Crítica: Sob a chuva, Elton John soa libertador


Seu show no Allianz Parque, em noite dividida com James Taylor, tem elementos para se tornar inesquecível

Por Julio Maria

Elton John parecia comovido por trás de seus óculos escuros azulados quando viu a plateia da área vip à sua frente, fisicamente combalida depois de 1h20 sob a tempestade que lavou o Allianz Parque na noite traiçoeira de quinta-feira. “Obrigado por terem ficado aqui debaixo de chuva”, ele disse, antes de voltar ao piano e seguir para o final de seu concerto pop. A lua, cônjuge de James Taylor em seus shows pelo Brasil – quem o viu no Rock in Rio de 2001 pode se lembrar de seu exibicionismo enquanto ele cantava You’ve Got a Friend –, dividia o céu com poucas nuvens no início da noite. A chuva parecia ser apenas uma ameaça.

Fire and Rain. Depois de James Taylor, o inglês viu a chuva testando a devoção de seus fãs Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Taylor passou por ali com os gestos envelhecidos e a alma de uma criança. Estava feliz, ainda que de dedo quebrado. Falou português lendo mensagens curtas e quase não mencionou algo que, de fato, deveria vender com orgulho. O disco que lançou em 2015, Before This World, o colocou no topo da parada da Revista Billboard pela primeira vez em 50 anos de carreira. Um discaço, leve e folk, simples e de verdade, representado no show apenas pela canção Today, Today, Today, logo dilacerada da memória pela força de tudo o que o próprio Taylor cantaria. Fire and Rain, Mexico, Carolina In My Mind, Only a Dream in Rio.

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Sua banda era um 'dream team', com o percussionista cubano Luis Conte, o baixista Jimmy Johnson, o guitarrista Michael Landau e o baterista Steve Gadd, chamado pelo cantor de “a lenda”, com serviços prestados a Simon & Garfunkel, Eric Clapton, Joe Cocker e Chick Corea. De mão pesada e pensamento rítmico acidentado, Gadd fica ainda maior mostrando que sabe servir a canção de Taylor ajeitando-a carinhosamente a dois palmos acima do chão.

James Taylor e Elton John são faces de uma mesma moeda. Seus organismos vêm com anticorpos desenvolvidos para combater o virtuosismo que parecia querer varrer do mundo qualquer intruso que não ganhasse plateias nos agudos de um Robert Plant ou nos solos de um Jimi Hendrix. Ambos sentaram-se em um banquinho, um de violão no colo e o outro de piano à frente, e se especializaram em fazer canções de amor e de amigo, sem solos.

Seduzido pelas latinidades, Taylor coloca uma bandeira do México em seu telão. Elton, grato pelo abraço que a América lhe deu a partir de 1970, com Your Song, mostra a dos Estados Unidos. Taylor fala da amiga Carole King antes de cantar You’ve Got a Friend; Elton dedica Don't Let the Sun Go Down on Me a George Michael. Taylor é fofo, Elton é profissional. Os dois jamais se encontram em uma mesma canção porque, talvez, nas extremidades de um mesmo universo, não tenham nada a dizer um ao outro.

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A chuva chegou com Philadelphia Freedom, depois de 20 minutos de noite agradável desde a entrada de Elton John. Ela veio em pingos grandes e espaçados, que logo se multiplicaram com peso e inclemência, afogando em poças os egos da pista vip e tornando mais poderosos os fãs das distantes arquibancadas cobertas, de preço quatro vezes menor. Quando Elton percebe a chuva, parece querer compensar na mão, aliviando o peso das roupas. Levon ganha um solo de piano transcendental e Sad Songs, uma temperatura mais envolvente do que em seus outros shows no Brasil. Agora, é preciso tomar uma decisão.

A chuva cai em Rocket Man como a metáfora da própria existência. Muitos correm para a área coberta, de onde mal se vê Elton, enquanto outros permanecem à sua frente, com mais campo de visão. Alguns vestem-se em plásticos finos, temendo por suas carteiras, enquanto outros apenas retiram o cabelo molhado dos olhos. Alguns praguejam contra os céus pela noite perdida, outros agradecem de braços erguidos pela graça alcançada. A chuva mostra-se a única força capaz de sumir com os celulares erguidos e separar os sentimentos de butique das grandes emoções. Ao aceitá-la diante de Elton John, ela se torna uma experiência libertadora e inesquecível. 

