Como captar quatro décadas de hip-hop? Com muita abrangência


‘The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap’, um box com 129 músicas, tem um objetivo muito desafiador (e talvez impossível): definir um gênero em constante evolução

Por Jon Caramanica

Em 1990, o hip-hop estava passando por uma crise de identidade. Naquele verão, MC Hammer lançou U Can't Touch This, seu single brilhante e inovador que, graças à moda extravagante e ao rápido trabalho de pés no seu clipe, virou um fenômeno da música pop. Em seguida, só alguns meses depois, veio Ice Ice Baby, do Vanilla Ice, que trazia um sample de Under Pressure, de Queen e David Bowie, e se tornou o primeiro single de hip-hop a chegar ao topo da Billboard Hot 100.

'The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap', seleção com 129 músicas Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Embora muito populares no mainstream pop, ambas as músicas foram - de maneiras diferentes, mas relacionadas - ridicularizadas no hip-hop, mantidas à distância. A música rap, então com pouco mais de uma década, acabara de ganhar alguma atenção de fora dos muros do gênero. Esses sucessos - entre eles, o de um rapper branco, aliás - eram fenômenos diferentes, quase sem precedentes.

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E, no entanto, aqui estão eles, de volta no meio do Disco 5 de The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap, uma coleção de 129 canções, com lançamento previsto para 20 de agosto, que funciona como uma narrativa fundacional do crescimento do gênero de 1979 a 2013. As músicas vêm logo depois de The Humpty Dance, do Digital Underground, e Me So Horny, do 2 Live Crew - diferentes tipos de escapada de humoristas de olhos esbugalhados de extremidades opostas do país - e pouco antes da estridente All for One, de Brand Nubian, que chega como um vigia mesquinho se esforçando para restaurar a ordem.

Em 2021, com o hip-hop sendo a força musical dominante na cultura popular global, há pouco a debater: as canções blockbuster de MC Hammer e Vanilla Ice são erupções e intrusões que, em retrospecto, parecem inevitáveis. O hip-hop há muito se reconciliou com suas ambições pop e aí se tornou o próprio cerne da música pop. Ao longo do caminho, virou um guarda-chuva bem amplo.

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Antologizar adequadamente a íntegra do gênero é levar em conta suas contradições, suas narrativas concorrentes e suas inconsistências. Por essa medida, a antologia é um impressionante trabalho de erudição, concepção e logística. Também é inevitavelmente falho, claro, ponto de partida para uma coleção de sombras de exclusões, histórias alternativas e quase-acidentes.

Lançado pela Smithsonian Folkways Recordings, a antologia faz parte da série African American Legacy Recordings, coproduzida com o Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana. Para selecionar as músicas, um comitê consultivo de cerca de 40 artistas, figuras da indústria, jornalistas e acadêmicos compilou uma lista abrangente de aproximadamente 900 opções. A partir daí, um comitê executivo de 10 pessoas se reuniu em novembro de 2014 para lapidá-la. Posteriormente, alguns ajustes foram feitos por motivos logísticos. (Em 2017, o Smithsonian arrecadou cerca de US$ 370 mil por meio do Kickstarter para ajudar a financiar a produção, pesquisa e licenciamento para o box).

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“Tenho inveja do que o mundo do rock faz”, disse Chuck D, do Public Enemy, membro do comitê executivo, referindo-se a como o rock ‘n’ roll consistentemente avalia e celebra sua própria história. “Fiquei interessado e comecei essa ideia porque me cansei de não sermos tratados como realeza, que é o que o gênero merece” (Chuck D disse que se absteve da votação final - “Eu saí correndo da sala”).

Dwandalyn R. Reece, diretora associada do museu para assuntos curatoriais e curadora de música e artes cênicas, disse que espera o inevitável - mas adoraria evitá-lo: “Eu sei que as pessoas vão olhar para a antologia como um cânone, mas essa não era nossa intenção”, disse ela. “É só uma história, não a história definitiva. O que espero da antologia é que inicie um diálogo”.

