Censura pela culatra: no afã de reprimir, fichas viram memória viva da MPB; veja descobertas


Parceria de Caetano Veloso e Jards Macalé e letras inéditas de Rita Lee e Belchior foram preservadas graças aos arquivos da ditadura militar brasileira

Por Danilo Casaletti

Atualmente, o campo de discussão sobre a letra de uma música se dá, como bem chamou Tom Zé há tempos atrás, no ‘Tribunal do Facebook’ – ou melhor, nas redes sociais. Os debates costumam passar por filtros bastante pessoais que são motivados, sobretudo, por questões morais e religiosas que se misturam à política. Há quem ainda se atenha à questão do uso correto da língua.

A letra de 'Corta Essa', de Caetano Veloso e Jards Macalé, enviada para a censura Foto: Reprodução

Porém, houve o tempo em que isso era algo institucionalizado, feito pelo governo militar. Durante a ditadura, entre os anos de 1964 e 1985, a arte era vigiada de perto, muitas vezes por agentes que mal sabiam o que estavam fazendo. A música, forma mais popular de comunicação após a televisão, foi torturada por meio das canetas e carimbos dos censores.

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Uma letra de música, antes de ser gravada, precisava ser remetida à Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Lá, tudo era analisado e a letra podia receber um carimbo de liberada ou não liberada. Tudo ficava arquivado.

E foi justamente por esse afã de reprimir a arte, que o DCDP deixou para a história um rico acervo da produção cultural nos anos de chumbo da ditadura. Sem esse repositório, talvez poucos saberiam que há – até o momento – uma única parceria entre Caetano Veloso e Jards Macalé, como revelou o Estadão recentemente.

Corta Essa, feita em Londres, quando Caetano e Macalé se encontraram para fazer o disco Transa, foi enviada à censura no primeiro semestre de 1972 e era uma candidata a entrar no primeiro disco de Macalé, lançado naquele mesmo ano.

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Apesar de ter sido liberada pela censura, Macalé não gravou Corta Essa. Caetano tampouco. A música permanece inédita até os dois de hoje, preservada, segundo apurou o Estadão, em uma fita demo em poder de Macalé.

Em junho de 2023, o Estadão publicou que o jornalista Renato Vieira encontrou três letras inéditas de Rita Lee nesse mesmo acervo da censura: Anjo da Vanguarda e Disfarce, ambas assinadas apenas por Rita, e The Old Friend, em parceria com o guitarrista Luiz Carlini, que faz parte da banda Tutti-Frutti. Todas têm data de 1975 e as três foram liberadas pela censura.

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Por essas letras terem sido preservadas é que foi possível saber que Rita, embora não as tenha gravado, usou parte dos versos de Disfarce na canção Melodia Inacabada, lançada pela cantora Marília Barbosa em 1978.

Vieira também encontrou, anos antes, sete letras inéditas de Belchior, conforme revelou o jornal O Globo em 2021. São elas: Fim do Mundo, Baião de Dois Vinte e Dois, Alazão, Adivinha, Outras Constelações, Bip...Bip... e Posto em Sossego.

O cantor e compositor Fagner, parceiro de Belchior em Alazão e Posto em Sossego gravou essas duas canções no álbum Meu Parceiro Belchior, lançado em 2022. Graças, novamente, ao precioso arquivo – já que ele não tinha mais os versos escritos pelo amigo.

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O músico Belchior durante entrevista na redação do jornal O Estado de S. Paulo, em 1986 - Foto: Antônio Lucio/Estadão

O cerco da censura também permitiu que ao longo desses anos o público pudesse de fato conhecer a letra original de O Mestre Salas dos Mares, escrita por Aldir Blanc para uma melodia de João Bosco. O letrista homenageou João Cândido, líder da Revolta da Chibata.

Blanc afirmou mais de uma vez ter sido chamado à censura para explicar e ser repreendido pelos versos da canção era uma das grandes mágoas que carregava na vida.

