Dorival Caymmi ganha abordagem jazzística do 'Quarteto Fantástico'


Grupo formado por Tutty Moreno, Rodolfo Stroeter, André Mehmari e Proveta lança álbum com obra do compositor baiano em dois shows (13 e 14), no Sesc Pompeia

Por Julio Maria

Jan Erik Kongshaug não é homem de tapinhas nas costas. Sua lista de quatro mil registros fonográficos em estúdios da Noruega, incluindo as cerca de 700 gravações para a alemã ECM nos anos 1970, que o habilitaram ao título de “um dos melhores engenheiros de som do mundo”, o fizeram um norueguês cético até que soe o último acorde de um álbum sob seu comando. Pois Jan Erik fez um gesto que poucas vezes se repetiu. Assim que a última nota do álbum Dorival se calou, ele deixou sua cadeira na sala técnica do Rainbow Studio, de Oslo, e se dirigiu ao saxofonista e clarinetista do grupo, Nailor Proveta: “Parabéns pelo disco, meu caro.”

Mehmari, Proveta, Stroeter e Tutty Moreno: improvisos e novas harmonias para Caymmi Foto: GAL OPPIDO

Vinte anos depois do primeiro encontro para o lançamento do álbum Forças D’Alma, do baterista Tutty Moreno, o mesmo quarteto se reúne para novas gravações. As primeiras sessões foram sobre a obra de Dorival Caymmi e saem agora no disco Dorival. Proveta e Tutty se juntaram ao baixista Rodolfo Stroeter e ao pianista André Mehmari para darem uma abordagem instrumental, muitas vezes jazzística, ao pensamento de Caymmi. Jazz e Caymmi, aliás, são dois mundos só aparentemente distantes. “Sy Oliver é um grande arranjador. Ele fazia o negócio com uma sensibilidade, escrevendo para aqueles instrumentos, jogando os trombones e pistons, aquele jogo de metais em que se destacava um Ziggy Elman na orquestra de Tommy Dorsey...”, disse Caymmi em uma entrevista dos anos 1980 ao pesquisador Zuza Homem de Mello.

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O jazz estava nos radares de Caymmi não apenas na observação. Suas harmonias, que fazia intuitivamente, saíam das convenções e dela pulavam coelhos o tempo todo. Era a mágica de Caymmi, o que explica a existência dos gênios: se comunicar com os simples do mundo sendo profundo, tornar iguais especialistas estudados em universidades e lavadeiras ribeirinhas do Rio São Francisco em três minutos de uma canção.

Sem sua voz, a música está na frente. Três delas estavam no disco de Tutty, de 1998. João Valentão, A Vizinha do Lado e Só Louco. Outras sete, rearmonizadas pelo pianista André Mehmari, entraram para o novo o álbum. Os shows de lançamento serão dias 13 e 14 (sábado e domingo), no Sesc Pompeia, com ingressos à venda.

O piano de Mehmari eleva Dora a uma sofisticação que parece distanciar-se de seu criador. Mas a paixão de Caymmi está lá, sobretudo na “voz” de Proveta. Mehmari, vale lembrar, tinha 19 anos em 1998, quando saiu Forças D’Alma, e havia, ao lado do baixista Celio Barros, acabado de conquistar o primeiro lugar do Prêmio Visa – Instrumentistas, da Rádio Eldorado.

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Samba da Minha Terra abre com o “voo da abelha” desenhado por piano e sax e desemboca em um ritmo de andamento vertiginoso e cheio de energia. As músicas partem de um arranjo previamente pensado, mas 90% do que acontece, como diz Rodolfo Stroeter, é o improviso quem manda. “Foi quase tudo na hora. O disco todo foi gravado em um dia e meio.” A história da nova reunião do quarteto passa pelo poder do susto da música instrumental. Há pouco mais de um ano, eles foram convidados a participar de um festival no Rio Grande do Sul, reeditando a formação e o repertório de Forças D’Alma. Quem conta é Tutty: “Não tivemos tempo algum para ensaiar e só fomos nos encontrar na passagem de som. Vinte anos depois, tocamos aquelas músicas como se tivéssemos tocado o tempo todo.”

