro, e o começo de um ano cheio de realizações. Neste 2019, serão celebrados 50 anos de sua apresentação no festival de Woodstock, em 1969, que o pôs no mapa do rock, de onde nunca mais saiu, e no qual confirmou sua presença. Outro aniversário é o de 20 anos do hit Supernatural, álbum cheio de participações que ganhou nove Grammys e evocou à exaustão a baladinha Smooth, com vocais de Rob Thomas (de Matchbox Twenty) e embalada por riffs de guitarra que até hoje resistem na memória de gerações, além de María María (com The Product G&B) e Corazón Espinado (com a banda mexicana Maná).

Santana se sentia ‘entre cores’ em Woodstock

“Tive anjos que me abriram portas ao longo da vida, e esse disco é a mais recente delas”, filosofa Carlos Santana na continuação da entrevista ao Estado. Em Woodstock, lembra, o convite para tocar veio de um amigo. “Ninguém nos conhecia, foi (o produtor) Bill Graham que falou ao Michael Lang (organizador do festival) para nos incluir. Ele perguntou: ‘O que é Santana?’, e Bill disse: ‘Espere e você vai ver só!’.”

As memórias daquele festival imortalizado, porém, não são muito claras, por culpa de um “estado de consciência mais elevado”, como define. “Eu tinha tomado muita ayahuasca e LSD naquela época” – algo que ele recomenda ainda hoje, “mas com supervisão, por favor”.

“Quando nos mandaram ao palco àquela tarde, eu estava em um estado de ameba, com muitas cores. Nesse dia, descobri meu primeiro mantra: ‘Deus meu, me ajude’. Repeti isso por horas e deu certo.” Histórias à parte, dessa mítica apresentação Santana guarda, com carinho, um elogio de Jimi Hendrix. “Ele me disse que tinha gostado muito da minha seleção de notas”, conta.  A nova versão do festival de Woodstock está programada para agosto em Watkins Glen, NY, e Santana estará presente. “Desta vez, vamos aparecer com mais energia que nunca.”

O segredo da longevidade, conta ele, é uma fórmula caseira. “Me disseram que chegar ao Hall da Fama do Rock é o fim da linha para qualquer artista, mas eu consegui isso em 1997. Eu não ando por aí como um camelo velho. Olhe para mim. Tenho 71 anos, a maioria das pessoas na minha idade não tem essa energia, paixão, clareza de ideias e a vontade de subir ao palco e tocar 3 horas sem parar. Isso vem dos meus pais”, conta. Do pai, Carlos Santana herdou o carisma. Da mãe, a disciplina. 

“Se não fosse por ela, ainda estaria tocando na rua em Tijuana. Foi minha mãe quem me ensinou a ter disciplina. Ela sempre dizia: ‘Cocaína, heroína, essas coisas não são para você’”, diz, dedo em riste.

Se Santana é um livro aberto e os capítulos parecem saltar, nem mesmo os mais difíceis, de traumas de infância, são tabus para o artista. “Hoje, eu posso afirmar que não tenho medo de nada. Mas vivo um desafio constante de vencer a parte ‘baixa’, triste, de Carlos. Hoje sei articular o que quero, mas foi um longo processo. Cresci com um conceito de vítima, pelo que passei quando era pequeno”, afirma, em referência a um período de sua infância em que sofreu abuso sexual de um padre, algo que revelou há alguns anos aos meios mexicanos.

“Tive a oportunidade de enfrentar essa situação e isso não me define. A pessoa que me fez isso eu mando para a luz. Até porque, se mandasse para o inferno, provavelmente teria de encontrá-lo lá. Já o perdoei”, diz.

O guitarrista não descarta entrar na lista das biopics da moda, com uma produção cinematográfica que conte sua vida. “Se ainda não fizeram um filme meu, é porque eu só deixo fazer se for uma história de sucesso. Se tentam me convencer de que não dá para vender uma boa história sem fracasso, eu digo que é melhor guardar seu dinheiro, porque aqui não tem nenhuma vítima.”