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Depois da mão pesada dos censores, em vez de “almirante negro”, a letra gravada por Elis Regina em 1974 trouxe “navegante negro”. Os versos “rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas” viraram “rubras cascatas jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas”.

Sobre o episódio, Blanc afirmou, certa vez: “O censor disse que o problema de O Mestre Salas do Mares, que não tinha esse título ainda, era primeiro O Almirante Negro, O Navegante Negro, era justamente a palavra ‘negro’. E o censor era negro. Ou seja, ele estava inteiramente vendido ao sistema. Foi a primeira vez ao lidar com um racismo oficial”.

O livro Mordaça – Histórias De Música e Censura em Tempos Autoritários (Sonora Editora), escrito pelos jornalistas José Pimentel e Zé McGill traz outros tantos exemplos de como a censura patrulhava a produção musical brasileira.

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Vaca Profana, canção inspiradíssima de Caetano Veloso, que rendeu e ainda rende tentativas de interpretações sobre seu significado, foi resumida como “semi-pornográfica” pelos censores, como mostra o livro e atesta o documento arquivo por eles. Martinho da Vila teve letra censurada por usar a palavra “desquite”. A censura, nesses casos, era moral.

Talvez a melhor maneira – e a bem mais humorada – de agradecer por tudo isso ter sido preservado - aos poucos esse arquivo vem sendo disponibilizado no site do Arquivo Nacional - seja com a canção Solange, versão de So Lonely, da banda inglesa The Police, escrita por Léo Jaime – vítima sobretudo de Solange Hernandes, censora conhecida como ‘A Dama de Ferro da Censura Federal’:

“Você é bem capaz de achar

Que o que eu mais gosto de fazer

Talvez só dê pra liberar

Com cortes pra depois do altar

Solange, Solange, Solange, Solange”

O casamento saiu. E foi com a liberdade de expressão.

Atualmente, o campo de discussão sobre a letra de uma música se dá, como bem chamou Tom Zé há tempos atrás, no ‘Tribunal do Facebook’ – ou melhor, nas redes sociais. Os debates costumam passar por filtros bastante pessoais que são motivados, sobretudo, por questões morais e religiosas que se misturam à política. Há quem ainda se atenha à questão do uso correto da língua.

A letra de 'Corta Essa', de Caetano Veloso e Jards Macalé, enviada para a censura Foto: Reprodução

Porém, houve o tempo em que isso era algo institucionalizado, feito pelo governo militar. Durante a ditadura, entre os anos de 1964 e 1985, a arte era vigiada de perto, muitas vezes por agentes que mal sabiam o que estavam fazendo. A música, forma mais popular de comunicação após a televisão, foi torturada por meio das canetas e carimbos dos censores.

Uma letra de música, antes de ser gravada, precisava ser remetida à Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Lá, tudo era analisado e a letra podia receber um carimbo de liberada ou não liberada. Tudo ficava arquivado.

E foi justamente por esse afã de reprimir a arte, que o DCDP deixou para a história um rico acervo da produção cultural nos anos de chumbo da ditadura. Sem esse repositório, talvez poucos saberiam que há – até o momento – uma única parceria entre Caetano Veloso e Jards Macalé, como revelou o Estadão recentemente.

Corta Essa, feita em Londres, quando Caetano e Macalé se encontraram para fazer o disco Transa, foi enviada à censura no primeiro semestre de 1972 e era uma candidata a entrar no primeiro disco de Macalé, lançado naquele mesmo ano.

Apesar de ter sido liberada pela censura, Macalé não gravou Corta Essa. Caetano tampouco. A música permanece inédita até os dois de hoje, preservada, segundo apurou o Estadão, em uma fita demo em poder de Macalé.

Em junho de 2023, o Estadão publicou que o jornalista Renato Vieira encontrou três letras inéditas de Rita Lee nesse mesmo acervo da censura: Anjo da Vanguarda e Disfarce, ambas assinadas apenas por Rita, e The Old Friend, em parceria com o guitarrista Luiz Carlini, que faz parte da banda Tutti-Frutti. Todas têm data de 1975 e as três foram liberadas pela censura.

