Análise|Entre despedidas e reencontros, quando uma turnê é uma armadilha para o fã?


Shows de despedida - e, posteriormente, de retorno - comovem o público e se mostram uma estratégia lucrativa para o mercado brasileiro, que parece ter aprendido com as ‘farewell tours’ internacionais. Nesta terça, 27, os irmãos Gallagher anunciaram shows depois de 15 anos separados

Por Damy Coelho
Atualização:
Show dos Titãs durante o festival Lollapalooza Brasil 2024 Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Poucas vezes o mercado de shows brasileiros esteve tão aquecido. Somente neste primeiro trimestre, turnês de despedida já foram anunciadas para a comoção dos fãs, que se digladiam por um ingresso caro na fila - presencial ou online, não importa - e surpresa daquele artista que há muito não emplaca um hit. De repente, os ingressos para seu show estão esgotados. O que explica?

A pressão do último adeus, que faz até o fã mais comedido considerar pagar o valor de algumas cestas básicas em um ingresso – isso, se conseguir enfrentar a concorrência – é a resposta mais óbvia. Sacrifícios serão cometidos para um fã ver seu ídolo, seja pela primeira vez do artista no País – como aconteceu na Eras Tour de Taylor Swift – ou na última. E o mercado de shows já entendeu isso. São muitos os anúncios que movimentam as redes sociais e, ocasionalmente, fazem cair os sites de vendas de ingresso.

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No Brasil, alguns exemplos recentes mostram que o mercado brasileiro aprendeu direitinho.

O Sepultura, uma das mais influentes bandas de metal do mundo, anunciou a despedida após 40 anos de estrada - com todos os shows esgotados.

O mesmo vem acontecendo com o Natiruts, famosa banda de reggae nacional que emplacou alguns hits em 30 anos de carreira, mas não contou com grandes lançamentos nos últimos anos. Ainda assim, esgotaram três datas no Allianz Park, em São Paulo, com a tour Leve Com Você. O preço mais acessível dos ingressos, com opções a partir de 50 reais (meia entrada), pode explicar o sucesso. O valor ajuda a atrair o público e torna a experiência um pouco mais inclusiva - ainda que seja um show setorizado (quem optar pela pista Premium desembolsa pouco menos de 400 reais).

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Em 2023, os Titãs – que nunca, de fato, acabaram – voltaram aos palcos com a formação original na turnê Titãs Encontros - Pra Dizer Adeus, também com ingressos esgotados.

O músico Alexandre Carlo, líder da banda Natiruts Foto: @cria.mov

Recentemente, Gilberto Gil anunciou a derradeira turnê que vendeu mais de 200 mil ingressos, fazendo com que a produção incluísse mais dois shows no Rio de Janeiro. Nada surpreendente, se tratando de um dos maiores artistas da MPB que escolheu se despedir das grandes excursões, assim como fez Milton Nascimento em 2023. Ao Estadão, Gil disse estar “em paz” com a decisão de se afastar das turnês:

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“Eu acho que é a hora de dar uma freada nesse processo que se tornou regular de excursões sucessivas e intensas. Por causa, especialmente, do tempo. A passagem do tempo mesmo, a idade, a necessidade de ficar em casa, [ter] dedicações outras, [ficar] mais dedicável a outras coisas e não só a essa exigência da aceleração [da rotina de shows]. E as próprias contingências de mercado. Eu não sou mais um artista da vez, não é?”, disse.

Eu voltei

Fãs da banda Los Hermanos já estão acostumados com despedidas e reencontros. Desde 2007, quando anunciaram o inesquecível “hiato por tempo indeterminado”, a banda realiza shows de “retorno”. Para os fãs, não importa. A experiência de ver a banda ao vivo - que, de fato, promove shows carregados de emoção do público – é maior que qualquer estratégia de marketing.

