‘Chico’, de Luísa Sonza, hit nº1 no País, é bossa nova? Decanos Roberto Menescal e Ruy Castro opinam


A canção de amor é a música mais ouvida do Brasil em streaming desde a semana passada. Menescal chama de ‘bossa-chiclete’ e até canta um pedaço da música; já Ruy Castro não se comove e apontou outro estilo; veja debate

Por Danilo Casaletti
Atualização:

Mais do que criar qualquer picuinha em torno de uma canção - música é música, boa ou ruim, e cada vez mais múltipla - a discussão sobre Chico, lançada recentemente pela cantora e compositora Luísa Sonza, de 25 anos, é importante: é ou não uma bossa nova?

E por que? Sendo uma bossa nova, ela é a primeira do gênero a chegar ao topo do ranking das mais ouvidas nas plataformas de streaming no país. Feito que nenhuma canção feita por um bossanovista de formação, da primeira das gerações subsequentes, jamais alcançou - até porque, no auge do estilo, o streaming estava longe de ser realidade, claro.

Composta por Luísa ao lado de Bruno Caliman, Carolzinha, Douglas Moda e Jeni Mosello, a canção foi anunciada como uma declaração de amor para Chico Moedas, ou Veiga, namorado de Luísa e faz parte do álbum Escândalo Íntimo, recém-lançado pela cantora. No festival The Town, em meio a shows com alta velocidade rítmica, Chico foi cantada em coro por milhares de pessoas.

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A cantora Luísa Sonza se apresentou no Palco Skyline do festival The Town. Em uma pausa das músicas mais agitadas, o público fez coro para cantar 'Chico' Foto: Taba Benedicto/Estadão

Instalada a discussão, um dos primeiros - ou mais influentes - artistas a ser consultado foi Caetano Veloso, uma espécie de decano para dúvidas ‘mpbísticas’. Instigado pela empresária Paula Lavigne, Caetano, compositor diretamente influenciado pelos criadores da bossa nova, analisou:

“O violão base está tocando bossa nova, me parece. Mas é que MPB é música popular brasileira… Meio que cobre tudo. Coisas muito diferentes. Depende mais de quem faz e qual o lugar que as pessoas veem aquele artista e chamam de MPB. Muitas vezes, tem coisa de bossa nova no que se chama de MPB. Não sei distinguir exatamente como botar cada coisa… Precisa botar?”, questionou, com seu estilo provocador, abrindo outra discussão.

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Nesta quarta-feira, 13 de setembro, a cantora e compositora Joyce Moreno, uma filha da bossa nova,respeitada no mundo todo como uma de suas representantes, revelou que Luísa chegou a procurá-la, por indicação de Caetano, para que ela gravasse o violão na faixa. Luísa, no final, acabou optando por chamar outro músico

Para seguir com o debate, o Estadão procurou dois nomes com forte ligação com a bossa nova: o compositor e violonista Roberto Menescal e o jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro.

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Isso é bossa nova, isso é muito natural

“Sim, eu acho que é uma bossa nova”, diz Menescal, que havia acabado de escutar Chico, a pedido da reportagem. “É bonita (ele cantarola trecho da melodia). Gostei. Fica na cabeça. É uma bossa nova chiclete. Você ouve o refrão e sai cantando”, conclui o compositor que esteve nas lendárias reuniões no apartamento da cantora Nara Leão, em Copacabana, onde a bossa nova foi desenvolvida, e participou do histórico show de bossa no Carnegie Hall, em Nova York, no ano de 1962. Vale a pena ouvir a resposta, em que Menescal até canta um trechinho da melodia de Chico:

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“Tudo pode ser bossa nova, desde que tocada com aquela batidinha criada pelo João Gilberto”, explica Menescal, de forma didática. A bossa é um jeito diferente de tocar o samba.

Para ele, é uma surpresa que uma música assim, mais calma, tenha conseguido escalar para o primeiro lugar das paradas musicais, deixando para trás os batidões do funk, o ritmo pesado do trap ou o percussivo sertanejo pop e suas variáveis.