O advogado do diabo então pergunta: não seria um excesso de garantia dos músicos brasileiros a confiança em seu poder de resolver tudo no ato? Não há um prejuízo, mesmo nas formações estelares, deixado pela ausência de ensaio? “Cada caso é um caso”, diz Rodolfo Stroeter, que também assina a produção do trabalho. “Para esse disco, já tínhamos as estruturas das músicas que aproveitamos de Forças D’Alma. As outras têm como fio condutor a escrita harmônica, muitas delas reescritas pelo Mehmari.”

A discussão pega no meio do jazz, dividido entre nomes que querem as convenções e as pontes bem definidas em longos ensaios e outros que apostam na sabedoria do momento, para os quais quanto menos horas de estúdio, melhor. Rodolfo Stroeter diz que não há uma fórmula mais certa, que várias dinâmicas existem para se chegar a um resultado. Ele cita como exemplo oposto seu outro grupo, o antológico Pau Brasil. “O Pau Brasil faz esse laboratório, mas com outro tempo de vida. Ensaiamos mais, as partes são mais escritas, é o que funciona naquele caso.”

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A estratégia só pode estar dando certo. Além de Dorival, um resultado de minúcias que parece depurado em anos de tonel, o quarteto já tem gravado no mesmo estúdio de Oslo um segundo álbum chamado Mestiço, uma referência aos autores considerados mestiços da música brasileira, de Ary Barroso e Pixinguinha a Milton Nascimento. Tutty eleva a voz ao falar dele. “É uma joia preciosa.” O terceiro elemento que sai dos mesmos braços e do mesmo estúdio pertence à cantora Joyce Moreno. Mulher de Tutty, Joyce já tem lançado no Japão o álbum Eu Fiz Uma Viagem, também sobre a obra de Dorival Caymmi, com previsão de sair no Brasil no segundo semestre. 

Tutty Moreno, o pai do projeto, é definido por Stroeter como “um poeta da bateria.” Seu pensamento, antes de ser mesmo rítmico, é melódico, o que o distancia das “levadas” convencionais. “Ele toca a melodia na bateria o tempo todo”, diz Stroeter. “O meu sonho era ter um grupo que entendesse o que eu fazia. Eu realizei esse sonho assim que encontrei essas pessoas.” 

Jan Erik Kongshaug não é homem de tapinhas nas costas. Sua lista de quatro mil registros fonográficos em estúdios da Noruega, incluindo as cerca de 700 gravações para a alemã ECM nos anos 1970, que o habilitaram ao título de “um dos melhores engenheiros de som do mundo”, o fizeram um norueguês cético até que soe o último acorde de um álbum sob seu comando. Pois Jan Erik fez um gesto que poucas vezes se repetiu. Assim que a última nota do álbum Dorival se calou, ele deixou sua cadeira na sala técnica do Rainbow Studio, de Oslo, e se dirigiu ao saxofonista e clarinetista do grupo, Nailor Proveta: “Parabéns pelo disco, meu caro.”

Mehmari, Proveta, Stroeter e Tutty Moreno: improvisos e novas harmonias para Caymmi Foto: GAL OPPIDO

Vinte anos depois do primeiro encontro para o lançamento do álbum Forças D’Alma, do baterista Tutty Moreno, o mesmo quarteto se reúne para novas gravações. As primeiras sessões foram sobre a obra de Dorival Caymmi e saem agora no disco Dorival. Proveta e Tutty se juntaram ao baixista Rodolfo Stroeter e ao pianista André Mehmari para darem uma abordagem instrumental, muitas vezes jazzística, ao pensamento de Caymmi. Jazz e Caymmi, aliás, são dois mundos só aparentemente distantes. “Sy Oliver é um grande arranjador. Ele fazia o negócio com uma sensibilidade, escrevendo para aqueles instrumentos, jogando os trombones e pistons, aquele jogo de metais em que se destacava um Ziggy Elman na orquestra de Tommy Dorsey...”, disse Caymmi em uma entrevista dos anos 1980 ao pesquisador Zuza Homem de Mello.

