Quem se acostumou com a “sofrência” ou o amor melódico das últimas de sucessos da música sertaneja pode se espantar um pouco ao presenciar o fenômeno que tem dominado as paradas musicais. O agronejo une modão rural de raiz com batidas urbanas antenadas, sem pudor ao ostentar tanto a riqueza que vem do agronegócio do Brasil quanto em deixar o romantismo de lado e abraçar o duplo sentido de termos do universo agropecuário, como roçar, montar e cavalgar.
A nova geração do estilo tem como principal figura a cantora Ana Castela, 19 anos, nascida em Amambai, no Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai. A artista atualmente mais escutada do país, segundo dados do YouTube e do Spotify, também é destaque da trilha sonora e de cenas da novela “Terra e Paixão”, em um claro esforço da TV Globo de se conectar com este universo.
Sai a sofrência, entra a agro-ostentação
O agronejo começou a dar as caras de maneira mais incisiva no Brasil no segundo semestre de 2021, a partir do estouro da música Os Menino da Pecuária, da dupla paranaense Léo e Raphael, que já em 2019 cantavam que o “agro é top”. Na canção, os artistas comparam as riquezas exibidas por outros estilos musicais, como carros importados, à cabeças de gado: quantas Ferraris equivalem a uma propriedade que produz toneladas de milho ou soja?
Os “agroboys” preferem uma Dodge Ram ou uma Hilux a um carro da marca italiana, pois é do alto da carroceria que cantam em bom som que “de ponta a ponta, o Brasil tem boiadeiro movimentado a parada”. O “P” do PIB brasileiro não se traduz literalmente na pecuária, como cantam, mas o agronegócio foi de fato responsável, em 2022, por quase 25% da produção nacional.
A ostentação é marca do agronejo: sai a sofrência, entra a autovalorização. “A gente percebe que faz parte falar sobre a quantidade de cabeça de gado que tem, qual a caminhonete que o cara anda. São itens ligados ao agro de uma forma mais ostentativa que eu vejo como uma autoafirmação, mas de uma forma superificial”, destaca Marcus Vinícius de Deus Bernardes, que acompanha os movimentos da cena musical há 16 anos à frente do Blognejo, um dos maiores portais sobre o sertanejo nacional
Ele considera que, ainda que o setor agropecuário sempre tenha sido forte no Brasil, foi nos últimos anos, quando o agro ganhou ainda mais força mais política no país, que a “galera do campo” ficou mais à vontade para falar de si mesma.
No epicentro do fenômeno do agronejo, está o Agroplay, escritório em Londrina (PR) que gerencia boa parte dos artistas do gênero, como Luan Pereira, Us Agroboy, Julya e Maryana, Francisco, DJ Chris no Beat e Ana Castela. O sucesso começou nas redes sociais e se ampara na renovação das músicas, com novos hits sempre no forno. “O momento que a música vive é das plataformas. O consumo está muito rápido e nós precisamos ser também”, comenta Ana Castela.
Assim como os outros astros do agronejo, a artista também investe pesado na produção de conteúdos para o Instagram e TikTok. “Todas as redes unem públicos e estilos, fazem nossos conteúdos rodarem mais rápido e conquistar cada vez mais pessoas”. A estratégia tem funcionado: Ana Castela soma mais de 15 milhões de ouvintes mensais nas plataformas, ganhou o troféu de revelação de 2022 do Prêmio Multishow e atribui o sucesso a facilidade dos jovens de se identificarem com suas canções.
“Ser agro não significa que todo mundo só ouve sertanejo. É uma cultura além do estilo musical”, diz Ana Castela, que tem como referência de Anitta à Marília Mendonça, Luísa Sonza e Luan Santana.
O grande produtor do agronejo
Uma das pessoas por trás de misturar essas combinações é Eduardo Godoy, produtor responsável por grande parte dos hits do agronejo. Figura importante na cena do interior do Paraná, de onde já surgiram outros sucessos sertanejos como Fernando e Sorocaba, Godoy ressalta que o estilo do “sertanejo bruto” sempre esteve presente por lá, com uma cultura típica do interior e bordões da região de Londrina.
“A cidade está respirando essa cultura”, conta o produtor musical. Para ele, modernizar o sertanejo com o agronejo fez muita gente “sair da casinha”: hoje, é muito mais comum encontrar pessoas de chapéu e bota em um shopping, por exemplo. “Não fica mais aquela coisa que é meio caipira, pois trouxe algo jovem”, comenta Godoy sobre o gênero que não se restringe mais apenas ao interior. “O pessoal sempre tinha na cabeça que por ser algo regional, não ia atravessar a barreira de ir para outros lugares”, diz.
A internet e os virais ajudam e até artistas de outras vertentes aproveitam para pegar carona com os boiadeiros: alguns nomes do funk, como Melody, já colocaram o pé no curral para fazer agronejo. “O Mc Ryan (um dos principais nomes da música urbana de São Paulo), por exemplo, não tem nada a ver com o sertanejo, mas veio para o nosso mundo e colocou o chapéu. Então eles já estão adotando esse estilo mesmo sem cantar necessariamente agronejo”, comenta Godoy.
Os feats, tanto entre artistas do agro ou de outros estilos, ajudam a impulsionar os plays. “As vezes quando o artista tá grande, não quer fazer parcerias. A gente tá falando de um movimento e não de um artista. Quanto mais a gente crescer, mais a gente fica sustentável”, explica. A frequência também contribui para deixar os nomes do agronejo no topo: o produtor estima que os sucessos surjam a cada dois ou três meses - tempo suficiente para um hit substituir o outro nas paradas musicais.
Afinal de contas, trata-se de um trabalho que não depende só da produção: composição, mixagem e principalmente o marketing são fundamentais para o êxito do processo. “É toda uma equipe para aquele artista estar no topo. Não existe artista sem a produção, sem o marketing... É uma engrenagem para fazer dar certo”, diz Godoy.
O que explica o estouro?
Se por um lado não é novidade unir dois gêneros musicais que são incompatíveis à primeira audição, cantar a vida no campo também não é inovação desde os primórdios da música caipira. O que explica, então, o triunfo do agronejo, o som da vez no país?
Marcus Vinícius, do Blognejo, considera que uma das boas sacadas do agronejo foi levar para o universo sertanejo a irreverência do funk e aproveitar uma lacuna de mercado. “Eu vejo o agronejo como um movimento que deu voz a uma nova geração que vive da agropecuária. Não tinha, nas últimas décadas, uma música específica para mostrar esse lado de uma forma mais irreverente. É para uma galera que frequenta rave, festas, mas não tinha uma música que falava deles”, explica.
Marcus ressalta que movimentos anteriores que tentaram unir o sertanejo com outros gêneros não se atentaram a misturar, ao lado dos ritmos, uma estética e linguagem própria com as quais as pessoas pudessem se identificar. O refrão do hit dos maiores representantes do gênero, Ana Castela e Luan Pereira, ao lado do DJ Chris No Beat, representa bem essa combinação: “a gente também anda cheio de ouro no pescoço [...], nós junta Juliet e chapelão”.
O chapéu e a bota de cowboy estão presentes e reafirmam a estética sertaneja, mas para legitimar o grande poder aquisitivo que vem do agronegócio, já surgem com marcas de grife e muito brilho para garantir que chamem atenção. Os esforços, investimento e nova linguagem têm funcionado: o agronejo é um “pipoco” e espalha a palavra do agronegócio por todo Brasil.