Fiona Apple lança um disco insuperável


‘Fetch the Bolt Cutters’ é chamado de obra-prima pelos críticos do NYT

Por Redação

Primeiro álbum da cantora e compositora Fiona Apple desde 2012, Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima desafiadora, catártica, ousada. Nossos críticos têm muito a dizer sobre ele.

Desde 2012, Fionanão lançava disco. Foto: Beatrice de Gea/The New York Times

Jon Pareles. Traumas e obstáculos confrontam Fiona Apple o tempo todo, em Fetch the Bolt Cutters. É o seu primeiro álbum desde 2012 e, de longe, o mais ruidoso, destinado não para a rádio ou para playlist selecionadas e organizadas inofensivamente – mas a uma catarse. Fiona Apple nunca foi tímida. Mesmo no seu álbum de estreia, em 1996, lançado quando ela era uma adolescente, suas músicas já exploravam situações psicológicas explosivas e não poupavam ninguém. Mas Fetch the Bolt Cutters é ousado de uma nova maneira, tumultuando e rompendo estruturas da música pop que outrora serviram como sua base.

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As novas músicas de Apple confrontam ferimentos presentes e passados: bullying, assédio sexual, jogos mentais destrutivos, debacles românticas, seus próprios medos e compulsões e as pessoas que se aproveitaram disto. Às vezes, é um meta-álbum, lidando com inseguranças que prolongaram o seu próprio processo de gravação – Fetch the Bold Cutters é somente seu quinto álbum lançado. É uma antologia espontânea das batalhas de uma mulher contra a depressão, amantes mentirosos e lembranças tóxicas, oferecida não com autocomiseração, mas com lucidez e lampejos de raiva. Não é de admirar que ela acaba rosnando e golpeando as coisas. A percussão define o som do álbum: bateria padrão, palmas, batidas de pés e um depósito cheio de acessórios, que vão de sinos e blocos de madeira ao que soa como bumbos gigantes de desfiles de rua. Apple já brincou antes com arranjos centralizados na percussão, em músicas como Daredevil, de Idler Wheel..., mas agora ela os institucionaliza.

Sim, vestígios de Fiona Apple como cantora-compositora pianista, apresentados meticulosamente, ainda estão aí, particularmente nas músicas de abertura do álbum. E, se ela murmura com uma solicitude sarcástica ou cantando com uma voz áspera que chega quase a um grito, ela articula cada palavra de modo claro, emotivo, e nunca perde o controle. Mas seu piano apaga e, às vezes, desaparece no decorrer do álbum, enquanto os estrondos, ruídos metálicos e surdos a envolvem.

Por outro lado, ela perverte as expectativas da forma verso-refrão-verso, quando canta falando ou cantando, às vezes deixando que refrões de Fionas superpostas – alguns melodiosos, outros apenas fala – sequestrem completamente sua música. Algumas pessoas podem ouvir essas tangentes como autocomplacência, mas eu as entendo como liberdade.

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Lindsay Zoladz. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Fiona Apple por lançar um álbum tão rico, tão premente no meio da nossa quarentena comunitária. Fetch the Bolt Cutters é definitivamente um poema que estarei sussurrando para mim mesma com uma urgência cada vez maior nas próximas semanas.

Estou abismada com essa gravação. Ouço liberdade também. Essas músicas fazem curvas fechadas de tirar o fôlego, como a repentina mudança para o maravilhoso e metálico I Want You To Love Me, que lembra Yoko Ono. É o primeiro indicador flagrante de que as outras músicas não vão se conformar às ideias patriarcais de propriedade – na maior parte do tempo, elas parecem ter diretamente por fim desafiar essas ideias.

