Crítica: Roger Waters se despede de SP em show deslumbrante, mas com excesso de militância


Apesar do repertório incrível, carga política trouxe um pouco de fadiga ao público, impactado pelo sentimento de revolta do cantor

Por Gabriel Zorzetto
Atualização:

Roger Waters deixou o palco do Allianz Parque sob uma chuva de aplausos após a última nota da cantiga Outside The Wall, um desfecho apoteótico para seu novo espetáculo This Is Not a Drill, que acaba de passar por seis capitais brasileiras antes de seguir para outros países da América do Sul.

Uma reação consideravelmente distinta em comparação àquela testemunhada pelo fundador do Pink Floyd cinco anos atrás, quando foi vaiado por boa parte do público que assistia ao show da turnê Us+Them no estádio do Palmeiras. Na ocasião, às vésperas das eleições presidenciais, ele chamou Jair Bolsonaro de fascista e projetou a hashtag #EleNão nos telões.

Dessa vez, os 45 mil presentes que lotaram a arena estavam preparados para um show conceitual e político, longe de ser apenas um desfile de hits. Havia também um sentimento emotivo para poder ver o roqueiro de 80 anos pela última vez. Ele diz que essa é sua “primeira turnê de despedida” - uma indireta para bandas que abusam desse tipo de marketing para vender mais ingressos, como o Kiss, por exemplo.

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Allianz Parque recebeu 45 mil pessoas para o show de Roger Waters neste sábado, 11. Foto: Kate Izor/ Divulgação

Não por acaso, a abertura do show projeta um recado claro nos telões gigantes: “Se você é um daqueles que diz ‘Eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger’, vaza pro bar!” - tradução ligeiramente imprecisa, pois Waters usa um palavrão (fuck off) que vem embebido no típico humor britânico. O “bar” mencionado é uma referência à sua nova canção The Bar, que propõe justamente o diálogo em meio a uma sociedade tão polarizada.

O bar ou qualquer boteco da região de Perdizes, aliás, poderia ter sido um bom lugar para estar durante a primeira música da noite, o único ponto negativo de todo o repertório. Fãs de bandas históricas como o Pink Floyd tendem a rejeitar versões alternativas dos grandes sucessos. Waters, porém, não se importa com isso, tanto que decidiu regravar um álbum que beira a perfeição - The Dark Side Of The Moon (1973) - e escolheu uma versão nada empolgante de Comfortably Numb para a abertura, ignorando o solo de guitarra de David Gilmour, com quem tem trocado farpas regularmente.

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A essa altura, a rixa entre os dois maiores talentos do grupo inglês mais parece um melindre infantil do que outra coisa. Gilmour foi completamente esquecido quando imagens do Pink Floyd ilustraram canções como Have a Cigar, crítica feroz à indústria fonográfica, ou na dobradinha emocionante Wish You Were Here/Shine On You Crazy Diamond, homenagem ao falecido Syd Barett, que saiu da banda em 1968 devido a graves problemas mentais - episódio detalhado por escrito nos telões, trazendo uma mensagem que foi capaz de arrancar lágrimas de uma legião de marmanjos vestidos de preto: “Quando você perde alguém que ama, isso serve para lembra-lo: isso não é um treinamento”.

A militância de Roger Waters permeou todo o show no Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Kate Izor/ Divulgação

A militância de Roger permeou todo o concerto e teve destaque em duas das melhores execuções da apresentação, ambas da carreira solo do cantor: The Powers That Be, que cita Anne Frank, George Floyd e Marielle Franco, e The Bravery of Being Out of Range, que rotulou Joe Biden e vários ex-presidentes americanos (de Reagan a Trump) como “criminosos de guerra”.

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“Boa noite! Bem-vindos! Obrigado”, arriscou Waters em português, antes de se desculpar por não falar a língua dos brasileiros. Sua voz soou potente e cavernosa, mas contou com o auxílio de playbacks em partes específicas do concerto, cujo aspecto teatral ficou ainda mais evidenciado com o intervalo de 20 minutos entre os dois sets.

E quem já viu o artista ao vivo sabe que o porco inflável voador não pode faltar. O adereço clássico sobrevoou o público durante In The Flesh, a qual Waters encarnou o personagem de The Wall (1979) e cantou na cadeira de rodas, vestindo uma camisa de força. Além do porcão, uma simpática ovelha gigante circulou o estádio durante Sheep, a única representante do disco Animals (1977), evocando George Orwell e A Revolução dos Bichos.

