Dueto de Caetano Veloso e pastor reflete desafios evangélicos um ano após furar bolhas; leia análise


‘Deus cuida de mim’, com pastor Kleber Lucas, ganhou recentemente o Prêmio Multishow. Em declarações públicas, cantor, que se denomina ateu, tem falado de um ‘preconceito pseudo-chique’ contra os evangélicos

Por Franco Iacomini
Atualização:

Quem frequenta igrejas evangélicas já deve ter ouvido os versos:

Deus cuida de mim na sombra das Suas asas

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Deus cuida de mim eu amo a Sua casa

E não ando sozinho, não estou sozinho

Pois sei Deus cuida de mim

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Esse é o refrão de Deus cuida de mim, lançada em 1999 pelo cantor e pastor Kleber Lucas. E talvez o leitor que não é evangélico tenha ouvido no rádio ou em algum vídeo nas redes sociais, ainda mais nos últimos dias – a música (cujo lançamento está completando um ano) ganhou o prêmio de cancão cristã do ano no Prêmio Multishow, em uma versão com Kleber Lucas e Caetano Veloso.

Com a participação do cantor baiano, a música furou a bolha gospel e ganhou ouvintes que, provavelmente, não teria. Mas, paradoxalmente, gerou crítica entre os crentes. “Como um ateu pode cantar música de louvor a Deus?”, perguntam alguns. “Coisa da Globolixo”, comentam outros (o prêmio Multishow é promovido pelo canal homônimo de TV paga, que faz parte do grupo Globo).

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Pastor Kleber Lucas e Caetano Veloso cantam 'Deus Cuida de Mim' Foto: Reprodução de Vídeo/YouTube/@CaetanoVelosoOficial

Em entrevistas, Caetano se confessa ateu e, volta e meia, fala da relação que tem com os evangélicos da família, os filhos Zeca e Tom. Em declarações públicas (e, inclusive, em entrevista ao Estadão), ele tem falado de um “preconceito pseudo-chique” contra os crentes.

Sensível e intimista, a versão atualizada da música é realmente bonita. E é um retrato das influências que o movimento evangélico vai enfrentar. Se, por muito tempo, via-se isolado e até execrado por parcelas da sociedade brasileira, hoje ele é mainstream. É aceito por muito mais gente, no mínimo, como parte relevante da sociedade.

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Em consequência, haverá cada vez mais pessoas que não pertencem a esse movimento, mas que se veem próximas a ele por alguma coincidência ideológica ou comportamental. Ou (provavelmente mais comum) querem tirar partido dele, tendo como pressuposto que alguns evangélicos podem ser ingênuos em relação a abordagens políticas e de negócios. E isso se dá ainda que aquele “preconceito chique” de que falou Caetano esteja sempre presente. Ou até por causa dele...

Por outro lado, a aversão de parcelas do movimento evangélico à versão Lucas/Veloso da canção é algo que precisa ser entendido. Ela inclui algumas influências. Uma é a ideia de que, para ministrar louvor, é preciso crer, e esse não seria o caso de Caetano. Ela é verdadeira, mas observe-se que Caetano gravou em estúdio, não ministrou no púlpito, e isso faz diferença.

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Cantores de todos os matizes, crentes ou não, costumam cantar Noite Santa nesses tempos que antecedem o Natal, e isso raramente causa alarde. E até cantores líricos costumam entoar hinos como Amazing Grace (Preciosa Graça em nossos hinários) em teatros, para plateias nem sempre interessadas em Deus. Elvis gravou louvores, Bono e o U2 mantêm o Salmo 40 (40) em seu setlist desde os anos 80, muitas vezes no encerramento dos shows.

Outra visão é política, e essa parece ter relevância nesse caso. Caetano identifica-se com a esquerda. Em 2016, fez campanha para Marcelo Freixo (então no PSOL) contra Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal. Kleber Lucas manifestou apoio a Lula na eleição passada. Cristãos alinhados com o bolsonarismo têm demonstrado uma tendência à reprovação em massa de qualquer um que não se alinhe a seus mitos (dentro e fora da igreja).

Alguns apontam, ainda, o viés de raça. Kleber Lucas é negro – como, aliás, 59% dos evangélicos do País, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada no início de 2020. E ousou discutir a questão racial na igreja em sua dissertação de mestrado em História na UFRJ, em que abordou ideias raciais em discursos e hinos batistas. E há outra questão. O pastor Lucas enfrentou três divórcios, o que é, com frequência, apontado por detratores. Isso é relevado no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está em seu terceiro casamento.