Por essas letras terem sido preservadas é que foi possível saber que Rita, embora não as tenha gravado, usou parte dos versos de Disfarce na canção Melodia Inacabada, lançada pela cantora Marília Barbosa em 1978.

Vieira também encontrou, anos antes, sete letras inéditas de Belchior, conforme revelou o jornal O Globo em 2021. São elas: Fim do Mundo, Baião de Dois Vinte e Dois, Alazão, Adivinha, Outras Constelações, Bip...Bip... e Posto em Sossego.

O cantor e compositor Fagner, parceiro de Belchior em Alazão e Posto em Sossego gravou essas duas canções no álbum Meu Parceiro Belchior, lançado em 2022. Graças, novamente, ao precioso arquivo – já que ele não tinha mais os versos escritos pelo amigo.

O músico Belchior durante entrevista na redação do jornal O Estado de S. Paulo, em 1986 - Foto: Antônio Lucio/Estadão

O cerco da censura também permitiu que ao longo desses anos o público pudesse de fato conhecer a letra original de O Mestre Salas dos Mares, escrita por Aldir Blanc para uma melodia de João Bosco. O letrista homenageou João Cândido, líder da Revolta da Chibata.

Blanc afirmou mais de uma vez ter sido chamado à censura para explicar e ser repreendido pelos versos da canção era uma das grandes mágoas que carregava na vida.

Depois da mão pesada dos censores, em vez de “almirante negro”, a letra gravada por Elis Regina em 1974 trouxe “navegante negro”. Os versos “rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas” viraram “rubras cascatas jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas”.

Sobre o episódio, Blanc afirmou, certa vez: “O censor disse que o problema de O Mestre Salas do Mares, que não tinha esse título ainda, era primeiro O Almirante Negro, O Navegante Negro, era justamente a palavra ‘negro’. E o censor era negro. Ou seja, ele estava inteiramente vendido ao sistema. Foi a primeira vez ao lidar com um racismo oficial”.

O livro Mordaça – Histórias De Música e Censura em Tempos Autoritários (Sonora Editora), escrito pelos jornalistas José Pimentel e Zé McGill traz outros tantos exemplos de como a censura patrulhava a produção musical brasileira.

Vaca Profana, canção inspiradíssima de Caetano Veloso, que rendeu e ainda rende tentativas de interpretações sobre seu significado, foi resumida como “semi-pornográfica” pelos censores, como mostra o livro e atesta o documento arquivo por eles. Martinho da Vila teve letra censurada por usar a palavra “desquite”. A censura, nesses casos, era moral.

Talvez a melhor maneira – e a bem mais humorada – de agradecer por tudo isso ter sido preservado - aos poucos esse arquivo vem sendo disponibilizado no site do Arquivo Nacional - seja com a canção Solange, versão de So Lonely, da banda inglesa The Police, escrita por Léo Jaime – vítima sobretudo de Solange Hernandes, censora conhecida como ‘A Dama de Ferro da Censura Federal’:

“Você é bem capaz de achar

Que o que eu mais gosto de fazer

Talvez só dê pra liberar

Com cortes pra depois do altar

Solange, Solange, Solange, Solange”

O casamento saiu. E foi com a liberdade de expressão.

Atualmente, o campo de discussão sobre a letra de uma música se dá, como bem chamou Tom Zé há tempos atrás, no ‘Tribunal do Facebook’ – ou melhor, nas redes sociais. Os debates costumam passar por filtros bastante pessoais que são motivados, sobretudo, por questões morais e religiosas que se misturam à política. Há quem ainda se atenha à questão do uso correto da língua.