Another Brick In The Wall, Money, Brain Damage e Run Like Hell trouxeram peso ao setlist, que ainda teve espaço para faixas obscuras do Pink Floyd, como Two Suns in The Sunset - um alerta poético para o risco de uma terceira guerra mundial.

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'Boa noite! Bem-vindos! Obrigado', arriscou Waters em português, no show em São Paulo, antes de se desculpar por não falar a língua dos brasileiros. Foto: Kate Izor/ Divulgação

Na reta final do espetáculo, Roger reverenciou Bob Dylan antes de cantar The Bar, revelando a influência da canção Sad-Eyed Lady Of The Lowlands na nova composição. Uma oportuna menção que provoca a seguinte reflexão: assim como Waters, Dylan sempre foi um crítico ferrenho de questões de injustiça social, como violência policial, opressão política, racismo, supressão dos direitos das mulheres, entre outras. Ao contrário do baixista, porém, jamais soou militante ou “panfletarista”.

Não entenda mal: a música de Waters, sua talentosa banda e a produção high-tech são deslumbrantes. No entanto, o excesso de carga política trouxe um pouco de fadiga ao público, impactado pelo sentimento de pessimismo e revolta do músico. Em determinado momento, por exemplo, ele chegou a convocar os fãs para participarem de uma reunião do BDS, o movimento de boicote ao estado de Israel.

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Moral da história: Estamos ferrados? talvez, mas não podemos desistir. Temos que desfrutar da nossa capacidade humanitária antes que seja tarde demais.

Roger Waters deixou o palco do Allianz Parque sob uma chuva de aplausos após a última nota da cantiga Outside The Wall, um desfecho apoteótico para seu novo espetáculo This Is Not a Drill, que acaba de passar por seis capitais brasileiras antes de seguir para outros países da América do Sul.

Uma reação consideravelmente distinta em comparação àquela testemunhada pelo fundador do Pink Floyd cinco anos atrás, quando foi vaiado por boa parte do público que assistia ao show da turnê Us+Them no estádio do Palmeiras. Na ocasião, às vésperas das eleições presidenciais, ele chamou Jair Bolsonaro de fascista e projetou a hashtag #EleNão nos telões.

Dessa vez, os 45 mil presentes que lotaram a arena estavam preparados para um show conceitual e político, longe de ser apenas um desfile de hits. Havia também um sentimento emotivo para poder ver o roqueiro de 80 anos pela última vez. Ele diz que essa é sua “primeira turnê de despedida” - uma indireta para bandas que abusam desse tipo de marketing para vender mais ingressos, como o Kiss, por exemplo.

Allianz Parque recebeu 45 mil pessoas para o show de Roger Waters neste sábado, 11. Foto: Kate Izor/ Divulgação

Não por acaso, a abertura do show projeta um recado claro nos telões gigantes: “Se você é um daqueles que diz ‘Eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger’, vaza pro bar!” - tradução ligeiramente imprecisa, pois Waters usa um palavrão (fuck off) que vem embebido no típico humor britânico. O “bar” mencionado é uma referência à sua nova canção The Bar, que propõe justamente o diálogo em meio a uma sociedade tão polarizada.

O bar ou qualquer boteco da região de Perdizes, aliás, poderia ter sido um bom lugar para estar durante a primeira música da noite, o único ponto negativo de todo o repertório. Fãs de bandas históricas como o Pink Floyd tendem a rejeitar versões alternativas dos grandes sucessos. Waters, porém, não se importa com isso, tanto que decidiu regravar um álbum que beira a perfeição - The Dark Side Of The Moon (1973) - e escolheu uma versão nada empolgante de Comfortably Numb para a abertura, ignorando o solo de guitarra de David Gilmour, com quem tem trocado farpas regularmente.

A essa altura, a rixa entre os dois maiores talentos do grupo inglês mais parece um melindre infantil do que outra coisa. Gilmour foi completamente esquecido quando imagens do Pink Floyd ilustraram canções como Have a Cigar, crítica feroz à indústria fonográfica, ou na dobradinha emocionante Wish You Were Here/Shine On You Crazy Diamond, homenagem ao falecido Syd Barett, que saiu da banda em 1968 devido a graves problemas mentais - episódio detalhado por escrito nos telões, trazendo uma mensagem que foi capaz de arrancar lágrimas de uma legião de marmanjos vestidos de preto: “Quando você perde alguém que ama, isso serve para lembra-lo: isso não é um treinamento”.