Estou curiosa para saber o que sons análogos desta gravação vêm à sua mente. Ela não soa como outras coisas no catálogo de Fiona Apple – ou de algum outro –, mas tem algo de maestria e libertação que me faz lembrar da era de Hissing of Summer Lawns, de Joni Mitchell. Sempre achei que Fiona e Joni eram espíritos gêmeos, não do ponto de vista sonoro, mas mais por causa da maneira como ambas deram as costas para as trajetórias de carreira mais fáceis e, ao contrário, esculpiram seus próprios caminhos sinuosos. Acho também que suas composições com frequência fazem uma das mesmas perguntas centrais, que é se uma mulher pode ser realmente livre ao mesmo tempo em que ama os homens. Porque, apesar de todos seus momentos como Ladies, este álbum certamente tem algumas coisas a dizer sobre homens!

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Pareles. Do ponto de vista sonoro, diria que esse é o seu lado Tom Waits, similar à volta que ele deu em Swordfishtrombones, quando decidiu que as usuais produções do compositor e cantor não chegavam à essência estridente, áspera das suas músicas. Mas a voz dele e a de Apple são mundos à parte.

Wesley Morris. Nunca pensei em outros artistas quando a ouvia – ela é por demais singular e se forjou sozinha. Desta vez, contudo, sinto Waits e Mitchell. Mas, na canção que dá título ao álbum, detectei Rick Lee, Jones e Beyoncé. Em outras, Nina Simone, Kate Bush, Shakira, Merrill Garbus e Lorde (Simone sempre esteve em Apple espiritualmente; esses outros são novos). Seu fraseado aqui tem uma nova escala (Jon P, você está muito certo sobre a sua articulação das palavras).

Veja For Her. A música começa com o suspiro de uma pessoa criando forças para sair da cama – ou empunhar um machado. Dura menos de três minutos e tem três partes. A primeira é uma espécie de canto que você entoa numa brincadeira com um amigo. Facts! Ela interrompe – mas num ritmo mais rápido, nervoso e sobre algo sombrio e recordado. Depois, a música se torna uma saudação tribal e uma reprimenda: “como você sabe que deveria saber, mas não sabe o que fez”. Depois, se transforma no que só posso descrever como algo espiritual que se transforma em uma torrente de lamentos.

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Jon Caramanica. “Chutar-me para baixo da mesa é tudo o que você quer/mas não vou calar/não quero calar” – quando você ouve Fiona cantar isto firmemente, desafiadoramente, e de um modo um pouco divertido, não consegue esquecer. Esta, que é a quarta música, foi onde o álbum realmente se abriu para mim: Koans de jazz encontrando cantos de protesto e a doçura da música infantil. A partir daí, fica tudo frenético: blues com batida forte em Relay (“Eu me ressinto por ter sido educada direito / Eu me ressinto por você ser alto – mas não se engane, são crimes ativos, não passivos”). E logo depois disto um soco duplo com Newspaper e Ladies, sobre o parentesco entre os que sabem o que é ser abandonado pela mesma pessoa.

Fiona canta para as pessoas magoadas: uma rede de apoio informal, invisível e talvez imaginada que se torna real no momento em que a música a traz à existência. Se você está do lado errado desta união de forças, Deus o ajude – você fez isso para si mesmo. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Primeiro álbum da cantora e compositora Fiona Apple desde 2012, Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima desafiadora, catártica, ousada. Nossos críticos têm muito a dizer sobre ele.

Desde 2012, Fionanão lançava disco. Foto: Beatrice de Gea/The New York Times

Jon Pareles. Traumas e obstáculos confrontam Fiona Apple o tempo todo, em Fetch the Bolt Cutters. É o seu primeiro álbum desde 2012 e, de longe, o mais ruidoso, destinado não para a rádio ou para playlist selecionadas e organizadas inofensivamente – mas a uma catarse. Fiona Apple nunca foi tímida. Mesmo no seu álbum de estreia, em 1996, lançado quando ela era uma adolescente, suas músicas já exploravam situações psicológicas explosivas e não poupavam ninguém. Mas Fetch the Bolt Cutters é ousado de uma nova maneira, tumultuando e rompendo estruturas da música pop que outrora serviram como sua base.