“É muito legal que uma música com letra e melodia mais simples. Para mim, é uma surpresa inacreditável. E eu não estou falando de qualidade, até gostei da musiquinha”, diz Menescal, atualmente com 85 anos, talvez o maior músico vivo a representar o legado da boss nova.

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Diretor da gravadora Philips, Menescal esteve por trás de discos importantes para a música brasileira, como Elis & Tom (1974), Nara Leão - Dez Anos Depois (1971), Chico Buarque - Construção (1971) e Gal Tropical (1979).

Roberto Menescal, um dos criadores da bossa nova, ficou com a melodia de 'Chico' na cabeça Foto: Quinho Mibach

Saiba que isso em mim provoca imensa dor

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Para Ruy Castro, autor de livros como Chega de saudade: A história e as histórias da Bossa Nova e A Noite de Meu Bem - a História e as Histórias do Samba Canção, a música Chico, de Luísa Sonza não lhe parece uma bossa nova.

“Pelo que já ouvi de bossa nova, não tem muito a ver. Parece mais um iê-iê-iê, tipo Leno e Lilian, algo assim como ‘Eu sou o tijolinho que faltava na sua construção’ (ele se refere à canção Tijolinho, gravada pelo cantor Bobby di Carlo em 1966, no ritmo da jovem guarda).

“A bossa nova são muitas, e quem sabe se esta não é a nova bossa nova?”, reflete Castro, que ouviu Chico pela primeira vez a pedido da reportagem do Estadão.

Em uma canção com cinco compositores, fica difícil saber em que cada uma contribuiu, de fato, para a música - é presumível que Luísa tenha feito boa parte da letra dedicada ao namorado.

Um dos autores creditados é Bruno Caliman, autor de hits do sertanejo pop, entre eles Domingo de Manhã, que virou clássico na voz da dupla Marcos & Belutti, e Sogrão Caprichou, gravado por Luan Santana.

Não é impossível que, em breve, Chico ganhe versões de artistas de outros gêneros, como o sertanejo e o piseiro. Há parte da letra - e ela é a que mais afasta a canção de uma bossa nova clássica - bem sugestiva para isso.

Turma maior

A questão da autoria, para além da discussão sobre gênero musical, intriga Roberto Menescal. “A gente fazia com um ou dois, no máximo. Por que tantos? É uma música simples, não precisa de tantos. Gostaria de ver um vídeo deles fazendo”, indaga.

Menescal recorda como nasceu um dos clássicos da bossa que fez ao lado do letrista Ronaldo Bôscoli, seu parceiro de mais de mil canções, inclusive em O Barquinho, que ganhou mais de três mil gravações em seis décadas.

“Um dia ele passou na minha casa de táxi. Pedi para ele subir que queria mostrar uma música. Ele me perguntou o que eu havia pensado, mas estava apressado com o táxi esperando lá fora. Eu respondi a ele: ‘eu pensei aqui, vagamente’. Ele me interrompeu e disse: tá bom!. Depois fez a letra de Vagamente (Só me lembro muito vagamente/ Correndo você vinha quando de repente/Teu sorriso que era muito branco/Me encontrou). Era assim que fazíamos”, diz.

Para essa dúvida, Luísa talvez já tenha dado a resposta na própria letra de Chico: reinvento uma moda, faço bossa nova, diz a letra, pouco antes de dar no refrão mais cantado do momento: Chico, se tu me quiseres...

Mais do que criar qualquer picuinha em torno de uma canção - música é música, boa ou ruim, e cada vez mais múltipla - a discussão sobre Chico, lançada recentemente pela cantora e compositora Luísa Sonza, de 25 anos, é importante: é ou não uma bossa nova?

E por que? Sendo uma bossa nova, ela é a primeira do gênero a chegar ao topo do ranking das mais ouvidas nas plataformas de streaming no país. Feito que nenhuma canção feita por um bossanovista de formação, da primeira das gerações subsequentes, jamais alcançou - até porque, no auge do estilo, o streaming estava longe de ser realidade, claro.