A militância de Roger Waters permeou todo o show no Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Kate Izor/ Divulgação

A militância de Roger permeou todo o concerto e teve destaque em duas das melhores execuções da apresentação, ambas da carreira solo do cantor: The Powers That Be, que cita Anne Frank, George Floyd e Marielle Franco, e The Bravery of Being Out of Range, que rotulou Joe Biden e vários ex-presidentes americanos (de Reagan a Trump) como “criminosos de guerra”.

“Boa noite! Bem-vindos! Obrigado”, arriscou Waters em português, antes de se desculpar por não falar a língua dos brasileiros. Sua voz soou potente e cavernosa, mas contou com o auxílio de playbacks em partes específicas do concerto, cujo aspecto teatral ficou ainda mais evidenciado com o intervalo de 20 minutos entre os dois sets.

E quem já viu o artista ao vivo sabe que o porco inflável voador não pode faltar. O adereço clássico sobrevoou o público durante In The Flesh, a qual Waters encarnou o personagem de The Wall (1979) e cantou na cadeira de rodas, vestindo uma camisa de força. Além do porcão, uma simpática ovelha gigante circulou o estádio durante Sheep, a única representante do disco Animals (1977), evocando George Orwell e A Revolução dos Bichos.

Another Brick In The Wall, Money, Brain Damage e Run Like Hell trouxeram peso ao setlist, que ainda teve espaço para faixas obscuras do Pink Floyd, como Two Suns in The Sunset - um alerta poético para o risco de uma terceira guerra mundial.

'Boa noite! Bem-vindos! Obrigado', arriscou Waters em português, no show em São Paulo, antes de se desculpar por não falar a língua dos brasileiros. Foto: Kate Izor/ Divulgação

Na reta final do espetáculo, Roger reverenciou Bob Dylan antes de cantar The Bar, revelando a influência da canção Sad-Eyed Lady Of The Lowlands na nova composição. Uma oportuna menção que provoca a seguinte reflexão: assim como Waters, Dylan sempre foi um crítico ferrenho de questões de injustiça social, como violência policial, opressão política, racismo, supressão dos direitos das mulheres, entre outras. Ao contrário do baixista, porém, jamais soou militante ou “panfletarista”.

Não entenda mal: a música de Waters, sua talentosa banda e a produção high-tech são deslumbrantes. No entanto, o excesso de carga política trouxe um pouco de fadiga ao público, impactado pelo sentimento de pessimismo e revolta do músico. Em determinado momento, por exemplo, ele chegou a convocar os fãs para participarem de uma reunião do BDS, o movimento de boicote ao estado de Israel.

Moral da história: Estamos ferrados? talvez, mas não podemos desistir. Temos que desfrutar da nossa capacidade humanitária antes que seja tarde demais.

Roger Waters deixou o palco do Allianz Parque sob uma chuva de aplausos após a última nota da cantiga Outside The Wall, um desfecho apoteótico para seu novo espetáculo This Is Not a Drill, que acaba de passar por seis capitais brasileiras antes de seguir para outros países da América do Sul.

Uma reação consideravelmente distinta em comparação àquela testemunhada pelo fundador do Pink Floyd cinco anos atrás, quando foi vaiado por boa parte do público que assistia ao show da turnê Us+Them no estádio do Palmeiras. Na ocasião, às vésperas das eleições presidenciais, ele chamou Jair Bolsonaro de fascista e projetou a hashtag #EleNão nos telões.

Dessa vez, os 45 mil presentes que lotaram a arena estavam preparados para um show conceitual e político, longe de ser apenas um desfile de hits. Havia também um sentimento emotivo para poder ver o roqueiro de 80 anos pela última vez. Ele diz que essa é sua “primeira turnê de despedida” - uma indireta para bandas que abusam desse tipo de marketing para vender mais ingressos, como o Kiss, por exemplo.

