Milena Pinto de Oliveira, também conhecida como Ebony, tem 23 anos e vem de Queimados (RJ), na Baixada Fluminense. Ela é cantora, compositora, rapper e trapper, mas prefere se dizer artista. E foi essa artista, com a caneta afiada, que lançou Espero que Entendam, música que tomou conta das redes sociais no último dia 15.
“Eu gosto muito de músicas que te movem fisicamente ou pelas quais você precisa expressar uma reação. Mesmo que seja um: ‘Que m****’. Gosto de músicas que você ouve e tem que falar algo, te tocam em um lugar que o silêncio não é uma opção”, conta ela ao Estadão.
Reações foram expressadas. Espero Que Entendam, que brinca e tece críticas a alguns dos maiores rappers do Brasil (BK’, Baco Exu do Blues, Filipe Ret, L7nnon, Djonga, Xamã...), já acumula mais de 500 mil visualizações com três dias de lançamento. Está em terceiro lugar entre as músicas em alta no YouTube Brasil. E claro, exigiu uma resposta de todos, gerando divulgação orgânica para a artista.
Hip-hop, sim, com a sabedoria de um bom marketing.
Mas Ebony não chegou agora. Milena era uma trancista de Queimados quando Ebony nasceu e, aos poucos, se tornou seu principal nome e ocupação. Com músicas gravadas no celular, ela fez sucesso no SoundCloud em 2018 e lançou seu primeiro disco, Visão Periférica, em 2021. De lá pra cá, ela cresceu e tem mais coisas a dizer.
“Eu tive um amadurecimento que iria acontecer de qualquer jeito. Comecei com 17 anos, foi literalmente virar adulta. Isso tudo aconteceu e eu já estava fazendo rap. Mudou a minha feminilidade, a minha forma de ver o mundo, de interagir com mulheres e homens. Eu mudei”.
Autopercepção é terapia. Em outubro, Ebony lançou Terapia, seu segundo álbum, que bateu quase dois milhões de plays em menos de um mês. Certeiro, o nome do disco rende várias interpretações: não só a de que ela está mais bem-resolvida e centrada, como a ideia de que, naquele espaço, é válido falar de tudo.
Sob diferentes beats, ela segue essa premissa. Brinca sobre diferentes assuntos, se permitindo rimar com a comicidade com que se consagrou. “Você some, parece meu pai”, canta ela na faixa-título. A personalidade da artista é essa: não há tópico (nem ela mesma, sua família, nem os outros) que escape à piada confiante.
“Às quartas, só pego branco”, declara ela em 100Mili – a mesma artista que já foi criticada por colegas negros por falar em prol da causa racial, mas namorar um homem branco.
“Eu sempre vim desse lugar de rir, porque eu acho que quando você fala das coisas rindo, você pode falar de qualquer coisa. Você pode literalmente sentar numa mesa de bar e conversar sobre qualquer assunto com qualquer pessoa, porque você tá disposta a levar aquilo de uma forma leve”, afirma.
Ebony
‘Espero que entendam, preciso provar meu ponto’
Ebony sabe que fica difícil criticá-la quando ela mesma já o faz. E essa identidade sarcástica fez com que ela lançasse Espero que Entendam sem sair de seu tom habitual. “Espero que vocês entendam, vida. Adoro as músicas [de vocês], mas preciso provar meu ponto”, diz ela no refrão.
A faixa pode ser entendida como uma diss track – termo popularizado no rap estadunidense para descrever faixas cujos versos zoam ou xingam outras pessoas, geralmente rappers. É um elemento comum, praticamente vital na cultura do hip-hop; quando bem utilizado, não é só uma crítica a um colega, como uma forma de se mostrar um compositor astuto, atento e crítico.
Numa cultura musical que se baseia na crítica, no duelo e na brincadeira, algo como uma diss track não ofende. Nada pessoal, espero que entendam.