Santana muda de tema com a facilidade de suas notas musicais. Voltando à África, ele conclui: “É o futuro da música. E está por todos os lados, no Brasil também, com o candomblé e a macumba. Eu gosto muito do Brasil, de Tom Jobim e Elis Regina, entre muitas outras coisas, porque são verdadeiros, vêm do coração.” 

Santana, em 2017 Foto: Kelley L Cox-USA TODAY

‘Ela é meu Bruce Lee’, diz músico sobre baterista 

Uma primeira visita tardia ao museu do Louvre, em Paris, em 2016, e o deslumbramento com a obra de Leonardo da Vinci serviram de inspiração para o último EP de Carlos Santana, In Search of Mona Lisa, lançado em janeiro. “Eu nunca havia entendido o fascínio por essa mulher até que a vi. Foi uma conexão instantânea.” A Gioconda povoou os sonhos do guitarrista. “Ela me recordou que fomos amantes em uma vida passada”, conta Santana sobre os cinco temas do EP.

Dois meses depois, Africa Speaks surge das mãos do mesmo produtor, Rick Rubin. Inúmeras visitas ao continente africano e uma imersiva exploração de temas e ritmos dessa cultura levaram Santana à sua nova criação. “Eu não tinha nenhum outro interesse além de música africana”, filosofa o guitarrista, que conta com duas vozes femininas: a britânica Laura Mvula e a espanhola Buika.  Nas apresentações ao vivo, no entanto, é outra força maior que chama a atenção no palco de Santana: Cindy Blackman, de 59 anos e um vigor de adolescente, é mulher de Santana e baterista da banda, destila a experiência de anos na banda de Lenny Kravitz, além de uma dezena de discos de jazz lançados ao longo das últimas décadas. 

No domingo, 17, Santana se apresentou na Cidade do México como uma das atrações do festival Vive Latino. Antes de ele subir ao palco, os telões levaram os espectadores a um túnel do tempo, com imagens psicodélicas de The Grateful Dead, Jefferson Airplane, entre outros artistas da época de Woodstock. Igualmente vibrante como o guitarrista, Cindy brilhou e teve grandes momentos de solos de bateria. Carlos Santana sabe a sorte que tem: “Ela é meu Bruce Lee”.

Os inconfundíveis riffs de guitarra de Carlos Santana ganharão novo fôlego em meio aos tambores da música africana. Aos 71 anos, o virtuoso artista com mais de 100 milhões de discos vendidos, dono de 10 prêmios Grammy, outros três Latinos, estabeleceu uma missão bastante simples: aumentar o volume do som para chamar a atenção. “Queria causar um efeito forte na mente das pessoas, para lembrá-las de que estão numa prisão, de culpa, medo, vergonha. É o que Bob Marley chamava de mente escravizada. Precisamos de algo vibrante para romper essas correntes”, diz Santana em entrevista ao Estado na Cidade do México, onde ele apresentou informalmente o novo disco. Esta é a premissa de Africa Speaks: “A música africana tem os ingredientes necessários para curar essa febre de medo que estamos vivendo”.

Carlos Santana em Las Vegas Foto: Eric Jamison/Invision/AP

Se a ordem do dia é fazer barulho, o discurso destoa da figura serena, de fala mansa e que se esconde atrás do chapéu, e parece não estar totalmente à vontade sem a guitarra em mãos. Santana agradece a cada comentário, e a Deus; e não se cansa de pedir mais luz e amor a todos. “Para esse disco, eu realmente buscava algo forte. Mas, no seguinte, pode ser que faça algo mais suave, está bem assim?”, brinca, mostrando que não pensa em parar tão cedo.