Composta por Luísa ao lado de Bruno Caliman, Carolzinha, Douglas Moda e Jeni Mosello, a canção foi anunciada como uma declaração de amor para Chico Moedas, ou Veiga, namorado de Luísa e faz parte do álbum Escândalo Íntimo, recém-lançado pela cantora. No festival The Town, em meio a shows com alta velocidade rítmica, Chico foi cantada em coro por milhares de pessoas.

A cantora Luísa Sonza se apresentou no Palco Skyline do festival The Town. Em uma pausa das músicas mais agitadas, o público fez coro para cantar 'Chico' Foto: Taba Benedicto/Estadão

Instalada a discussão, um dos primeiros - ou mais influentes - artistas a ser consultado foi Caetano Veloso, uma espécie de decano para dúvidas ‘mpbísticas’. Instigado pela empresária Paula Lavigne, Caetano, compositor diretamente influenciado pelos criadores da bossa nova, analisou:

“O violão base está tocando bossa nova, me parece. Mas é que MPB é música popular brasileira… Meio que cobre tudo. Coisas muito diferentes. Depende mais de quem faz e qual o lugar que as pessoas veem aquele artista e chamam de MPB. Muitas vezes, tem coisa de bossa nova no que se chama de MPB. Não sei distinguir exatamente como botar cada coisa… Precisa botar?”, questionou, com seu estilo provocador, abrindo outra discussão.

Nesta quarta-feira, 13 de setembro, a cantora e compositora Joyce Moreno, uma filha da bossa nova,respeitada no mundo todo como uma de suas representantes, revelou que Luísa chegou a procurá-la, por indicação de Caetano, para que ela gravasse o violão na faixa. Luísa, no final, acabou optando por chamar outro músico

Para seguir com o debate, o Estadão procurou dois nomes com forte ligação com a bossa nova: o compositor e violonista Roberto Menescal e o jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro.

Isso é bossa nova, isso é muito natural

“Sim, eu acho que é uma bossa nova”, diz Menescal, que havia acabado de escutar Chico, a pedido da reportagem. “É bonita (ele cantarola trecho da melodia). Gostei. Fica na cabeça. É uma bossa nova chiclete. Você ouve o refrão e sai cantando”, conclui o compositor que esteve nas lendárias reuniões no apartamento da cantora Nara Leão, em Copacabana, onde a bossa nova foi desenvolvida, e participou do histórico show de bossa no Carnegie Hall, em Nova York, no ano de 1962. Vale a pena ouvir a resposta, em que Menescal até canta um trechinho da melodia de Chico:

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“Tudo pode ser bossa nova, desde que tocada com aquela batidinha criada pelo João Gilberto”, explica Menescal, de forma didática. A bossa é um jeito diferente de tocar o samba.

Para ele, é uma surpresa que uma música assim, mais calma, tenha conseguido escalar para o primeiro lugar das paradas musicais, deixando para trás os batidões do funk, o ritmo pesado do trap ou o percussivo sertanejo pop e suas variáveis.

“É muito legal que uma música com letra e melodia mais simples. Para mim, é uma surpresa inacreditável. E eu não estou falando de qualidade, até gostei da musiquinha”, diz Menescal, atualmente com 85 anos, talvez o maior músico vivo a representar o legado da boss nova.

Diretor da gravadora Philips, Menescal esteve por trás de discos importantes para a música brasileira, como Elis & Tom (1974), Nara Leão - Dez Anos Depois (1971), Chico Buarque - Construção (1971) e Gal Tropical (1979).

Roberto Menescal, um dos criadores da bossa nova, ficou com a melodia de 'Chico' na cabeça Foto: Quinho Mibach

Saiba que isso em mim provoca imensa dor

Para Ruy Castro, autor de livros como Chega de saudade: A história e as histórias da Bossa Nova e A Noite de Meu Bem - a História e as Histórias do Samba Canção, a música Chico, de Luísa Sonza não lhe parece uma bossa nova.

“Pelo que já ouvi de bossa nova, não tem muito a ver. Parece mais um iê-iê-iê, tipo Leno e Lilian, algo assim como ‘Eu sou o tijolinho que faltava na sua construção’ (ele se refere à canção Tijolinho, gravada pelo cantor Bobby di Carlo em 1966, no ritmo da jovem guarda).