Quer constitua ou não um cânone - “Eu evito o conceito de cânone”, disse Cheryl L. Keyes, presidente do departamento de Estudos Afro-americanos da UCLA e membro do comitê executivo - a coleção é um tour conduzido com propósito certo através das muitas fases, regiões e ideologias do hip-hop.

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O produtor 9th Wonder, também membro do comitê executivo, estruturou a conversa em torno da seleção em termos de padrões, em outras palavras, “canções que deveriam ser conhecidas pela próxima geração”, explicou ele. “Basicamente, estamos criando uma base para algo que não existe. Existe nas barbearias, existe na sua casa com seus amigos, mas no papel e no concreto, muitas coisas realmente não existem”.

Começando no final dos anos 1970, a The Smithsonian Anthology traz as primeiras gravações do hip-hop (Sugarhill Gang, the Treacherous Three, Grandmaster Flash & the Furious Five, etc.). Abrange música de festa (Sir Mix-A-Lot, Ludacris, Lil Jon e East Side Boyz) e gangster rap (Geto Boys, Schoolly-D, Ice-T). Há uma pitada de rappers brancos - Beastie Boys, Vanilla Ice, House of Pain, Eminem, Macklemore.

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A antologia faz um trabalho robusto para registrar a história das mulheres no hip-hop - muitas vezes focada principalmente em relação aos homens - de Sequence e Salt-N-Pepa a Lil ‘Kim e Foxy Brown até Missy Elliott, Lauryn Hill e Nicki Minaj. “Elas são totalmente representadas e representadas da maneira mais respeitável”, disse Keyes. “Elas não estão lá para provocar a fantasia masculina”.

É reconfortante ver as primeiras faixas de Port Arthur, Texas, duo UGK (Pocket Full of Stones) e do duo Memphis Eightball & MJG (Comin 'Out Hard) ao lado de seus colegas contemporâneos de Nova York - muitas vezes a história do rap sulista foi contada em descompasso e isolada do resto do gênero. E é impressionante refletir sobre como algumas inovações, arrojadas em sua época, ficaram tão esquecidas ou tão absorvidas no gênero - vejamos, por exemplo, a leveza melódica de Nelly em Country Grammar (Hot) - a ponto de não serem notáveis.

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A coleção termina em 2013: a última música é de Drake - à sua maneira, o prenúncio de uma nova era. Mas também é um momento conveniente para colocar um limite na reflexão. O hip-hop agora está quase totalmente descentralizado; o gênero está fragmentado sonora e tematicamente. Talvez o mais revelador seja o fato de o hip-hop estar mais tolerante agora: mais compreensão de suas rusgas internas, mais disponível para participantes diferentes, mais aberto à invenção e à revisão sonora. É difícil policiar as fronteiras de um gênero quando o gênero é o mundo inteiro.

Assim, a antologia captura o hip-hop em seu período de nascimento, seus inúmeros surtos de crescimento, seus cabos de guerra e, finalmente, sua plena expansão para a música pop. Seria estranho discutir se o hip-hop deveria receber um tratamento institucional agora - em apenas 40 anos, ele se tornou um alicerce. Uma coleção como esta - uma declaração de posicionamento como esta - é relíquia de uma era em que o hip-hop teve de lutar para ser levado a sério pelas instituições, fossem elas museus, órgãos políticos, empresas de tecnologia ou outras indústrias criativas. / Tradução de Renato Prelorentzou.

Em 1990, o hip-hop estava passando por uma crise de identidade. Naquele verão, MC Hammer lançou U Can't Touch This, seu single brilhante e inovador que, graças à moda extravagante e ao rápido trabalho de pés no seu clipe, virou um fenômeno da música pop. Em seguida, só alguns meses depois, veio Ice Ice Baby, do Vanilla Ice, que trazia um sample de Under Pressure, de Queen e David Bowie, e se tornou o primeiro single de hip-hop a chegar ao topo da Billboard Hot 100.

'The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap', seleção com 129 músicas Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Embora muito populares no mainstream pop, ambas as músicas foram - de maneiras diferentes, mas relacionadas - ridicularizadas no hip-hop, mantidas à distância. A música rap, então com pouco mais de uma década, acabara de ganhar alguma atenção de fora dos muros do gênero. Esses sucessos - entre eles, o de um rapper branco, aliás - eram fenômenos diferentes, quase sem precedentes.