A letra de 'Corta Essa', de Caetano Veloso e Jards Macalé, enviada para a censura Foto: Reprodução

Porém, houve o tempo em que isso era algo institucionalizado, feito pelo governo militar. Durante a ditadura, entre os anos de 1964 e 1985, a arte era vigiada de perto, muitas vezes por agentes que mal sabiam o que estavam fazendo. A música, forma mais popular de comunicação após a televisão, foi torturada por meio das canetas e carimbos dos censores.

Uma letra de música, antes de ser gravada, precisava ser remetida à Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Lá, tudo era analisado e a letra podia receber um carimbo de liberada ou não liberada. Tudo ficava arquivado.

E foi justamente por esse afã de reprimir a arte, que o DCDP deixou para a história um rico acervo da produção cultural nos anos de chumbo da ditadura. Sem esse repositório, talvez poucos saberiam que há – até o momento – uma única parceria entre Caetano Veloso e Jards Macalé, como revelou o Estadão recentemente.

Corta Essa, feita em Londres, quando Caetano e Macalé se encontraram para fazer o disco Transa, foi enviada à censura no primeiro semestre de 1972 e era uma candidata a entrar no primeiro disco de Macalé, lançado naquele mesmo ano.

Apesar de ter sido liberada pela censura, Macalé não gravou Corta Essa. Caetano tampouco. A música permanece inédita até os dois de hoje, preservada, segundo apurou o Estadão, em uma fita demo em poder de Macalé.

Em junho de 2023, o Estadão publicou que o jornalista Renato Vieira encontrou três letras inéditas de Rita Lee nesse mesmo acervo da censura: Anjo da Vanguarda e Disfarce, ambas assinadas apenas por Rita, e The Old Friend, em parceria com o guitarrista Luiz Carlini, que faz parte da banda Tutti-Frutti. Todas têm data de 1975 e as três foram liberadas pela censura.

Por essas letras terem sido preservadas é que foi possível saber que Rita, embora não as tenha gravado, usou parte dos versos de Disfarce na canção Melodia Inacabada, lançada pela cantora Marília Barbosa em 1978.

Vieira também encontrou, anos antes, sete letras inéditas de Belchior, conforme revelou o jornal O Globo em 2021. São elas: Fim do Mundo, Baião de Dois Vinte e Dois, Alazão, Adivinha, Outras Constelações, Bip...Bip... e Posto em Sossego.

O cantor e compositor Fagner, parceiro de Belchior em Alazão e Posto em Sossego gravou essas duas canções no álbum Meu Parceiro Belchior, lançado em 2022. Graças, novamente, ao precioso arquivo – já que ele não tinha mais os versos escritos pelo amigo.

O músico Belchior durante entrevista na redação do jornal O Estado de S. Paulo, em 1986 - Foto: Antônio Lucio/Estadão

O cerco da censura também permitiu que ao longo desses anos o público pudesse de fato conhecer a letra original de O Mestre Salas dos Mares, escrita por Aldir Blanc para uma melodia de João Bosco. O letrista homenageou João Cândido, líder da Revolta da Chibata.

Blanc afirmou mais de uma vez ter sido chamado à censura para explicar e ser repreendido pelos versos da canção era uma das grandes mágoas que carregava na vida.

Depois da mão pesada dos censores, em vez de “almirante negro”, a letra gravada por Elis Regina em 1974 trouxe “navegante negro”. Os versos “rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas” viraram “rubras cascatas jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas”.

Sobre o episódio, Blanc afirmou, certa vez: “O censor disse que o problema de O Mestre Salas do Mares, que não tinha esse título ainda, era primeiro O Almirante Negro, O Navegante Negro, era justamente a palavra ‘negro’. E o censor era negro. Ou seja, ele estava inteiramente vendido ao sistema. Foi a primeira vez ao lidar com um racismo oficial”.

O livro Mordaça – Histórias De Música e Censura em Tempos Autoritários (Sonora Editora), escrito pelos jornalistas José Pimentel e Zé McGill traz outros tantos exemplos de como a censura patrulhava a produção musical brasileira.