“A bossa nova são muitas, e quem sabe se esta não é a nova bossa nova?”, reflete Castro, que ouviu Chico pela primeira vez a pedido da reportagem do Estadão.

Em uma canção com cinco compositores, fica difícil saber em que cada uma contribuiu, de fato, para a música - é presumível que Luísa tenha feito boa parte da letra dedicada ao namorado.

Um dos autores creditados é Bruno Caliman, autor de hits do sertanejo pop, entre eles Domingo de Manhã, que virou clássico na voz da dupla Marcos & Belutti, e Sogrão Caprichou, gravado por Luan Santana.

Não é impossível que, em breve, Chico ganhe versões de artistas de outros gêneros, como o sertanejo e o piseiro. Há parte da letra - e ela é a que mais afasta a canção de uma bossa nova clássica - bem sugestiva para isso.

Turma maior

A questão da autoria, para além da discussão sobre gênero musical, intriga Roberto Menescal. “A gente fazia com um ou dois, no máximo. Por que tantos? É uma música simples, não precisa de tantos. Gostaria de ver um vídeo deles fazendo”, indaga.

Menescal recorda como nasceu um dos clássicos da bossa que fez ao lado do letrista Ronaldo Bôscoli, seu parceiro de mais de mil canções, inclusive em O Barquinho, que ganhou mais de três mil gravações em seis décadas.

“Um dia ele passou na minha casa de táxi. Pedi para ele subir que queria mostrar uma música. Ele me perguntou o que eu havia pensado, mas estava apressado com o táxi esperando lá fora. Eu respondi a ele: ‘eu pensei aqui, vagamente’. Ele me interrompeu e disse: tá bom!. Depois fez a letra de Vagamente (Só me lembro muito vagamente/ Correndo você vinha quando de repente/Teu sorriso que era muito branco/Me encontrou). Era assim que fazíamos”, diz.

Para essa dúvida, Luísa talvez já tenha dado a resposta na própria letra de Chico: reinvento uma moda, faço bossa nova, diz a letra, pouco antes de dar no refrão mais cantado do momento: Chico, se tu me quiseres...

Mais do que criar qualquer picuinha em torno de uma canção - música é música, boa ou ruim, e cada vez mais múltipla - a discussão sobre Chico, lançada recentemente pela cantora e compositora Luísa Sonza, de 25 anos, é importante: é ou não uma bossa nova?

E por que? Sendo uma bossa nova, ela é a primeira do gênero a chegar ao topo do ranking das mais ouvidas nas plataformas de streaming no país. Feito que nenhuma canção feita por um bossanovista de formação, da primeira das gerações subsequentes, jamais alcançou - até porque, no auge do estilo, o streaming estava longe de ser realidade, claro.

Composta por Luísa ao lado de Bruno Caliman, Carolzinha, Douglas Moda e Jeni Mosello, a canção foi anunciada como uma declaração de amor para Chico Moedas, ou Veiga, namorado de Luísa e faz parte do álbum Escândalo Íntimo, recém-lançado pela cantora. No festival The Town, em meio a shows com alta velocidade rítmica, Chico foi cantada em coro por milhares de pessoas.

A cantora Luísa Sonza se apresentou no Palco Skyline do festival The Town. Em uma pausa das músicas mais agitadas, o público fez coro para cantar 'Chico' Foto: Taba Benedicto/Estadão

Instalada a discussão, um dos primeiros - ou mais influentes - artistas a ser consultado foi Caetano Veloso, uma espécie de decano para dúvidas ‘mpbísticas’. Instigado pela empresária Paula Lavigne, Caetano, compositor diretamente influenciado pelos criadores da bossa nova, analisou:

“O violão base está tocando bossa nova, me parece. Mas é que MPB é música popular brasileira… Meio que cobre tudo. Coisas muito diferentes. Depende mais de quem faz e qual o lugar que as pessoas veem aquele artista e chamam de MPB. Muitas vezes, tem coisa de bossa nova no que se chama de MPB. Não sei distinguir exatamente como botar cada coisa… Precisa botar?”, questionou, com seu estilo provocador, abrindo outra discussão.