O jazz estava nos radares de Caymmi não apenas na observação. Suas harmonias, que fazia intuitivamente, saíam das convenções e dela pulavam coelhos o tempo todo. Era a mágica de Caymmi, o que explica a existência dos gênios: se comunicar com os simples do mundo sendo profundo, tornar iguais especialistas estudados em universidades e lavadeiras ribeirinhas do Rio São Francisco em três minutos de uma canção.

Sem sua voz, a música está na frente. Três delas estavam no disco de Tutty, de 1998. João Valentão, A Vizinha do Lado e Só Louco. Outras sete, rearmonizadas pelo pianista André Mehmari, entraram para o novo o álbum. Os shows de lançamento serão dias 13 e 14 (sábado e domingo), no Sesc Pompeia, com ingressos à venda.

O piano de Mehmari eleva Dora a uma sofisticação que parece distanciar-se de seu criador. Mas a paixão de Caymmi está lá, sobretudo na “voz” de Proveta. Mehmari, vale lembrar, tinha 19 anos em 1998, quando saiu Forças D’Alma, e havia, ao lado do baixista Celio Barros, acabado de conquistar o primeiro lugar do Prêmio Visa – Instrumentistas, da Rádio Eldorado.

Samba da Minha Terra abre com o “voo da abelha” desenhado por piano e sax e desemboca em um ritmo de andamento vertiginoso e cheio de energia. As músicas partem de um arranjo previamente pensado, mas 90% do que acontece, como diz Rodolfo Stroeter, é o improviso quem manda. “Foi quase tudo na hora. O disco todo foi gravado em um dia e meio.” A história da nova reunião do quarteto passa pelo poder do susto da música instrumental. Há pouco mais de um ano, eles foram convidados a participar de um festival no Rio Grande do Sul, reeditando a formação e o repertório de Forças D’Alma. Quem conta é Tutty: “Não tivemos tempo algum para ensaiar e só fomos nos encontrar na passagem de som. Vinte anos depois, tocamos aquelas músicas como se tivéssemos tocado o tempo todo.”

O advogado do diabo então pergunta: não seria um excesso de garantia dos músicos brasileiros a confiança em seu poder de resolver tudo no ato? Não há um prejuízo, mesmo nas formações estelares, deixado pela ausência de ensaio? “Cada caso é um caso”, diz Rodolfo Stroeter, que também assina a produção do trabalho. “Para esse disco, já tínhamos as estruturas das músicas que aproveitamos de Forças D’Alma. As outras têm como fio condutor a escrita harmônica, muitas delas reescritas pelo Mehmari.”

A discussão pega no meio do jazz, dividido entre nomes que querem as convenções e as pontes bem definidas em longos ensaios e outros que apostam na sabedoria do momento, para os quais quanto menos horas de estúdio, melhor. Rodolfo Stroeter diz que não há uma fórmula mais certa, que várias dinâmicas existem para se chegar a um resultado. Ele cita como exemplo oposto seu outro grupo, o antológico Pau Brasil. “O Pau Brasil faz esse laboratório, mas com outro tempo de vida. Ensaiamos mais, as partes são mais escritas, é o que funciona naquele caso.”

A estratégia só pode estar dando certo. Além de Dorival, um resultado de minúcias que parece depurado em anos de tonel, o quarteto já tem gravado no mesmo estúdio de Oslo um segundo álbum chamado Mestiço, uma referência aos autores considerados mestiços da música brasileira, de Ary Barroso e Pixinguinha a Milton Nascimento. Tutty eleva a voz ao falar dele. “É uma joia preciosa.” O terceiro elemento que sai dos mesmos braços e do mesmo estúdio pertence à cantora Joyce Moreno. Mulher de Tutty, Joyce já tem lançado no Japão o álbum Eu Fiz Uma Viagem, também sobre a obra de Dorival Caymmi, com previsão de sair no Brasil no segundo semestre. 

Tutty Moreno, o pai do projeto, é definido por Stroeter como “um poeta da bateria.” Seu pensamento, antes de ser mesmo rítmico, é melódico, o que o distancia das “levadas” convencionais. “Ele toca a melodia na bateria o tempo todo”, diz Stroeter. “O meu sonho era ter um grupo que entendesse o que eu fazia. Eu realizei esse sonho assim que encontrei essas pessoas.” 

