Crítica: Livro de Britney Spears é relato cru e lúcido de como ela foi usada, manipulada e rejeitada


Como uma popstar perdeu qualquer agência sobre sua própria vida, na frente do mundo inteiro, e ninguém percebeu? Biografia ‘A Mulher em Mim’ é uma narrativa rica para entender a mídia e seu tratamento das mulheres

Por Dora Guerra
Atualização:

Uma das maiores popstars do mundo, Britney Spears é, também, uma sobrevivente. É vítima do que foi, provavelmente, o maior escrutínio midiático já visto. É uma mãe que teve que implorar para ver seus próprios filhos. Uma pessoa que foi submetida a uma tutela (por mais de uma década) administrada por seu pai, desprovida de qualquer agência sobre sua própria vida.

Isso tudo acontecia com uma das maiores popstars do mundo mas, até poucos anos atrás, ninguém fazia ideia do que ela vivia.

Agora, liberada da tutela e com a liberdade de dizer o que quer, Britney nos explica. Muito mais que manchetes de fofoca, A Mulher Em Mim, livro de memórias da cantora, é um importante retrato da fama. Nele, Britney elucida de onde veio, remonta cada fatalidade de sua história, até que deságua no que mais queríamos saber – o que aconteceu em 2007, como ela está e quem ela é depois disso tudo.

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'A Mulher Em Mim', de Britney Spears Foto: Divulgação/Buzz Editora

Durante todo o livro, duas palavras se repetem constantemente: “mulher” e “menina”. A distância entre ambas é a sina de sua vida. Várias vezes, Britney se compara a Benjamin Button – o homem cuja idade física não é compatível com a mental. Ela vê que nunca pôde ter a inocência de uma menina, tampouco a independência de uma mulher - o que remete a um de seus sucessos de 2001, Not a girl, not yet a woman.

Capa da Rolling Stone aos 17 anos, Britney posou de sutiã e shortinho, abraçada com um bicho de pelúcia e deitada em uma cama. Um símbolo sexual, mas virginal. Desde que começou, Britney era adulta o suficiente para ser sexualizada e criticada – jamais para ser vista como responsável por si mesma e seu corpo.

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Aborto a pedido de Justin Timberlake

Um dos casos mais marcantes é o relacionamento da cantora com Justin Timberlake, com quem namorou na juventude (e que traía Britney constantemente, segundo ela). Eventualmente, aos 20 anos, ela engravidou de Justin e, a pedidos dele, fez um aborto. Em casa, com remédios, para que a notícia não vazasse. (Na imprensa norte-americana, correm boatos de que Timberlake fez de tudo para impedir o lançamento desse livro).

O relacionamento teve um fim doloroso. Britney lembra que Justin fez de sua imagem o que o convinha – a transformou em vilã, promíscua e traidora. A mídia acreditou em cada palavra.

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“Acredito que, desde então, estou sob algum tipo de maldição”, conta ela.

Britney Spears e Justin Timberlake Foto: Chris Gardner / AP

Alívio no Brasil

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O livro não é só sofrimento: ela consegue alternar histórias leves – “um dos momentos mais felizes que vivi foi tocar no Rock in Rio” – com as partes mais difíceis de digerir. Mas a angústia é inevitável quando Spears começa a vívida descrição de como ela foi tirada de si mesma. O tal 2007 de Britney – e tudo que se sucedeu.

Em relatos assoladores, a popstar remonta como a mídia, sua família e seu ex-marido, Kevin Federline, construíram uma armadilha impossível de escapar. Britney era levada à exaustão pelos paparazzi, que não a davam privacidade ou permitiam que criasse seus filhos em paz. Aos poucos, ela reagia. E foi lentamente sendo taxada de louca. Perigosa. E sobretudo, incapaz.