E, no entanto, aqui estão eles, de volta no meio do Disco 5 de The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap, uma coleção de 129 canções, com lançamento previsto para 20 de agosto, que funciona como uma narrativa fundacional do crescimento do gênero de 1979 a 2013. As músicas vêm logo depois de The Humpty Dance, do Digital Underground, e Me So Horny, do 2 Live Crew - diferentes tipos de escapada de humoristas de olhos esbugalhados de extremidades opostas do país - e pouco antes da estridente All for One, de Brand Nubian, que chega como um vigia mesquinho se esforçando para restaurar a ordem.

Em 2021, com o hip-hop sendo a força musical dominante na cultura popular global, há pouco a debater: as canções blockbuster de MC Hammer e Vanilla Ice são erupções e intrusões que, em retrospecto, parecem inevitáveis. O hip-hop há muito se reconciliou com suas ambições pop e aí se tornou o próprio cerne da música pop. Ao longo do caminho, virou um guarda-chuva bem amplo.

Antologizar adequadamente a íntegra do gênero é levar em conta suas contradições, suas narrativas concorrentes e suas inconsistências. Por essa medida, a antologia é um impressionante trabalho de erudição, concepção e logística. Também é inevitavelmente falho, claro, ponto de partida para uma coleção de sombras de exclusões, histórias alternativas e quase-acidentes.

Lançado pela Smithsonian Folkways Recordings, a antologia faz parte da série African American Legacy Recordings, coproduzida com o Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana. Para selecionar as músicas, um comitê consultivo de cerca de 40 artistas, figuras da indústria, jornalistas e acadêmicos compilou uma lista abrangente de aproximadamente 900 opções. A partir daí, um comitê executivo de 10 pessoas se reuniu em novembro de 2014 para lapidá-la. Posteriormente, alguns ajustes foram feitos por motivos logísticos. (Em 2017, o Smithsonian arrecadou cerca de US$ 370 mil por meio do Kickstarter para ajudar a financiar a produção, pesquisa e licenciamento para o box).

“Tenho inveja do que o mundo do rock faz”, disse Chuck D, do Public Enemy, membro do comitê executivo, referindo-se a como o rock ‘n’ roll consistentemente avalia e celebra sua própria história. “Fiquei interessado e comecei essa ideia porque me cansei de não sermos tratados como realeza, que é o que o gênero merece” (Chuck D disse que se absteve da votação final - “Eu saí correndo da sala”).

Dwandalyn R. Reece, diretora associada do museu para assuntos curatoriais e curadora de música e artes cênicas, disse que espera o inevitável - mas adoraria evitá-lo: “Eu sei que as pessoas vão olhar para a antologia como um cânone, mas essa não era nossa intenção”, disse ela. “É só uma história, não a história definitiva. O que espero da antologia é que inicie um diálogo”.

Quer constitua ou não um cânone - “Eu evito o conceito de cânone”, disse Cheryl L. Keyes, presidente do departamento de Estudos Afro-americanos da UCLA e membro do comitê executivo - a coleção é um tour conduzido com propósito certo através das muitas fases, regiões e ideologias do hip-hop.

O produtor 9th Wonder, também membro do comitê executivo, estruturou a conversa em torno da seleção em termos de padrões, em outras palavras, “canções que deveriam ser conhecidas pela próxima geração”, explicou ele. “Basicamente, estamos criando uma base para algo que não existe. Existe nas barbearias, existe na sua casa com seus amigos, mas no papel e no concreto, muitas coisas realmente não existem”.

Começando no final dos anos 1970, a The Smithsonian Anthology traz as primeiras gravações do hip-hop (Sugarhill Gang, the Treacherous Three, Grandmaster Flash & the Furious Five, etc.). Abrange música de festa (Sir Mix-A-Lot, Ludacris, Lil Jon e East Side Boyz) e gangster rap (Geto Boys, Schoolly-D, Ice-T). Há uma pitada de rappers brancos - Beastie Boys, Vanilla Ice, House of Pain, Eminem, Macklemore.

