Eternamente comparado a si mesmo em seu período dourado no Led Zeppelin, o cantor inglês Robert Plant sempre foi acusado de ser hoje “inferior ao original”. Quando se foi homem de frente de uma banda lendária como o Zeppelin, é muito comum a cobrança implacável dos fãs.
Mas, em março, no Autódromo de Interlagos, um Robert Plant renascido capitaneia o Lollapalooza Festival com sua banda Sensational Space Shifters. O disco que lançou com o grupo no ano passado, Lullaby... and the Ceaseless Roar, é uma unanimidade crítica.
Em entrevista ao Estado, o músico de 66 anos usou a gíria “galera” para se referir ao público brasileiro, que diz que é espetacular. Afirmou que sua atual banda é “selvagem”, e que está celebrando a dádiva de poder excursionar com o grupo em tão bom momento.
Recém-divorciado, vivendo novamente na Inglaterra após um período nos Estados Unidos, o cantor diz que só canta canções do Led Zeppelin cujas letras façam sentido para ele atualmente – entre elas, estão Going to California e Whole Lotta Love. Entre as que não canta de jeito nenhum está incluído o maior hit da banda, Stairway to Heaven – cuja autoria está sendo questionada na Justiça americana por uma banda contemporânea do Zeppelin, o grupo Spirit.
“Acredito que tudo que é preciso para se criar um bom ambiente para a música é ser estimulado; para criar uma performance realmente excitante. E eu fui abençoado com o dom de criar isso, um tipo de Paraíso elétrico. Eu procuro ser extremamente sincero sobre minhas intenções musicais. É isso que eu faço, é o que tenho feito nos últimos 40 anos: tentar possibilitar momentos muito bons para a plateia.”
Sua turnê pelo Brasil passa pelo Rio de Janeiro (Citibank Hall, no dia 24 de março), Belo Horizonte (Chevrolet Hall, dia 26 de março) e desemboca no sábado, 28 de março, no Autódromo de Interlagos para o Lollapalooza.
A música bastarda. Nos estertores dos anos 1960, à frente do Led Zeppelin, Robert Plant mudou a face do rock’n’roll mundial com o peso de sua performance, uma espécie de materialização de um desejo perverso, sensual e fora de controle que ressoava (e ainda ressoa) em todas as plateias.
Hoje, as 66 anos, o britânico Robert Anthony Plant continua fiel a apenas um tipo de mandamento musical: nunca se acomodar nas glórias do passado. E, claro, mantém também a juba dourada, marca registrada de sua glória. A ironia característica, com a qual ele costuma castigar interlocutores, é um recurso ao qual nem sempre acha necessário recorrer. “Eu já tenho andado por aí há algum tempo, não sei quanto mais eu posso dizer a vocês. Ou o que mais vocês queiram não saber a meu respeito que já não saibam. Então, de vez em quando eu chuto alguns traseiros”, brincou, falando ao Estado por telefone, na sexta-feira.
Lullaby and... The Ceaseless Roar tem bluegrass, blues, country, mas ao mesmo tempo é nervoso, avançado, diferente do trabalho mais soft que fizera anteriormente com a cantora Alison Krauss (como no disco Raising Sand, de 2007, que ganhou 6 prêmios Grammy).
“O mais importante sempre é você manter um interesse verdadeiro sobre os gêneros, não apenas misturá-los por compulsão. Nada é puro nesse tipo de música bastarda, híbrida. Eu vejo a música como um bom coquetel, um belo drinque, um mélange de coisas cuja musicalidade resulta num bom sabor”, disse o cantor. A crítica saudou o álbum como notável, um exercício de “falsa nostalgia”, como escreveu um jornalista.
Ouvindo o disco com a banda Sensational Space Shifters, é possível perceber tanto o sabor do Sul dos Estados Unidos quanto um componente muito moderno, elétrico. Plant diz que não é um caçador de modernidade por excelência. “Na verdade, não estou procurando criar nada que não seja resultado da combinação dos músicos que eu tenho no momento”, explicou. “Eu tenho agora uma banda selvagem, e estou celebrando essa dádiva. Para se enriquecer musicalmente, às vezes vamos um pouco à frente no tempo, às vezes voltamos ao passado. Acredito que tudo que é preciso para se criar um bom ambiente para a música é ser estimulado; para criar uma performance realmente excitante. E eu fui abençoado com o dom de criar isso. É isso que eu faço, é o que tenho feito nos últimos 40 anos: tentar possibilitar momentos muito bons para a plateia”, afirmou.