Elton John parecia comovido por trás de seus óculos escuros azulados quando viu a plateia da área vip à sua frente, fisicamente combalida depois de 1h20 sob a tempestade que lavou o Allianz Parque na noite traiçoeira de quinta-feira. “Obrigado por terem ficado aqui debaixo de chuva”, ele disse, antes de voltar ao piano e seguir para o final de seu concerto pop. A lua, cônjuge de James Taylor em seus shows pelo Brasil – quem o viu no Rock in Rio de 2001 pode se lembrar de seu exibicionismo enquanto ele cantava You’ve Got a Friend –, dividia o céu com poucas nuvens no início da noite. A chuva parecia ser apenas uma ameaça.

Fire and Rain. Depois de James Taylor, o inglês viu a chuva testando a devoção de seus fãs Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Taylor passou por ali com os gestos envelhecidos e a alma de uma criança. Estava feliz, ainda que de dedo quebrado. Falou português lendo mensagens curtas e quase não mencionou algo que, de fato, deveria vender com orgulho. O disco que lançou em 2015, Before This World, o colocou no topo da parada da Revista Billboard pela primeira vez em 50 anos de carreira. Um discaço, leve e folk, simples e de verdade, representado no show apenas pela canção Today, Today, Today, logo dilacerada da memória pela força de tudo o que o próprio Taylor cantaria. Fire and Rain, Mexico, Carolina In My Mind, Only a Dream in Rio.

Sua banda era um 'dream team', com o percussionista cubano Luis Conte, o baixista Jimmy Johnson, o guitarrista Michael Landau e o baterista Steve Gadd, chamado pelo cantor de “a lenda”, com serviços prestados a Simon & Garfunkel, Eric Clapton, Joe Cocker e Chick Corea. De mão pesada e pensamento rítmico acidentado, Gadd fica ainda maior mostrando que sabe servir a canção de Taylor ajeitando-a carinhosamente a dois palmos acima do chão.

James Taylor e Elton John são faces de uma mesma moeda. Seus organismos vêm com anticorpos desenvolvidos para combater o virtuosismo que parecia querer varrer do mundo qualquer intruso que não ganhasse plateias nos agudos de um Robert Plant ou nos solos de um Jimi Hendrix. Ambos sentaram-se em um banquinho, um de violão no colo e o outro de piano à frente, e se especializaram em fazer canções de amor e de amigo, sem solos.

Seduzido pelas latinidades, Taylor coloca uma bandeira do México em seu telão. Elton, grato pelo abraço que a América lhe deu a partir de 1970, com Your Song, mostra a dos Estados Unidos. Taylor fala da amiga Carole King antes de cantar You’ve Got a Friend; Elton dedica Don't Let the Sun Go Down on Me a George Michael. Taylor é fofo, Elton é profissional. Os dois jamais se encontram em uma mesma canção porque, talvez, nas extremidades de um mesmo universo, não tenham nada a dizer um ao outro.

A chuva chegou com Philadelphia Freedom, depois de 20 minutos de noite agradável desde a entrada de Elton John. Ela veio em pingos grandes e espaçados, que logo se multiplicaram com peso e inclemência, afogando em poças os egos da pista vip e tornando mais poderosos os fãs das distantes arquibancadas cobertas, de preço quatro vezes menor. Quando Elton percebe a chuva, parece querer compensar na mão, aliviando o peso das roupas. Levon ganha um solo de piano transcendental e Sad Songs, uma temperatura mais envolvente do que em seus outros shows no Brasil. Agora, é preciso tomar uma decisão.

A chuva cai em Rocket Man como a metáfora da própria existência. Muitos correm para a área coberta, de onde mal se vê Elton, enquanto outros permanecem à sua frente, com mais campo de visão. Alguns vestem-se em plásticos finos, temendo por suas carteiras, enquanto outros apenas retiram o cabelo molhado dos olhos. Alguns praguejam contra os céus pela noite perdida, outros agradecem de braços erguidos pela graça alcançada. A chuva mostra-se a única força capaz de sumir com os celulares erguidos e separar os sentimentos de butique das grandes emoções. Ao aceitá-la diante de Elton John, ela se torna uma experiência libertadora e inesquecível. 