A antologia faz um trabalho robusto para registrar a história das mulheres no hip-hop - muitas vezes focada principalmente em relação aos homens - de Sequence e Salt-N-Pepa a Lil ‘Kim e Foxy Brown até Missy Elliott, Lauryn Hill e Nicki Minaj. “Elas são totalmente representadas e representadas da maneira mais respeitável”, disse Keyes. “Elas não estão lá para provocar a fantasia masculina”.

É reconfortante ver as primeiras faixas de Port Arthur, Texas, duo UGK (Pocket Full of Stones) e do duo Memphis Eightball & MJG (Comin 'Out Hard) ao lado de seus colegas contemporâneos de Nova York - muitas vezes a história do rap sulista foi contada em descompasso e isolada do resto do gênero. E é impressionante refletir sobre como algumas inovações, arrojadas em sua época, ficaram tão esquecidas ou tão absorvidas no gênero - vejamos, por exemplo, a leveza melódica de Nelly em Country Grammar (Hot) - a ponto de não serem notáveis.

A coleção termina em 2013: a última música é de Drake - à sua maneira, o prenúncio de uma nova era. Mas também é um momento conveniente para colocar um limite na reflexão. O hip-hop agora está quase totalmente descentralizado; o gênero está fragmentado sonora e tematicamente. Talvez o mais revelador seja o fato de o hip-hop estar mais tolerante agora: mais compreensão de suas rusgas internas, mais disponível para participantes diferentes, mais aberto à invenção e à revisão sonora. É difícil policiar as fronteiras de um gênero quando o gênero é o mundo inteiro.

Assim, a antologia captura o hip-hop em seu período de nascimento, seus inúmeros surtos de crescimento, seus cabos de guerra e, finalmente, sua plena expansão para a música pop. Seria estranho discutir se o hip-hop deveria receber um tratamento institucional agora - em apenas 40 anos, ele se tornou um alicerce. Uma coleção como esta - uma declaração de posicionamento como esta - é relíquia de uma era em que o hip-hop teve de lutar para ser levado a sério pelas instituições, fossem elas museus, órgãos políticos, empresas de tecnologia ou outras indústrias criativas. / Tradução de Renato Prelorentzou.

Em 1990, o hip-hop estava passando por uma crise de identidade. Naquele verão, MC Hammer lançou U Can't Touch This, seu single brilhante e inovador que, graças à moda extravagante e ao rápido trabalho de pés no seu clipe, virou um fenômeno da música pop. Em seguida, só alguns meses depois, veio Ice Ice Baby, do Vanilla Ice, que trazia um sample de Under Pressure, de Queen e David Bowie, e se tornou o primeiro single de hip-hop a chegar ao topo da Billboard Hot 100.

'The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap', seleção com 129 músicas Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Embora muito populares no mainstream pop, ambas as músicas foram - de maneiras diferentes, mas relacionadas - ridicularizadas no hip-hop, mantidas à distância. A música rap, então com pouco mais de uma década, acabara de ganhar alguma atenção de fora dos muros do gênero. Esses sucessos - entre eles, o de um rapper branco, aliás - eram fenômenos diferentes, quase sem precedentes.

E, no entanto, aqui estão eles, de volta no meio do Disco 5 de The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap, uma coleção de 129 canções, com lançamento previsto para 20 de agosto, que funciona como uma narrativa fundacional do crescimento do gênero de 1979 a 2013. As músicas vêm logo depois de The Humpty Dance, do Digital Underground, e Me So Horny, do 2 Live Crew - diferentes tipos de escapada de humoristas de olhos esbugalhados de extremidades opostas do país - e pouco antes da estridente All for One, de Brand Nubian, que chega como um vigia mesquinho se esforçando para restaurar a ordem.

Em 2021, com o hip-hop sendo a força musical dominante na cultura popular global, há pouco a debater: as canções blockbuster de MC Hammer e Vanilla Ice são erupções e intrusões que, em retrospecto, parecem inevitáveis. O hip-hop há muito se reconciliou com suas ambições pop e aí se tornou o próprio cerne da música pop. Ao longo do caminho, virou um guarda-chuva bem amplo.

