Um grau acima na fervura em que frita suas letras mais e mais desde o disco Estado de Poesia, de 2018, Chico Cesar lança a canção mais direta entre tudo o que se viu cantar em repúdio ao presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores mais extremados. Bolsominions, a canção, abre assim: “Bolsominions são demônios / Que saíram do inferninho / Direto pro culto / Pra brincar de amigo oculto / Com satã num condomínio.” Não é uma canção longa, mas é intensa, e derrete a essência de seus personagens centrais, os bolsominions, em cada verso. “Bolsominions são vergonhas / Que pastavam distraídas / Burrice imodesta / O horror à festa / E a risada instruída.” Até chegar o refrão: “A bolsa de valores sem valores / Os corpos malhados sem alma / O sangue de barata e a raiva / De toda humanidade que não quer ser salva.”
Mas, tecnicamente, o que seria um “bolsominion”? Embora ainda não haja catalogação junto aos maiores dicionários do País, o termo é encontrado na Wikipedia. Diz lá que se trata de um nome “pejorativo, usado por opositores do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, para se referir a um segmento de apoiadores.” Mas diz mais: “Os bolsominions são descritos como pessoas de extrema-direita intransigentes, reacionárias e adeptas à intervenção militar para solucionar os problemas relacionados à saúde pública, educação, segurança. São pessoas com medo e impotência diante do jogo socioeconômico e são adeptas do anti-intelectualismo”, informa a enciclopédia livre da internet.
A música é o terceiro single já divulgado do álbum Vestido de Amor, que será lançado em 23 de setembro, e foi mostrada pela primeira vez em agosto de 2020, causando resistência e gritaria. Alguns evangélicos alinhados com o presidente não gostaram de ser chamados de “demônios que saíram do inferninho”. Uma vereadora evangélica bolsonarista de João Pessoa, na Paraíba, terra de Chico, também abominou os “versos satânicos” de Chico, e decretou a sua fatwa. Eliza Virgínia (Progressistas) emplacou um voto de repúdio ao cantor na Câmara Municipal.
Chico Cesar tem se tornado a voz artística mais contundente na resistência política anti bolsonarista dos últimos anos. Estranhamente, nem os rappers, que já se posicionaram com mais ferocidade neste campo, têm o mesmo grau de destemor nos ataques nominais à figura do mandante. O rock de oposição não existe e o rap fala em “sistema”, mas raramente personifica ou cita o nome de um político. Alas da MPB clássica, que já foram importantes na denúncia de governos extremistas, também se calaram ou destilaram suas angústias com poesia. “Um samba / Que tal um samba? / Puxar um samba, que tal? / Para espantar o tempo feio / Para remediar o estrago / Que tal um trago? / Um desafogo, um devaneio”, canta Chico Buarque, que já foi uma das maiores oposições aos militares nos anos 70, em seu recente single Um Samba. Gilberto Gil atingiu uma espécie de “pensamento superior ao embate” e Caetano, como mostrou no álbum Meu Coco, não tem ido para o front. Ou não para este front.
Agora, quase solitário entre os artistas mais visíveis, Chico dobra as apostas. Veja o que ele já havia dito no reggae Pedrada, do álbum O Amor é um Ato Revolucionário, de 2019: “Cães danados do fascismo / Babam e arreganham os dentes / Sai do ovo a serpente / Fruto podre do cinismo...” “Ê, república de parentes, pode crer / Na nova Babilônia eu e você / Somos só carne humana pra moer / E o amor não é pra nós / Mas nós temos a pedrada pra jogar / A bola incendiária está no ar / Fogo nos fascistas / Fogo, Jah!” “Fogo nos fascistas” se tornou uma frase repetida em muitos lugares.
Um ano antes de Bolsonaro chegar ao poder, mas com o país tentando se preparar para isso, em 2018, Chico cantou Reis do Agronegócio, do disco Estado de Poesia, de 2018: “Ó donos do agrobis / Ó reis do agronegócio / Ó produtores de alimentos com veneno / Vocês que aumentam todo ano sua posse / E que poluem cada palmo de terreno / E que possuem cada qual um latifúndio / E que destratam e destroem o ambiente / De cada mente de vocês olhei no fundo / E vi o quanto cada um, no fundo, mente.”