Elton John parecia comovido por trás de seus óculos escuros azulados quando viu a plateia da área vip à sua frente, fisicamente combalida depois de 1h20 sob a tempestade que lavou o Allianz Parque na noite traiçoeira de quinta-feira. “Obrigado por terem ficado aqui debaixo de chuva”, ele disse, antes de voltar ao piano e seguir para o final de seu concerto pop. A lua, cônjuge de James Taylor em seus shows pelo Brasil – quem o viu no Rock in Rio de 2001 pode se lembrar de seu exibicionismo enquanto ele cantava You’ve Got a Friend –, dividia o céu com poucas nuvens no início da noite. A chuva parecia ser apenas uma ameaça.

Fire and Rain. Depois de James Taylor, o inglês viu a chuva testando a devoção de seus fãs Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Taylor passou por ali com os gestos envelhecidos e a alma de uma criança. Estava feliz, ainda que de dedo quebrado. Falou português lendo mensagens curtas e quase não mencionou algo que, de fato, deveria vender com orgulho. O disco que lançou em 2015, Before This World, o colocou no topo da parada da Revista Billboard pela primeira vez em 50 anos de carreira. Um discaço, leve e folk, simples e de verdade, representado no show apenas pela canção Today, Today, Today, logo dilacerada da memória pela força de tudo o que o próprio Taylor cantaria. Fire and Rain, Mexico, Carolina In My Mind, Only a Dream in Rio.

Sua banda era um 'dream team', com o percussionista cubano Luis Conte, o baixista Jimmy Johnson, o guitarrista Michael Landau e o baterista Steve Gadd, chamado pelo cantor de “a lenda”, com serviços prestados a Simon & Garfunkel, Eric Clapton, Joe Cocker e Chick Corea. De mão pesada e pensamento rítmico acidentado, Gadd fica ainda maior mostrando que sabe servir a canção de Taylor ajeitando-a carinhosamente a dois palmos acima do chão.

James Taylor e Elton John são faces de uma mesma moeda. Seus organismos vêm com anticorpos desenvolvidos para combater o virtuosismo que parecia querer varrer do mundo qualquer intruso que não ganhasse plateias nos agudos de um Robert Plant ou nos solos de um Jimi Hendrix. Ambos sentaram-se em um banquinho, um de violão no colo e o outro de piano à frente, e se especializaram em fazer canções de amor e de amigo, sem solos.

Seduzido pelas latinidades, Taylor coloca uma bandeira do México em seu telão. Elton, grato pelo abraço que a América lhe deu a partir de 1970, com Your Song, mostra a dos Estados Unidos. Taylor fala da amiga Carole King antes de cantar You’ve Got a Friend; Elton dedica Don't Let the Sun Go Down on Me a George Michael. Taylor é fofo, Elton é profissional. Os dois jamais se encontram em uma mesma canção porque, talvez, nas extremidades de um mesmo universo, não tenham nada a dizer um ao outro.

A chuva chegou com Philadelphia Freedom, depois de 20 minutos de noite agradável desde a entrada de Elton John. Ela veio em pingos grandes e espaçados, que logo se multiplicaram com peso e inclemência, afogando em poças os egos da pista vip e tornando mais poderosos os fãs das distantes arquibancadas cobertas, de preço quatro vezes menor. Quando Elton percebe a chuva, parece querer compensar na mão, aliviando o peso das roupas. Levon ganha um solo de piano transcendental e Sad Songs, uma temperatura mais envolvente do que em seus outros shows no Brasil. Agora, é preciso tomar uma decisão.

A chuva cai em Rocket Man como a metáfora da própria existência. Muitos correm para a área coberta, de onde mal se vê Elton, enquanto outros permanecem à sua frente, com mais campo de visão. Alguns vestem-se em plásticos finos, temendo por suas carteiras, enquanto outros apenas retiram o cabelo molhado dos olhos. Alguns praguejam contra os céus pela noite perdida, outros agradecem de braços erguidos pela graça alcançada. A chuva mostra-se a única força capaz de sumir com os celulares erguidos e separar os sentimentos de butique das grandes emoções. Ao aceitá-la diante de Elton John, ela se torna uma experiência libertadora e inesquecível. 

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