David Gilmour não teme virar holograma do Pink Floyd no futuro: ‘Não estou nem aí’


Guitarrista lança álbum com participação da mulher, que escreveu maioria das letras, e da filha, que canta algumas harmonias, e fala sobre venda de catálogo: ‘Só quero me livrar de tudo’

Por Geoff Edgers (The Washington Post)
Foto: JF Diorio/Estadão
Entrevista comDavid GilmourGuitarrista do Pink Floyd, que acaba de lançar álbum

O primeiro álbum de David Gilmour em nove anos é um empreendimento familiar. Polly Samson, sua esposa romancista, escreveu a maior parte das letras de Luck and Strange e Romany, sua filha de 22 anos, canta harmonias e assume a voz principal na melancólica Between Two Points, cover de uma música da dupla britânica de indie-pop Montgolfier Brothers.

Aos 78 anos, Gilmour diz que se sente liberto de seu passado, particularmente de seu meio século com o Pink Floyd, que foi catapultado do underground da música psicodélica de Londres para os discos de platina que definiram o rock progressivo nas décadas de 1970 e 1980. Mas seu novo disco inevitavelmente vai lembrar algo aos fãs do Floyd.

A potência vocal íntima e silenciosa de Wish You Were Here e Comfortably Numb ainda está muito presente, assim como as levadas de guitarra melódicas e marcantes que são inconfundivelmente Gilmour. A faixa-título conta até mesmo com a participação do falecido tecladista do Floyd, Richard Wright, emendada de uma jam de 2007. Mas as canções de Luck and Strange vão do pop barroco ao rock de arena, passando pelo folk. Falando na semana passada de sua casa no sul de Londres, Gilmour disse que, enquanto trabalhava no novo álbum, ficou “totalmente à vontade para ser um pouco mais verdadeiro com o momento que estou vivendo”.

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Normalmente, eu diria a todos os meus heróis do rock: “Oh, meu Deus, por favor, não envolva sua esposa ou seu marido nos álbuns. E, definitivamente, não deixe seus filhos cantarem”. Mas as letras de Polly são lindas e, como você disse, esse álbum é tanto dela quanto seu.

Eu digo isso mesmo. E é verdade. Nós colaboramos em absolutamente tudo. Quer dizer, faço minha parte para ajudá-la na pesquisa quando ela está escrevendo um livro. As letras dela são brilhantes e acho que, particularmente neste álbum, com a música, nos unimos para criar algo que, para mim, é realmente gratificante.

David Gilmour em show em São Paulo, em 2015 Foto: JF Diorio/Estadão
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Dá uma sensação de que o tempo está passando, um sentimento melancólico de que algo se perdeu.

O tema do envelhecimento é bem dominante, claro. Polly é muito boa em entrar na cabeça das pessoas. Durante a covid, havia essa expectativa, que não se realizou totalmente, de que uma grande porcentagem da população poderia morrer, especialmente os idosos, entre os quais creio que devo me colocar. E ela andava preocupada com tudo isso. E a gente conversava muito sobre essas coisas naquela época.

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Há duas coisas que você disse que parecem estar ganhando as manchetes quando você fala sobre este álbum. Vamos começar com sua afirmação de que este é o melhor álbum que você fez desde The Dark Side of the Moon.

Eu me lembro bem do momento em que me sentei na sala de controle do Estúdio 3 de Abbey Road em 1973 e ouvi todo o The Dark Side of the Moon. Porque, quando você está fazendo o álbum, ele vem aos pedaços, aí você junta pedaços e faz edições que conectam tudo. E houve esse momento – o primeiro e único momento em que todos nós nos sentamos juntos e ouvimos tudo até o fim. Foi um momento de grande alegria, satisfação e sentimento de realização, de que realmente tínhamos feito algo especial. Tive esse mesmo sentimento com o último álbum. Não é um álbum conceitual nem nada do tipo, mas parece uma coisa coesa. E a emoção de ouvir o álbum todo até o fim foi enorme. Em quase todas as viagens de carro que faço e que duram uma hora, ouço o álbum de novo. E adoro.