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Enquanto escrevia, me lembrei da turnê do Oasis em 2009 que passou pelo Brasil - aquela que ninguém sabia que seria a última. Meses depois, os irmãos Gallagher anunciaram o fim da banda. Para quem desdenhou dos shows - como eu - ficou o gosto amargo do arrependimento. Nestes últimos dias, porém, o burburinho de que o Oasis voltaria para uma turnê se espalhou, confirmando-se nesta terça, 27. Assim como no anúncio do fim da banda, ninguém estava esperando. Mas, após 15 anos de jejum, soa como uma oportunidade única, uma segunda chance. Alguém duvida que a turnê será um sucesso?

Oasis retorna aos palcos após 15 anos. Foto: Reprodução/@oasis via Instagram
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A turnê de retorno já é considerada sucesso garantido, até nos casos mais polêmicos, como o da dupla Victor e Leo. A dupla anunciou o fim em 2018, após as denúncias de agressão de Victor contra a esposa grávida. Em 2023, os irmãos anunciaram o retorno aos palcos, ainda que ninguém tivesse pedido. Segundo o jornalista Gabriel Vaquer, a divulgação dos shows nos programas de TV ficou prejudicada porque a dupla estaria sofrendo boicote nos bastidores. Com ou sem boicote, especula-se que a dupla já tenha faturado 70 milhões de reais antes mesmo de precisar pisar nos palcos.

Show do Titãs: sucesso de público na tour de despedida Foto: Pridia

Não aprendi a dizer adeus

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A comoção em torno da despedida sempre gerou lucro para a indústria musical. Basta anunciar que aquela turnê será a última da carreira que fãs são tomados por uma espécie de nostalgia precipitada. Ainda que não escute aquele álbum há 20 anos, é importante celebrá-lo, afinal de contas, ninguém quer ser tomado pela sensação de arrependimento iminente.

... Mas tenho que aceitar

Quando um fã se depara com o derradeiro show de sua ex-banda favorita ou com um festival imperdível, já sabe que sacrifícios serão cometidos. O pesquisador Steven Brown fez um estudo sobre o comportamento do público, e fez-se a seguinte pergunta: por que vamos a shows? Ele chega a uma conclusão curiosa. Em sua pesquisa quantitativa com fãs de música – muitos deles, universitários – o preço do ingresso, por mais alto que pudesse ser, não foi empecilho para a compra. Isso porque a experiência de ouvir o artista favorito ao vivo oferece outras vantagens que compensam a dor no bolso.

É claro que o cenário econômico do Brasil é bem diferente, com ingressos que chegam a bater a casa dos 3 dígitos – na opção meet and greet, quando o ingresso dá a possibilidade de conhecer o ídolo, os valores passam os R$ 1 mil, como no caso do Titãs ou Sepultura.

Isso torna a situação por aqui ainda mais delicada, pois endividar-se para comprar um ingresso pode ser um problema ainda maior. Mas, ainda assim, fãs se comprometem com seus ídolos comprando ingressos, dividindo em muitas parcelas no cartão de crédito ou acumulando dívidas difíceis de serem quitadas.

Isso porque, além do medo do arrependimento, há também o fator experiência ao vivo. Ainda que possamos ir a um show sozinhos, sabemos que não estamos sós, de fato. Naquele local, há pessoas que compartilham das mesmas paixões. Que vão compartilhar conosco um momento que se tornará inesquecível, e sempre será revivido, seja na memória ou como tópico em uma conversa entre amigos. A música ao vivo oferece aos fãs uma experiência especial pela qual muitos estão dispostos a pagar. Ainda que isso resulte em um outro encontro inesquecível (com o Serasa).

Farewell tour

Os shows de despedida podem parecer uma tendência no Brasil, mas sempre foram uma estratégia que deu certo no mercado internacional. A banda Kiss, por exemplo, já faturou tanto com uma turnê de despedida que decidiu fazer outra, 20 anos depois.

A Farewell Yellow Brick Road, de Elton John, faturou nada menos que U$900 milhões de dólares em ingressos vendidos. O Slayer lucrou mais de U$10 milhões de dólares – somente com os produtos da banda! – desde o anúncio da turnê de despedida. Vai-se a banda, ficam as lembranças.