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Cerco absurdo da família

O clímax de tudo é tão absurdo que soa ficcional: quando sua família consegue que uma equipe SWAT a cerque, até que a artista é levada a tribunal e colocada sob uma tutela – do tipo que existe para proteger pessoas doentes, incapazes de cuidar de si mesmas. Por 13 anos, Britney foi meramente um produto (muito) rentável para Jamie, seu pai. Não tomava suas próprias decisões, via seus filhos uma hora por semana, não tinha acesso à sua própria renda. Tudo ficava para ele.

“Eu sou Britney Spears agora”, disse Jamie para sua filha.

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Namorados examinados

Os namorados de Britney passavam por exames de sangue e tinham de ouvir, detalhadamente, o histórico sexual da cantora. Ela tinha uma dieta regulada pelo pai. Era obrigada a fazer “testes psicológicos” constantes. E quando não era “aprovada”, era forçosamente internada em hospitais psiquiátricos e submetida a remédios pesados, como o lítio.

Não escapa à artista a ironia devastadora de tudo: como ela não era mais que um objeto, nem para as pessoas que mais deveriam amá-la neste mundo. Se sua família não estava lá para a proteger, quem estaria?

Drama com lucidez

No todo, os relatos são tratados por Britney com surpreendente lucidez. Ela entende bem como foi usada, manipulada e descartada. Ressalta que, quase literalmente, quem a salvou foram seus fãs, cuja campanha “Free Britney” escancarou o disparate a que foi submetida. E por fim, lembra que está livre, publicando o que bem quer em seu Instagram – incluindo sua própria nudez – depois de ter seu corpo controlado por todos, menos ela mesma.

Britney sabe que viveu o que viveu graças ao machismo. (Ela lembra que, em certo ponto, Madonna a ajudou a navegar por esse lugar de popstar feminina.) Foi pela misoginia da mídia, que a perguntava sobre sua vida sexual e questionava sua capacidade como mãe, até de seus ex-namorados, que a usaram para se promover.

A cantora Britney Spears, em foto de 2011 Foto: Mario Anzuoni/ Reuters

No fim, a tutela de seu pai foi a expressão mais literal do patriarcado em sua vida. Mas não foi a única.

Mais que um livro de memórias, A Mulher Em Mim é quase um estudo antropológico. É a história de como mesmo rica, famosa e privilegiada, ela não consegue escapar de uma fatalidade: ser mulher.

Uma das maiores popstars do mundo, Britney Spears é, também, uma sobrevivente. É vítima do que foi, provavelmente, o maior escrutínio midiático já visto. É uma mãe que teve que implorar para ver seus próprios filhos. Uma pessoa que foi submetida a uma tutela (por mais de uma década) administrada por seu pai, desprovida de qualquer agência sobre sua própria vida.

Isso tudo acontecia com uma das maiores popstars do mundo mas, até poucos anos atrás, ninguém fazia ideia do que ela vivia.

Agora, liberada da tutela e com a liberdade de dizer o que quer, Britney nos explica. Muito mais que manchetes de fofoca, A Mulher Em Mim, livro de memórias da cantora, é um importante retrato da fama. Nele, Britney elucida de onde veio, remonta cada fatalidade de sua história, até que deságua no que mais queríamos saber – o que aconteceu em 2007, como ela está e quem ela é depois disso tudo.

'A Mulher Em Mim', de Britney Spears Foto: Divulgação/Buzz Editora

Durante todo o livro, duas palavras se repetem constantemente: “mulher” e “menina”. A distância entre ambas é a sina de sua vida. Várias vezes, Britney se compara a Benjamin Button – o homem cuja idade física não é compatível com a mental. Ela vê que nunca pôde ter a inocência de uma menina, tampouco a independência de uma mulher - o que remete a um de seus sucessos de 2001, Not a girl, not yet a woman.

Capa da Rolling Stone aos 17 anos, Britney posou de sutiã e shortinho, abraçada com um bicho de pelúcia e deitada em uma cama. Um símbolo sexual, mas virginal. Desde que começou, Britney era adulta o suficiente para ser sexualizada e criticada – jamais para ser vista como responsável por si mesma e seu corpo.

