Psytrance em Israel: entenda a história e a cultura do festival de música que foi atacado pelo Hamas


Festa onde terroristas do Hamas mataram mais de 260 pessoas tocava ‘psytrance’, música eletrônica com inspiração na Índia e conexão brasileira, de estilo que remete ao dos hippies dos anos 1960 - um contraste total com o horror do sábado

Por Redação
Atualização:

Na rave onde foram mortas mais de 260 pessoas no sul de Israel, parte das vítimas do ataque terrorista do Hamas, não poderia haver um contraste maior entre o que os jovens viveram antes e depois do horror. Conhecer a história e o significado cultural do gênero de música eletrônica conhecido como “psytrance” ajuda a visualizar este choque trágico e inconcebível.

Em vídeos, é possível ver o cenário coberto de estátuas de Buda e mensagens de paz, enquanto frequentadores dos festivais fugiam de tiros. A decoração colorida, que remete a festivais hippies dos anos 1960, é igual à da festa Universo Paralello em sua edição original, no litoral da Bahia, criada por Juarez Petrillo, pai de Alok.

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Há essa conexão com o Brasil, onde existem milhares de fãs do gênero e eventos importantes como a Universo Paralello. Mas o psytrance tem origem e inspiração na Índia, uma história de escapismo de jovens israelenses saídos do serviço militar obrigatório, distantes do extremismo político e religioso, e uma inserção na cultura global e alternativa das raves.

O que são as festas de psytrance em Israel?

“O psytrance é um sub-sub gênero de música eletrônica. Há o trance, que é um gênero grande, e o trance psicodélico, uma abordagem mais lisérgica”, explica Camilo Rocha, jornalista e DJ, um dos pioneiros da cobertura da música eletrônica do Brasil. “Tem um coquetel de influências: synthpop, acid house… tudo isso foi entrando como influência para formar o psytrance”.

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Nesse formato psicodélico, o trance tem uma relação profunda com a cultura de Israel desde a virada dos anos 80 para 90. “No fim da década, deixou de existir a necessidade de visto para os israelenses entrarem na Índia”, contou Camilo. Entre os jovens, recém-liberados do serviço militar obrigatório, tornou-se comum o hábito de viajar para Goa, estado da Índia onde o subgênero começou – capitaneado por DJs europeus e brancos.

“Ir para Goa depois do serviço militar era quase um rito de passagem [para os israelenses]”, ressalta o jornalista.

Foto de divulgação do documentário 'Free People', sobre a cena do psytrance em Israel Foto: Divulgação / Haim Solomon / yes Docu
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O documentário Free People, sobre a cena de trance em Israel, mostra que o caráter escapista da música eletrônica atraiu os jovens militares. Para um dos frequentadores, “era uma forma de processar o trauma”, além de aliviar a tensão. Com isso, o psytrance saiu das praias de Goa e entrou para o país com força total já na década de 90.

Mas os amantes do gênero encontraram dificuldades para manter suas raves, realizadas em áreas remotas no país. Os eventos não agradavam as camadas mais conservadoras de Israel, em parte por alegar o consumo de drogas nos eventos, em parte pelas expressões visuais, artísticas e filosóficas das raves – que se ancoram na ideia de uma elevação espiritual. “Muitos eventos se apropriaram até de elementos religiosos da Índia”, lembrou Camilo. A rejeição local gerou até protestos, como o chamado “Give Trance A Chance” (dê uma chance ao trance).

Hoje, o país é um dos maiores importadores do subgênero, com festivais frequentes na região. Eventos como o Zorba Festival, Unity Rising Spirit e Tamar Festival ocorrem neste período de setembro e outubro, geralmente em áreas mais remotas e desérticas de Israel.

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Como são os festivais do país

Em redes sociais, o mero fato de o Universo Paralello ter acontecido em área próxima à Faixa de Gaza foi alvo de críticas. Contudo, além da imprevisibilidade do ataque, é impossível ficar totalmente distante de uma área delicada: o Estado de Israel é dez vezes menor que o estado de São Paulo, e já nasceu em complexa situação geopolítica.

Mas as experiências eram tranquilas em boa parte dos festivais. Uma brasileira, que preferiu não se identificar, contou ao Estadão que as raves eram, em sua maioria, “experiências lindas e pacíficas”. Ela é casada com um homem que viveu por toda a sua juventude no país, e morou de 2006 a 2008 e de 2013 a 2014 em Tel Aviv.