O mercado das turnês inspirou uma campanha publicitária até para o MCDonald‘s – a rede de lanchonetes anunciou a despedida do McRib, causando comoção entre os fãs norte-americanos do sanduíche. Tudo fazia parte de uma estratégia de marketing, já que, menos de um depois, a rede anunciou a “turnê de retorno” do sanduíche. Alguns zombaram que o McRibs seria como a Cher – sempre estaria disposta a voltar. Mas, que estratégia era essa? A rede de sanduíches estaria zombando de seus consumidores? Provavelmente, sim. Mas o lucro foi garantido.

Quando o quesito é música, infelizmente, não restam muitas opções aos fãs. O mercado de shows é lucrativo e o retorno financeiro compensa os desgastes com o público, afinal, sempre haverá quem pague. Enquanto isso, podemos ser vítimas de golpes de toda a sorte, seja de venda de ingressos nas redes sociais, ou falsos, na mão de cambistas. Cabe a nós nos protegermos e, às empresas, garantirem os direitos do consumidor sem praticar preços abusivos.

Também não dá só para demonizar essa “indústria” das turnês de despedida. Afinal, é louvável quando um artista sabe a hora de parar. Não há nenhum problema em um músico querer celebrar seu legado com o público que sempre o acompanhou. Despedidas podem ser dolorosas, mas ir embora sem chance de dizer adeus pode ser ainda pior.

Enquanto existirem fãs, as turnês de despedida serão uma opção para aproximar público e artista. Contanto que a já manjada estratégia de marketing não seja abusiva ou enganadora para aqueles que estejam de coração aberto para embarcar nela.

Show dos Titãs durante o festival Lollapalooza Brasil 2024 Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Poucas vezes o mercado de shows brasileiros esteve tão aquecido. Somente neste primeiro trimestre, turnês de despedida já foram anunciadas para a comoção dos fãs, que se digladiam por um ingresso caro na fila - presencial ou online, não importa - e surpresa daquele artista que há muito não emplaca um hit. De repente, os ingressos para seu show estão esgotados. O que explica?

A pressão do último adeus, que faz até o fã mais comedido considerar pagar o valor de algumas cestas básicas em um ingresso – isso, se conseguir enfrentar a concorrência – é a resposta mais óbvia. Sacrifícios serão cometidos para um fã ver seu ídolo, seja pela primeira vez do artista no País – como aconteceu na Eras Tour de Taylor Swift – ou na última. E o mercado de shows já entendeu isso. São muitos os anúncios que movimentam as redes sociais e, ocasionalmente, fazem cair os sites de vendas de ingresso.

No Brasil, alguns exemplos recentes mostram que o mercado brasileiro aprendeu direitinho.

O Sepultura, uma das mais influentes bandas de metal do mundo, anunciou a despedida após 40 anos de estrada - com todos os shows esgotados.

O mesmo vem acontecendo com o Natiruts, famosa banda de reggae nacional que emplacou alguns hits em 30 anos de carreira, mas não contou com grandes lançamentos nos últimos anos. Ainda assim, esgotaram três datas no Allianz Park, em São Paulo, com a tour Leve Com Você. O preço mais acessível dos ingressos, com opções a partir de 50 reais (meia entrada), pode explicar o sucesso. O valor ajuda a atrair o público e torna a experiência um pouco mais inclusiva - ainda que seja um show setorizado (quem optar pela pista Premium desembolsa pouco menos de 400 reais).

Em 2023, os Titãs – que nunca, de fato, acabaram – voltaram aos palcos com a formação original na turnê Titãs Encontros - Pra Dizer Adeus, também com ingressos esgotados.