A outra grande manchete foi: ‘David Gilmour volta atrás sobre tocar músicas do Pink Floyd em shows’. E agora? Primeiro você disse que não tocaria nenhuma. Agora está dizendo que vai tocar algumas. O que os fãs podem esperar dos shows?

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Bem, toco músicas do Pink Floyd desde 1969 até 1994 e algumas músicas da minha carreira solo. Escolhi as que parecem se encaixar no que estou fazendo agora. Não são muitas e mudei um pouco de ideia. Falei algumas coisas, mas obviamente estava meio mal-humorado naquele dia.

Você sente algo especial quando toca uma música de 1973 ou 1978, ou é como se fosse um papel obrigatório que você tem de interpretar para os fãs?

Eu adoro as músicas. Não tenho vergonha da nossa carreira. Fizemos coisas incríveis. Como poderia não gostar? Mas não adoro essas canções mais do que as deste álbum de agora, ou do que algumas das músicas solo que fiz. E gosto de algumas das últimas músicas do Pink Floyd tanto quanto de algumas das primeiras músicas do Pink Floyd.

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'Luke and Strange', novo disco solo de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd. Foto: Sony Music/Divulgação

Imagino que seja complicado fazer essa lista de músicas. Como alguém que não tinha idade suficiente para ouvir Pink Floyd no auge, eu me pergunto por que você não toca algo de seus primeiros discos solo. There’s No Way Out of Here ou Blue Light, por exemplo.

Bem, esses dois primeiros álbuns, não tenho nada deles na lista. Ouvi os dois e simplesmente não soa como a pessoa que sou agora. É uma coisa difícil de explicar. There’s No Way Out of Here era uma música boa, sabe? Mais uma vez, era um cover, mas uma música ótima, mas tenho tanto material para trabalhar que fica difícil escolher. Algumas coisas acabam sendo cortadas. Fazer o quê?

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Temos visto muitos artistas vendendo seus direitos ou suas gravações master. Você está pensando nisso?

Estou. Meu motivo é que não quero sobrecarregar meus filhos com todo esse legado. E também já estou cansado do fardo de cuidar de tudo isso nos últimos quase 40 anos, com todos desentendimentos que vêm junto. Só quero me livrar de tudo isso.

Você não tem medo do que vai acontecer quando você se for? E se você virar um holograma? Se for usado para um comercial de papel higiênico? Vi Nick [Mason], seu colega de banda do Pink Floyd, falando sobre uma versão do Pink Floyd com IA. Essas coisas preocupam você?

Não. Estarei morto. Não estou nem aí para o que os outros fizerem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O primeiro álbum de David Gilmour em nove anos é um empreendimento familiar. Polly Samson, sua esposa romancista, escreveu a maior parte das letras de Luck and Strange e Romany, sua filha de 22 anos, canta harmonias e assume a voz principal na melancólica Between Two Points, cover de uma música da dupla britânica de indie-pop Montgolfier Brothers.

Aos 78 anos, Gilmour diz que se sente liberto de seu passado, particularmente de seu meio século com o Pink Floyd, que foi catapultado do underground da música psicodélica de Londres para os discos de platina que definiram o rock progressivo nas décadas de 1970 e 1980. Mas seu novo disco inevitavelmente vai lembrar algo aos fãs do Floyd.

A potência vocal íntima e silenciosa de Wish You Were Here e Comfortably Numb ainda está muito presente, assim como as levadas de guitarra melódicas e marcantes que são inconfundivelmente Gilmour. A faixa-título conta até mesmo com a participação do falecido tecladista do Floyd, Richard Wright, emendada de uma jam de 2007. Mas as canções de Luck and Strange vão do pop barroco ao rock de arena, passando pelo folk. Falando na semana passada de sua casa no sul de Londres, Gilmour disse que, enquanto trabalhava no novo álbum, ficou “totalmente à vontade para ser um pouco mais verdadeiro com o momento que estou vivendo”.

Normalmente, eu diria a todos os meus heróis do rock: “Oh, meu Deus, por favor, não envolva sua esposa ou seu marido nos álbuns. E, definitivamente, não deixe seus filhos cantarem”. Mas as letras de Polly são lindas e, como você disse, esse álbum é tanto dela quanto seu.