“Quero, com minha música, propor um mundo sem barreiras, fronteiras ou paredes.” O viés à primeira vista parece político, mas ele nega. “Não quero fazer política, a política é muito corrupta. Apenas acredito que temos de pensar em uma outra maneira de coexistir, com mais classe e dignidade. Mas isso não tem a ver com política, mas com espiritualidade. A espiritualidade é como água, mas a religião e a política são como Coca-Cola. Se você toma, vai te causar estrago.”

E conclui: “Minha música não é entretenimento. O que faço tem outro propósito, o de elevar o espírito e fazer com que as pessoas possam mudar a maneira como veem o mundo, e consigam validação pessoal”, diz. “Sabe, eu não consigo entender quem ouve música para passar o tempo. Isso não existe.” 

Africa Speaks é fruto do contrato firmado com a Concord Records em janeiro, e o começo de um ano cheio de realizações. Neste 2019, serão celebrados 50 anos de sua apresentação no festival de Woodstock, em 1969, que o pôs no mapa do rock, de onde nunca mais saiu, e no qual confirmou sua presença. Outro aniversário é o de 20 anos do hit Supernatural, álbum cheio de participações que ganhou nove Grammys e evocou à exaustão a baladinha Smooth, com vocais de Rob Thomas (de Matchbox Twenty) e embalada por riffs de guitarra que até hoje resistem na memória de gerações, além de María María (com The Product G&B) e Corazón Espinado (com a banda mexicana Maná).

Santana se sentia ‘entre cores’ em Woodstock

“Tive anjos que me abriram portas ao longo da vida, e esse disco é a mais recente delas”, filosofa Carlos Santana na continuação da entrevista ao Estado. Em Woodstock, lembra, o convite para tocar veio de um amigo. “Ninguém nos conhecia, foi (o produtor) Bill Graham que falou ao Michael Lang (organizador do festival) para nos incluir. Ele perguntou: ‘O que é Santana?’, e Bill disse: ‘Espere e você vai ver só!’.”

As memórias daquele festival imortalizado, porém, não são muito claras, por culpa de um “estado de consciência mais elevado”, como define. “Eu tinha tomado muita ayahuasca e LSD naquela época” – algo que ele recomenda ainda hoje, “mas com supervisão, por favor”.

“Quando nos mandaram ao palco àquela tarde, eu estava em um estado de ameba, com muitas cores. Nesse dia, descobri meu primeiro mantra: ‘Deus meu, me ajude’. Repeti isso por horas e deu certo.” Histórias à parte, dessa mítica apresentação Santana guarda, com carinho, um elogio de Jimi Hendrix. “Ele me disse que tinha gostado muito da minha seleção de notas”, conta.  A nova versão do festival de Woodstock está programada para agosto em Watkins Glen, NY, e Santana estará presente. “Desta vez, vamos aparecer com mais energia que nunca.”

O segredo da longevidade, conta ele, é uma fórmula caseira. “Me disseram que chegar ao Hall da Fama do Rock é o fim da linha para qualquer artista, mas eu consegui isso em 1997. Eu não ando por aí como um camelo velho. Olhe para mim. Tenho 71 anos, a maioria das pessoas na minha idade não tem essa energia, paixão, clareza de ideias e a vontade de subir ao palco e tocar 3 horas sem parar. Isso vem dos meus pais”, conta. Do pai, Carlos Santana herdou o carisma. Da mãe, a disciplina. 

“Se não fosse por ela, ainda estaria tocando na rua em Tijuana. Foi minha mãe quem me ensinou a ter disciplina. Ela sempre dizia: ‘Cocaína, heroína, essas coisas não são para você’”, diz, dedo em riste.

Se Santana é um livro aberto e os capítulos parecem saltar, nem mesmo os mais difíceis, de traumas de infância, são tabus para o artista. “Hoje, eu posso afirmar que não tenho medo de nada. Mas vivo um desafio constante de vencer a parte ‘baixa’, triste, de Carlos. Hoje sei articular o que quero, mas foi um longo processo. Cresci com um conceito de vítima, pelo que passei quando era pequeno”, afirma, em referência a um período de sua infância em que sofreu abuso sexual de um padre, algo que revelou há alguns anos aos meios mexicanos.

