Filha mais nova de Tom Jobim lança primeiro disco solo


'Casa Branca', de Maria Luiza Jobim, 32 anos, quem o maestro chamava de 'óio de chuchu', nada tem a ver com a música que o pai fazia e, por isso mesmo, é surpreendente

Por Julio Maria
Atualização:

Maria Luiza Helena tem três nomes e um sobrenome que pode pesar toneladas quando seu portador decide viver de música: Jobim. A uma Jobim, como sentar-se ao piano sob a expectativa das harmonias bem construídas, regidas pela presença empírica de Debussy e Villa-Lobos? Como criar canções com força suficiente para furar o próprio universo em que se vive desde o berço e fazê-las flanar livres das amarras? Ou como ser, se o coração mandar, o inverso de tudo o que o mundo espera que seja?

A cantora Maria Luiza Jobim Foto: HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO

Maria Luiza Jobim, a do cabelo amarelo e dos “óio cor de chuchu” que o pai venerou em Samba de Maria Luiza, foi atrás da resposta deixando de ouvir a música por um instante para ouvir a voz: “Seja você”, o pai diria. “Ele se conhecia muito, tinha seus parceiros mas sabia a música que queria fazer. Meu pai me deixou isso, o quanto é importante acreditar em sua arte.”

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A filha mais nova de Jobim, hoje com 32 anos – segundo quem conhece a família, a mais parecida em temperamento com o pai –, chega ao primeiro disco assim, sem crises de identidade, sem tentativas de plágios domésticos, sem tensões. Casa Branca é o nome do álbum que parece sonorizar o sonho. Sua pegada eletrônica não chega a se sobrepor à canção, mas é determinante na construção de sua personalidade. A produção de Alexandre Kassin, mesmo com a carga eletrônica também fazendo parte das referências de Maria Luiza, tem a mão decisiva na forma de envelopar as composições com beats e sintetizadores (Corpo e Calor lembra o início dos anos 1980, Sonhos traz ruídos mais radicais, mas sem passar o limite dos fundos para a voz). Casa Branca, a canção, dá o tom de memórias e nostalgia logo na abertura do álbum. “Eram paredes que as cores conheço de cor / calor e sombra e o tempo mudando ao redor / tudo o que lembro dos meus sonhos, corredor a sala de estar / todas as tardes de Nintendo, os filmes que fizemos, o azul piscina é oceano e céu...”

“Comecei a fazer esse disco quando descobri que estava grávida, foi um momento muito rico para mim”, ela diz. Ter Kassin por perto foi a forma de materializá-lo. “Eu quis, pela primeira vez, contratar um produtor que me ajudasse com essas texturas. E ele é muito plural, fez discos de Los Hermanos a Jorge Mautner.” É um lugar difícil de se chegar esse do sonho, da casa branca que está em todos, como Maria diz. Tudo parece flutuar dois passos acima do chão, sobre acordes, voz, pianos, guitarra, marcando um outro ritmo paralelo sugerido pelo real. Ao mesmo tempo, tira-se tudo isso e se tem canções para se tocar ao violão, como 22º Andar, a versão que Maria traz do pai, Meditation, em inglês, como ela ficou impregnada em seu afeto nas lembranças, e com Antonia, uma valsinha ao piano e, de novo, a voz do sonho. Ela fala nesta música da filha Antonia, que tem hoje quase dois anos, com o mesmo carinho que o pai lhe cedeu Samba de Maria Luiza.

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Ao lado da ‘amiga irmã’ Alice Caymmi, que é filha de Danilo e neta de Dorival, Maria Luiza aparece como uma cisão curiosa na linhagem genética jobiniana. Como Alice faz com os Caymmi, rompendo de certa forma a estética dos tios, Nana e Dori, e do pai, Danilo, para encontrar-se com respaldo mais em si mesma do que em seu material biológico, Maria responde à pressão com pressão. Nada em seu disco lembra um momento de Jobim, nada soa como uma tentativa, e ela se coloca até mesmo no campo oposto à estética do pai. Basta lembrar o que Jobim achava de tudo o que soasse mais eletrônico do que o som de um piano elétrico. E olhe lá. Ao receber Cesar Camargo Mariano e os músicos que tocavam com Elis Regina para a gravação do álbum Elis & Tom, de 1974, nos Estados Unidos, Tom se desesperou ao ver a quantidade de instrumentos elétricos que chegavam ao estúdio. Luizão levando o baixo, Hélio Delmiro a guitarra, Cesar e suas “aporrinholas”, como o maestro chamava nada carinhosamente os teclados. “Mas o que é isso? A conta de luz do estúdio vai ficar uma fortuna!”, foi o jeito mais educado de expressar seu sofrimento. Foi um longo processo de amadurecimento até que Tom aceitasse a realidade de tantas “aporrinholas” sendo tocadas ao mesmo tempo.