“Roxanne Shante, na década de 80 pra 90, fez uma diss para todos os homens da cena. Em 90, a Lil’ Kim fez. E nos anos 2000, a Nicki Minaj fez”, conta Ebony. “Alguém tinha que fazer no Brasil. Então achei que deveria ser eu”.
Mas em um gênero musical predominantemente masculino, o alvo dela não eram as suas colegas. “Eu não compito com mulheres”, escreveu a artista no dia 13, dias antes de lançar a faixa. “Eu quero bater os números masculinos, eu compito com homens. Quero que percebam logo que minha caneta é melhor que a deles. BK, Borges, Major, Ret, L7, Djonga, Xamã, adoro vocês, mas vou matar todos. Espero que entendam”.
Esses artistas foram citados na música, claro. Mas Ebony ressalta que também não era tanto sobre eles – era sobre a “estrutura ao redor deles”.
“A gente percebe. A gente não é só Twitter, a gente interage com as pessoas, e vê como é o tratamento. Não dos artistas em específico, porque nenhuma das vezes foi sobre eles, mas toda a movimentação, articulação e a estrutura que se move ao redor deles por serem homens”, relata.
Ebony
“A gente é rapper e rappers fazem diss. É literalmente isso que a gente faz, faz parte. Então acho que já estava premeditado, alguém ia fazer. Eu só falei ‘Ah, vai ser eu’”.
Ao chamar a responsabilidade para si, Ebony deu o seu toque. “Eu coloquei coisas que acho engraçadas, que senti que tocavam em algum lugar”. Elencando grandes nomes da cena do rap, ela brincou sobre a idade, carreira e vida pública de seus colegas.
Veja trechos de Espero Que Entendam:
Amo BK porque ele é como um pai pra mim
Eu dou comida e troco a fralda, ele já tá velhinho
E o L7 que me espere porque p****, mano
Ainda nem me decidi se tu é preto ou branco
Soube que o Baco disse que eu sou superestimada por ser sudestina
Mas me botou nos melhores pra eu ver a rotina
No início achei que era onda
Aí ele foi e fez um feat com a Luísa Sonza
P****, vida, por favor se manca, sustenta tua banca
Eu nem sou tua namorada e me trocou por branca
‘Cada um tem a sua estratégia’
Para quem esperava uma batalha de diss, como acontece nos Estados Unidos, veio a decepção: nenhum dos rappers citados se propôs a dar uma resposta à altura.
Na verdade, um por um, eles mostraram (ou fingiram?) se divertir. Baco publicou que “foi brabo”. Filipe Ret, que foi acusado de fazer “rimas crise da meia idade aos 40 anos”, declarou que Ebony “amassou, tirou onda”. Ninguém rebateu. “Nós não estamos aqui para rebater, estamos aqui para voltar os olhares para as minas, para as pessoas que tem falta de oportunidade”, escreveu L7nnon.
Mas alguns fãs da artista não gostaram da recepção. Para eles, a atitude geral foi condescendente: responde-se crítica com crítica, diss com diss, não com elogios. Faz parte do jogo.
Ebony não se importou tanto, até porque muitos dos nomes citados são seus amigos. O verso sobre L7, por exemplo, surgiu de um diálogo entre eles. ”A gente estava em uma festa na Barra da Tijuca quando se conheceu, e ele estava conversando sobre raça. Ele ainda estava nesse lugar de se entender no Brasil, nesse lugar de miscigenação e tal”, conta. “E aí ele perguntou: ‘O que você acha que sou?’. Minha linha é só uma citação a esse momento”.
Para ela, é questão de estratégia. “Cada um tem a sua. Existe uma estratégia, tanto da minha parte, quanto da deles”, disse. “Essa música pode ser levada como uma diss, você pode ver ela como ofensa, como ela pode ser levada como um alerta com citações. E você pode ver isso como um papo, que você pode abraçar. Eu sinto que eles abraçaram o papo”.
Mas se quiserem, os citados têm todo direito à réplica. “Se eles quiserem fazer uma diss também, estarei lá presente, respondendo muito quente”, conclui Ebony, com um sorriso.