Nesta quarta-feira, 13 de setembro, a cantora e compositora Joyce Moreno, uma filha da bossa nova,respeitada no mundo todo como uma de suas representantes, revelou que Luísa chegou a procurá-la, por indicação de Caetano, para que ela gravasse o violão na faixa. Luísa, no final, acabou optando por chamar outro músico

Para seguir com o debate, o Estadão procurou dois nomes com forte ligação com a bossa nova: o compositor e violonista Roberto Menescal e o jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro.

Isso é bossa nova, isso é muito natural

“Sim, eu acho que é uma bossa nova”, diz Menescal, que havia acabado de escutar Chico, a pedido da reportagem. “É bonita (ele cantarola trecho da melodia). Gostei. Fica na cabeça. É uma bossa nova chiclete. Você ouve o refrão e sai cantando”, conclui o compositor que esteve nas lendárias reuniões no apartamento da cantora Nara Leão, em Copacabana, onde a bossa nova foi desenvolvida, e participou do histórico show de bossa no Carnegie Hall, em Nova York, no ano de 1962. Vale a pena ouvir a resposta, em que Menescal até canta um trechinho da melodia de Chico:

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“Tudo pode ser bossa nova, desde que tocada com aquela batidinha criada pelo João Gilberto”, explica Menescal, de forma didática. A bossa é um jeito diferente de tocar o samba.

Para ele, é uma surpresa que uma música assim, mais calma, tenha conseguido escalar para o primeiro lugar das paradas musicais, deixando para trás os batidões do funk, o ritmo pesado do trap ou o percussivo sertanejo pop e suas variáveis.

“É muito legal que uma música com letra e melodia mais simples. Para mim, é uma surpresa inacreditável. E eu não estou falando de qualidade, até gostei da musiquinha”, diz Menescal, atualmente com 85 anos, talvez o maior músico vivo a representar o legado da boss nova.

Diretor da gravadora Philips, Menescal esteve por trás de discos importantes para a música brasileira, como Elis & Tom (1974), Nara Leão - Dez Anos Depois (1971), Chico Buarque - Construção (1971) e Gal Tropical (1979).

Roberto Menescal, um dos criadores da bossa nova, ficou com a melodia de 'Chico' na cabeça Foto: Quinho Mibach

Saiba que isso em mim provoca imensa dor

Para Ruy Castro, autor de livros como Chega de saudade: A história e as histórias da Bossa Nova e A Noite de Meu Bem - a História e as Histórias do Samba Canção, a música Chico, de Luísa Sonza não lhe parece uma bossa nova.

“Pelo que já ouvi de bossa nova, não tem muito a ver. Parece mais um iê-iê-iê, tipo Leno e Lilian, algo assim como ‘Eu sou o tijolinho que faltava na sua construção’ (ele se refere à canção Tijolinho, gravada pelo cantor Bobby di Carlo em 1966, no ritmo da jovem guarda).

“A bossa nova são muitas, e quem sabe se esta não é a nova bossa nova?”, reflete Castro, que ouviu Chico pela primeira vez a pedido da reportagem do Estadão.

Em uma canção com cinco compositores, fica difícil saber em que cada uma contribuiu, de fato, para a música - é presumível que Luísa tenha feito boa parte da letra dedicada ao namorado.

Um dos autores creditados é Bruno Caliman, autor de hits do sertanejo pop, entre eles Domingo de Manhã, que virou clássico na voz da dupla Marcos & Belutti, e Sogrão Caprichou, gravado por Luan Santana.

Não é impossível que, em breve, Chico ganhe versões de artistas de outros gêneros, como o sertanejo e o piseiro. Há parte da letra - e ela é a que mais afasta a canção de uma bossa nova clássica - bem sugestiva para isso.

Turma maior

A questão da autoria, para além da discussão sobre gênero musical, intriga Roberto Menescal. “A gente fazia com um ou dois, no máximo. Por que tantos? É uma música simples, não precisa de tantos. Gostaria de ver um vídeo deles fazendo”, indaga.