Eu digo isso mesmo. E é verdade. Nós colaboramos em absolutamente tudo. Quer dizer, faço minha parte para ajudá-la na pesquisa quando ela está escrevendo um livro. As letras dela são brilhantes e acho que, particularmente neste álbum, com a música, nos unimos para criar algo que, para mim, é realmente gratificante.

David Gilmour em show em São Paulo, em 2015 Foto: JF Diorio/Estadão

Dá uma sensação de que o tempo está passando, um sentimento melancólico de que algo se perdeu.

O tema do envelhecimento é bem dominante, claro. Polly é muito boa em entrar na cabeça das pessoas. Durante a covid, havia essa expectativa, que não se realizou totalmente, de que uma grande porcentagem da população poderia morrer, especialmente os idosos, entre os quais creio que devo me colocar. E ela andava preocupada com tudo isso. E a gente conversava muito sobre essas coisas naquela época.

Há duas coisas que você disse que parecem estar ganhando as manchetes quando você fala sobre este álbum. Vamos começar com sua afirmação de que este é o melhor álbum que você fez desde The Dark Side of the Moon.

Eu me lembro bem do momento em que me sentei na sala de controle do Estúdio 3 de Abbey Road em 1973 e ouvi todo o The Dark Side of the Moon. Porque, quando você está fazendo o álbum, ele vem aos pedaços, aí você junta pedaços e faz edições que conectam tudo. E houve esse momento – o primeiro e único momento em que todos nós nos sentamos juntos e ouvimos tudo até o fim. Foi um momento de grande alegria, satisfação e sentimento de realização, de que realmente tínhamos feito algo especial. Tive esse mesmo sentimento com o último álbum. Não é um álbum conceitual nem nada do tipo, mas parece uma coisa coesa. E a emoção de ouvir o álbum todo até o fim foi enorme. Em quase todas as viagens de carro que faço e que duram uma hora, ouço o álbum de novo. E adoro.

A outra grande manchete foi: ‘David Gilmour volta atrás sobre tocar músicas do Pink Floyd em shows’. E agora? Primeiro você disse que não tocaria nenhuma. Agora está dizendo que vai tocar algumas. O que os fãs podem esperar dos shows?

Bem, toco músicas do Pink Floyd desde 1969 até 1994 e algumas músicas da minha carreira solo. Escolhi as que parecem se encaixar no que estou fazendo agora. Não são muitas e mudei um pouco de ideia. Falei algumas coisas, mas obviamente estava meio mal-humorado naquele dia.

Você sente algo especial quando toca uma música de 1973 ou 1978, ou é como se fosse um papel obrigatório que você tem de interpretar para os fãs?

Eu adoro as músicas. Não tenho vergonha da nossa carreira. Fizemos coisas incríveis. Como poderia não gostar? Mas não adoro essas canções mais do que as deste álbum de agora, ou do que algumas das músicas solo que fiz. E gosto de algumas das últimas músicas do Pink Floyd tanto quanto de algumas das primeiras músicas do Pink Floyd.

'Luke and Strange', novo disco solo de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd. Foto: Sony Music/Divulgação

Imagino que seja complicado fazer essa lista de músicas. Como alguém que não tinha idade suficiente para ouvir Pink Floyd no auge, eu me pergunto por que você não toca algo de seus primeiros discos solo. There’s No Way Out of Here ou Blue Light, por exemplo.

Bem, esses dois primeiros álbuns, não tenho nada deles na lista. Ouvi os dois e simplesmente não soa como a pessoa que sou agora. É uma coisa difícil de explicar. There’s No Way Out of Here era uma música boa, sabe? Mais uma vez, era um cover, mas uma música ótima, mas tenho tanto material para trabalhar que fica difícil escolher. Algumas coisas acabam sendo cortadas. Fazer o quê?

Temos visto muitos artistas vendendo seus direitos ou suas gravações master. Você está pensando nisso?

Estou. Meu motivo é que não quero sobrecarregar meus filhos com todo esse legado. E também já estou cansado do fardo de cuidar de tudo isso nos últimos quase 40 anos, com todos desentendimentos que vêm junto. Só quero me livrar de tudo isso.