O músico Alexandre Carlo, líder da banda Natiruts Foto: @cria.mov

Recentemente, Gilberto Gil anunciou a derradeira turnê que vendeu mais de 200 mil ingressos, fazendo com que a produção incluísse mais dois shows no Rio de Janeiro. Nada surpreendente, se tratando de um dos maiores artistas da MPB que escolheu se despedir das grandes excursões, assim como fez Milton Nascimento em 2023. Ao Estadão, Gil disse estar “em paz” com a decisão de se afastar das turnês:

“Eu acho que é a hora de dar uma freada nesse processo que se tornou regular de excursões sucessivas e intensas. Por causa, especialmente, do tempo. A passagem do tempo mesmo, a idade, a necessidade de ficar em casa, [ter] dedicações outras, [ficar] mais dedicável a outras coisas e não só a essa exigência da aceleração [da rotina de shows]. E as próprias contingências de mercado. Eu não sou mais um artista da vez, não é?”, disse.

Eu voltei

Fãs da banda Los Hermanos já estão acostumados com despedidas e reencontros. Desde 2007, quando anunciaram o inesquecível “hiato por tempo indeterminado”, a banda realiza shows de “retorno”. Para os fãs, não importa. A experiência de ver a banda ao vivo - que, de fato, promove shows carregados de emoção do público – é maior que qualquer estratégia de marketing.

Enquanto escrevia, me lembrei da turnê do Oasis em 2009 que passou pelo Brasil - aquela que ninguém sabia que seria a última. Meses depois, os irmãos Gallagher anunciaram o fim da banda. Para quem desdenhou dos shows - como eu - ficou o gosto amargo do arrependimento. Nestes últimos dias, porém, o burburinho de que o Oasis voltaria para uma turnê se espalhou, confirmando-se nesta terça, 27. Assim como no anúncio do fim da banda, ninguém estava esperando. Mas, após 15 anos de jejum, soa como uma oportunidade única, uma segunda chance. Alguém duvida que a turnê será um sucesso?

Oasis retorna aos palcos após 15 anos. Foto: Reprodução/@oasis via Instagram

A turnê de retorno já é considerada sucesso garantido, até nos casos mais polêmicos, como o da dupla Victor e Leo. A dupla anunciou o fim em 2018, após as denúncias de agressão de Victor contra a esposa grávida. Em 2023, os irmãos anunciaram o retorno aos palcos, ainda que ninguém tivesse pedido. Segundo o jornalista Gabriel Vaquer, a divulgação dos shows nos programas de TV ficou prejudicada porque a dupla estaria sofrendo boicote nos bastidores. Com ou sem boicote, especula-se que a dupla já tenha faturado 70 milhões de reais antes mesmo de precisar pisar nos palcos.

Show do Titãs: sucesso de público na tour de despedida Foto: Pridia

Não aprendi a dizer adeus

A comoção em torno da despedida sempre gerou lucro para a indústria musical. Basta anunciar que aquela turnê será a última da carreira que fãs são tomados por uma espécie de nostalgia precipitada. Ainda que não escute aquele álbum há 20 anos, é importante celebrá-lo, afinal de contas, ninguém quer ser tomado pela sensação de arrependimento iminente.

... Mas tenho que aceitar

Quando um fã se depara com o derradeiro show de sua ex-banda favorita ou com um festival imperdível, já sabe que sacrifícios serão cometidos. O pesquisador Steven Brown fez um estudo sobre o comportamento do público, e fez-se a seguinte pergunta: por que vamos a shows? Ele chega a uma conclusão curiosa. Em sua pesquisa quantitativa com fãs de música – muitos deles, universitários – o preço do ingresso, por mais alto que pudesse ser, não foi empecilho para a compra. Isso porque a experiência de ouvir o artista favorito ao vivo oferece outras vantagens que compensam a dor no bolso.

É claro que o cenário econômico do Brasil é bem diferente, com ingressos que chegam a bater a casa dos 3 dígitos – na opção meet and greet, quando o ingresso dá a possibilidade de conhecer o ídolo, os valores passam os R$ 1 mil, como no caso do Titãs ou Sepultura.

Isso torna a situação por aqui ainda mais delicada, pois endividar-se para comprar um ingresso pode ser um problema ainda maior. Mas, ainda assim, fãs se comprometem com seus ídolos comprando ingressos, dividindo em muitas parcelas no cartão de crédito ou acumulando dívidas difíceis de serem quitadas.