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Essa cultura é bem forte por lá já faz muito tempo. Famílias inteiras com crianças frequentam dias de festivais acampados, ‘de boa’...e são exatamente as pessoas mais pacifistas, menos religiosas, mais contra qualquer tipo de violência ou preconceito.

Imagem da festa Universo Paralello, festival criado de música eletrônica criado no Brasil Foto: @coletivaamente/Instagram/Reprodução

“Na mesma área [do Universo Paralello] eu fui quatro vezes, duas no Nataraj e duas no Zorba, e sempre foi das experiências mais lindas da vida, sempre muito pacifico, muito verdadeiro”, contou. “Festivais sem patrocinadores, mas com ótimas organizações e eventos, sempre numa vibe de paz e amor”.

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O público dos eventos é diverso. Em 1993, quando aconteceu o Tratado de Oslo e um aparente enfraquecimento da tensão na região, houve relatos de frequentadores palestinos. Até hoje há árabes nessas raves, além de outros grupos minoritários do país. A maior parte dos organizadores é composta por judeus Ashkenazi não religiosos. Já os frequentadores são de nacionalidades distintas – a globalização é uma marca desses eventos.

Para ela, muitos dos frequentadores israelenses não são extremistas: são, geralmente, socialmente engajados, sem conexão direta com o conflito entre Israel e Palestina.

“Gente do mundo inteiro chega para esses festivais”, lembrou a brasileira. “Judeus e não judeus frequentam. É pela música, pelos DJs, pelos workshops de dança e autotransformação, pelo céu do deserto à noite. Muita gente nova, da Europa, dos EUA e de outros lugares, que acaba aparecendo sempre. Então tem mais a ver com essa globalização cultural”.

O relato condiz com o de outra brasileira, Gabriela Barbosa, de 33, que estava na edição israelense da Universo Paralello, conseguiu fugir do ataque, e contou ao Estadão sobre sua experiência: “Essa tinha sido a única festa que gente tinha planejado de ir com certeza com nossos amigos, inclusive porque a gente ama muito ir à Universo Paralello no Brasil, e uma festa aqui ia ser muito especial. Todo mundo estava dançando, muito feliz da vida. Aí, de manhã, meu namorado olhou para o céu e falou: ‘São mísseis vindo de Gaza’”

Na rave onde foram mortas mais de 260 pessoas no sul de Israel, parte das vítimas do ataque terrorista do Hamas, não poderia haver um contraste maior entre o que os jovens viveram antes e depois do horror. Conhecer a história e o significado cultural do gênero de música eletrônica conhecido como “psytrance” ajuda a visualizar este choque trágico e inconcebível.

Em vídeos, é possível ver o cenário coberto de estátuas de Buda e mensagens de paz, enquanto frequentadores dos festivais fugiam de tiros. A decoração colorida, que remete a festivais hippies dos anos 1960, é igual à da festa Universo Paralello em sua edição original, no litoral da Bahia, criada por Juarez Petrillo, pai de Alok.

Há essa conexão com o Brasil, onde existem milhares de fãs do gênero e eventos importantes como a Universo Paralello. Mas o psytrance tem origem e inspiração na Índia, uma história de escapismo de jovens israelenses saídos do serviço militar obrigatório, distantes do extremismo político e religioso, e uma inserção na cultura global e alternativa das raves.

O que são as festas de psytrance em Israel?

“O psytrance é um sub-sub gênero de música eletrônica. Há o trance, que é um gênero grande, e o trance psicodélico, uma abordagem mais lisérgica”, explica Camilo Rocha, jornalista e DJ, um dos pioneiros da cobertura da música eletrônica do Brasil. “Tem um coquetel de influências: synthpop, acid house… tudo isso foi entrando como influência para formar o psytrance”.

Nesse formato psicodélico, o trance tem uma relação profunda com a cultura de Israel desde a virada dos anos 80 para 90. “No fim da década, deixou de existir a necessidade de visto para os israelenses entrarem na Índia”, contou Camilo. Entre os jovens, recém-liberados do serviço militar obrigatório, tornou-se comum o hábito de viajar para Goa, estado da Índia onde o subgênero começou – capitaneado por DJs europeus e brancos.