Jan Erik Kongshaug não é homem de tapinhas nas costas. Sua lista de quatro mil registros fonográficos em estúdios da Noruega, incluindo as cerca de 700 gravações para a alemã ECM nos anos 1970, que o habilitaram ao título de “um dos melhores engenheiros de som do mundo”, o fizeram um norueguês cético até que soe o último acorde de um álbum sob seu comando. Pois Jan Erik fez um gesto que poucas vezes se repetiu. Assim que a última nota do álbum Dorival se calou, ele deixou sua cadeira na sala técnica do Rainbow Studio, de Oslo, e se dirigiu ao saxofonista e clarinetista do grupo, Nailor Proveta: “Parabéns pelo disco, meu caro.”

Mehmari, Proveta, Stroeter e Tutty Moreno: improvisos e novas harmonias para Caymmi Foto: GAL OPPIDO

Vinte anos depois do primeiro encontro para o lançamento do álbum Forças D’Alma, do baterista Tutty Moreno, o mesmo quarteto se reúne para novas gravações. As primeiras sessões foram sobre a obra de Dorival Caymmi e saem agora no disco Dorival. Proveta e Tutty se juntaram ao baixista Rodolfo Stroeter e ao pianista André Mehmari para darem uma abordagem instrumental, muitas vezes jazzística, ao pensamento de Caymmi. Jazz e Caymmi, aliás, são dois mundos só aparentemente distantes. “Sy Oliver é um grande arranjador. Ele fazia o negócio com uma sensibilidade, escrevendo para aqueles instrumentos, jogando os trombones e pistons, aquele jogo de metais em que se destacava um Ziggy Elman na orquestra de Tommy Dorsey...”, disse Caymmi em uma entrevista dos anos 1980 ao pesquisador Zuza Homem de Mello.

O jazz estava nos radares de Caymmi não apenas na observação. Suas harmonias, que fazia intuitivamente, saíam das convenções e dela pulavam coelhos o tempo todo. Era a mágica de Caymmi, o que explica a existência dos gênios: se comunicar com os simples do mundo sendo profundo, tornar iguais especialistas estudados em universidades e lavadeiras ribeirinhas do Rio São Francisco em três minutos de uma canção.

Sem sua voz, a música está na frente. Três delas estavam no disco de Tutty, de 1998. João Valentão, A Vizinha do Lado e Só Louco. Outras sete, rearmonizadas pelo pianista André Mehmari, entraram para o novo o álbum. Os shows de lançamento serão dias 13 e 14 (sábado e domingo), no Sesc Pompeia, com ingressos à venda.

O piano de Mehmari eleva Dora a uma sofisticação que parece distanciar-se de seu criador. Mas a paixão de Caymmi está lá, sobretudo na “voz” de Proveta. Mehmari, vale lembrar, tinha 19 anos em 1998, quando saiu Forças D’Alma, e havia, ao lado do baixista Celio Barros, acabado de conquistar o primeiro lugar do Prêmio Visa – Instrumentistas, da Rádio Eldorado.

Samba da Minha Terra abre com o “voo da abelha” desenhado por piano e sax e desemboca em um ritmo de andamento vertiginoso e cheio de energia. As músicas partem de um arranjo previamente pensado, mas 90% do que acontece, como diz Rodolfo Stroeter, é o improviso quem manda. “Foi quase tudo na hora. O disco todo foi gravado em um dia e meio.” A história da nova reunião do quarteto passa pelo poder do susto da música instrumental. Há pouco mais de um ano, eles foram convidados a participar de um festival no Rio Grande do Sul, reeditando a formação e o repertório de Forças D’Alma. Quem conta é Tutty: “Não tivemos tempo algum para ensaiar e só fomos nos encontrar na passagem de som. Vinte anos depois, tocamos aquelas músicas como se tivéssemos tocado o tempo todo.”