Maria Luiza conta que a música estava lá e ela chegou. Meditation foi uma das que ficaram vivas. “É uma das referências mais fortes pra mim, diz muito de onde vim, ouço meu pai cantarolando.” Sua convivência com Tom foi intensa, mas curta. Quando o pai morreu, em 1994, em um hospital de Nova York, ela só tinha sete anos. A distância física, no entanto, não mudou a proximidade natural que se prova em qualquer país para onde viaja. “Eu acho impressionante chegar a países dos mais distantes e ouvir uma música do meu pai.” Ela diz que não sente os efeitos tecnológicos que poderiam estar desbotando a imagem de artistas da geração de Tom por contarem com uma presença de menor exposição online. “Todas as pessoas estão se reinventando nesse momento. Artistas, suas famílias, as questões relacionadas aos direitos autorais, gravadoras. Mas acho que há artistas incríveis dessa geração, como Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil sendo super presentes nas redes sociais.” Ela faz uma comparação com o tempo em que essa exposição era controlada pelas gravadoras. “Gosto muito de pensar que eles conseguiram essa autonomia sobre suas carreiras.”

A estreia de Maria Luiza foi com uma banda de covers de jazz com influências de eletrônica chamada Baleia. Ela cantava e tocava ukulele. Aos 23 anos, depois de estudar cinco anos de Arquitetura, mudou o status da música em sua vida. De diversão, começou a virar profissão. “Antes havia uma espécie de barreira, mas decidi abraçar a ideia. Virou um trabalho, um ofício, e procurei uma coerência. Já não poderia ser só pelo prazer.” Ela conta que chegou a gravar muitas homenagens ao pai, tributos, mas nunca como a protagonista de um trabalho. Sua vivência anterior era em um duo chamado Opala, onde havia começado a mostrar suas composições.

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Outra ruptura com a escola jobiniana esteja talvez no estudo. Ou na ausência dele. Ela chegou a se preparar em aulas de canto, um pouco de teoria, mas seu foco foi outro. “Eu tive uma relação mais autodidata com o instrumento. As aulas, muitas vezes, eram percebidas quase que jogando contra a criatividade. “As aulas são importantes, mas, para mim, acabavam me desvirtuando do que eu queria. Elas dão uma visão mais matemática da música, e eu sinto ser mais intuitiva.” Talvez seja também reflexo da personalidade que puxou do pai. Se puder resumir um dos ensinamentos de Jobim não para a música, mas para a vida, ela repetiria: “A maior aventura que se faz na vida é o mergulho que podemos dar para dentro de nós mesmos.”

Maria Luiza Helena tem três nomes e um sobrenome que pode pesar toneladas quando seu portador decide viver de música: Jobim. A uma Jobim, como sentar-se ao piano sob a expectativa das harmonias bem construídas, regidas pela presença empírica de Debussy e Villa-Lobos? Como criar canções com força suficiente para furar o próprio universo em que se vive desde o berço e fazê-las flanar livres das amarras? Ou como ser, se o coração mandar, o inverso de tudo o que o mundo espera que seja?

A cantora Maria Luiza Jobim Foto: HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO

Maria Luiza Jobim, a do cabelo amarelo e dos “óio cor de chuchu” que o pai venerou em Samba de Maria Luiza, foi atrás da resposta deixando de ouvir a música por um instante para ouvir a voz: “Seja você”, o pai diria. “Ele se conhecia muito, tinha seus parceiros mas sabia a música que queria fazer. Meu pai me deixou isso, o quanto é importante acreditar em sua arte.”