Antologizar adequadamente a íntegra do gênero é levar em conta suas contradições, suas narrativas concorrentes e suas inconsistências. Por essa medida, a antologia é um impressionante trabalho de erudição, concepção e logística. Também é inevitavelmente falho, claro, ponto de partida para uma coleção de sombras de exclusões, histórias alternativas e quase-acidentes.

Lançado pela Smithsonian Folkways Recordings, a antologia faz parte da série African American Legacy Recordings, coproduzida com o Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana. Para selecionar as músicas, um comitê consultivo de cerca de 40 artistas, figuras da indústria, jornalistas e acadêmicos compilou uma lista abrangente de aproximadamente 900 opções. A partir daí, um comitê executivo de 10 pessoas se reuniu em novembro de 2014 para lapidá-la. Posteriormente, alguns ajustes foram feitos por motivos logísticos. (Em 2017, o Smithsonian arrecadou cerca de US$ 370 mil por meio do Kickstarter para ajudar a financiar a produção, pesquisa e licenciamento para o box).

“Tenho inveja do que o mundo do rock faz”, disse Chuck D, do Public Enemy, membro do comitê executivo, referindo-se a como o rock ‘n’ roll consistentemente avalia e celebra sua própria história. “Fiquei interessado e comecei essa ideia porque me cansei de não sermos tratados como realeza, que é o que o gênero merece” (Chuck D disse que se absteve da votação final - “Eu saí correndo da sala”).

Dwandalyn R. Reece, diretora associada do museu para assuntos curatoriais e curadora de música e artes cênicas, disse que espera o inevitável - mas adoraria evitá-lo: “Eu sei que as pessoas vão olhar para a antologia como um cânone, mas essa não era nossa intenção”, disse ela. “É só uma história, não a história definitiva. O que espero da antologia é que inicie um diálogo”.

Quer constitua ou não um cânone - “Eu evito o conceito de cânone”, disse Cheryl L. Keyes, presidente do departamento de Estudos Afro-americanos da UCLA e membro do comitê executivo - a coleção é um tour conduzido com propósito certo através das muitas fases, regiões e ideologias do hip-hop.

O produtor 9th Wonder, também membro do comitê executivo, estruturou a conversa em torno da seleção em termos de padrões, em outras palavras, “canções que deveriam ser conhecidas pela próxima geração”, explicou ele. “Basicamente, estamos criando uma base para algo que não existe. Existe nas barbearias, existe na sua casa com seus amigos, mas no papel e no concreto, muitas coisas realmente não existem”.

Começando no final dos anos 1970, a The Smithsonian Anthology traz as primeiras gravações do hip-hop (Sugarhill Gang, the Treacherous Three, Grandmaster Flash & the Furious Five, etc.). Abrange música de festa (Sir Mix-A-Lot, Ludacris, Lil Jon e East Side Boyz) e gangster rap (Geto Boys, Schoolly-D, Ice-T). Há uma pitada de rappers brancos - Beastie Boys, Vanilla Ice, House of Pain, Eminem, Macklemore.

A antologia faz um trabalho robusto para registrar a história das mulheres no hip-hop - muitas vezes focada principalmente em relação aos homens - de Sequence e Salt-N-Pepa a Lil ‘Kim e Foxy Brown até Missy Elliott, Lauryn Hill e Nicki Minaj. “Elas são totalmente representadas e representadas da maneira mais respeitável”, disse Keyes. “Elas não estão lá para provocar a fantasia masculina”.

É reconfortante ver as primeiras faixas de Port Arthur, Texas, duo UGK (Pocket Full of Stones) e do duo Memphis Eightball & MJG (Comin 'Out Hard) ao lado de seus colegas contemporâneos de Nova York - muitas vezes a história do rap sulista foi contada em descompasso e isolada do resto do gênero. E é impressionante refletir sobre como algumas inovações, arrojadas em sua época, ficaram tão esquecidas ou tão absorvidas no gênero - vejamos, por exemplo, a leveza melódica de Nelly em Country Grammar (Hot) - a ponto de não serem notáveis.