“Tive a oportunidade de enfrentar essa situação e isso não me define. A pessoa que me fez isso eu mando para a luz. Até porque, se mandasse para o inferno, provavelmente teria de encontrá-lo lá. Já o perdoei”, diz.

O guitarrista não descarta entrar na lista das biopics da moda, com uma produção cinematográfica que conte sua vida. “Se ainda não fizeram um filme meu, é porque eu só deixo fazer se for uma história de sucesso. Se tentam me convencer de que não dá para vender uma boa história sem fracasso, eu digo que é melhor guardar seu dinheiro, porque aqui não tem nenhuma vítima.”

Santana muda de tema com a facilidade de suas notas musicais. Voltando à África, ele conclui: “É o futuro da música. E está por todos os lados, no Brasil também, com o candomblé e a macumba. Eu gosto muito do Brasil, de Tom Jobim e Elis Regina, entre muitas outras coisas, porque são verdadeiros, vêm do coração.” 

Santana, em 2017 Foto: Kelley L Cox-USA TODAY

‘Ela é meu Bruce Lee’, diz músico sobre baterista 

Uma primeira visita tardia ao museu do Louvre, em Paris, em 2016, e o deslumbramento com a obra de Leonardo da Vinci serviram de inspiração para o último EP de Carlos Santana, In Search of Mona Lisa, lançado em janeiro. “Eu nunca havia entendido o fascínio por essa mulher até que a vi. Foi uma conexão instantânea.” A Gioconda povoou os sonhos do guitarrista. “Ela me recordou que fomos amantes em uma vida passada”, conta Santana sobre os cinco temas do EP.

Dois meses depois, Africa Speaks surge das mãos do mesmo produtor, Rick Rubin. Inúmeras visitas ao continente africano e uma imersiva exploração de temas e ritmos dessa cultura levaram Santana à sua nova criação. “Eu não tinha nenhum outro interesse além de música africana”, filosofa o guitarrista, que conta com duas vozes femininas: a britânica Laura Mvula e a espanhola Buika.  Nas apresentações ao vivo, no entanto, é outra força maior que chama a atenção no palco de Santana: Cindy Blackman, de 59 anos e um vigor de adolescente, é mulher de Santana e baterista da banda, destila a experiência de anos na banda de Lenny Kravitz, além de uma dezena de discos de jazz lançados ao longo das últimas décadas. 

No domingo, 17, Santana se apresentou na Cidade do México como uma das atrações do festival Vive Latino. Antes de ele subir ao palco, os telões levaram os espectadores a um túnel do tempo, com imagens psicodélicas de The Grateful Dead, Jefferson Airplane, entre outros artistas da época de Woodstock. Igualmente vibrante como o guitarrista, Cindy brilhou e teve grandes momentos de solos de bateria. Carlos Santana sabe a sorte que tem: “Ela é meu Bruce Lee”.

Os inconfundíveis riffs de guitarra de Carlos Santana ganharão novo fôlego em meio aos tambores da música africana. Aos 71 anos, o virtuoso artista com mais de 100 milhões de discos vendidos, dono de 10 prêmios Grammy, outros três Latinos, estabeleceu uma missão bastante simples: aumentar o volume do som para chamar a atenção. “Queria causar um efeito forte na mente das pessoas, para lembrá-las de que estão numa prisão, de culpa, medo, vergonha. É o que Bob Marley chamava de mente escravizada. Precisamos de algo vibrante para romper essas correntes”, diz Santana em entrevista ao Estado na Cidade do México, onde ele apresentou informalmente o novo disco. Esta é a premissa de Africa Speaks: “A música africana tem os ingredientes necessários para curar essa febre de medo que estamos vivendo”.