“Ir para Goa depois do serviço militar era quase um rito de passagem [para os israelenses]”, ressalta o jornalista.

Foto de divulgação do documentário 'Free People', sobre a cena do psytrance em Israel Foto: Divulgação / Haim Solomon / yes Docu

O documentário Free People, sobre a cena de trance em Israel, mostra que o caráter escapista da música eletrônica atraiu os jovens militares. Para um dos frequentadores, “era uma forma de processar o trauma”, além de aliviar a tensão. Com isso, o psytrance saiu das praias de Goa e entrou para o país com força total já na década de 90.

Mas os amantes do gênero encontraram dificuldades para manter suas raves, realizadas em áreas remotas no país. Os eventos não agradavam as camadas mais conservadoras de Israel, em parte por alegar o consumo de drogas nos eventos, em parte pelas expressões visuais, artísticas e filosóficas das raves – que se ancoram na ideia de uma elevação espiritual. “Muitos eventos se apropriaram até de elementos religiosos da Índia”, lembrou Camilo. A rejeição local gerou até protestos, como o chamado “Give Trance A Chance” (dê uma chance ao trance).

Hoje, o país é um dos maiores importadores do subgênero, com festivais frequentes na região. Eventos como o Zorba Festival, Unity Rising Spirit e Tamar Festival ocorrem neste período de setembro e outubro, geralmente em áreas mais remotas e desérticas de Israel.

Como são os festivais do país

Em redes sociais, o mero fato de o Universo Paralello ter acontecido em área próxima à Faixa de Gaza foi alvo de críticas. Contudo, além da imprevisibilidade do ataque, é impossível ficar totalmente distante de uma área delicada: o Estado de Israel é dez vezes menor que o estado de São Paulo, e já nasceu em complexa situação geopolítica.

Mas as experiências eram tranquilas em boa parte dos festivais. Uma brasileira, que preferiu não se identificar, contou ao Estadão que as raves eram, em sua maioria, “experiências lindas e pacíficas”. Ela é casada com um homem que viveu por toda a sua juventude no país, e morou de 2006 a 2008 e de 2013 a 2014 em Tel Aviv.

Essa cultura é bem forte por lá já faz muito tempo. Famílias inteiras com crianças frequentam dias de festivais acampados, ‘de boa’...e são exatamente as pessoas mais pacifistas, menos religiosas, mais contra qualquer tipo de violência ou preconceito.

Imagem da festa Universo Paralello, festival criado de música eletrônica criado no Brasil Foto: @coletivaamente/Instagram/Reprodução

“Na mesma área [do Universo Paralello] eu fui quatro vezes, duas no Nataraj e duas no Zorba, e sempre foi das experiências mais lindas da vida, sempre muito pacifico, muito verdadeiro”, contou. “Festivais sem patrocinadores, mas com ótimas organizações e eventos, sempre numa vibe de paz e amor”.

O público dos eventos é diverso. Em 1993, quando aconteceu o Tratado de Oslo e um aparente enfraquecimento da tensão na região, houve relatos de frequentadores palestinos. Até hoje há árabes nessas raves, além de outros grupos minoritários do país. A maior parte dos organizadores é composta por judeus Ashkenazi não religiosos. Já os frequentadores são de nacionalidades distintas – a globalização é uma marca desses eventos.

Para ela, muitos dos frequentadores israelenses não são extremistas: são, geralmente, socialmente engajados, sem conexão direta com o conflito entre Israel e Palestina.

“Gente do mundo inteiro chega para esses festivais”, lembrou a brasileira. “Judeus e não judeus frequentam. É pela música, pelos DJs, pelos workshops de dança e autotransformação, pelo céu do deserto à noite. Muita gente nova, da Europa, dos EUA e de outros lugares, que acaba aparecendo sempre. Então tem mais a ver com essa globalização cultural”.