Você não tem medo do que vai acontecer quando você se for? E se você virar um holograma? Se for usado para um comercial de papel higiênico? Vi Nick [Mason], seu colega de banda do Pink Floyd, falando sobre uma versão do Pink Floyd com IA. Essas coisas preocupam você?

Não. Estarei morto. Não estou nem aí para o que os outros fizerem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O primeiro álbum de David Gilmour em nove anos é um empreendimento familiar. Polly Samson, sua esposa romancista, escreveu a maior parte das letras de Luck and Strange e Romany, sua filha de 22 anos, canta harmonias e assume a voz principal na melancólica Between Two Points, cover de uma música da dupla britânica de indie-pop Montgolfier Brothers.

Aos 78 anos, Gilmour diz que se sente liberto de seu passado, particularmente de seu meio século com o Pink Floyd, que foi catapultado do underground da música psicodélica de Londres para os discos de platina que definiram o rock progressivo nas décadas de 1970 e 1980. Mas seu novo disco inevitavelmente vai lembrar algo aos fãs do Floyd.

A potência vocal íntima e silenciosa de Wish You Were Here e Comfortably Numb ainda está muito presente, assim como as levadas de guitarra melódicas e marcantes que são inconfundivelmente Gilmour. A faixa-título conta até mesmo com a participação do falecido tecladista do Floyd, Richard Wright, emendada de uma jam de 2007. Mas as canções de Luck and Strange vão do pop barroco ao rock de arena, passando pelo folk. Falando na semana passada de sua casa no sul de Londres, Gilmour disse que, enquanto trabalhava no novo álbum, ficou “totalmente à vontade para ser um pouco mais verdadeiro com o momento que estou vivendo”.

Normalmente, eu diria a todos os meus heróis do rock: “Oh, meu Deus, por favor, não envolva sua esposa ou seu marido nos álbuns. E, definitivamente, não deixe seus filhos cantarem”. Mas as letras de Polly são lindas e, como você disse, esse álbum é tanto dela quanto seu.

Eu digo isso mesmo. E é verdade. Nós colaboramos em absolutamente tudo. Quer dizer, faço minha parte para ajudá-la na pesquisa quando ela está escrevendo um livro. As letras dela são brilhantes e acho que, particularmente neste álbum, com a música, nos unimos para criar algo que, para mim, é realmente gratificante.

David Gilmour em show em São Paulo, em 2015 Foto: JF Diorio/Estadão

Dá uma sensação de que o tempo está passando, um sentimento melancólico de que algo se perdeu.

O tema do envelhecimento é bem dominante, claro. Polly é muito boa em entrar na cabeça das pessoas. Durante a covid, havia essa expectativa, que não se realizou totalmente, de que uma grande porcentagem da população poderia morrer, especialmente os idosos, entre os quais creio que devo me colocar. E ela andava preocupada com tudo isso. E a gente conversava muito sobre essas coisas naquela época.

Há duas coisas que você disse que parecem estar ganhando as manchetes quando você fala sobre este álbum. Vamos começar com sua afirmação de que este é o melhor álbum que você fez desde The Dark Side of the Moon.

Eu me lembro bem do momento em que me sentei na sala de controle do Estúdio 3 de Abbey Road em 1973 e ouvi todo o The Dark Side of the Moon. Porque, quando você está fazendo o álbum, ele vem aos pedaços, aí você junta pedaços e faz edições que conectam tudo. E houve esse momento – o primeiro e único momento em que todos nós nos sentamos juntos e ouvimos tudo até o fim. Foi um momento de grande alegria, satisfação e sentimento de realização, de que realmente tínhamos feito algo especial. Tive esse mesmo sentimento com o último álbum. Não é um álbum conceitual nem nada do tipo, mas parece uma coisa coesa. E a emoção de ouvir o álbum todo até o fim foi enorme. Em quase todas as viagens de carro que faço e que duram uma hora, ouço o álbum de novo. E adoro.

A outra grande manchete foi: ‘David Gilmour volta atrás sobre tocar músicas do Pink Floyd em shows’. E agora? Primeiro você disse que não tocaria nenhuma. Agora está dizendo que vai tocar algumas. O que os fãs podem esperar dos shows?