O advogado do diabo então pergunta: não seria um excesso de garantia dos músicos brasileiros a confiança em seu poder de resolver tudo no ato? Não há um prejuízo, mesmo nas formações estelares, deixado pela ausência de ensaio? “Cada caso é um caso”, diz Rodolfo Stroeter, que também assina a produção do trabalho. “Para esse disco, já tínhamos as estruturas das músicas que aproveitamos de Forças D’Alma. As outras têm como fio condutor a escrita harmônica, muitas delas reescritas pelo Mehmari.”

A discussão pega no meio do jazz, dividido entre nomes que querem as convenções e as pontes bem definidas em longos ensaios e outros que apostam na sabedoria do momento, para os quais quanto menos horas de estúdio, melhor. Rodolfo Stroeter diz que não há uma fórmula mais certa, que várias dinâmicas existem para se chegar a um resultado. Ele cita como exemplo oposto seu outro grupo, o antológico Pau Brasil. “O Pau Brasil faz esse laboratório, mas com outro tempo de vida. Ensaiamos mais, as partes são mais escritas, é o que funciona naquele caso.”

A estratégia só pode estar dando certo. Além de Dorival, um resultado de minúcias que parece depurado em anos de tonel, o quarteto já tem gravado no mesmo estúdio de Oslo um segundo álbum chamado Mestiço, uma referência aos autores considerados mestiços da música brasileira, de Ary Barroso e Pixinguinha a Milton Nascimento. Tutty eleva a voz ao falar dele. “É uma joia preciosa.” O terceiro elemento que sai dos mesmos braços e do mesmo estúdio pertence à cantora Joyce Moreno. Mulher de Tutty, Joyce já tem lançado no Japão o álbum Eu Fiz Uma Viagem, também sobre a obra de Dorival Caymmi, com previsão de sair no Brasil no segundo semestre. 

Tutty Moreno, o pai do projeto, é definido por Stroeter como “um poeta da bateria.” Seu pensamento, antes de ser mesmo rítmico, é melódico, o que o distancia das “levadas” convencionais. “Ele toca a melodia na bateria o tempo todo”, diz Stroeter. “O meu sonho era ter um grupo que entendesse o que eu fazia. Eu realizei esse sonho assim que encontrei essas pessoas.” 

Jan Erik Kongshaug não é homem de tapinhas nas costas. Sua lista de quatro mil registros fonográficos em estúdios da Noruega, incluindo as cerca de 700 gravações para a alemã ECM nos anos 1970, que o habilitaram ao título de “um dos melhores engenheiros de som do mundo”, o fizeram um norueguês cético até que soe o último acorde de um álbum sob seu comando. Pois Jan Erik fez um gesto que poucas vezes se repetiu. Assim que a última nota do álbum Dorival se calou, ele deixou sua cadeira na sala técnica do Rainbow Studio, de Oslo, e se dirigiu ao saxofonista e clarinetista do grupo, Nailor Proveta: “Parabéns pelo disco, meu caro.”

Mehmari, Proveta, Stroeter e Tutty Moreno: improvisos e novas harmonias para Caymmi Foto: GAL OPPIDO

Vinte anos depois do primeiro encontro para o lançamento do álbum Forças D’Alma, do baterista Tutty Moreno, o mesmo quarteto se reúne para novas gravações. As primeiras sessões foram sobre a obra de Dorival Caymmi e saem agora no disco Dorival. Proveta e Tutty se juntaram ao baixista Rodolfo Stroeter e ao pianista André Mehmari para darem uma abordagem instrumental, muitas vezes jazzística, ao pensamento de Caymmi. Jazz e Caymmi, aliás, são dois mundos só aparentemente distantes. “Sy Oliver é um grande arranjador. Ele fazia o negócio com uma sensibilidade, escrevendo para aqueles instrumentos, jogando os trombones e pistons, aquele jogo de metais em que se destacava um Ziggy Elman na orquestra de Tommy Dorsey...”, disse Caymmi em uma entrevista dos anos 1980 ao pesquisador Zuza Homem de Mello.