Carlos Santana em Las Vegas Foto: Eric Jamison/Invision/AP

Se a ordem do dia é fazer barulho, o discurso destoa da figura serena, de fala mansa e que se esconde atrás do chapéu, e parece não estar totalmente à vontade sem a guitarra em mãos. Santana agradece a cada comentário, e a Deus; e não se cansa de pedir mais luz e amor a todos. “Para esse disco, eu realmente buscava algo forte. Mas, no seguinte, pode ser que faça algo mais suave, está bem assim?”, brinca, mostrando que não pensa em parar tão cedo.

“Quero, com minha música, propor um mundo sem barreiras, fronteiras ou paredes.” O viés à primeira vista parece político, mas ele nega. “Não quero fazer política, a política é muito corrupta. Apenas acredito que temos de pensar em uma outra maneira de coexistir, com mais classe e dignidade. Mas isso não tem a ver com política, mas com espiritualidade. A espiritualidade é como água, mas a religião e a política são como Coca-Cola. Se você toma, vai te causar estrago.”

E conclui: “Minha música não é entretenimento. O que faço tem outro propósito, o de elevar o espírito e fazer com que as pessoas possam mudar a maneira como veem o mundo, e consigam validação pessoal”, diz. “Sabe, eu não consigo entender quem ouve música para passar o tempo. Isso não existe.” 

Africa Speaks é fruto do contrato firmado com a Concord Records em janeiro, e o começo de um ano cheio de realizações. Neste 2019, serão celebrados 50 anos de sua apresentação no festival de Woodstock, em 1969, que o pôs no mapa do rock, de onde nunca mais saiu, e no qual confirmou sua presença. Outro aniversário é o de 20 anos do hit Supernatural, álbum cheio de participações que ganhou nove Grammys e evocou à exaustão a baladinha Smooth, com vocais de Rob Thomas (de Matchbox Twenty) e embalada por riffs de guitarra que até hoje resistem na memória de gerações, além de María María (com The Product G&B) e Corazón Espinado (com a banda mexicana Maná).

Santana se sentia ‘entre cores’ em Woodstock

“Tive anjos que me abriram portas ao longo da vida, e esse disco é a mais recente delas”, filosofa Carlos Santana na continuação da entrevista ao Estado. Em Woodstock, lembra, o convite para tocar veio de um amigo. “Ninguém nos conhecia, foi (o produtor) Bill Graham que falou ao Michael Lang (organizador do festival) para nos incluir. Ele perguntou: ‘O que é Santana?’, e Bill disse: ‘Espere e você vai ver só!’.”

As memórias daquele festival imortalizado, porém, não são muito claras, por culpa de um “estado de consciência mais elevado”, como define. “Eu tinha tomado muita ayahuasca e LSD naquela época” – algo que ele recomenda ainda hoje, “mas com supervisão, por favor”.

“Quando nos mandaram ao palco àquela tarde, eu estava em um estado de ameba, com muitas cores. Nesse dia, descobri meu primeiro mantra: ‘Deus meu, me ajude’. Repeti isso por horas e deu certo.” Histórias à parte, dessa mítica apresentação Santana guarda, com carinho, um elogio de Jimi Hendrix. “Ele me disse que tinha gostado muito da minha seleção de notas”, conta.  A nova versão do festival de Woodstock está programada para agosto em Watkins Glen, NY, e Santana estará presente. “Desta vez, vamos aparecer com mais energia que nunca.”

O segredo da longevidade, conta ele, é uma fórmula caseira. “Me disseram que chegar ao Hall da Fama do Rock é o fim da linha para qualquer artista, mas eu consegui isso em 1997. Eu não ando por aí como um camelo velho. Olhe para mim. Tenho 71 anos, a maioria das pessoas na minha idade não tem essa energia, paixão, clareza de ideias e a vontade de subir ao palco e tocar 3 horas sem parar. Isso vem dos meus pais”, conta. Do pai, Carlos Santana herdou o carisma. Da mãe, a disciplina. 

