Um álbum emocionante. Difícil conter essa sensação quando se ouve Pâques à Notre-Dame (Páscoa em Notre-Dame). O disco nos transporta para o majestoso átrio da catedral inaugurada em Paris há 850 anos. A emoção cresce quando se sabe que lá existe também há 850 anos vários “corpos estáveis”: o Coro Infantil, o Ensemble Jovem e o Coro Adulto, sob o comando do diretor musical Henri Chalet, de 36 anos.
O Domingo de Ramos antecede a Páscoa e marca, na Bíblia, a entrada de Jesus Cristo em Jerusalém. A data simbólica caiu no dia 14 de abril em 2019. Chalet participou do ritual da abertura das portas da catedral pelo bispo, seguido da multidão com ramos nas mãos simbolizando o ritual cristão. Eles não sabiam, mas esta seria a última vez que ressoariam os acordes poderosos do órgão da Notre-Dame: menos de 24 horas depois, um enorme incêndio destruiu boa parte da catedral, transformando seu interior praticamente em cinzas. Nestes duríssimos três anos, durante os quais vivemos ainda a pandemia, Chalet, o organista Yves Castagnet e seus comandados vêm sendo acolhidos em outras igrejas parisienses.
Além de atuar nos ofícios religiosos, os grupos de Notre-Dame mantêm uma escola de canto com 160 alunos de 6 a 30 anos e 35 professores. “Mantivemos o ensino”, contou Chalet em entrevista recente. “Nossa segunda missão é realizar a música para mais de mil ofícios por ano”, tarefa transferida desde 2019 para a Igreja de Saint-Germain l’Auxerrois. “A terceira é a realização de uma temporada de concertos”, mantida desde 2019.
Um texto do encarte assinado por Chalet lembra que “Notre-Dame está doente, mas agora sabemos que ela vai se recuperar”. “Nós que somos seu coro, nós que fazemos seu coração bater, sabemos que essas pedras cantarão enquanto tivermos voz. Continuamos, mais do que nunca, a cantar para ela, em seu nome, para que todos os que nos ouvirem saibam que Notre-Dame está viva.”
Itinerário musical
Este é o segundo álbum de uma série documentando os grandes momentos litúrgicos da catedral. O repertório é dedicado à Páscoa e foi registrado na Basílica de Sainte-Clotilde. Um detalhe especial é o órgão desta igreja, apelidado de “César Franck”, porque o compositor belga o inaugurou com um concerto em 1858. A obra coral com acompanhamento de órgão Dextera Domini FWV 65, de Franck, conclui um itinerário musical recheado de obras atuais e outras antigas, que há vários séculos frequentam os ofícios religiosos da Notre-Dame.
Os cinco minutos iniciais são preenchidos com o maravilhoso Adoramus, de Claudio Monteverdi. Em seguida, a curta Guéris nos Coeurs, Seigneur Jésus e a encantadora Missa Brevis, ambas de Yves Castagnet. E assim se alternam gemas da música sacra europeia dos últimos cinco séculos, como o Crucifixus a 8, do italiano Antonio Loti, e obras atuais.
O francês Maurice Duruflé, morto aos 82 anos em 1986, foi um dos grandes organistas da ilustre linhagem francesa de mestres do instrumento. Mundialmente conhecido por seu Réquiem, ele assina aqui Ubi Caritas e um Tantum Ergo. Um dos momentos mais intensos do álbum da Warner agora lançado em formato físico e também nas plataformas de streaming acontece em três comoventes partes da Missa Octo Voci, de Hans Leo Hassler, contemporâneo de Monteverdi: Kyrie, Sanctus e Agnus Dei.