O relato condiz com o de outra brasileira, Gabriela Barbosa, de 33, que estava na edição israelense da Universo Paralello, conseguiu fugir do ataque, e contou ao Estadão sobre sua experiência: “Essa tinha sido a única festa que gente tinha planejado de ir com certeza com nossos amigos, inclusive porque a gente ama muito ir à Universo Paralello no Brasil, e uma festa aqui ia ser muito especial. Todo mundo estava dançando, muito feliz da vida. Aí, de manhã, meu namorado olhou para o céu e falou: ‘São mísseis vindo de Gaza’”

Na rave onde foram mortas mais de 260 pessoas no sul de Israel, parte das vítimas do ataque terrorista do Hamas, não poderia haver um contraste maior entre o que os jovens viveram antes e depois do horror. Conhecer a história e o significado cultural do gênero de música eletrônica conhecido como “psytrance” ajuda a visualizar este choque trágico e inconcebível.

Em vídeos, é possível ver o cenário coberto de estátuas de Buda e mensagens de paz, enquanto frequentadores dos festivais fugiam de tiros. A decoração colorida, que remete a festivais hippies dos anos 1960, é igual à da festa Universo Paralello em sua edição original, no litoral da Bahia, criada por Juarez Petrillo, pai de Alok.

Há essa conexão com o Brasil, onde existem milhares de fãs do gênero e eventos importantes como a Universo Paralello. Mas o psytrance tem origem e inspiração na Índia, uma história de escapismo de jovens israelenses saídos do serviço militar obrigatório, distantes do extremismo político e religioso, e uma inserção na cultura global e alternativa das raves.

O que são as festas de psytrance em Israel?

“O psytrance é um sub-sub gênero de música eletrônica. Há o trance, que é um gênero grande, e o trance psicodélico, uma abordagem mais lisérgica”, explica Camilo Rocha, jornalista e DJ, um dos pioneiros da cobertura da música eletrônica do Brasil. “Tem um coquetel de influências: synthpop, acid house… tudo isso foi entrando como influência para formar o psytrance”.

Nesse formato psicodélico, o trance tem uma relação profunda com a cultura de Israel desde a virada dos anos 80 para 90. “No fim da década, deixou de existir a necessidade de visto para os israelenses entrarem na Índia”, contou Camilo. Entre os jovens, recém-liberados do serviço militar obrigatório, tornou-se comum o hábito de viajar para Goa, estado da Índia onde o subgênero começou – capitaneado por DJs europeus e brancos.

“Ir para Goa depois do serviço militar era quase um rito de passagem [para os israelenses]”, ressalta o jornalista.

Foto de divulgação do documentário 'Free People', sobre a cena do psytrance em Israel Foto: Divulgação / Haim Solomon / yes Docu

O documentário Free People, sobre a cena de trance em Israel, mostra que o caráter escapista da música eletrônica atraiu os jovens militares. Para um dos frequentadores, “era uma forma de processar o trauma”, além de aliviar a tensão. Com isso, o psytrance saiu das praias de Goa e entrou para o país com força total já na década de 90.

Mas os amantes do gênero encontraram dificuldades para manter suas raves, realizadas em áreas remotas no país. Os eventos não agradavam as camadas mais conservadoras de Israel, em parte por alegar o consumo de drogas nos eventos, em parte pelas expressões visuais, artísticas e filosóficas das raves – que se ancoram na ideia de uma elevação espiritual. “Muitos eventos se apropriaram até de elementos religiosos da Índia”, lembrou Camilo. A rejeição local gerou até protestos, como o chamado “Give Trance A Chance” (dê uma chance ao trance).

Hoje, o país é um dos maiores importadores do subgênero, com festivais frequentes na região. Eventos como o Zorba Festival, Unity Rising Spirit e Tamar Festival ocorrem neste período de setembro e outubro, geralmente em áreas mais remotas e desérticas de Israel.

Como são os festivais do país

Em redes sociais, o mero fato de o Universo Paralello ter acontecido em área próxima à Faixa de Gaza foi alvo de críticas. Contudo, além da imprevisibilidade do ataque, é impossível ficar totalmente distante de uma área delicada: o Estado de Israel é dez vezes menor que o estado de São Paulo, e já nasceu em complexa situação geopolítica.

Mas as experiências eram tranquilas em boa parte dos festivais. Uma brasileira, que preferiu não se identificar, contou ao Estadão que as raves eram, em sua maioria, “experiências lindas e pacíficas”. Ela é casada com um homem que viveu por toda a sua juventude no país, e morou de 2006 a 2008 e de 2013 a 2014 em Tel Aviv.