Aborto a pedido de Justin Timberlake

Um dos casos mais marcantes é o relacionamento da cantora com Justin Timberlake, com quem namorou na juventude (e que traía Britney constantemente, segundo ela). Eventualmente, aos 20 anos, ela engravidou de Justin e, a pedidos dele, fez um aborto. Em casa, com remédios, para que a notícia não vazasse. (Na imprensa norte-americana, correm boatos de que Timberlake fez de tudo para impedir o lançamento desse livro).

O relacionamento teve um fim doloroso. Britney lembra que Justin fez de sua imagem o que o convinha – a transformou em vilã, promíscua e traidora. A mídia acreditou em cada palavra.

“Acredito que, desde então, estou sob algum tipo de maldição”, conta ela.

Britney Spears e Justin Timberlake Foto: Chris Gardner / AP

Alívio no Brasil

O livro não é só sofrimento: ela consegue alternar histórias leves – “um dos momentos mais felizes que vivi foi tocar no Rock in Rio” – com as partes mais difíceis de digerir. Mas a angústia é inevitável quando Spears começa a vívida descrição de como ela foi tirada de si mesma. O tal 2007 de Britney – e tudo que se sucedeu.

Em relatos assoladores, a popstar remonta como a mídia, sua família e seu ex-marido, Kevin Federline, construíram uma armadilha impossível de escapar. Britney era levada à exaustão pelos paparazzi, que não a davam privacidade ou permitiam que criasse seus filhos em paz. Aos poucos, ela reagia. E foi lentamente sendo taxada de louca. Perigosa. E sobretudo, incapaz.

Cerco absurdo da família

O clímax de tudo é tão absurdo que soa ficcional: quando sua família consegue que uma equipe SWAT a cerque, até que a artista é levada a tribunal e colocada sob uma tutela – do tipo que existe para proteger pessoas doentes, incapazes de cuidar de si mesmas. Por 13 anos, Britney foi meramente um produto (muito) rentável para Jamie, seu pai. Não tomava suas próprias decisões, via seus filhos uma hora por semana, não tinha acesso à sua própria renda. Tudo ficava para ele.

“Eu sou Britney Spears agora”, disse Jamie para sua filha.

Namorados examinados

Os namorados de Britney passavam por exames de sangue e tinham de ouvir, detalhadamente, o histórico sexual da cantora. Ela tinha uma dieta regulada pelo pai. Era obrigada a fazer “testes psicológicos” constantes. E quando não era “aprovada”, era forçosamente internada em hospitais psiquiátricos e submetida a remédios pesados, como o lítio.

Não escapa à artista a ironia devastadora de tudo: como ela não era mais que um objeto, nem para as pessoas que mais deveriam amá-la neste mundo. Se sua família não estava lá para a proteger, quem estaria?

Drama com lucidez

No todo, os relatos são tratados por Britney com surpreendente lucidez. Ela entende bem como foi usada, manipulada e descartada. Ressalta que, quase literalmente, quem a salvou foram seus fãs, cuja campanha “Free Britney” escancarou o disparate a que foi submetida. E por fim, lembra que está livre, publicando o que bem quer em seu Instagram – incluindo sua própria nudez – depois de ter seu corpo controlado por todos, menos ela mesma.

Britney sabe que viveu o que viveu graças ao machismo. (Ela lembra que, em certo ponto, Madonna a ajudou a navegar por esse lugar de popstar feminina.) Foi pela misoginia da mídia, que a perguntava sobre sua vida sexual e questionava sua capacidade como mãe, até de seus ex-namorados, que a usaram para se promover.

A cantora Britney Spears, em foto de 2011 Foto: Mario Anzuoni/ Reuters

No fim, a tutela de seu pai foi a expressão mais literal do patriarcado em sua vida. Mas não foi a única.