Plant veio ao Brasil diversas vezes (já esteve aqui com Jimmy Page, para o Hollywood Rock, em 1994). Segundo conta, as coisas que o atraem no Brasil são “espírito e a alma” do País. “Na arena internacional, os músicos todos adoram tocar no Brasil, por causa da “galera” (usa a expressão em português). É viciante, e intenso. A reação é entusiasmante para o artista”, explica.
Plant prossegue mergulhado na garimpagem daquilo que se costuma chamar de “americana roots”, busca que se intensificou nos anos recentes em que viveu no Texas (estava casado com a cantora Patty Griffin, de quem se separou em 2013, voltando a viver em Worcestershire, Inglaterra, perto da fronteira com o País de Gales).
Nessa imersão na cultura sulista, apaixonou-se pelo que definiu como “uma infusão fundamental de blues, gospel e psicodelia inspirada pelas raízes musicais do Mississippi, dos Apalaches, de Gâmbia, de Bristol e das quebradas de Wolverhampton, delineados por uma vida de significado e viagem”.
Com seus companheiros atuais da banda The Sensational Space Shifters (o guitarrista Justin Adams, o tocador de ritti Juldeh Camara, o baixista Billy Fuller, o baterista e percussionista Dave Smith, o tecladista Johnny Baggott, que vem do Massive Attack, e o guitarrista Liam Tyson), ele parece ter conseguido cristalizar uma sonoridade com um balanço preciso de moderno e clássico.
O Led Zeppelin acabou em 1980, e Lullaby and... The Ceaseless Roar é o 10º disco solo da carreira do seu ex-vocalista. Plant costuma cantar diversos hits da antiga (e mitológica) banda no show, mas não os que a maioria espera. Ele mesmo trata de falar sobre o que é fundamental para que escolha o que cantar.
“Eu penso o seguinte: compus e escrevi letras. Para que eu as cante, eu tenho de ainda acreditar no que elas dizem, elas ainda têm de fazer sentido para mim. Eu também tenho de sentir que estou habilitado para apresentar essas coisas ao público, tenho de buscar a essência sob aquela canção. Quanto eu canto Baby I’m Gonna Leave You, que não é uma canção que eu compus, mas que eu amo, eu compreendo a emoção que ela transmite, eu a entendo e me sinto capaz de transmitir isso”.
Robert Plant comentou brevemente sobre o atentado que matou artistas do jornal Charlie Hebdo, em Paris. “Sabe, muito tempo atrás eu fui um jovem hippie que sonhou com a Paz no mundo. O que posso dizer é o quão triste fico com esses momentos, com esses atos que causam tanta dor. Essas coisas me deixam em grande confusão, não vejo um sentido para isso”.
Disco é momento raro na carreira de um artista maduro
Lullaby and... the Ceaseless Roar é um daqueles raros momentos na carreira de um músico em que ele acerta em quase tudo.
Revitaliza standards dos anos 1940, como Little Maggie, que ganha uma aceleração psicodélica na levada country, e o blues de Leadbelly, Poor Howard; revisita a tensão do seu blues anglocelta dos tempos do Led em Rainbow e Embrace another Fall; destrincha a própria experiência artístico-lisérgica em Turn it Up.
Plant é mais fiel ao Led Zeppelin do que jamais foi nesse álbum.
Um certo espaçamento temporal que não reside mais na simbiose de baixo e guitarra, como no Zeppelin, mas na música africana, é o condimento especial.
O tratamento é todo meio artesanal, acústico, mas há samples e loops espalhados por todas as canções, mesmo as mais contemplativas, como Somebody There.
O título do álbum está contido na linda balada pianística A Stolen Kiss, momento mais intimista do álbum, que de resto lembra mesmo uma fusão de Bo Diddley com U2, como comparou um fã.
Plant mostra, com Lullaby and... The Ceaseless Roar, que sua insistência em buscar um outro caminho que não fosse o que o projetou estava correta: ele acabou chegando ao mesmo lugar, mas por uma outra trilha. / J.M.