As novas músicas de Apple confrontam ferimentos presentes e passados: bullying, assédio sexual, jogos mentais destrutivos, debacles românticas, seus próprios medos e compulsões e as pessoas que se aproveitaram disto. Às vezes, é um meta-álbum, lidando com inseguranças que prolongaram o seu próprio processo de gravação – Fetch the Bold Cutters é somente seu quinto álbum lançado. É uma antologia espontânea das batalhas de uma mulher contra a depressão, amantes mentirosos e lembranças tóxicas, oferecida não com autocomiseração, mas com lucidez e lampejos de raiva. Não é de admirar que ela acaba rosnando e golpeando as coisas. A percussão define o som do álbum: bateria padrão, palmas, batidas de pés e um depósito cheio de acessórios, que vão de sinos e blocos de madeira ao que soa como bumbos gigantes de desfiles de rua. Apple já brincou antes com arranjos centralizados na percussão, em músicas como Daredevil, de Idler Wheel..., mas agora ela os institucionaliza.

Sim, vestígios de Fiona Apple como cantora-compositora pianista, apresentados meticulosamente, ainda estão aí, particularmente nas músicas de abertura do álbum. E, se ela murmura com uma solicitude sarcástica ou cantando com uma voz áspera que chega quase a um grito, ela articula cada palavra de modo claro, emotivo, e nunca perde o controle. Mas seu piano apaga e, às vezes, desaparece no decorrer do álbum, enquanto os estrondos, ruídos metálicos e surdos a envolvem.

Por outro lado, ela perverte as expectativas da forma verso-refrão-verso, quando canta falando ou cantando, às vezes deixando que refrões de Fionas superpostas – alguns melodiosos, outros apenas fala – sequestrem completamente sua música. Algumas pessoas podem ouvir essas tangentes como autocomplacência, mas eu as entendo como liberdade.

Lindsay Zoladz. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Fiona Apple por lançar um álbum tão rico, tão premente no meio da nossa quarentena comunitária. Fetch the Bolt Cutters é definitivamente um poema que estarei sussurrando para mim mesma com uma urgência cada vez maior nas próximas semanas.

Estou abismada com essa gravação. Ouço liberdade também. Essas músicas fazem curvas fechadas de tirar o fôlego, como a repentina mudança para o maravilhoso e metálico I Want You To Love Me, que lembra Yoko Ono. É o primeiro indicador flagrante de que as outras músicas não vão se conformar às ideias patriarcais de propriedade – na maior parte do tempo, elas parecem ter diretamente por fim desafiar essas ideias.

Estou curiosa para saber o que sons análogos desta gravação vêm à sua mente. Ela não soa como outras coisas no catálogo de Fiona Apple – ou de algum outro –, mas tem algo de maestria e libertação que me faz lembrar da era de Hissing of Summer Lawns, de Joni Mitchell. Sempre achei que Fiona e Joni eram espíritos gêmeos, não do ponto de vista sonoro, mas mais por causa da maneira como ambas deram as costas para as trajetórias de carreira mais fáceis e, ao contrário, esculpiram seus próprios caminhos sinuosos. Acho também que suas composições com frequência fazem uma das mesmas perguntas centrais, que é se uma mulher pode ser realmente livre ao mesmo tempo em que ama os homens. Porque, apesar de todos seus momentos como Ladies, este álbum certamente tem algumas coisas a dizer sobre homens!

Pareles. Do ponto de vista sonoro, diria que esse é o seu lado Tom Waits, similar à volta que ele deu em Swordfishtrombones, quando decidiu que as usuais produções do compositor e cantor não chegavam à essência estridente, áspera das suas músicas. Mas a voz dele e a de Apple são mundos à parte.

Wesley Morris. Nunca pensei em outros artistas quando a ouvia – ela é por demais singular e se forjou sozinha. Desta vez, contudo, sinto Waits e Mitchell. Mas, na canção que dá título ao álbum, detectei Rick Lee, Jones e Beyoncé. Em outras, Nina Simone, Kate Bush, Shakira, Merrill Garbus e Lorde (Simone sempre esteve em Apple espiritualmente; esses outros são novos). Seu fraseado aqui tem uma nova escala (Jon P, você está muito certo sobre a sua articulação das palavras).