A filha mais nova de Jobim, hoje com 32 anos – segundo quem conhece a família, a mais parecida em temperamento com o pai –, chega ao primeiro disco assim, sem crises de identidade, sem tentativas de plágios domésticos, sem tensões. Casa Branca é o nome do álbum que parece sonorizar o sonho. Sua pegada eletrônica não chega a se sobrepor à canção, mas é determinante na construção de sua personalidade. A produção de Alexandre Kassin, mesmo com a carga eletrônica também fazendo parte das referências de Maria Luiza, tem a mão decisiva na forma de envelopar as composições com beats e sintetizadores (Corpo e Calor lembra o início dos anos 1980, Sonhos traz ruídos mais radicais, mas sem passar o limite dos fundos para a voz). Casa Branca, a canção, dá o tom de memórias e nostalgia logo na abertura do álbum. “Eram paredes que as cores conheço de cor / calor e sombra e o tempo mudando ao redor / tudo o que lembro dos meus sonhos, corredor a sala de estar / todas as tardes de Nintendo, os filmes que fizemos, o azul piscina é oceano e céu...”

“Comecei a fazer esse disco quando descobri que estava grávida, foi um momento muito rico para mim”, ela diz. Ter Kassin por perto foi a forma de materializá-lo. “Eu quis, pela primeira vez, contratar um produtor que me ajudasse com essas texturas. E ele é muito plural, fez discos de Los Hermanos a Jorge Mautner.” É um lugar difícil de se chegar esse do sonho, da casa branca que está em todos, como Maria diz. Tudo parece flutuar dois passos acima do chão, sobre acordes, voz, pianos, guitarra, marcando um outro ritmo paralelo sugerido pelo real. Ao mesmo tempo, tira-se tudo isso e se tem canções para se tocar ao violão, como 22º Andar, a versão que Maria traz do pai, Meditation, em inglês, como ela ficou impregnada em seu afeto nas lembranças, e com Antonia, uma valsinha ao piano e, de novo, a voz do sonho. Ela fala nesta música da filha Antonia, que tem hoje quase dois anos, com o mesmo carinho que o pai lhe cedeu Samba de Maria Luiza.

Ao lado da ‘amiga irmã’ Alice Caymmi, que é filha de Danilo e neta de Dorival, Maria Luiza aparece como uma cisão curiosa na linhagem genética jobiniana. Como Alice faz com os Caymmi, rompendo de certa forma a estética dos tios, Nana e Dori, e do pai, Danilo, para encontrar-se com respaldo mais em si mesma do que em seu material biológico, Maria responde à pressão com pressão. Nada em seu disco lembra um momento de Jobim, nada soa como uma tentativa, e ela se coloca até mesmo no campo oposto à estética do pai. Basta lembrar o que Jobim achava de tudo o que soasse mais eletrônico do que o som de um piano elétrico. E olhe lá. Ao receber Cesar Camargo Mariano e os músicos que tocavam com Elis Regina para a gravação do álbum Elis & Tom, de 1974, nos Estados Unidos, Tom se desesperou ao ver a quantidade de instrumentos elétricos que chegavam ao estúdio. Luizão levando o baixo, Hélio Delmiro a guitarra, Cesar e suas “aporrinholas”, como o maestro chamava nada carinhosamente os teclados. “Mas o que é isso? A conta de luz do estúdio vai ficar uma fortuna!”, foi o jeito mais educado de expressar seu sofrimento. Foi um longo processo de amadurecimento até que Tom aceitasse a realidade de tantas “aporrinholas” sendo tocadas ao mesmo tempo.

Maria Luiza conta que a música estava lá e ela chegou. Meditation foi uma das que ficaram vivas. “É uma das referências mais fortes pra mim, diz muito de onde vim, ouço meu pai cantarolando.” Sua convivência com Tom foi intensa, mas curta. Quando o pai morreu, em 1994, em um hospital de Nova York, ela só tinha sete anos. A distância física, no entanto, não mudou a proximidade natural que se prova em qualquer país para onde viaja. “Eu acho impressionante chegar a países dos mais distantes e ouvir uma música do meu pai.” Ela diz que não sente os efeitos tecnológicos que poderiam estar desbotando a imagem de artistas da geração de Tom por contarem com uma presença de menor exposição online. “Todas as pessoas estão se reinventando nesse momento. Artistas, suas famílias, as questões relacionadas aos direitos autorais, gravadoras. Mas acho que há artistas incríveis dessa geração, como Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil sendo super presentes nas redes sociais.” Ela faz uma comparação com o tempo em que essa exposição era controlada pelas gravadoras. “Gosto muito de pensar que eles conseguiram essa autonomia sobre suas carreiras.”