Bem, toco músicas do Pink Floyd desde 1969 até 1994 e algumas músicas da minha carreira solo. Escolhi as que parecem se encaixar no que estou fazendo agora. Não são muitas e mudei um pouco de ideia. Falei algumas coisas, mas obviamente estava meio mal-humorado naquele dia.

Você sente algo especial quando toca uma música de 1973 ou 1978, ou é como se fosse um papel obrigatório que você tem de interpretar para os fãs?

Eu adoro as músicas. Não tenho vergonha da nossa carreira. Fizemos coisas incríveis. Como poderia não gostar? Mas não adoro essas canções mais do que as deste álbum de agora, ou do que algumas das músicas solo que fiz. E gosto de algumas das últimas músicas do Pink Floyd tanto quanto de algumas das primeiras músicas do Pink Floyd.

'Luke and Strange', novo disco solo de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd. Foto: Sony Music/Divulgação

Imagino que seja complicado fazer essa lista de músicas. Como alguém que não tinha idade suficiente para ouvir Pink Floyd no auge, eu me pergunto por que você não toca algo de seus primeiros discos solo. There’s No Way Out of Here ou Blue Light, por exemplo.

Bem, esses dois primeiros álbuns, não tenho nada deles na lista. Ouvi os dois e simplesmente não soa como a pessoa que sou agora. É uma coisa difícil de explicar. There’s No Way Out of Here era uma música boa, sabe? Mais uma vez, era um cover, mas uma música ótima, mas tenho tanto material para trabalhar que fica difícil escolher. Algumas coisas acabam sendo cortadas. Fazer o quê?

Temos visto muitos artistas vendendo seus direitos ou suas gravações master. Você está pensando nisso?

Estou. Meu motivo é que não quero sobrecarregar meus filhos com todo esse legado. E também já estou cansado do fardo de cuidar de tudo isso nos últimos quase 40 anos, com todos desentendimentos que vêm junto. Só quero me livrar de tudo isso.

Você não tem medo do que vai acontecer quando você se for? E se você virar um holograma? Se for usado para um comercial de papel higiênico? Vi Nick [Mason], seu colega de banda do Pink Floyd, falando sobre uma versão do Pink Floyd com IA. Essas coisas preocupam você?

Não. Estarei morto. Não estou nem aí para o que os outros fizerem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

O primeiro álbum de David Gilmour em nove anos é um empreendimento familiar. Polly Samson, sua esposa romancista, escreveu a maior parte das letras de Luck and Strange e Romany, sua filha de 22 anos, canta harmonias e assume a voz principal na melancólica Between Two Points, cover de uma música da dupla britânica de indie-pop Montgolfier Brothers.

Aos 78 anos, Gilmour diz que se sente liberto de seu passado, particularmente de seu meio século com o Pink Floyd, que foi catapultado do underground da música psicodélica de Londres para os discos de platina que definiram o rock progressivo nas décadas de 1970 e 1980. Mas seu novo disco inevitavelmente vai lembrar algo aos fãs do Floyd.

A potência vocal íntima e silenciosa de Wish You Were Here e Comfortably Numb ainda está muito presente, assim como as levadas de guitarra melódicas e marcantes que são inconfundivelmente Gilmour. A faixa-título conta até mesmo com a participação do falecido tecladista do Floyd, Richard Wright, emendada de uma jam de 2007. Mas as canções de Luck and Strange vão do pop barroco ao rock de arena, passando pelo folk. Falando na semana passada de sua casa no sul de Londres, Gilmour disse que, enquanto trabalhava no novo álbum, ficou “totalmente à vontade para ser um pouco mais verdadeiro com o momento que estou vivendo”.

Normalmente, eu diria a todos os meus heróis do rock: “Oh, meu Deus, por favor, não envolva sua esposa ou seu marido nos álbuns. E, definitivamente, não deixe seus filhos cantarem”. Mas as letras de Polly são lindas e, como você disse, esse álbum é tanto dela quanto seu.

Eu digo isso mesmo. E é verdade. Nós colaboramos em absolutamente tudo. Quer dizer, faço minha parte para ajudá-la na pesquisa quando ela está escrevendo um livro. As letras dela são brilhantes e acho que, particularmente neste álbum, com a música, nos unimos para criar algo que, para mim, é realmente gratificante.