Veja For Her. A música começa com o suspiro de uma pessoa criando forças para sair da cama – ou empunhar um machado. Dura menos de três minutos e tem três partes. A primeira é uma espécie de canto que você entoa numa brincadeira com um amigo. Facts! Ela interrompe – mas num ritmo mais rápido, nervoso e sobre algo sombrio e recordado. Depois, a música se torna uma saudação tribal e uma reprimenda: “como você sabe que deveria saber, mas não sabe o que fez”. Depois, se transforma no que só posso descrever como algo espiritual que se transforma em uma torrente de lamentos.

Jon Caramanica. “Chutar-me para baixo da mesa é tudo o que você quer/mas não vou calar/não quero calar” – quando você ouve Fiona cantar isto firmemente, desafiadoramente, e de um modo um pouco divertido, não consegue esquecer. Esta, que é a quarta música, foi onde o álbum realmente se abriu para mim: Koans de jazz encontrando cantos de protesto e a doçura da música infantil. A partir daí, fica tudo frenético: blues com batida forte em Relay (“Eu me ressinto por ter sido educada direito / Eu me ressinto por você ser alto – mas não se engane, são crimes ativos, não passivos”). E logo depois disto um soco duplo com Newspaper e Ladies, sobre o parentesco entre os que sabem o que é ser abandonado pela mesma pessoa.

Fiona canta para as pessoas magoadas: uma rede de apoio informal, invisível e talvez imaginada que se torna real no momento em que a música a traz à existência. Se você está do lado errado desta união de forças, Deus o ajude – você fez isso para si mesmo. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Primeiro álbum da cantora e compositora Fiona Apple desde 2012, Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima desafiadora, catártica, ousada. Nossos críticos têm muito a dizer sobre ele.

Desde 2012, Fionanão lançava disco. Foto: Beatrice de Gea/The New York Times

Jon Pareles. Traumas e obstáculos confrontam Fiona Apple o tempo todo, em Fetch the Bolt Cutters. É o seu primeiro álbum desde 2012 e, de longe, o mais ruidoso, destinado não para a rádio ou para playlist selecionadas e organizadas inofensivamente – mas a uma catarse. Fiona Apple nunca foi tímida. Mesmo no seu álbum de estreia, em 1996, lançado quando ela era uma adolescente, suas músicas já exploravam situações psicológicas explosivas e não poupavam ninguém. Mas Fetch the Bolt Cutters é ousado de uma nova maneira, tumultuando e rompendo estruturas da música pop que outrora serviram como sua base.

As novas músicas de Apple confrontam ferimentos presentes e passados: bullying, assédio sexual, jogos mentais destrutivos, debacles românticas, seus próprios medos e compulsões e as pessoas que se aproveitaram disto. Às vezes, é um meta-álbum, lidando com inseguranças que prolongaram o seu próprio processo de gravação – Fetch the Bold Cutters é somente seu quinto álbum lançado. É uma antologia espontânea das batalhas de uma mulher contra a depressão, amantes mentirosos e lembranças tóxicas, oferecida não com autocomiseração, mas com lucidez e lampejos de raiva. Não é de admirar que ela acaba rosnando e golpeando as coisas. A percussão define o som do álbum: bateria padrão, palmas, batidas de pés e um depósito cheio de acessórios, que vão de sinos e blocos de madeira ao que soa como bumbos gigantes de desfiles de rua. Apple já brincou antes com arranjos centralizados na percussão, em músicas como Daredevil, de Idler Wheel..., mas agora ela os institucionaliza.

Sim, vestígios de Fiona Apple como cantora-compositora pianista, apresentados meticulosamente, ainda estão aí, particularmente nas músicas de abertura do álbum. E, se ela murmura com uma solicitude sarcástica ou cantando com uma voz áspera que chega quase a um grito, ela articula cada palavra de modo claro, emotivo, e nunca perde o controle. Mas seu piano apaga e, às vezes, desaparece no decorrer do álbum, enquanto os estrondos, ruídos metálicos e surdos a envolvem.