A estreia de Maria Luiza foi com uma banda de covers de jazz com influências de eletrônica chamada Baleia. Ela cantava e tocava ukulele. Aos 23 anos, depois de estudar cinco anos de Arquitetura, mudou o status da música em sua vida. De diversão, começou a virar profissão. “Antes havia uma espécie de barreira, mas decidi abraçar a ideia. Virou um trabalho, um ofício, e procurei uma coerência. Já não poderia ser só pelo prazer.” Ela conta que chegou a gravar muitas homenagens ao pai, tributos, mas nunca como a protagonista de um trabalho. Sua vivência anterior era em um duo chamado Opala, onde havia começado a mostrar suas composições.

Outra ruptura com a escola jobiniana esteja talvez no estudo. Ou na ausência dele. Ela chegou a se preparar em aulas de canto, um pouco de teoria, mas seu foco foi outro. “Eu tive uma relação mais autodidata com o instrumento. As aulas, muitas vezes, eram percebidas quase que jogando contra a criatividade. “As aulas são importantes, mas, para mim, acabavam me desvirtuando do que eu queria. Elas dão uma visão mais matemática da música, e eu sinto ser mais intuitiva.” Talvez seja também reflexo da personalidade que puxou do pai. Se puder resumir um dos ensinamentos de Jobim não para a música, mas para a vida, ela repetiria: “A maior aventura que se faz na vida é o mergulho que podemos dar para dentro de nós mesmos.”

Maria Luiza Helena tem três nomes e um sobrenome que pode pesar toneladas quando seu portador decide viver de música: Jobim. A uma Jobim, como sentar-se ao piano sob a expectativa das harmonias bem construídas, regidas pela presença empírica de Debussy e Villa-Lobos? Como criar canções com força suficiente para furar o próprio universo em que se vive desde o berço e fazê-las flanar livres das amarras? Ou como ser, se o coração mandar, o inverso de tudo o que o mundo espera que seja?

A cantora Maria Luiza Jobim Foto: HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO

Maria Luiza Jobim, a do cabelo amarelo e dos “óio cor de chuchu” que o pai venerou em Samba de Maria Luiza, foi atrás da resposta deixando de ouvir a música por um instante para ouvir a voz: “Seja você”, o pai diria. “Ele se conhecia muito, tinha seus parceiros mas sabia a música que queria fazer. Meu pai me deixou isso, o quanto é importante acreditar em sua arte.”

A filha mais nova de Jobim, hoje com 32 anos – segundo quem conhece a família, a mais parecida em temperamento com o pai –, chega ao primeiro disco assim, sem crises de identidade, sem tentativas de plágios domésticos, sem tensões. Casa Branca é o nome do álbum que parece sonorizar o sonho. Sua pegada eletrônica não chega a se sobrepor à canção, mas é determinante na construção de sua personalidade. A produção de Alexandre Kassin, mesmo com a carga eletrônica também fazendo parte das referências de Maria Luiza, tem a mão decisiva na forma de envelopar as composições com beats e sintetizadores (Corpo e Calor lembra o início dos anos 1980, Sonhos traz ruídos mais radicais, mas sem passar o limite dos fundos para a voz). Casa Branca, a canção, dá o tom de memórias e nostalgia logo na abertura do álbum. “Eram paredes que as cores conheço de cor / calor e sombra e o tempo mudando ao redor / tudo o que lembro dos meus sonhos, corredor a sala de estar / todas as tardes de Nintendo, os filmes que fizemos, o azul piscina é oceano e céu...”

“Comecei a fazer esse disco quando descobri que estava grávida, foi um momento muito rico para mim”, ela diz. Ter Kassin por perto foi a forma de materializá-lo. “Eu quis, pela primeira vez, contratar um produtor que me ajudasse com essas texturas. E ele é muito plural, fez discos de Los Hermanos a Jorge Mautner.” É um lugar difícil de se chegar esse do sonho, da casa branca que está em todos, como Maria diz. Tudo parece flutuar dois passos acima do chão, sobre acordes, voz, pianos, guitarra, marcando um outro ritmo paralelo sugerido pelo real. Ao mesmo tempo, tira-se tudo isso e se tem canções para se tocar ao violão, como 22º Andar, a versão que Maria traz do pai, Meditation, em inglês, como ela ficou impregnada em seu afeto nas lembranças, e com Antonia, uma valsinha ao piano e, de novo, a voz do sonho. Ela fala nesta música da filha Antonia, que tem hoje quase dois anos, com o mesmo carinho que o pai lhe cedeu Samba de Maria Luiza.