Essa cultura é bem forte por lá já faz muito tempo. Famílias inteiras com crianças frequentam dias de festivais acampados, ‘de boa’...e são exatamente as pessoas mais pacifistas, menos religiosas, mais contra qualquer tipo de violência ou preconceito.

Imagem da festa Universo Paralello, festival criado de música eletrônica criado no Brasil Foto: @coletivaamente/Instagram/Reprodução

“Na mesma área [do Universo Paralello] eu fui quatro vezes, duas no Nataraj e duas no Zorba, e sempre foi das experiências mais lindas da vida, sempre muito pacifico, muito verdadeiro”, contou. “Festivais sem patrocinadores, mas com ótimas organizações e eventos, sempre numa vibe de paz e amor”.

O público dos eventos é diverso. Em 1993, quando aconteceu o Tratado de Oslo e um aparente enfraquecimento da tensão na região, houve relatos de frequentadores palestinos. Até hoje há árabes nessas raves, além de outros grupos minoritários do país. A maior parte dos organizadores é composta por judeus Ashkenazi não religiosos. Já os frequentadores são de nacionalidades distintas – a globalização é uma marca desses eventos.

Para ela, muitos dos frequentadores israelenses não são extremistas: são, geralmente, socialmente engajados, sem conexão direta com o conflito entre Israel e Palestina.

“Gente do mundo inteiro chega para esses festivais”, lembrou a brasileira. “Judeus e não judeus frequentam. É pela música, pelos DJs, pelos workshops de dança e autotransformação, pelo céu do deserto à noite. Muita gente nova, da Europa, dos EUA e de outros lugares, que acaba aparecendo sempre. Então tem mais a ver com essa globalização cultural”.

O relato condiz com o de outra brasileira, Gabriela Barbosa, de 33, que estava na edição israelense da Universo Paralello, conseguiu fugir do ataque, e contou ao Estadão sobre sua experiência: “Essa tinha sido a única festa que gente tinha planejado de ir com certeza com nossos amigos, inclusive porque a gente ama muito ir à Universo Paralello no Brasil, e uma festa aqui ia ser muito especial. Todo mundo estava dançando, muito feliz da vida. Aí, de manhã, meu namorado olhou para o céu e falou: ‘São mísseis vindo de Gaza’”

Na rave onde foram mortas mais de 260 pessoas no sul de Israel, parte das vítimas do ataque terrorista do Hamas, não poderia haver um contraste maior entre o que os jovens viveram antes e depois do horror. Conhecer a história e o significado cultural do gênero de música eletrônica conhecido como “psytrance” ajuda a visualizar este choque trágico e inconcebível.

Em vídeos, é possível ver o cenário coberto de estátuas de Buda e mensagens de paz, enquanto frequentadores dos festivais fugiam de tiros. A decoração colorida, que remete a festivais hippies dos anos 1960, é igual à da festa Universo Paralello em sua edição original, no litoral da Bahia, criada por Juarez Petrillo, pai de Alok.

Há essa conexão com o Brasil, onde existem milhares de fãs do gênero e eventos importantes como a Universo Paralello. Mas o psytrance tem origem e inspiração na Índia, uma história de escapismo de jovens israelenses saídos do serviço militar obrigatório, distantes do extremismo político e religioso, e uma inserção na cultura global e alternativa das raves.

O que são as festas de psytrance em Israel?

“O psytrance é um sub-sub gênero de música eletrônica. Há o trance, que é um gênero grande, e o trance psicodélico, uma abordagem mais lisérgica”, explica Camilo Rocha, jornalista e DJ, um dos pioneiros da cobertura da música eletrônica do Brasil. “Tem um coquetel de influências: synthpop, acid house… tudo isso foi entrando como influência para formar o psytrance”.

Nesse formato psicodélico, o trance tem uma relação profunda com a cultura de Israel desde a virada dos anos 80 para 90. “No fim da década, deixou de existir a necessidade de visto para os israelenses entrarem na Índia”, contou Camilo. Entre os jovens, recém-liberados do serviço militar obrigatório, tornou-se comum o hábito de viajar para Goa, estado da Índia onde o subgênero começou – capitaneado por DJs europeus e brancos.

“Ir para Goa depois do serviço militar era quase um rito de passagem [para os israelenses]”, ressalta o jornalista.