Mais que um livro de memórias, A Mulher Em Mim é quase um estudo antropológico. É a história de como mesmo rica, famosa e privilegiada, ela não consegue escapar de uma fatalidade: ser mulher.

Uma das maiores popstars do mundo, Britney Spears é, também, uma sobrevivente. É vítima do que foi, provavelmente, o maior escrutínio midiático já visto. É uma mãe que teve que implorar para ver seus próprios filhos. Uma pessoa que foi submetida a uma tutela (por mais de uma década) administrada por seu pai, desprovida de qualquer agência sobre sua própria vida.

Isso tudo acontecia com uma das maiores popstars do mundo mas, até poucos anos atrás, ninguém fazia ideia do que ela vivia.

Agora, liberada da tutela e com a liberdade de dizer o que quer, Britney nos explica. Muito mais que manchetes de fofoca, A Mulher Em Mim, livro de memórias da cantora, é um importante retrato da fama. Nele, Britney elucida de onde veio, remonta cada fatalidade de sua história, até que deságua no que mais queríamos saber – o que aconteceu em 2007, como ela está e quem ela é depois disso tudo.

'A Mulher Em Mim', de Britney Spears Foto: Divulgação/Buzz Editora

Durante todo o livro, duas palavras se repetem constantemente: “mulher” e “menina”. A distância entre ambas é a sina de sua vida. Várias vezes, Britney se compara a Benjamin Button – o homem cuja idade física não é compatível com a mental. Ela vê que nunca pôde ter a inocência de uma menina, tampouco a independência de uma mulher - o que remete a um de seus sucessos de 2001, Not a girl, not yet a woman.

Capa da Rolling Stone aos 17 anos, Britney posou de sutiã e shortinho, abraçada com um bicho de pelúcia e deitada em uma cama. Um símbolo sexual, mas virginal. Desde que começou, Britney era adulta o suficiente para ser sexualizada e criticada – jamais para ser vista como responsável por si mesma e seu corpo.

Aborto a pedido de Justin Timberlake

Um dos casos mais marcantes é o relacionamento da cantora com Justin Timberlake, com quem namorou na juventude (e que traía Britney constantemente, segundo ela). Eventualmente, aos 20 anos, ela engravidou de Justin e, a pedidos dele, fez um aborto. Em casa, com remédios, para que a notícia não vazasse. (Na imprensa norte-americana, correm boatos de que Timberlake fez de tudo para impedir o lançamento desse livro).

O relacionamento teve um fim doloroso. Britney lembra que Justin fez de sua imagem o que o convinha – a transformou em vilã, promíscua e traidora. A mídia acreditou em cada palavra.

“Acredito que, desde então, estou sob algum tipo de maldição”, conta ela.

Britney Spears e Justin Timberlake Foto: Chris Gardner / AP

Alívio no Brasil

O livro não é só sofrimento: ela consegue alternar histórias leves – “um dos momentos mais felizes que vivi foi tocar no Rock in Rio” – com as partes mais difíceis de digerir. Mas a angústia é inevitável quando Spears começa a vívida descrição de como ela foi tirada de si mesma. O tal 2007 de Britney – e tudo que se sucedeu.

Em relatos assoladores, a popstar remonta como a mídia, sua família e seu ex-marido, Kevin Federline, construíram uma armadilha impossível de escapar. Britney era levada à exaustão pelos paparazzi, que não a davam privacidade ou permitiam que criasse seus filhos em paz. Aos poucos, ela reagia. E foi lentamente sendo taxada de louca. Perigosa. E sobretudo, incapaz.

Cerco absurdo da família

O clímax de tudo é tão absurdo que soa ficcional: quando sua família consegue que uma equipe SWAT a cerque, até que a artista é levada a tribunal e colocada sob uma tutela – do tipo que existe para proteger pessoas doentes, incapazes de cuidar de si mesmas. Por 13 anos, Britney foi meramente um produto (muito) rentável para Jamie, seu pai. Não tomava suas próprias decisões, via seus filhos uma hora por semana, não tinha acesso à sua própria renda. Tudo ficava para ele.