Isso porque, além do medo do arrependimento, há também o fator experiência ao vivo. Ainda que possamos ir a um show sozinhos, sabemos que não estamos sós, de fato. Naquele local, há pessoas que compartilham das mesmas paixões. Que vão compartilhar conosco um momento que se tornará inesquecível, e sempre será revivido, seja na memória ou como tópico em uma conversa entre amigos. A música ao vivo oferece aos fãs uma experiência especial pela qual muitos estão dispostos a pagar. Ainda que isso resulte em um outro encontro inesquecível (com o Serasa).

Farewell tour

Os shows de despedida podem parecer uma tendência no Brasil, mas sempre foram uma estratégia que deu certo no mercado internacional. A banda Kiss, por exemplo, já faturou tanto com uma turnê de despedida que decidiu fazer outra, 20 anos depois.

A Farewell Yellow Brick Road, de Elton John, faturou nada menos que U$900 milhões de dólares em ingressos vendidos. O Slayer lucrou mais de U$10 milhões de dólares – somente com os produtos da banda! – desde o anúncio da turnê de despedida. Vai-se a banda, ficam as lembranças.

O mercado das turnês inspirou uma campanha publicitária até para o MCDonald‘s – a rede de lanchonetes anunciou a despedida do McRib, causando comoção entre os fãs norte-americanos do sanduíche. Tudo fazia parte de uma estratégia de marketing, já que, menos de um depois, a rede anunciou a “turnê de retorno” do sanduíche. Alguns zombaram que o McRibs seria como a Cher – sempre estaria disposta a voltar. Mas, que estratégia era essa? A rede de sanduíches estaria zombando de seus consumidores? Provavelmente, sim. Mas o lucro foi garantido.

Quando o quesito é música, infelizmente, não restam muitas opções aos fãs. O mercado de shows é lucrativo e o retorno financeiro compensa os desgastes com o público, afinal, sempre haverá quem pague. Enquanto isso, podemos ser vítimas de golpes de toda a sorte, seja de venda de ingressos nas redes sociais, ou falsos, na mão de cambistas. Cabe a nós nos protegermos e, às empresas, garantirem os direitos do consumidor sem praticar preços abusivos.

Também não dá só para demonizar essa “indústria” das turnês de despedida. Afinal, é louvável quando um artista sabe a hora de parar. Não há nenhum problema em um músico querer celebrar seu legado com o público que sempre o acompanhou. Despedidas podem ser dolorosas, mas ir embora sem chance de dizer adeus pode ser ainda pior.

Enquanto existirem fãs, as turnês de despedida serão uma opção para aproximar público e artista. Contanto que a já manjada estratégia de marketing não seja abusiva ou enganadora para aqueles que estejam de coração aberto para embarcar nela.

Show dos Titãs durante o festival Lollapalooza Brasil 2024 Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Poucas vezes o mercado de shows brasileiros esteve tão aquecido. Somente neste primeiro trimestre, turnês de despedida já foram anunciadas para a comoção dos fãs, que se digladiam por um ingresso caro na fila - presencial ou online, não importa - e surpresa daquele artista que há muito não emplaca um hit. De repente, os ingressos para seu show estão esgotados. O que explica?

A pressão do último adeus, que faz até o fã mais comedido considerar pagar o valor de algumas cestas básicas em um ingresso – isso, se conseguir enfrentar a concorrência – é a resposta mais óbvia. Sacrifícios serão cometidos para um fã ver seu ídolo, seja pela primeira vez do artista no País – como aconteceu na Eras Tour de Taylor Swift – ou na última. E o mercado de shows já entendeu isso. São muitos os anúncios que movimentam as redes sociais e, ocasionalmente, fazem cair os sites de vendas de ingresso.

No Brasil, alguns exemplos recentes mostram que o mercado brasileiro aprendeu direitinho.

O Sepultura, uma das mais influentes bandas de metal do mundo, anunciou a despedida após 40 anos de estrada - com todos os shows esgotados.

