De que lado você estava em 2022? A pergunta que será feita em alguns poucos anos terá respostas cruciais aos que buscarem relevância no passado de seus interlocutores. David Gilmour e Roger Walters estavam em lados diferentes em muitos sentidos, sobretudo em questões relativas ao Pink Floyd, mas, ainda que com ressalvas, não com relação ao conflito mais próximo de uma Terceira Guerra Mundial que o mundo conhece. David Gilmour: “A invasão da Ucrânia é um ataque louco e injusto.” Roger Waters: “Estou enojado com a invasão da Ucrânia. É um erro criminoso no meu ponto de vista, o ato de um gângster.”
Waters fez mais considerações. Uma semana antes da invasão, disse ao Russia Today que falar de um ato gigantesco de belicismo russo era “besteira”. E errou feio. “Qualquer um com um QI acima da temperatura ambiente sabe que é um disparate.” Quando viu que a coisa era séria, e que os corpos começaram a aparecer pelas ruas de Mariupol, disparou o “ato de um gângster”, mas não se convenceu totalmente. Depois de se pronunciar para atender a uma cobrança de uma fã ucraniana de 19 anos, Waters disse que havia em tudo uma certa “propaganda para demonizar a Rússia ”. E então, voltemos às rupturas. Perguntado sobre a postura de Waters pelo jornal britânico The Guardian, David Gilmour mandou essa: “Vamos apenas dizer que fiquei desapontado, e vamos seguir em frente. Leia nisso o que você quiser.”
Mas a melhor história vem agora. Um dos maiores guitarristas de seu tempo, e de todos os outros, David Gilmour se juntou a velhos companheiros do Pink Floyd, com exceção do baixista Waters, óbvio, para criar uma música inédita. A primeira em 28 anos, sem contar o reencontro entre Gilmour e o baterista Nick Mason em 2014 para fazerem Endless River em homenagem ao tecladista Rick Wright. Hey Hey, Rise Up! é o nome do single que será lançado nesta sexta-feira, 8. Ele foi feito contra o belicismo de Putin, mas de uma forma, digamos, muito mais orgânica do que simplesmente panfletária.
Ao ser avisado de que deveria dar uma olhada no Instagram do cantor Andriy Khlyvnyuk, vocalista da banda de rock ucraniana BoomBox, Gilmour se espantou. Foi com a BoomBox que ele chegou a se apresentar em 2015, em um show beneficente em Londres para o Belarus Free Theatre. Khlyvnyuk não era um nome que estava em sua memória, mas aquela noite, para ele, havia sido inesquecível. O post no Instagram revelava algo mais. Um vídeo mostrava o cantor usando uniformes militares com um rifle pendurado no ombro, em frente à Catedral de Santa Sofia, de Kiev, enquanto cantava uma música ucraniana de 1914 chamada Oh, The Red Viburnum In The Meadow, umfolk de protesto escrito durante a primeira guerra mundial. O soldado roqueiro havia deixado uma turnê com a banda para combater em seu país.
Gilmour disse o que pensou: “É muito mágico isso, e talvez eu possa fazer algo. Eu tenho uma grande plataforma na qual trabalhou por todos esses anos. É realmente difícil e frustrante ver esse ataque extraordinariamente louco e injusto de uma grande potência a uma nação independente, pacífica e democrática. A frustração de ver isso e pensar ‘o que diabos eu posso fazer?’ é meio insuportável.” Depois de fazer e gravar a música, inspirada na canção ucraniana, Gilmour a enviou a Khlyvnyuk. Direto de um front ucraniano contra as forças russas, o roqueiro ouviu a canção em seu celular e respondeu com uma mensagem: “Obrigado, Gilmour, isso é fabuloso. Um dia vamos tocar juntos e tomar uma cerveja juntos.”