Vaca Profana, canção inspiradíssima de Caetano Veloso, que rendeu e ainda rende tentativas de interpretações sobre seu significado, foi resumida como “semi-pornográfica” pelos censores, como mostra o livro e atesta o documento arquivo por eles. Martinho da Vila teve letra censurada por usar a palavra “desquite”. A censura, nesses casos, era moral.

Talvez a melhor maneira – e a bem mais humorada – de agradecer por tudo isso ter sido preservado - aos poucos esse arquivo vem sendo disponibilizado no site do Arquivo Nacional - seja com a canção Solange, versão de So Lonely, da banda inglesa The Police, escrita por Léo Jaime – vítima sobretudo de Solange Hernandes, censora conhecida como ‘A Dama de Ferro da Censura Federal’:

“Você é bem capaz de achar

Que o que eu mais gosto de fazer

Talvez só dê pra liberar

Com cortes pra depois do altar

Solange, Solange, Solange, Solange”

O casamento saiu. E foi com a liberdade de expressão.

Atualmente, o campo de discussão sobre a letra de uma música se dá, como bem chamou Tom Zé há tempos atrás, no ‘Tribunal do Facebook’ – ou melhor, nas redes sociais. Os debates costumam passar por filtros bastante pessoais que são motivados, sobretudo, por questões morais e religiosas que se misturam à política. Há quem ainda se atenha à questão do uso correto da língua.

A letra de 'Corta Essa', de Caetano Veloso e Jards Macalé, enviada para a censura Foto: Reprodução

Porém, houve o tempo em que isso era algo institucionalizado, feito pelo governo militar. Durante a ditadura, entre os anos de 1964 e 1985, a arte era vigiada de perto, muitas vezes por agentes que mal sabiam o que estavam fazendo. A música, forma mais popular de comunicação após a televisão, foi torturada por meio das canetas e carimbos dos censores.

Uma letra de música, antes de ser gravada, precisava ser remetida à Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Lá, tudo era analisado e a letra podia receber um carimbo de liberada ou não liberada. Tudo ficava arquivado.

E foi justamente por esse afã de reprimir a arte, que o DCDP deixou para a história um rico acervo da produção cultural nos anos de chumbo da ditadura. Sem esse repositório, talvez poucos saberiam que há – até o momento – uma única parceria entre Caetano Veloso e Jards Macalé, como revelou o Estadão recentemente.

Corta Essa, feita em Londres, quando Caetano e Macalé se encontraram para fazer o disco Transa, foi enviada à censura no primeiro semestre de 1972 e era uma candidata a entrar no primeiro disco de Macalé, lançado naquele mesmo ano.

Apesar de ter sido liberada pela censura, Macalé não gravou Corta Essa. Caetano tampouco. A música permanece inédita até os dois de hoje, preservada, segundo apurou o Estadão, em uma fita demo em poder de Macalé.

Em junho de 2023, o Estadão publicou que o jornalista Renato Vieira encontrou três letras inéditas de Rita Lee nesse mesmo acervo da censura: Anjo da Vanguarda e Disfarce, ambas assinadas apenas por Rita, e The Old Friend, em parceria com o guitarrista Luiz Carlini, que faz parte da banda Tutti-Frutti. Todas têm data de 1975 e as três foram liberadas pela censura.

Por essas letras terem sido preservadas é que foi possível saber que Rita, embora não as tenha gravado, usou parte dos versos de Disfarce na canção Melodia Inacabada, lançada pela cantora Marília Barbosa em 1978.

Vieira também encontrou, anos antes, sete letras inéditas de Belchior, conforme revelou o jornal O Globo em 2021. São elas: Fim do Mundo, Baião de Dois Vinte e Dois, Alazão, Adivinha, Outras Constelações, Bip...Bip... e Posto em Sossego.

O cantor e compositor Fagner, parceiro de Belchior em Alazão e Posto em Sossego gravou essas duas canções no álbum Meu Parceiro Belchior, lançado em 2022. Graças, novamente, ao precioso arquivo – já que ele não tinha mais os versos escritos pelo amigo.