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Deus cuida de mim foi um fenômeno nessa interação da cultura popular com o universo evangélico. Não é o único. Não será o último. Para os que vivem de polêmicas, sempre haverá algum herege à vista.

Quem frequenta igrejas evangélicas já deve ter ouvido os versos:

Deus cuida de mim na sombra das Suas asas

Deus cuida de mim eu amo a Sua casa

E não ando sozinho, não estou sozinho

Pois sei Deus cuida de mim

Esse é o refrão de Deus cuida de mim, lançada em 1999 pelo cantor e pastor Kleber Lucas. E talvez o leitor que não é evangélico tenha ouvido no rádio ou em algum vídeo nas redes sociais, ainda mais nos últimos dias – a música (cujo lançamento está completando um ano) ganhou o prêmio de cancão cristã do ano no Prêmio Multishow, em uma versão com Kleber Lucas e Caetano Veloso.

Com a participação do cantor baiano, a música furou a bolha gospel e ganhou ouvintes que, provavelmente, não teria. Mas, paradoxalmente, gerou crítica entre os crentes. “Como um ateu pode cantar música de louvor a Deus?”, perguntam alguns. “Coisa da Globolixo”, comentam outros (o prêmio Multishow é promovido pelo canal homônimo de TV paga, que faz parte do grupo Globo).

Pastor Kleber Lucas e Caetano Veloso cantam 'Deus Cuida de Mim' Foto: Reprodução de Vídeo/YouTube/@CaetanoVelosoOficial

Em entrevistas, Caetano se confessa ateu e, volta e meia, fala da relação que tem com os evangélicos da família, os filhos Zeca e Tom. Em declarações públicas (e, inclusive, em entrevista ao Estadão), ele tem falado de um “preconceito pseudo-chique” contra os crentes.

Sensível e intimista, a versão atualizada da música é realmente bonita. E é um retrato das influências que o movimento evangélico vai enfrentar. Se, por muito tempo, via-se isolado e até execrado por parcelas da sociedade brasileira, hoje ele é mainstream. É aceito por muito mais gente, no mínimo, como parte relevante da sociedade.

Em consequência, haverá cada vez mais pessoas que não pertencem a esse movimento, mas que se veem próximas a ele por alguma coincidência ideológica ou comportamental. Ou (provavelmente mais comum) querem tirar partido dele, tendo como pressuposto que alguns evangélicos podem ser ingênuos em relação a abordagens políticas e de negócios. E isso se dá ainda que aquele “preconceito chique” de que falou Caetano esteja sempre presente. Ou até por causa dele...

Por outro lado, a aversão de parcelas do movimento evangélico à versão Lucas/Veloso da canção é algo que precisa ser entendido. Ela inclui algumas influências. Uma é a ideia de que, para ministrar louvor, é preciso crer, e esse não seria o caso de Caetano. Ela é verdadeira, mas observe-se que Caetano gravou em estúdio, não ministrou no púlpito, e isso faz diferença.

Cantores de todos os matizes, crentes ou não, costumam cantar Noite Santa nesses tempos que antecedem o Natal, e isso raramente causa alarde. E até cantores líricos costumam entoar hinos como Amazing Grace (Preciosa Graça em nossos hinários) em teatros, para plateias nem sempre interessadas em Deus. Elvis gravou louvores, Bono e o U2 mantêm o Salmo 40 (40) em seu setlist desde os anos 80, muitas vezes no encerramento dos shows.

Outra visão é política, e essa parece ter relevância nesse caso. Caetano identifica-se com a esquerda. Em 2016, fez campanha para Marcelo Freixo (então no PSOL) contra Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal. Kleber Lucas manifestou apoio a Lula na eleição passada. Cristãos alinhados com o bolsonarismo têm demonstrado uma tendência à reprovação em massa de qualquer um que não se alinhe a seus mitos (dentro e fora da igreja).

Alguns apontam, ainda, o viés de raça. Kleber Lucas é negro – como, aliás, 59% dos evangélicos do País, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada no início de 2020. E ousou discutir a questão racial na igreja em sua dissertação de mestrado em História na UFRJ, em que abordou ideias raciais em discursos e hinos batistas. E há outra questão. O pastor Lucas enfrentou três divórcios, o que é, com frequência, apontado por detratores. Isso é relevado no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está em seu terceiro casamento.