“Se não fosse por ela, ainda estaria tocando na rua em Tijuana. Foi minha mãe quem me ensinou a ter disciplina. Ela sempre dizia: ‘Cocaína, heroína, essas coisas não são para você’”, diz, dedo em riste.

Se Santana é um livro aberto e os capítulos parecem saltar, nem mesmo os mais difíceis, de traumas de infância, são tabus para o artista. “Hoje, eu posso afirmar que não tenho medo de nada. Mas vivo um desafio constante de vencer a parte ‘baixa’, triste, de Carlos. Hoje sei articular o que quero, mas foi um longo processo. Cresci com um conceito de vítima, pelo que passei quando era pequeno”, afirma, em referência a um período de sua infância em que sofreu abuso sexual de um padre, algo que revelou há alguns anos aos meios mexicanos.

“Tive a oportunidade de enfrentar essa situação e isso não me define. A pessoa que me fez isso eu mando para a luz. Até porque, se mandasse para o inferno, provavelmente teria de encontrá-lo lá. Já o perdoei”, diz.

O guitarrista não descarta entrar na lista das biopics da moda, com uma produção cinematográfica que conte sua vida. “Se ainda não fizeram um filme meu, é porque eu só deixo fazer se for uma história de sucesso. Se tentam me convencer de que não dá para vender uma boa história sem fracasso, eu digo que é melhor guardar seu dinheiro, porque aqui não tem nenhuma vítima.”

Santana muda de tema com a facilidade de suas notas musicais. Voltando à África, ele conclui: “É o futuro da música. E está por todos os lados, no Brasil também, com o candomblé e a macumba. Eu gosto muito do Brasil, de Tom Jobim e Elis Regina, entre muitas outras coisas, porque são verdadeiros, vêm do coração.” 

Santana, em 2017 Foto: Kelley L Cox-USA TODAY

‘Ela é meu Bruce Lee’, diz músico sobre baterista 

Uma primeira visita tardia ao museu do Louvre, em Paris, em 2016, e o deslumbramento com a obra de Leonardo da Vinci serviram de inspiração para o último EP de Carlos Santana, In Search of Mona Lisa, lançado em janeiro. “Eu nunca havia entendido o fascínio por essa mulher até que a vi. Foi uma conexão instantânea.” A Gioconda povoou os sonhos do guitarrista. “Ela me recordou que fomos amantes em uma vida passada”, conta Santana sobre os cinco temas do EP.

Dois meses depois, Africa Speaks surge das mãos do mesmo produtor, Rick Rubin. Inúmeras visitas ao continente africano e uma imersiva exploração de temas e ritmos dessa cultura levaram Santana à sua nova criação. “Eu não tinha nenhum outro interesse além de música africana”, filosofa o guitarrista, que conta com duas vozes femininas: a britânica Laura Mvula e a espanhola Buika.  Nas apresentações ao vivo, no entanto, é outra força maior que chama a atenção no palco de Santana: Cindy Blackman, de 59 anos e um vigor de adolescente, é mulher de Santana e baterista da banda, destila a experiência de anos na banda de Lenny Kravitz, além de uma dezena de discos de jazz lançados ao longo das últimas décadas. 

No domingo, 17, Santana se apresentou na Cidade do México como uma das atrações do festival Vive Latino. Antes de ele subir ao palco, os telões levaram os espectadores a um túnel do tempo, com imagens psicodélicas de The Grateful Dead, Jefferson Airplane, entre outros artistas da época de Woodstock. Igualmente vibrante como o guitarrista, Cindy brilhou e teve grandes momentos de solos de bateria. Carlos Santana sabe a sorte que tem: “Ela é meu Bruce Lee”.

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