“Eu sou Britney Spears agora”, disse Jamie para sua filha.

Namorados examinados

Os namorados de Britney passavam por exames de sangue e tinham de ouvir, detalhadamente, o histórico sexual da cantora. Ela tinha uma dieta regulada pelo pai. Era obrigada a fazer “testes psicológicos” constantes. E quando não era “aprovada”, era forçosamente internada em hospitais psiquiátricos e submetida a remédios pesados, como o lítio.

Não escapa à artista a ironia devastadora de tudo: como ela não era mais que um objeto, nem para as pessoas que mais deveriam amá-la neste mundo. Se sua família não estava lá para a proteger, quem estaria?

Drama com lucidez

No todo, os relatos são tratados por Britney com surpreendente lucidez. Ela entende bem como foi usada, manipulada e descartada. Ressalta que, quase literalmente, quem a salvou foram seus fãs, cuja campanha “Free Britney” escancarou o disparate a que foi submetida. E por fim, lembra que está livre, publicando o que bem quer em seu Instagram – incluindo sua própria nudez – depois de ter seu corpo controlado por todos, menos ela mesma.

Britney sabe que viveu o que viveu graças ao machismo. (Ela lembra que, em certo ponto, Madonna a ajudou a navegar por esse lugar de popstar feminina.) Foi pela misoginia da mídia, que a perguntava sobre sua vida sexual e questionava sua capacidade como mãe, até de seus ex-namorados, que a usaram para se promover.

A cantora Britney Spears, em foto de 2011 Foto: Mario Anzuoni/ Reuters

No fim, a tutela de seu pai foi a expressão mais literal do patriarcado em sua vida. Mas não foi a única.

Mais que um livro de memórias, A Mulher Em Mim é quase um estudo antropológico. É a história de como mesmo rica, famosa e privilegiada, ela não consegue escapar de uma fatalidade: ser mulher.

Uma das maiores popstars do mundo, Britney Spears é, também, uma sobrevivente. É vítima do que foi, provavelmente, o maior escrutínio midiático já visto. É uma mãe que teve que implorar para ver seus próprios filhos. Uma pessoa que foi submetida a uma tutela (por mais de uma década) administrada por seu pai, desprovida de qualquer agência sobre sua própria vida.

Isso tudo acontecia com uma das maiores popstars do mundo mas, até poucos anos atrás, ninguém fazia ideia do que ela vivia.

Agora, liberada da tutela e com a liberdade de dizer o que quer, Britney nos explica. Muito mais que manchetes de fofoca, A Mulher Em Mim, livro de memórias da cantora, é um importante retrato da fama. Nele, Britney elucida de onde veio, remonta cada fatalidade de sua história, até que deságua no que mais queríamos saber – o que aconteceu em 2007, como ela está e quem ela é depois disso tudo.

'A Mulher Em Mim', de Britney Spears Foto: Divulgação/Buzz Editora

Durante todo o livro, duas palavras se repetem constantemente: “mulher” e “menina”. A distância entre ambas é a sina de sua vida. Várias vezes, Britney se compara a Benjamin Button – o homem cuja idade física não é compatível com a mental. Ela vê que nunca pôde ter a inocência de uma menina, tampouco a independência de uma mulher - o que remete a um de seus sucessos de 2001, Not a girl, not yet a woman.

Capa da Rolling Stone aos 17 anos, Britney posou de sutiã e shortinho, abraçada com um bicho de pelúcia e deitada em uma cama. Um símbolo sexual, mas virginal. Desde que começou, Britney era adulta o suficiente para ser sexualizada e criticada – jamais para ser vista como responsável por si mesma e seu corpo.