Foto de divulgação do documentário 'Free People', sobre a cena do psytrance em Israel Foto: Divulgação / Haim Solomon / yes Docu

O documentário Free People, sobre a cena de trance em Israel, mostra que o caráter escapista da música eletrônica atraiu os jovens militares. Para um dos frequentadores, “era uma forma de processar o trauma”, além de aliviar a tensão. Com isso, o psytrance saiu das praias de Goa e entrou para o país com força total já na década de 90.

Mas os amantes do gênero encontraram dificuldades para manter suas raves, realizadas em áreas remotas no país. Os eventos não agradavam as camadas mais conservadoras de Israel, em parte por alegar o consumo de drogas nos eventos, em parte pelas expressões visuais, artísticas e filosóficas das raves – que se ancoram na ideia de uma elevação espiritual. “Muitos eventos se apropriaram até de elementos religiosos da Índia”, lembrou Camilo. A rejeição local gerou até protestos, como o chamado “Give Trance A Chance” (dê uma chance ao trance).

Hoje, o país é um dos maiores importadores do subgênero, com festivais frequentes na região. Eventos como o Zorba Festival, Unity Rising Spirit e Tamar Festival ocorrem neste período de setembro e outubro, geralmente em áreas mais remotas e desérticas de Israel.

Como são os festivais do país

Em redes sociais, o mero fato de o Universo Paralello ter acontecido em área próxima à Faixa de Gaza foi alvo de críticas. Contudo, além da imprevisibilidade do ataque, é impossível ficar totalmente distante de uma área delicada: o Estado de Israel é dez vezes menor que o estado de São Paulo, e já nasceu em complexa situação geopolítica.

Mas as experiências eram tranquilas em boa parte dos festivais. Uma brasileira, que preferiu não se identificar, contou ao Estadão que as raves eram, em sua maioria, “experiências lindas e pacíficas”. Ela é casada com um homem que viveu por toda a sua juventude no país, e morou de 2006 a 2008 e de 2013 a 2014 em Tel Aviv.

Essa cultura é bem forte por lá já faz muito tempo. Famílias inteiras com crianças frequentam dias de festivais acampados, ‘de boa’...e são exatamente as pessoas mais pacifistas, menos religiosas, mais contra qualquer tipo de violência ou preconceito.

Imagem da festa Universo Paralello, festival criado de música eletrônica criado no Brasil Foto: @coletivaamente/Instagram/Reprodução

“Na mesma área [do Universo Paralello] eu fui quatro vezes, duas no Nataraj e duas no Zorba, e sempre foi das experiências mais lindas da vida, sempre muito pacifico, muito verdadeiro”, contou. “Festivais sem patrocinadores, mas com ótimas organizações e eventos, sempre numa vibe de paz e amor”.

O público dos eventos é diverso. Em 1993, quando aconteceu o Tratado de Oslo e um aparente enfraquecimento da tensão na região, houve relatos de frequentadores palestinos. Até hoje há árabes nessas raves, além de outros grupos minoritários do país. A maior parte dos organizadores é composta por judeus Ashkenazi não religiosos. Já os frequentadores são de nacionalidades distintas – a globalização é uma marca desses eventos.

Para ela, muitos dos frequentadores israelenses não são extremistas: são, geralmente, socialmente engajados, sem conexão direta com o conflito entre Israel e Palestina.

“Gente do mundo inteiro chega para esses festivais”, lembrou a brasileira. “Judeus e não judeus frequentam. É pela música, pelos DJs, pelos workshops de dança e autotransformação, pelo céu do deserto à noite. Muita gente nova, da Europa, dos EUA e de outros lugares, que acaba aparecendo sempre. Então tem mais a ver com essa globalização cultural”.

O relato condiz com o de outra brasileira, Gabriela Barbosa, de 33, que estava na edição israelense da Universo Paralello, conseguiu fugir do ataque, e contou ao Estadão sobre sua experiência: “Essa tinha sido a única festa que gente tinha planejado de ir com certeza com nossos amigos, inclusive porque a gente ama muito ir à Universo Paralello no Brasil, e uma festa aqui ia ser muito especial. Todo mundo estava dançando, muito feliz da vida. Aí, de manhã, meu namorado olhou para o céu e falou: ‘São mísseis vindo de Gaza’”

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