O músico Belchior durante entrevista na redação do jornal O Estado de S. Paulo, em 1986 - Foto: Antônio Lucio/Estadão

O cerco da censura também permitiu que ao longo desses anos o público pudesse de fato conhecer a letra original de O Mestre Salas dos Mares, escrita por Aldir Blanc para uma melodia de João Bosco. O letrista homenageou João Cândido, líder da Revolta da Chibata.

Blanc afirmou mais de uma vez ter sido chamado à censura para explicar e ser repreendido pelos versos da canção era uma das grandes mágoas que carregava na vida.

Depois da mão pesada dos censores, em vez de “almirante negro”, a letra gravada por Elis Regina em 1974 trouxe “navegante negro”. Os versos “rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas” viraram “rubras cascatas jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas”.

Sobre o episódio, Blanc afirmou, certa vez: “O censor disse que o problema de O Mestre Salas do Mares, que não tinha esse título ainda, era primeiro O Almirante Negro, O Navegante Negro, era justamente a palavra ‘negro’. E o censor era negro. Ou seja, ele estava inteiramente vendido ao sistema. Foi a primeira vez ao lidar com um racismo oficial”.

O livro Mordaça – Histórias De Música e Censura em Tempos Autoritários (Sonora Editora), escrito pelos jornalistas José Pimentel e Zé McGill traz outros tantos exemplos de como a censura patrulhava a produção musical brasileira.

Vaca Profana, canção inspiradíssima de Caetano Veloso, que rendeu e ainda rende tentativas de interpretações sobre seu significado, foi resumida como “semi-pornográfica” pelos censores, como mostra o livro e atesta o documento arquivo por eles. Martinho da Vila teve letra censurada por usar a palavra “desquite”. A censura, nesses casos, era moral.

Talvez a melhor maneira – e a bem mais humorada – de agradecer por tudo isso ter sido preservado - aos poucos esse arquivo vem sendo disponibilizado no site do Arquivo Nacional - seja com a canção Solange, versão de So Lonely, da banda inglesa The Police, escrita por Léo Jaime – vítima sobretudo de Solange Hernandes, censora conhecida como ‘A Dama de Ferro da Censura Federal’:

“Você é bem capaz de achar

Que o que eu mais gosto de fazer

Talvez só dê pra liberar

Com cortes pra depois do altar

Solange, Solange, Solange, Solange”

O casamento saiu. E foi com a liberdade de expressão.

Atualmente, o campo de discussão sobre a letra de uma música se dá, como bem chamou Tom Zé há tempos atrás, no ‘Tribunal do Facebook’ – ou melhor, nas redes sociais. Os debates costumam passar por filtros bastante pessoais que são motivados, sobretudo, por questões morais e religiosas que se misturam à política. Há quem ainda se atenha à questão do uso correto da língua.

A letra de 'Corta Essa', de Caetano Veloso e Jards Macalé, enviada para a censura Foto: Reprodução

Porém, houve o tempo em que isso era algo institucionalizado, feito pelo governo militar. Durante a ditadura, entre os anos de 1964 e 1985, a arte era vigiada de perto, muitas vezes por agentes que mal sabiam o que estavam fazendo. A música, forma mais popular de comunicação após a televisão, foi torturada por meio das canetas e carimbos dos censores.

Uma letra de música, antes de ser gravada, precisava ser remetida à Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Lá, tudo era analisado e a letra podia receber um carimbo de liberada ou não liberada. Tudo ficava arquivado.

E foi justamente por esse afã de reprimir a arte, que o DCDP deixou para a história um rico acervo da produção cultural nos anos de chumbo da ditadura. Sem esse repositório, talvez poucos saberiam que há – até o momento – uma única parceria entre Caetano Veloso e Jards Macalé, como revelou o Estadão recentemente.