Menescal recorda como nasceu um dos clássicos da bossa que fez ao lado do letrista Ronaldo Bôscoli, seu parceiro de mais de mil canções, inclusive em O Barquinho, que ganhou mais de três mil gravações em seis décadas.

“Um dia ele passou na minha casa de táxi. Pedi para ele subir que queria mostrar uma música. Ele me perguntou o que eu havia pensado, mas estava apressado com o táxi esperando lá fora. Eu respondi a ele: ‘eu pensei aqui, vagamente’. Ele me interrompeu e disse: tá bom!. Depois fez a letra de Vagamente (Só me lembro muito vagamente/ Correndo você vinha quando de repente/Teu sorriso que era muito branco/Me encontrou). Era assim que fazíamos”, diz.

Para essa dúvida, Luísa talvez já tenha dado a resposta na própria letra de Chico: reinvento uma moda, faço bossa nova, diz a letra, pouco antes de dar no refrão mais cantado do momento: Chico, se tu me quiseres...

Mais do que criar qualquer picuinha em torno de uma canção - música é música, boa ou ruim, e cada vez mais múltipla - a discussão sobre Chico, lançada recentemente pela cantora e compositora Luísa Sonza, de 25 anos, é importante: é ou não uma bossa nova?

E por que? Sendo uma bossa nova, ela é a primeira do gênero a chegar ao topo do ranking das mais ouvidas nas plataformas de streaming no país. Feito que nenhuma canção feita por um bossanovista de formação, da primeira das gerações subsequentes, jamais alcançou - até porque, no auge do estilo, o streaming estava longe de ser realidade, claro.

Composta por Luísa ao lado de Bruno Caliman, Carolzinha, Douglas Moda e Jeni Mosello, a canção foi anunciada como uma declaração de amor para Chico Moedas, ou Veiga, namorado de Luísa e faz parte do álbum Escândalo Íntimo, recém-lançado pela cantora. No festival The Town, em meio a shows com alta velocidade rítmica, Chico foi cantada em coro por milhares de pessoas.

A cantora Luísa Sonza se apresentou no Palco Skyline do festival The Town. Em uma pausa das músicas mais agitadas, o público fez coro para cantar 'Chico' Foto: Taba Benedicto/Estadão

Instalada a discussão, um dos primeiros - ou mais influentes - artistas a ser consultado foi Caetano Veloso, uma espécie de decano para dúvidas ‘mpbísticas’. Instigado pela empresária Paula Lavigne, Caetano, compositor diretamente influenciado pelos criadores da bossa nova, analisou:

“O violão base está tocando bossa nova, me parece. Mas é que MPB é música popular brasileira… Meio que cobre tudo. Coisas muito diferentes. Depende mais de quem faz e qual o lugar que as pessoas veem aquele artista e chamam de MPB. Muitas vezes, tem coisa de bossa nova no que se chama de MPB. Não sei distinguir exatamente como botar cada coisa… Precisa botar?”, questionou, com seu estilo provocador, abrindo outra discussão.

Nesta quarta-feira, 13 de setembro, a cantora e compositora Joyce Moreno, uma filha da bossa nova,respeitada no mundo todo como uma de suas representantes, revelou que Luísa chegou a procurá-la, por indicação de Caetano, para que ela gravasse o violão na faixa. Luísa, no final, acabou optando por chamar outro músico

Para seguir com o debate, o Estadão procurou dois nomes com forte ligação com a bossa nova: o compositor e violonista Roberto Menescal e o jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro.

Isso é bossa nova, isso é muito natural

“Sim, eu acho que é uma bossa nova”, diz Menescal, que havia acabado de escutar Chico, a pedido da reportagem. “É bonita (ele cantarola trecho da melodia). Gostei. Fica na cabeça. É uma bossa nova chiclete. Você ouve o refrão e sai cantando”, conclui o compositor que esteve nas lendárias reuniões no apartamento da cantora Nara Leão, em Copacabana, onde a bossa nova foi desenvolvida, e participou do histórico show de bossa no Carnegie Hall, em Nova York, no ano de 1962. Vale a pena ouvir a resposta, em que Menescal até canta um trechinho da melodia de Chico:

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“Tudo pode ser bossa nova, desde que tocada com aquela batidinha criada pelo João Gilberto”, explica Menescal, de forma didática. A bossa é um jeito diferente de tocar o samba.