Deus cuida de mim foi um fenômeno nessa interação da cultura popular com o universo evangélico. Não é o único. Não será o último. Para os que vivem de polêmicas, sempre haverá algum herege à vista.

Quem frequenta igrejas evangélicas já deve ter ouvido os versos:

Deus cuida de mim na sombra das Suas asas

Deus cuida de mim eu amo a Sua casa

E não ando sozinho, não estou sozinho

Pois sei Deus cuida de mim

Esse é o refrão de Deus cuida de mim, lançada em 1999 pelo cantor e pastor Kleber Lucas. E talvez o leitor que não é evangélico tenha ouvido no rádio ou em algum vídeo nas redes sociais, ainda mais nos últimos dias – a música (cujo lançamento está completando um ano) ganhou o prêmio de cancão cristã do ano no Prêmio Multishow, em uma versão com Kleber Lucas e Caetano Veloso.

Com a participação do cantor baiano, a música furou a bolha gospel e ganhou ouvintes que, provavelmente, não teria. Mas, paradoxalmente, gerou crítica entre os crentes. “Como um ateu pode cantar música de louvor a Deus?”, perguntam alguns. “Coisa da Globolixo”, comentam outros (o prêmio Multishow é promovido pelo canal homônimo de TV paga, que faz parte do grupo Globo).

Pastor Kleber Lucas e Caetano Veloso cantam 'Deus Cuida de Mim' Foto: Reprodução de Vídeo/YouTube/@CaetanoVelosoOficial

Em entrevistas, Caetano se confessa ateu e, volta e meia, fala da relação que tem com os evangélicos da família, os filhos Zeca e Tom. Em declarações públicas (e, inclusive, em entrevista ao Estadão), ele tem falado de um “preconceito pseudo-chique” contra os crentes.

Sensível e intimista, a versão atualizada da música é realmente bonita. E é um retrato das influências que o movimento evangélico vai enfrentar. Se, por muito tempo, via-se isolado e até execrado por parcelas da sociedade brasileira, hoje ele é mainstream. É aceito por muito mais gente, no mínimo, como parte relevante da sociedade.

Em consequência, haverá cada vez mais pessoas que não pertencem a esse movimento, mas que se veem próximas a ele por alguma coincidência ideológica ou comportamental. Ou (provavelmente mais comum) querem tirar partido dele, tendo como pressuposto que alguns evangélicos podem ser ingênuos em relação a abordagens políticas e de negócios. E isso se dá ainda que aquele “preconceito chique” de que falou Caetano esteja sempre presente. Ou até por causa dele...

Por outro lado, a aversão de parcelas do movimento evangélico à versão Lucas/Veloso da canção é algo que precisa ser entendido. Ela inclui algumas influências. Uma é a ideia de que, para ministrar louvor, é preciso crer, e esse não seria o caso de Caetano. Ela é verdadeira, mas observe-se que Caetano gravou em estúdio, não ministrou no púlpito, e isso faz diferença.

Cantores de todos os matizes, crentes ou não, costumam cantar Noite Santa nesses tempos que antecedem o Natal, e isso raramente causa alarde. E até cantores líricos costumam entoar hinos como Amazing Grace (Preciosa Graça em nossos hinários) em teatros, para plateias nem sempre interessadas em Deus. Elvis gravou louvores, Bono e o U2 mantêm o Salmo 40 (40) em seu setlist desde os anos 80, muitas vezes no encerramento dos shows.

Outra visão é política, e essa parece ter relevância nesse caso. Caetano identifica-se com a esquerda. Em 2016, fez campanha para Marcelo Freixo (então no PSOL) contra Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal. Kleber Lucas manifestou apoio a Lula na eleição passada. Cristãos alinhados com o bolsonarismo têm demonstrado uma tendência à reprovação em massa de qualquer um que não se alinhe a seus mitos (dentro e fora da igreja).

Alguns apontam, ainda, o viés de raça. Kleber Lucas é negro – como, aliás, 59% dos evangélicos do País, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada no início de 2020. E ousou discutir a questão racial na igreja em sua dissertação de mestrado em História na UFRJ, em que abordou ideias raciais em discursos e hinos batistas. E há outra questão. O pastor Lucas enfrentou três divórcios, o que é, com frequência, apontado por detratores. Isso é relevado no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está em seu terceiro casamento.