David Gilmour em show em São Paulo, em 2015 Foto: JF Diorio/Estadão

Dá uma sensação de que o tempo está passando, um sentimento melancólico de que algo se perdeu.

O tema do envelhecimento é bem dominante, claro. Polly é muito boa em entrar na cabeça das pessoas. Durante a covid, havia essa expectativa, que não se realizou totalmente, de que uma grande porcentagem da população poderia morrer, especialmente os idosos, entre os quais creio que devo me colocar. E ela andava preocupada com tudo isso. E a gente conversava muito sobre essas coisas naquela época.

Há duas coisas que você disse que parecem estar ganhando as manchetes quando você fala sobre este álbum. Vamos começar com sua afirmação de que este é o melhor álbum que você fez desde The Dark Side of the Moon.

Eu me lembro bem do momento em que me sentei na sala de controle do Estúdio 3 de Abbey Road em 1973 e ouvi todo o The Dark Side of the Moon. Porque, quando você está fazendo o álbum, ele vem aos pedaços, aí você junta pedaços e faz edições que conectam tudo. E houve esse momento – o primeiro e único momento em que todos nós nos sentamos juntos e ouvimos tudo até o fim. Foi um momento de grande alegria, satisfação e sentimento de realização, de que realmente tínhamos feito algo especial. Tive esse mesmo sentimento com o último álbum. Não é um álbum conceitual nem nada do tipo, mas parece uma coisa coesa. E a emoção de ouvir o álbum todo até o fim foi enorme. Em quase todas as viagens de carro que faço e que duram uma hora, ouço o álbum de novo. E adoro.

A outra grande manchete foi: ‘David Gilmour volta atrás sobre tocar músicas do Pink Floyd em shows’. E agora? Primeiro você disse que não tocaria nenhuma. Agora está dizendo que vai tocar algumas. O que os fãs podem esperar dos shows?

Bem, toco músicas do Pink Floyd desde 1969 até 1994 e algumas músicas da minha carreira solo. Escolhi as que parecem se encaixar no que estou fazendo agora. Não são muitas e mudei um pouco de ideia. Falei algumas coisas, mas obviamente estava meio mal-humorado naquele dia.

Você sente algo especial quando toca uma música de 1973 ou 1978, ou é como se fosse um papel obrigatório que você tem de interpretar para os fãs?

Eu adoro as músicas. Não tenho vergonha da nossa carreira. Fizemos coisas incríveis. Como poderia não gostar? Mas não adoro essas canções mais do que as deste álbum de agora, ou do que algumas das músicas solo que fiz. E gosto de algumas das últimas músicas do Pink Floyd tanto quanto de algumas das primeiras músicas do Pink Floyd.

'Luke and Strange', novo disco solo de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd. Foto: Sony Music/Divulgação

Imagino que seja complicado fazer essa lista de músicas. Como alguém que não tinha idade suficiente para ouvir Pink Floyd no auge, eu me pergunto por que você não toca algo de seus primeiros discos solo. There’s No Way Out of Here ou Blue Light, por exemplo.

Bem, esses dois primeiros álbuns, não tenho nada deles na lista. Ouvi os dois e simplesmente não soa como a pessoa que sou agora. É uma coisa difícil de explicar. There’s No Way Out of Here era uma música boa, sabe? Mais uma vez, era um cover, mas uma música ótima, mas tenho tanto material para trabalhar que fica difícil escolher. Algumas coisas acabam sendo cortadas. Fazer o quê?

Temos visto muitos artistas vendendo seus direitos ou suas gravações master. Você está pensando nisso?

Estou. Meu motivo é que não quero sobrecarregar meus filhos com todo esse legado. E também já estou cansado do fardo de cuidar de tudo isso nos últimos quase 40 anos, com todos desentendimentos que vêm junto. Só quero me livrar de tudo isso.

Você não tem medo do que vai acontecer quando você se for? E se você virar um holograma? Se for usado para um comercial de papel higiênico? Vi Nick [Mason], seu colega de banda do Pink Floyd, falando sobre uma versão do Pink Floyd com IA. Essas coisas preocupam você?

Não. Estarei morto. Não estou nem aí para o que os outros fizerem. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Entrevista por Geoff Edgers (The Washington Post)

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