O mesmo vem acontecendo com o Natiruts, famosa banda de reggae nacional que emplacou alguns hits em 30 anos de carreira, mas não contou com grandes lançamentos nos últimos anos. Ainda assim, esgotaram três datas no Allianz Park, em São Paulo, com a tour Leve Com Você. O preço mais acessível dos ingressos, com opções a partir de 50 reais (meia entrada), pode explicar o sucesso. O valor ajuda a atrair o público e torna a experiência um pouco mais inclusiva - ainda que seja um show setorizado (quem optar pela pista Premium desembolsa pouco menos de 400 reais).

Em 2023, os Titãs – que nunca, de fato, acabaram – voltaram aos palcos com a formação original na turnê Titãs Encontros - Pra Dizer Adeus, também com ingressos esgotados.

O músico Alexandre Carlo, líder da banda Natiruts Foto: @cria.mov

Recentemente, Gilberto Gil anunciou a derradeira turnê que vendeu mais de 200 mil ingressos, fazendo com que a produção incluísse mais dois shows no Rio de Janeiro. Nada surpreendente, se tratando de um dos maiores artistas da MPB que escolheu se despedir das grandes excursões, assim como fez Milton Nascimento em 2023. Ao Estadão, Gil disse estar “em paz” com a decisão de se afastar das turnês:

“Eu acho que é a hora de dar uma freada nesse processo que se tornou regular de excursões sucessivas e intensas. Por causa, especialmente, do tempo. A passagem do tempo mesmo, a idade, a necessidade de ficar em casa, [ter] dedicações outras, [ficar] mais dedicável a outras coisas e não só a essa exigência da aceleração [da rotina de shows]. E as próprias contingências de mercado. Eu não sou mais um artista da vez, não é?”, disse.

Eu voltei

Fãs da banda Los Hermanos já estão acostumados com despedidas e reencontros. Desde 2007, quando anunciaram o inesquecível “hiato por tempo indeterminado”, a banda realiza shows de “retorno”. Para os fãs, não importa. A experiência de ver a banda ao vivo - que, de fato, promove shows carregados de emoção do público – é maior que qualquer estratégia de marketing.

Enquanto escrevia, me lembrei da turnê do Oasis em 2009 que passou pelo Brasil - aquela que ninguém sabia que seria a última. Meses depois, os irmãos Gallagher anunciaram o fim da banda. Para quem desdenhou dos shows - como eu - ficou o gosto amargo do arrependimento. Nestes últimos dias, porém, o burburinho de que o Oasis voltaria para uma turnê se espalhou, confirmando-se nesta terça, 27. Assim como no anúncio do fim da banda, ninguém estava esperando. Mas, após 15 anos de jejum, soa como uma oportunidade única, uma segunda chance. Alguém duvida que a turnê será um sucesso?

Oasis retorna aos palcos após 15 anos. Foto: Reprodução/@oasis via Instagram

A turnê de retorno já é considerada sucesso garantido, até nos casos mais polêmicos, como o da dupla Victor e Leo. A dupla anunciou o fim em 2018, após as denúncias de agressão de Victor contra a esposa grávida. Em 2023, os irmãos anunciaram o retorno aos palcos, ainda que ninguém tivesse pedido. Segundo o jornalista Gabriel Vaquer, a divulgação dos shows nos programas de TV ficou prejudicada porque a dupla estaria sofrendo boicote nos bastidores. Com ou sem boicote, especula-se que a dupla já tenha faturado 70 milhões de reais antes mesmo de precisar pisar nos palcos.

Show do Titãs: sucesso de público na tour de despedida Foto: Pridia

Não aprendi a dizer adeus

A comoção em torno da despedida sempre gerou lucro para a indústria musical. Basta anunciar que aquela turnê será a última da carreira que fãs são tomados por uma espécie de nostalgia precipitada. Ainda que não escute aquele álbum há 20 anos, é importante celebrá-lo, afinal de contas, ninguém quer ser tomado pela sensação de arrependimento iminente.