Por outro lado, ela perverte as expectativas da forma verso-refrão-verso, quando canta falando ou cantando, às vezes deixando que refrões de Fionas superpostas – alguns melodiosos, outros apenas fala – sequestrem completamente sua música. Algumas pessoas podem ouvir essas tangentes como autocomplacência, mas eu as entendo como liberdade.

Lindsay Zoladz. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Fiona Apple por lançar um álbum tão rico, tão premente no meio da nossa quarentena comunitária. Fetch the Bolt Cutters é definitivamente um poema que estarei sussurrando para mim mesma com uma urgência cada vez maior nas próximas semanas.

Estou abismada com essa gravação. Ouço liberdade também. Essas músicas fazem curvas fechadas de tirar o fôlego, como a repentina mudança para o maravilhoso e metálico I Want You To Love Me, que lembra Yoko Ono. É o primeiro indicador flagrante de que as outras músicas não vão se conformar às ideias patriarcais de propriedade – na maior parte do tempo, elas parecem ter diretamente por fim desafiar essas ideias.

Estou curiosa para saber o que sons análogos desta gravação vêm à sua mente. Ela não soa como outras coisas no catálogo de Fiona Apple – ou de algum outro –, mas tem algo de maestria e libertação que me faz lembrar da era de Hissing of Summer Lawns, de Joni Mitchell. Sempre achei que Fiona e Joni eram espíritos gêmeos, não do ponto de vista sonoro, mas mais por causa da maneira como ambas deram as costas para as trajetórias de carreira mais fáceis e, ao contrário, esculpiram seus próprios caminhos sinuosos. Acho também que suas composições com frequência fazem uma das mesmas perguntas centrais, que é se uma mulher pode ser realmente livre ao mesmo tempo em que ama os homens. Porque, apesar de todos seus momentos como Ladies, este álbum certamente tem algumas coisas a dizer sobre homens!

Pareles. Do ponto de vista sonoro, diria que esse é o seu lado Tom Waits, similar à volta que ele deu em Swordfishtrombones, quando decidiu que as usuais produções do compositor e cantor não chegavam à essência estridente, áspera das suas músicas. Mas a voz dele e a de Apple são mundos à parte.

Wesley Morris. Nunca pensei em outros artistas quando a ouvia – ela é por demais singular e se forjou sozinha. Desta vez, contudo, sinto Waits e Mitchell. Mas, na canção que dá título ao álbum, detectei Rick Lee, Jones e Beyoncé. Em outras, Nina Simone, Kate Bush, Shakira, Merrill Garbus e Lorde (Simone sempre esteve em Apple espiritualmente; esses outros são novos). Seu fraseado aqui tem uma nova escala (Jon P, você está muito certo sobre a sua articulação das palavras).

Veja For Her. A música começa com o suspiro de uma pessoa criando forças para sair da cama – ou empunhar um machado. Dura menos de três minutos e tem três partes. A primeira é uma espécie de canto que você entoa numa brincadeira com um amigo. Facts! Ela interrompe – mas num ritmo mais rápido, nervoso e sobre algo sombrio e recordado. Depois, a música se torna uma saudação tribal e uma reprimenda: “como você sabe que deveria saber, mas não sabe o que fez”. Depois, se transforma no que só posso descrever como algo espiritual que se transforma em uma torrente de lamentos.

Jon Caramanica. “Chutar-me para baixo da mesa é tudo o que você quer/mas não vou calar/não quero calar” – quando você ouve Fiona cantar isto firmemente, desafiadoramente, e de um modo um pouco divertido, não consegue esquecer. Esta, que é a quarta música, foi onde o álbum realmente se abriu para mim: Koans de jazz encontrando cantos de protesto e a doçura da música infantil. A partir daí, fica tudo frenético: blues com batida forte em Relay (“Eu me ressinto por ter sido educada direito / Eu me ressinto por você ser alto – mas não se engane, são crimes ativos, não passivos”). E logo depois disto um soco duplo com Newspaper e Ladies, sobre o parentesco entre os que sabem o que é ser abandonado pela mesma pessoa.