A coleção termina em 2013: a última música é de Drake - à sua maneira, o prenúncio de uma nova era. Mas também é um momento conveniente para colocar um limite na reflexão. O hip-hop agora está quase totalmente descentralizado; o gênero está fragmentado sonora e tematicamente. Talvez o mais revelador seja o fato de o hip-hop estar mais tolerante agora: mais compreensão de suas rusgas internas, mais disponível para participantes diferentes, mais aberto à invenção e à revisão sonora. É difícil policiar as fronteiras de um gênero quando o gênero é o mundo inteiro.

Assim, a antologia captura o hip-hop em seu período de nascimento, seus inúmeros surtos de crescimento, seus cabos de guerra e, finalmente, sua plena expansão para a música pop. Seria estranho discutir se o hip-hop deveria receber um tratamento institucional agora - em apenas 40 anos, ele se tornou um alicerce. Uma coleção como esta - uma declaração de posicionamento como esta - é relíquia de uma era em que o hip-hop teve de lutar para ser levado a sério pelas instituições, fossem elas museus, órgãos políticos, empresas de tecnologia ou outras indústrias criativas. / Tradução de Renato Prelorentzou.

Em 1990, o hip-hop estava passando por uma crise de identidade. Naquele verão, MC Hammer lançou U Can't Touch This, seu single brilhante e inovador que, graças à moda extravagante e ao rápido trabalho de pés no seu clipe, virou um fenômeno da música pop. Em seguida, só alguns meses depois, veio Ice Ice Baby, do Vanilla Ice, que trazia um sample de Under Pressure, de Queen e David Bowie, e se tornou o primeiro single de hip-hop a chegar ao topo da Billboard Hot 100.

'The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap', seleção com 129 músicas Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Embora muito populares no mainstream pop, ambas as músicas foram - de maneiras diferentes, mas relacionadas - ridicularizadas no hip-hop, mantidas à distância. A música rap, então com pouco mais de uma década, acabara de ganhar alguma atenção de fora dos muros do gênero. Esses sucessos - entre eles, o de um rapper branco, aliás - eram fenômenos diferentes, quase sem precedentes.

E, no entanto, aqui estão eles, de volta no meio do Disco 5 de The Smithsonian Anthology of Hip-Hop and Rap, uma coleção de 129 canções, com lançamento previsto para 20 de agosto, que funciona como uma narrativa fundacional do crescimento do gênero de 1979 a 2013. As músicas vêm logo depois de The Humpty Dance, do Digital Underground, e Me So Horny, do 2 Live Crew - diferentes tipos de escapada de humoristas de olhos esbugalhados de extremidades opostas do país - e pouco antes da estridente All for One, de Brand Nubian, que chega como um vigia mesquinho se esforçando para restaurar a ordem.

Em 2021, com o hip-hop sendo a força musical dominante na cultura popular global, há pouco a debater: as canções blockbuster de MC Hammer e Vanilla Ice são erupções e intrusões que, em retrospecto, parecem inevitáveis. O hip-hop há muito se reconciliou com suas ambições pop e aí se tornou o próprio cerne da música pop. Ao longo do caminho, virou um guarda-chuva bem amplo.

Antologizar adequadamente a íntegra do gênero é levar em conta suas contradições, suas narrativas concorrentes e suas inconsistências. Por essa medida, a antologia é um impressionante trabalho de erudição, concepção e logística. Também é inevitavelmente falho, claro, ponto de partida para uma coleção de sombras de exclusões, histórias alternativas e quase-acidentes.

Lançado pela Smithsonian Folkways Recordings, a antologia faz parte da série African American Legacy Recordings, coproduzida com o Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana. Para selecionar as músicas, um comitê consultivo de cerca de 40 artistas, figuras da indústria, jornalistas e acadêmicos compilou uma lista abrangente de aproximadamente 900 opções. A partir daí, um comitê executivo de 10 pessoas se reuniu em novembro de 2014 para lapidá-la. Posteriormente, alguns ajustes foram feitos por motivos logísticos. (Em 2017, o Smithsonian arrecadou cerca de US$ 370 mil por meio do Kickstarter para ajudar a financiar a produção, pesquisa e licenciamento para o box).