Aborto a pedido de Justin Timberlake

Um dos casos mais marcantes é o relacionamento da cantora com Justin Timberlake, com quem namorou na juventude (e que traía Britney constantemente, segundo ela). Eventualmente, aos 20 anos, ela engravidou de Justin e, a pedidos dele, fez um aborto. Em casa, com remédios, para que a notícia não vazasse. (Na imprensa norte-americana, correm boatos de que Timberlake fez de tudo para impedir o lançamento desse livro).

O relacionamento teve um fim doloroso. Britney lembra que Justin fez de sua imagem o que o convinha – a transformou em vilã, promíscua e traidora. A mídia acreditou em cada palavra.

“Acredito que, desde então, estou sob algum tipo de maldição”, conta ela.

Britney Spears e Justin Timberlake Foto: Chris Gardner / AP

Alívio no Brasil

O livro não é só sofrimento: ela consegue alternar histórias leves – “um dos momentos mais felizes que vivi foi tocar no Rock in Rio” – com as partes mais difíceis de digerir. Mas a angústia é inevitável quando Spears começa a vívida descrição de como ela foi tirada de si mesma. O tal 2007 de Britney – e tudo que se sucedeu.

Em relatos assoladores, a popstar remonta como a mídia, sua família e seu ex-marido, Kevin Federline, construíram uma armadilha impossível de escapar. Britney era levada à exaustão pelos paparazzi, que não a davam privacidade ou permitiam que criasse seus filhos em paz. Aos poucos, ela reagia. E foi lentamente sendo taxada de louca. Perigosa. E sobretudo, incapaz.

Cerco absurdo da família

O clímax de tudo é tão absurdo que soa ficcional: quando sua família consegue que uma equipe SWAT a cerque, até que a artista é levada a tribunal e colocada sob uma tutela – do tipo que existe para proteger pessoas doentes, incapazes de cuidar de si mesmas. Por 13 anos, Britney foi meramente um produto (muito) rentável para Jamie, seu pai. Não tomava suas próprias decisões, via seus filhos uma hora por semana, não tinha acesso à sua própria renda. Tudo ficava para ele.

“Eu sou Britney Spears agora”, disse Jamie para sua filha.

Namorados examinados

Os namorados de Britney passavam por exames de sangue e tinham de ouvir, detalhadamente, o histórico sexual da cantora. Ela tinha uma dieta regulada pelo pai. Era obrigada a fazer “testes psicológicos” constantes. E quando não era “aprovada”, era forçosamente internada em hospitais psiquiátricos e submetida a remédios pesados, como o lítio.

Não escapa à artista a ironia devastadora de tudo: como ela não era mais que um objeto, nem para as pessoas que mais deveriam amá-la neste mundo. Se sua família não estava lá para a proteger, quem estaria?

Drama com lucidez

No todo, os relatos são tratados por Britney com surpreendente lucidez. Ela entende bem como foi usada, manipulada e descartada. Ressalta que, quase literalmente, quem a salvou foram seus fãs, cuja campanha “Free Britney” escancarou o disparate a que foi submetida. E por fim, lembra que está livre, publicando o que bem quer em seu Instagram – incluindo sua própria nudez – depois de ter seu corpo controlado por todos, menos ela mesma.

Britney sabe que viveu o que viveu graças ao machismo. (Ela lembra que, em certo ponto, Madonna a ajudou a navegar por esse lugar de popstar feminina.) Foi pela misoginia da mídia, que a perguntava sobre sua vida sexual e questionava sua capacidade como mãe, até de seus ex-namorados, que a usaram para se promover.

A cantora Britney Spears, em foto de 2011 Foto: Mario Anzuoni/ Reuters

No fim, a tutela de seu pai foi a expressão mais literal do patriarcado em sua vida. Mas não foi a única.

Mais que um livro de memórias, A Mulher Em Mim é quase um estudo antropológico. É a história de como mesmo rica, famosa e privilegiada, ela não consegue escapar de uma fatalidade: ser mulher.

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