Deus cuida de mim foi um fenômeno nessa interação da cultura popular com o universo evangélico. Não é o único. Não será o último. Para os que vivem de polêmicas, sempre haverá algum herege à vista.

Quem frequenta igrejas evangélicas já deve ter ouvido os versos:

Deus cuida de mim na sombra das Suas asas

Deus cuida de mim eu amo a Sua casa

E não ando sozinho, não estou sozinho

Pois sei Deus cuida de mim

Esse é o refrão de Deus cuida de mim, lançada em 1999 pelo cantor e pastor Kleber Lucas. E talvez o leitor que não é evangélico tenha ouvido no rádio ou em algum vídeo nas redes sociais, ainda mais nos últimos dias – a música (cujo lançamento está completando um ano) ganhou o prêmio de cancão cristã do ano no Prêmio Multishow, em uma versão com Kleber Lucas e Caetano Veloso.

Com a participação do cantor baiano, a música furou a bolha gospel e ganhou ouvintes que, provavelmente, não teria. Mas, paradoxalmente, gerou crítica entre os crentes. “Como um ateu pode cantar música de louvor a Deus?”, perguntam alguns. “Coisa da Globolixo”, comentam outros (o prêmio Multishow é promovido pelo canal homônimo de TV paga, que faz parte do grupo Globo).

Pastor Kleber Lucas e Caetano Veloso cantam 'Deus Cuida de Mim' Foto: Reprodução de Vídeo/YouTube/@CaetanoVelosoOficial

Em entrevistas, Caetano se confessa ateu e, volta e meia, fala da relação que tem com os evangélicos da família, os filhos Zeca e Tom. Em declarações públicas (e, inclusive, em entrevista ao Estadão), ele tem falado de um “preconceito pseudo-chique” contra os crentes.

Sensível e intimista, a versão atualizada da música é realmente bonita. E é um retrato das influências que o movimento evangélico vai enfrentar. Se, por muito tempo, via-se isolado e até execrado por parcelas da sociedade brasileira, hoje ele é mainstream. É aceito por muito mais gente, no mínimo, como parte relevante da sociedade.

Em consequência, haverá cada vez mais pessoas que não pertencem a esse movimento, mas que se veem próximas a ele por alguma coincidência ideológica ou comportamental. Ou (provavelmente mais comum) querem tirar partido dele, tendo como pressuposto que alguns evangélicos podem ser ingênuos em relação a abordagens políticas e de negócios. E isso se dá ainda que aquele “preconceito chique” de que falou Caetano esteja sempre presente. Ou até por causa dele...

Por outro lado, a aversão de parcelas do movimento evangélico à versão Lucas/Veloso da canção é algo que precisa ser entendido. Ela inclui algumas influências. Uma é a ideia de que, para ministrar louvor, é preciso crer, e esse não seria o caso de Caetano. Ela é verdadeira, mas observe-se que Caetano gravou em estúdio, não ministrou no púlpito, e isso faz diferença.

Cantores de todos os matizes, crentes ou não, costumam cantar Noite Santa nesses tempos que antecedem o Natal, e isso raramente causa alarde. E até cantores líricos costumam entoar hinos como Amazing Grace (Preciosa Graça em nossos hinários) em teatros, para plateias nem sempre interessadas em Deus. Elvis gravou louvores, Bono e o U2 mantêm o Salmo 40 (40) em seu setlist desde os anos 80, muitas vezes no encerramento dos shows.

Outra visão é política, e essa parece ter relevância nesse caso. Caetano identifica-se com a esquerda. Em 2016, fez campanha para Marcelo Freixo (então no PSOL) contra Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal. Kleber Lucas manifestou apoio a Lula na eleição passada. Cristãos alinhados com o bolsonarismo têm demonstrado uma tendência à reprovação em massa de qualquer um que não se alinhe a seus mitos (dentro e fora da igreja).

Alguns apontam, ainda, o viés de raça. Kleber Lucas é negro – como, aliás, 59% dos evangélicos do País, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada no início de 2020. E ousou discutir a questão racial na igreja em sua dissertação de mestrado em História na UFRJ, em que abordou ideias raciais em discursos e hinos batistas. E há outra questão. O pastor Lucas enfrentou três divórcios, o que é, com frequência, apontado por detratores. Isso é relevado no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está em seu terceiro casamento.

Deus cuida de mim foi um fenômeno nessa interação da cultura popular com o universo evangélico. Não é o único. Não será o último. Para os que vivem de polêmicas, sempre haverá algum herege à vista.