... Mas tenho que aceitar

Quando um fã se depara com o derradeiro show de sua ex-banda favorita ou com um festival imperdível, já sabe que sacrifícios serão cometidos. O pesquisador Steven Brown fez um estudo sobre o comportamento do público, e fez-se a seguinte pergunta: por que vamos a shows? Ele chega a uma conclusão curiosa. Em sua pesquisa quantitativa com fãs de música – muitos deles, universitários – o preço do ingresso, por mais alto que pudesse ser, não foi empecilho para a compra. Isso porque a experiência de ouvir o artista favorito ao vivo oferece outras vantagens que compensam a dor no bolso.

É claro que o cenário econômico do Brasil é bem diferente, com ingressos que chegam a bater a casa dos 3 dígitos – na opção meet and greet, quando o ingresso dá a possibilidade de conhecer o ídolo, os valores passam os R$ 1 mil, como no caso do Titãs ou Sepultura.

Isso torna a situação por aqui ainda mais delicada, pois endividar-se para comprar um ingresso pode ser um problema ainda maior. Mas, ainda assim, fãs se comprometem com seus ídolos comprando ingressos, dividindo em muitas parcelas no cartão de crédito ou acumulando dívidas difíceis de serem quitadas.

Isso porque, além do medo do arrependimento, há também o fator experiência ao vivo. Ainda que possamos ir a um show sozinhos, sabemos que não estamos sós, de fato. Naquele local, há pessoas que compartilham das mesmas paixões. Que vão compartilhar conosco um momento que se tornará inesquecível, e sempre será revivido, seja na memória ou como tópico em uma conversa entre amigos. A música ao vivo oferece aos fãs uma experiência especial pela qual muitos estão dispostos a pagar. Ainda que isso resulte em um outro encontro inesquecível (com o Serasa).

Farewell tour

Os shows de despedida podem parecer uma tendência no Brasil, mas sempre foram uma estratégia que deu certo no mercado internacional. A banda Kiss, por exemplo, já faturou tanto com uma turnê de despedida que decidiu fazer outra, 20 anos depois.

A Farewell Yellow Brick Road, de Elton John, faturou nada menos que U$900 milhões de dólares em ingressos vendidos. O Slayer lucrou mais de U$10 milhões de dólares – somente com os produtos da banda! – desde o anúncio da turnê de despedida. Vai-se a banda, ficam as lembranças.

O mercado das turnês inspirou uma campanha publicitária até para o MCDonald‘s – a rede de lanchonetes anunciou a despedida do McRib, causando comoção entre os fãs norte-americanos do sanduíche. Tudo fazia parte de uma estratégia de marketing, já que, menos de um depois, a rede anunciou a “turnê de retorno” do sanduíche. Alguns zombaram que o McRibs seria como a Cher – sempre estaria disposta a voltar. Mas, que estratégia era essa? A rede de sanduíches estaria zombando de seus consumidores? Provavelmente, sim. Mas o lucro foi garantido.

Quando o quesito é música, infelizmente, não restam muitas opções aos fãs. O mercado de shows é lucrativo e o retorno financeiro compensa os desgastes com o público, afinal, sempre haverá quem pague. Enquanto isso, podemos ser vítimas de golpes de toda a sorte, seja de venda de ingressos nas redes sociais, ou falsos, na mão de cambistas. Cabe a nós nos protegermos e, às empresas, garantirem os direitos do consumidor sem praticar preços abusivos.

Também não dá só para demonizar essa “indústria” das turnês de despedida. Afinal, é louvável quando um artista sabe a hora de parar. Não há nenhum problema em um músico querer celebrar seu legado com o público que sempre o acompanhou. Despedidas podem ser dolorosas, mas ir embora sem chance de dizer adeus pode ser ainda pior.

Enquanto existirem fãs, as turnês de despedida serão uma opção para aproximar público e artista. Contanto que a já manjada estratégia de marketing não seja abusiva ou enganadora para aqueles que estejam de coração aberto para embarcar nela.

Análise por Damy Coelho

Repórter de cultura do Estadão

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