O jazz estava nos radares de Caymmi não apenas na observação. Suas harmonias, que fazia intuitivamente, saíam das convenções e dela pulavam coelhos o tempo todo. Era a mágica de Caymmi, o que explica a existência dos gênios: se comunicar com os simples do mundo sendo profundo, tornar iguais especialistas estudados em universidades e lavadeiras ribeirinhas do Rio São Francisco em três minutos de uma canção.

Sem sua voz, a música está na frente. Três delas estavam no disco de Tutty, de 1998. João Valentão, A Vizinha do Lado e Só Louco. Outras sete, rearmonizadas pelo pianista André Mehmari, entraram para o novo o álbum. Os shows de lançamento serão dias 13 e 14 (sábado e domingo), no Sesc Pompeia, com ingressos à venda.

O piano de Mehmari eleva Dora a uma sofisticação que parece distanciar-se de seu criador. Mas a paixão de Caymmi está lá, sobretudo na “voz” de Proveta. Mehmari, vale lembrar, tinha 19 anos em 1998, quando saiu Forças D’Alma, e havia, ao lado do baixista Celio Barros, acabado de conquistar o primeiro lugar do Prêmio Visa – Instrumentistas, da Rádio Eldorado.

Samba da Minha Terra abre com o “voo da abelha” desenhado por piano e sax e desemboca em um ritmo de andamento vertiginoso e cheio de energia. As músicas partem de um arranjo previamente pensado, mas 90% do que acontece, como diz Rodolfo Stroeter, é o improviso quem manda. “Foi quase tudo na hora. O disco todo foi gravado em um dia e meio.” A história da nova reunião do quarteto passa pelo poder do susto da música instrumental. Há pouco mais de um ano, eles foram convidados a participar de um festival no Rio Grande do Sul, reeditando a formação e o repertório de Forças D’Alma. Quem conta é Tutty: “Não tivemos tempo algum para ensaiar e só fomos nos encontrar na passagem de som. Vinte anos depois, tocamos aquelas músicas como se tivéssemos tocado o tempo todo.”

O advogado do diabo então pergunta: não seria um excesso de garantia dos músicos brasileiros a confiança em seu poder de resolver tudo no ato? Não há um prejuízo, mesmo nas formações estelares, deixado pela ausência de ensaio? “Cada caso é um caso”, diz Rodolfo Stroeter, que também assina a produção do trabalho. “Para esse disco, já tínhamos as estruturas das músicas que aproveitamos de Forças D’Alma. As outras têm como fio condutor a escrita harmônica, muitas delas reescritas pelo Mehmari.”

A discussão pega no meio do jazz, dividido entre nomes que querem as convenções e as pontes bem definidas em longos ensaios e outros que apostam na sabedoria do momento, para os quais quanto menos horas de estúdio, melhor. Rodolfo Stroeter diz que não há uma fórmula mais certa, que várias dinâmicas existem para se chegar a um resultado. Ele cita como exemplo oposto seu outro grupo, o antológico Pau Brasil. “O Pau Brasil faz esse laboratório, mas com outro tempo de vida. Ensaiamos mais, as partes são mais escritas, é o que funciona naquele caso.”

A estratégia só pode estar dando certo. Além de Dorival, um resultado de minúcias que parece depurado em anos de tonel, o quarteto já tem gravado no mesmo estúdio de Oslo um segundo álbum chamado Mestiço, uma referência aos autores considerados mestiços da música brasileira, de Ary Barroso e Pixinguinha a Milton Nascimento. Tutty eleva a voz ao falar dele. “É uma joia preciosa.” O terceiro elemento que sai dos mesmos braços e do mesmo estúdio pertence à cantora Joyce Moreno. Mulher de Tutty, Joyce já tem lançado no Japão o álbum Eu Fiz Uma Viagem, também sobre a obra de Dorival Caymmi, com previsão de sair no Brasil no segundo semestre. 

Tutty Moreno, o pai do projeto, é definido por Stroeter como “um poeta da bateria.” Seu pensamento, antes de ser mesmo rítmico, é melódico, o que o distancia das “levadas” convencionais. “Ele toca a melodia na bateria o tempo todo”, diz Stroeter. “O meu sonho era ter um grupo que entendesse o que eu fazia. Eu realizei esse sonho assim que encontrei essas pessoas.” 

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