Ao lado da ‘amiga irmã’ Alice Caymmi, que é filha de Danilo e neta de Dorival, Maria Luiza aparece como uma cisão curiosa na linhagem genética jobiniana. Como Alice faz com os Caymmi, rompendo de certa forma a estética dos tios, Nana e Dori, e do pai, Danilo, para encontrar-se com respaldo mais em si mesma do que em seu material biológico, Maria responde à pressão com pressão. Nada em seu disco lembra um momento de Jobim, nada soa como uma tentativa, e ela se coloca até mesmo no campo oposto à estética do pai. Basta lembrar o que Jobim achava de tudo o que soasse mais eletrônico do que o som de um piano elétrico. E olhe lá. Ao receber Cesar Camargo Mariano e os músicos que tocavam com Elis Regina para a gravação do álbum Elis & Tom, de 1974, nos Estados Unidos, Tom se desesperou ao ver a quantidade de instrumentos elétricos que chegavam ao estúdio. Luizão levando o baixo, Hélio Delmiro a guitarra, Cesar e suas “aporrinholas”, como o maestro chamava nada carinhosamente os teclados. “Mas o que é isso? A conta de luz do estúdio vai ficar uma fortuna!”, foi o jeito mais educado de expressar seu sofrimento. Foi um longo processo de amadurecimento até que Tom aceitasse a realidade de tantas “aporrinholas” sendo tocadas ao mesmo tempo.

Maria Luiza conta que a música estava lá e ela chegou. Meditation foi uma das que ficaram vivas. “É uma das referências mais fortes pra mim, diz muito de onde vim, ouço meu pai cantarolando.” Sua convivência com Tom foi intensa, mas curta. Quando o pai morreu, em 1994, em um hospital de Nova York, ela só tinha sete anos. A distância física, no entanto, não mudou a proximidade natural que se prova em qualquer país para onde viaja. “Eu acho impressionante chegar a países dos mais distantes e ouvir uma música do meu pai.” Ela diz que não sente os efeitos tecnológicos que poderiam estar desbotando a imagem de artistas da geração de Tom por contarem com uma presença de menor exposição online. “Todas as pessoas estão se reinventando nesse momento. Artistas, suas famílias, as questões relacionadas aos direitos autorais, gravadoras. Mas acho que há artistas incríveis dessa geração, como Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil sendo super presentes nas redes sociais.” Ela faz uma comparação com o tempo em que essa exposição era controlada pelas gravadoras. “Gosto muito de pensar que eles conseguiram essa autonomia sobre suas carreiras.”

A estreia de Maria Luiza foi com uma banda de covers de jazz com influências de eletrônica chamada Baleia. Ela cantava e tocava ukulele. Aos 23 anos, depois de estudar cinco anos de Arquitetura, mudou o status da música em sua vida. De diversão, começou a virar profissão. “Antes havia uma espécie de barreira, mas decidi abraçar a ideia. Virou um trabalho, um ofício, e procurei uma coerência. Já não poderia ser só pelo prazer.” Ela conta que chegou a gravar muitas homenagens ao pai, tributos, mas nunca como a protagonista de um trabalho. Sua vivência anterior era em um duo chamado Opala, onde havia começado a mostrar suas composições.

Outra ruptura com a escola jobiniana esteja talvez no estudo. Ou na ausência dele. Ela chegou a se preparar em aulas de canto, um pouco de teoria, mas seu foco foi outro. “Eu tive uma relação mais autodidata com o instrumento. As aulas, muitas vezes, eram percebidas quase que jogando contra a criatividade. “As aulas são importantes, mas, para mim, acabavam me desvirtuando do que eu queria. Elas dão uma visão mais matemática da música, e eu sinto ser mais intuitiva.” Talvez seja também reflexo da personalidade que puxou do pai. Se puder resumir um dos ensinamentos de Jobim não para a música, mas para a vida, ela repetiria: “A maior aventura que se faz na vida é o mergulho que podemos dar para dentro de nós mesmos.”

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