Para ele, é uma surpresa que uma música assim, mais calma, tenha conseguido escalar para o primeiro lugar das paradas musicais, deixando para trás os batidões do funk, o ritmo pesado do trap ou o percussivo sertanejo pop e suas variáveis.

“É muito legal que uma música com letra e melodia mais simples. Para mim, é uma surpresa inacreditável. E eu não estou falando de qualidade, até gostei da musiquinha”, diz Menescal, atualmente com 85 anos, talvez o maior músico vivo a representar o legado da boss nova.

Diretor da gravadora Philips, Menescal esteve por trás de discos importantes para a música brasileira, como Elis & Tom (1974), Nara Leão - Dez Anos Depois (1971), Chico Buarque - Construção (1971) e Gal Tropical (1979).

Roberto Menescal, um dos criadores da bossa nova, ficou com a melodia de 'Chico' na cabeça Foto: Quinho Mibach

Saiba que isso em mim provoca imensa dor

Para Ruy Castro, autor de livros como Chega de saudade: A história e as histórias da Bossa Nova e A Noite de Meu Bem - a História e as Histórias do Samba Canção, a música Chico, de Luísa Sonza não lhe parece uma bossa nova.

“Pelo que já ouvi de bossa nova, não tem muito a ver. Parece mais um iê-iê-iê, tipo Leno e Lilian, algo assim como ‘Eu sou o tijolinho que faltava na sua construção’ (ele se refere à canção Tijolinho, gravada pelo cantor Bobby di Carlo em 1966, no ritmo da jovem guarda).

“A bossa nova são muitas, e quem sabe se esta não é a nova bossa nova?”, reflete Castro, que ouviu Chico pela primeira vez a pedido da reportagem do Estadão.

Em uma canção com cinco compositores, fica difícil saber em que cada uma contribuiu, de fato, para a música - é presumível que Luísa tenha feito boa parte da letra dedicada ao namorado.

Um dos autores creditados é Bruno Caliman, autor de hits do sertanejo pop, entre eles Domingo de Manhã, que virou clássico na voz da dupla Marcos & Belutti, e Sogrão Caprichou, gravado por Luan Santana.

Não é impossível que, em breve, Chico ganhe versões de artistas de outros gêneros, como o sertanejo e o piseiro. Há parte da letra - e ela é a que mais afasta a canção de uma bossa nova clássica - bem sugestiva para isso.

Turma maior

A questão da autoria, para além da discussão sobre gênero musical, intriga Roberto Menescal. “A gente fazia com um ou dois, no máximo. Por que tantos? É uma música simples, não precisa de tantos. Gostaria de ver um vídeo deles fazendo”, indaga.

Menescal recorda como nasceu um dos clássicos da bossa que fez ao lado do letrista Ronaldo Bôscoli, seu parceiro de mais de mil canções, inclusive em O Barquinho, que ganhou mais de três mil gravações em seis décadas.

“Um dia ele passou na minha casa de táxi. Pedi para ele subir que queria mostrar uma música. Ele me perguntou o que eu havia pensado, mas estava apressado com o táxi esperando lá fora. Eu respondi a ele: ‘eu pensei aqui, vagamente’. Ele me interrompeu e disse: tá bom!. Depois fez a letra de Vagamente (Só me lembro muito vagamente/ Correndo você vinha quando de repente/Teu sorriso que era muito branco/Me encontrou). Era assim que fazíamos”, diz.

Para essa dúvida, Luísa talvez já tenha dado a resposta na própria letra de Chico: reinvento uma moda, faço bossa nova, diz a letra, pouco antes de dar no refrão mais cantado do momento: Chico, se tu me quiseres...

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