Quem frequenta igrejas evangélicas já deve ter ouvido os versos:

Deus cuida de mim na sombra das Suas asas

Deus cuida de mim eu amo a Sua casa

E não ando sozinho, não estou sozinho

Pois sei Deus cuida de mim

Esse é o refrão de Deus cuida de mim, lançada em 1999 pelo cantor e pastor Kleber Lucas. E talvez o leitor que não é evangélico tenha ouvido no rádio ou em algum vídeo nas redes sociais, ainda mais nos últimos dias – a música (cujo lançamento está completando um ano) ganhou o prêmio de cancão cristã do ano no Prêmio Multishow, em uma versão com Kleber Lucas e Caetano Veloso.

Com a participação do cantor baiano, a música furou a bolha gospel e ganhou ouvintes que, provavelmente, não teria. Mas, paradoxalmente, gerou crítica entre os crentes. “Como um ateu pode cantar música de louvor a Deus?”, perguntam alguns. “Coisa da Globolixo”, comentam outros (o prêmio Multishow é promovido pelo canal homônimo de TV paga, que faz parte do grupo Globo).

Pastor Kleber Lucas e Caetano Veloso cantam 'Deus Cuida de Mim' Foto: Reprodução de Vídeo/YouTube/@CaetanoVelosoOficial

Em entrevistas, Caetano se confessa ateu e, volta e meia, fala da relação que tem com os evangélicos da família, os filhos Zeca e Tom. Em declarações públicas (e, inclusive, em entrevista ao Estadão), ele tem falado de um “preconceito pseudo-chique” contra os crentes.

Sensível e intimista, a versão atualizada da música é realmente bonita. E é um retrato das influências que o movimento evangélico vai enfrentar. Se, por muito tempo, via-se isolado e até execrado por parcelas da sociedade brasileira, hoje ele é mainstream. É aceito por muito mais gente, no mínimo, como parte relevante da sociedade.

Em consequência, haverá cada vez mais pessoas que não pertencem a esse movimento, mas que se veem próximas a ele por alguma coincidência ideológica ou comportamental. Ou (provavelmente mais comum) querem tirar partido dele, tendo como pressuposto que alguns evangélicos podem ser ingênuos em relação a abordagens políticas e de negócios. E isso se dá ainda que aquele “preconceito chique” de que falou Caetano esteja sempre presente. Ou até por causa dele...

Por outro lado, a aversão de parcelas do movimento evangélico à versão Lucas/Veloso da canção é algo que precisa ser entendido. Ela inclui algumas influências. Uma é a ideia de que, para ministrar louvor, é preciso crer, e esse não seria o caso de Caetano. Ela é verdadeira, mas observe-se que Caetano gravou em estúdio, não ministrou no púlpito, e isso faz diferença.

Cantores de todos os matizes, crentes ou não, costumam cantar Noite Santa nesses tempos que antecedem o Natal, e isso raramente causa alarde. E até cantores líricos costumam entoar hinos como Amazing Grace (Preciosa Graça em nossos hinários) em teatros, para plateias nem sempre interessadas em Deus. Elvis gravou louvores, Bono e o U2 mantêm o Salmo 40 (40) em seu setlist desde os anos 80, muitas vezes no encerramento dos shows.

Outra visão é política, e essa parece ter relevância nesse caso. Caetano identifica-se com a esquerda. Em 2016, fez campanha para Marcelo Freixo (então no PSOL) contra Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal. Kleber Lucas manifestou apoio a Lula na eleição passada. Cristãos alinhados com o bolsonarismo têm demonstrado uma tendência à reprovação em massa de qualquer um que não se alinhe a seus mitos (dentro e fora da igreja).

Alguns apontam, ainda, o viés de raça. Kleber Lucas é negro – como, aliás, 59% dos evangélicos do País, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada no início de 2020. E ousou discutir a questão racial na igreja em sua dissertação de mestrado em História na UFRJ, em que abordou ideias raciais em discursos e hinos batistas. E há outra questão. O pastor Lucas enfrentou três divórcios, o que é, com frequência, apontado por detratores. Isso é relevado no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está em seu terceiro casamento.

Deus cuida de mim foi um fenômeno nessa interação da cultura popular com o universo evangélico. Não é o único. Não será o último. Para os que vivem de polêmicas, sempre haverá algum herege à vista.

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