“Tenho inveja do que o mundo do rock faz”, disse Chuck D, do Public Enemy, membro do comitê executivo, referindo-se a como o rock ‘n’ roll consistentemente avalia e celebra sua própria história. “Fiquei interessado e comecei essa ideia porque me cansei de não sermos tratados como realeza, que é o que o gênero merece” (Chuck D disse que se absteve da votação final - “Eu saí correndo da sala”).

Dwandalyn R. Reece, diretora associada do museu para assuntos curatoriais e curadora de música e artes cênicas, disse que espera o inevitável - mas adoraria evitá-lo: “Eu sei que as pessoas vão olhar para a antologia como um cânone, mas essa não era nossa intenção”, disse ela. “É só uma história, não a história definitiva. O que espero da antologia é que inicie um diálogo”.

Quer constitua ou não um cânone - “Eu evito o conceito de cânone”, disse Cheryl L. Keyes, presidente do departamento de Estudos Afro-americanos da UCLA e membro do comitê executivo - a coleção é um tour conduzido com propósito certo através das muitas fases, regiões e ideologias do hip-hop.

O produtor 9th Wonder, também membro do comitê executivo, estruturou a conversa em torno da seleção em termos de padrões, em outras palavras, “canções que deveriam ser conhecidas pela próxima geração”, explicou ele. “Basicamente, estamos criando uma base para algo que não existe. Existe nas barbearias, existe na sua casa com seus amigos, mas no papel e no concreto, muitas coisas realmente não existem”.

Começando no final dos anos 1970, a The Smithsonian Anthology traz as primeiras gravações do hip-hop (Sugarhill Gang, the Treacherous Three, Grandmaster Flash & the Furious Five, etc.). Abrange música de festa (Sir Mix-A-Lot, Ludacris, Lil Jon e East Side Boyz) e gangster rap (Geto Boys, Schoolly-D, Ice-T). Há uma pitada de rappers brancos - Beastie Boys, Vanilla Ice, House of Pain, Eminem, Macklemore.

A antologia faz um trabalho robusto para registrar a história das mulheres no hip-hop - muitas vezes focada principalmente em relação aos homens - de Sequence e Salt-N-Pepa a Lil ‘Kim e Foxy Brown até Missy Elliott, Lauryn Hill e Nicki Minaj. “Elas são totalmente representadas e representadas da maneira mais respeitável”, disse Keyes. “Elas não estão lá para provocar a fantasia masculina”.

É reconfortante ver as primeiras faixas de Port Arthur, Texas, duo UGK (Pocket Full of Stones) e do duo Memphis Eightball & MJG (Comin 'Out Hard) ao lado de seus colegas contemporâneos de Nova York - muitas vezes a história do rap sulista foi contada em descompasso e isolada do resto do gênero. E é impressionante refletir sobre como algumas inovações, arrojadas em sua época, ficaram tão esquecidas ou tão absorvidas no gênero - vejamos, por exemplo, a leveza melódica de Nelly em Country Grammar (Hot) - a ponto de não serem notáveis.

A coleção termina em 2013: a última música é de Drake - à sua maneira, o prenúncio de uma nova era. Mas também é um momento conveniente para colocar um limite na reflexão. O hip-hop agora está quase totalmente descentralizado; o gênero está fragmentado sonora e tematicamente. Talvez o mais revelador seja o fato de o hip-hop estar mais tolerante agora: mais compreensão de suas rusgas internas, mais disponível para participantes diferentes, mais aberto à invenção e à revisão sonora. É difícil policiar as fronteiras de um gênero quando o gênero é o mundo inteiro.

Assim, a antologia captura o hip-hop em seu período de nascimento, seus inúmeros surtos de crescimento, seus cabos de guerra e, finalmente, sua plena expansão para a música pop. Seria estranho discutir se o hip-hop deveria receber um tratamento institucional agora - em apenas 40 anos, ele se tornou um alicerce. Uma coleção como esta - uma declaração de posicionamento como esta - é relíquia de uma era em que o hip-hop teve de lutar para ser levado a sério pelas instituições, fossem elas museus, órgãos políticos, empresas de tecnologia ou outras indústrias criativas. / Tradução de Renato Prelorentzou.

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