Corta Essa, feita em Londres, quando Caetano e Macalé se encontraram para fazer o disco Transa, foi enviada à censura no primeiro semestre de 1972 e era uma candidata a entrar no primeiro disco de Macalé, lançado naquele mesmo ano.

Apesar de ter sido liberada pela censura, Macalé não gravou Corta Essa. Caetano tampouco. A música permanece inédita até os dois de hoje, preservada, segundo apurou o Estadão, em uma fita demo em poder de Macalé.

Em junho de 2023, o Estadão publicou que o jornalista Renato Vieira encontrou três letras inéditas de Rita Lee nesse mesmo acervo da censura: Anjo da Vanguarda e Disfarce, ambas assinadas apenas por Rita, e The Old Friend, em parceria com o guitarrista Luiz Carlini, que faz parte da banda Tutti-Frutti. Todas têm data de 1975 e as três foram liberadas pela censura.

Por essas letras terem sido preservadas é que foi possível saber que Rita, embora não as tenha gravado, usou parte dos versos de Disfarce na canção Melodia Inacabada, lançada pela cantora Marília Barbosa em 1978.

Vieira também encontrou, anos antes, sete letras inéditas de Belchior, conforme revelou o jornal O Globo em 2021. São elas: Fim do Mundo, Baião de Dois Vinte e Dois, Alazão, Adivinha, Outras Constelações, Bip...Bip... e Posto em Sossego.

O cantor e compositor Fagner, parceiro de Belchior em Alazão e Posto em Sossego gravou essas duas canções no álbum Meu Parceiro Belchior, lançado em 2022. Graças, novamente, ao precioso arquivo – já que ele não tinha mais os versos escritos pelo amigo.

O músico Belchior durante entrevista na redação do jornal O Estado de S. Paulo, em 1986 - Foto: Antônio Lucio/Estadão

O cerco da censura também permitiu que ao longo desses anos o público pudesse de fato conhecer a letra original de O Mestre Salas dos Mares, escrita por Aldir Blanc para uma melodia de João Bosco. O letrista homenageou João Cândido, líder da Revolta da Chibata.

Blanc afirmou mais de uma vez ter sido chamado à censura para explicar e ser repreendido pelos versos da canção era uma das grandes mágoas que carregava na vida.

Depois da mão pesada dos censores, em vez de “almirante negro”, a letra gravada por Elis Regina em 1974 trouxe “navegante negro”. Os versos “rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas” viraram “rubras cascatas jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas”.

Sobre o episódio, Blanc afirmou, certa vez: “O censor disse que o problema de O Mestre Salas do Mares, que não tinha esse título ainda, era primeiro O Almirante Negro, O Navegante Negro, era justamente a palavra ‘negro’. E o censor era negro. Ou seja, ele estava inteiramente vendido ao sistema. Foi a primeira vez ao lidar com um racismo oficial”.

O livro Mordaça – Histórias De Música e Censura em Tempos Autoritários (Sonora Editora), escrito pelos jornalistas José Pimentel e Zé McGill traz outros tantos exemplos de como a censura patrulhava a produção musical brasileira.

Vaca Profana, canção inspiradíssima de Caetano Veloso, que rendeu e ainda rende tentativas de interpretações sobre seu significado, foi resumida como “semi-pornográfica” pelos censores, como mostra o livro e atesta o documento arquivo por eles. Martinho da Vila teve letra censurada por usar a palavra “desquite”. A censura, nesses casos, era moral.

Talvez a melhor maneira – e a bem mais humorada – de agradecer por tudo isso ter sido preservado - aos poucos esse arquivo vem sendo disponibilizado no site do Arquivo Nacional - seja com a canção Solange, versão de So Lonely, da banda inglesa The Police, escrita por Léo Jaime – vítima sobretudo de Solange Hernandes, censora conhecida como ‘A Dama de Ferro da Censura Federal’:

“Você é bem capaz de achar

Que o que eu mais gosto de fazer

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