Allianz Parque recebeu 45 mil pessoas para o show de Roger Waters neste sábado, 11. Foto: Kate Izor/ Divulgação

Não por acaso, a abertura do show projeta um recado claro nos telões gigantes: “Se você é um daqueles que diz ‘Eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger’, vaza pro bar!” - tradução ligeiramente imprecisa, pois Waters usa um palavrão (fuck off) que vem embebido no típico humor britânico. O “bar” mencionado é uma referência à sua nova canção The Bar, que propõe justamente o diálogo em meio a uma sociedade tão polarizada.

O bar ou qualquer boteco da região de Perdizes, aliás, poderia ter sido um bom lugar para estar durante a primeira música da noite, o único ponto negativo de todo o repertório. Fãs de bandas históricas como o Pink Floyd tendem a rejeitar versões alternativas dos grandes sucessos. Waters, porém, não se importa com isso, tanto que decidiu regravar um álbum que beira a perfeição - The Dark Side Of The Moon (1973) - e escolheu uma versão nada empolgante de Comfortably Numb para a abertura, ignorando o solo de guitarra de David Gilmour, com quem tem trocado farpas regularmente.

A essa altura, a rixa entre os dois maiores talentos do grupo inglês mais parece um melindre infantil do que outra coisa. Gilmour foi completamente esquecido quando imagens do Pink Floyd ilustraram canções como Have a Cigar, crítica feroz à indústria fonográfica, ou na dobradinha emocionante Wish You Were Here/Shine On You Crazy Diamond, homenagem ao falecido Syd Barett, que saiu da banda em 1968 devido a graves problemas mentais - episódio detalhado por escrito nos telões, trazendo uma mensagem que foi capaz de arrancar lágrimas de uma legião de marmanjos vestidos de preto: “Quando você perde alguém que ama, isso serve para lembra-lo: isso não é um treinamento”.

A militância de Roger Waters permeou todo o show no Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Kate Izor/ Divulgação

A militância de Roger permeou todo o concerto e teve destaque em duas das melhores execuções da apresentação, ambas da carreira solo do cantor: The Powers That Be, que cita Anne Frank, George Floyd e Marielle Franco, e The Bravery of Being Out of Range, que rotulou Joe Biden e vários ex-presidentes americanos (de Reagan a Trump) como “criminosos de guerra”.

“Boa noite! Bem-vindos! Obrigado”, arriscou Waters em português, antes de se desculpar por não falar a língua dos brasileiros. Sua voz soou potente e cavernosa, mas contou com o auxílio de playbacks em partes específicas do concerto, cujo aspecto teatral ficou ainda mais evidenciado com o intervalo de 20 minutos entre os dois sets.

E quem já viu o artista ao vivo sabe que o porco inflável voador não pode faltar. O adereço clássico sobrevoou o público durante In The Flesh, a qual Waters encarnou o personagem de The Wall (1979) e cantou na cadeira de rodas, vestindo uma camisa de força. Além do porcão, uma simpática ovelha gigante circulou o estádio durante Sheep, a única representante do disco Animals (1977), evocando George Orwell e A Revolução dos Bichos.

Another Brick In The Wall, Money, Brain Damage e Run Like Hell trouxeram peso ao setlist, que ainda teve espaço para faixas obscuras do Pink Floyd, como Two Suns in The Sunset - um alerta poético para o risco de uma terceira guerra mundial.

'Boa noite! Bem-vindos! Obrigado', arriscou Waters em português, no show em São Paulo, antes de se desculpar por não falar a língua dos brasileiros. Foto: Kate Izor/ Divulgação

Na reta final do espetáculo, Roger reverenciou Bob Dylan antes de cantar The Bar, revelando a influência da canção Sad-Eyed Lady Of The Lowlands na nova composição. Uma oportuna menção que provoca a seguinte reflexão: assim como Waters, Dylan sempre foi um crítico ferrenho de questões de injustiça social, como violência policial, opressão política, racismo, supressão dos direitos das mulheres, entre outras. Ao contrário do baixista, porém, jamais soou militante ou “panfletarista”.

Não entenda mal: a música de Waters, sua talentosa banda e a produção high-tech são deslumbrantes. No entanto, o excesso de carga política trouxe um pouco de fadiga ao público, impactado pelo sentimento de pessimismo e revolta do músico. Em determinado momento, por exemplo, ele chegou a convocar os fãs para participarem de uma reunião do BDS, o movimento de boicote ao estado de Israel.

Moral da história: Estamos ferrados? talvez, mas não podemos desistir. Temos que desfrutar da nossa capacidade humanitária antes que seja tarde demais.

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