Quarto, Suítes, Alguns Cômodos e Outros Nem Tanto, álbum autoral de Alexandre Nero, começa, para quem ainda ouve um álbum em sequência, com uma parceria dele, Aldir Blanc (1946-2020) e Antonio Saraiva, Virulência. A canção, que quase ficou fora do disco, fala de tempos delicados. O vírus, a peste, o genocídio da população indígena e o governo deserto. “É preciso ventar”, decreta o último verso. Como bem diz Nero em papo com o Estadão, Virulência é a síntese do trabalho. “Ela tem silêncios, pausas, porrada, delicadeza e o discurso do disco.” Porém, ficou com quase seis minutos de duração. “Que prepotência!”, pensou Nero.
Ele, então, se lembrou do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. Vinte minutos de filme em que nada (ou tudo) acontece. Assim como no longa, quem passar por Virulência entenderá o disco por inteiro. O incômodo dos dias atuais também está em Miseráveis, parceria com Fabio Freire, na qual Nero contou com o canto de Elza Soares (1930-2022). Lança o olhar para manos, minas, monas. Em Nossa Senhora de Copacabana, assinada com Luiz Felipe Leprevost, pede que a famosa avenida do Rio proteja p... e travestis. “Nos meus outros discos, tudo estava mais leve. Eu, o País. No momento, não vejo espaço para gracinhas. Só para a graça do ser humano”, justifica Nero. Com Milton Nascimento, dividiu Em Guerra de Cegos, outra parceria com Freire. Nela, o vento sopra mais uma vez, convidando para dançar, assim como em Cais, lendária canção de Bituca e Ronaldo Bastos. Nero, mais uma vez, recorre ao cinema. Para ele, Milton no disco é como a avassaladora participação de Marlon Brando em Apocalypse Now.
Quarto, Suítes, Alguns Cômodos e Outros Nem Tanto começou a nascer em 2018, quando Nero estava no sertão nordestino gravando a série Onde Nascem os Fortes, drama de George Moura e Sergio Goldenberg exibido pela TV Globo naquele mesmo ano. Foi quando percebeu que era o momento de, mais uma vez, dar espaço para a música. Alternância e ensejo com que Nero convive muito bem. Ou quase. Quando era protagonista da música, brigava com ela por um tempo para fazer teatro, conta. As duas profissões nascidas de um apuro real. “Sou resultado de um artista da fome. Me tornei órfão muito cedo. Toquei na noite e o teatro, por mais curiosidade que tivesse sobre ele, encarava como uma opção de trabalho mesmo. Ao longo da vida fui equilibrando as duas profissões”, afirma.
Alexandre Nero, ator e cantor
A cara e coroa, agora, era como fazer esse disco. Pelo caminho do entretenimento, Nero não queria ir. Um dos principais atores de sua geração, contratado de uma grande empresa e enfileirando protagonistas em novelas, seria até muito natural que ele, se quisesse, jogasse com a galera. Foi no sentido contrário e buscou o artesanal. “Esse disco é uma empáfia! Tem música para escutar! Com conceito. Uma coisa superantiga. Ou vanguarda”, lembra, ao criticar os caminhos que o mercado musical tomou. A primeira parada de Nero para divulgar o novo trabalho será nesta sexta, 20, às 23h quando estreia turnê do álbum no palco alternativo do Studio SP (R. Augusta, 591; R$ 50/R$ 100). Para Nero, a arte, para além do que o sucesso pode lhe oferecer, continua a ser uma questão de resistência.