Fiona canta para as pessoas magoadas: uma rede de apoio informal, invisível e talvez imaginada que se torna real no momento em que a música a traz à existência. Se você está do lado errado desta união de forças, Deus o ajude – você fez isso para si mesmo. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Primeiro álbum da cantora e compositora Fiona Apple desde 2012, Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima desafiadora, catártica, ousada. Nossos críticos têm muito a dizer sobre ele.

Desde 2012, Fionanão lançava disco. Foto: Beatrice de Gea/The New York Times

Jon Pareles. Traumas e obstáculos confrontam Fiona Apple o tempo todo, em Fetch the Bolt Cutters. É o seu primeiro álbum desde 2012 e, de longe, o mais ruidoso, destinado não para a rádio ou para playlist selecionadas e organizadas inofensivamente – mas a uma catarse. Fiona Apple nunca foi tímida. Mesmo no seu álbum de estreia, em 1996, lançado quando ela era uma adolescente, suas músicas já exploravam situações psicológicas explosivas e não poupavam ninguém. Mas Fetch the Bolt Cutters é ousado de uma nova maneira, tumultuando e rompendo estruturas da música pop que outrora serviram como sua base.

As novas músicas de Apple confrontam ferimentos presentes e passados: bullying, assédio sexual, jogos mentais destrutivos, debacles românticas, seus próprios medos e compulsões e as pessoas que se aproveitaram disto. Às vezes, é um meta-álbum, lidando com inseguranças que prolongaram o seu próprio processo de gravação – Fetch the Bold Cutters é somente seu quinto álbum lançado. É uma antologia espontânea das batalhas de uma mulher contra a depressão, amantes mentirosos e lembranças tóxicas, oferecida não com autocomiseração, mas com lucidez e lampejos de raiva. Não é de admirar que ela acaba rosnando e golpeando as coisas. A percussão define o som do álbum: bateria padrão, palmas, batidas de pés e um depósito cheio de acessórios, que vão de sinos e blocos de madeira ao que soa como bumbos gigantes de desfiles de rua. Apple já brincou antes com arranjos centralizados na percussão, em músicas como Daredevil, de Idler Wheel..., mas agora ela os institucionaliza.

Sim, vestígios de Fiona Apple como cantora-compositora pianista, apresentados meticulosamente, ainda estão aí, particularmente nas músicas de abertura do álbum. E, se ela murmura com uma solicitude sarcástica ou cantando com uma voz áspera que chega quase a um grito, ela articula cada palavra de modo claro, emotivo, e nunca perde o controle. Mas seu piano apaga e, às vezes, desaparece no decorrer do álbum, enquanto os estrondos, ruídos metálicos e surdos a envolvem.

Por outro lado, ela perverte as expectativas da forma verso-refrão-verso, quando canta falando ou cantando, às vezes deixando que refrões de Fionas superpostas – alguns melodiosos, outros apenas fala – sequestrem completamente sua música. Algumas pessoas podem ouvir essas tangentes como autocomplacência, mas eu as entendo como liberdade.

Lindsay Zoladz. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Fiona Apple por lançar um álbum tão rico, tão premente no meio da nossa quarentena comunitária. Fetch the Bolt Cutters é definitivamente um poema que estarei sussurrando para mim mesma com uma urgência cada vez maior nas próximas semanas.

Estou abismada com essa gravação. Ouço liberdade também. Essas músicas fazem curvas fechadas de tirar o fôlego, como a repentina mudança para o maravilhoso e metálico I Want You To Love Me, que lembra Yoko Ono. É o primeiro indicador flagrante de que as outras músicas não vão se conformar às ideias patriarcais de propriedade – na maior parte do tempo, elas parecem ter diretamente por fim desafiar essas ideias.

Estou curiosa para saber o que sons análogos desta gravação vêm à sua mente. Ela não soa como outras coisas no catálogo de Fiona Apple – ou de algum outro –, mas tem algo de maestria e libertação que me faz lembrar da era de Hissing of Summer Lawns, de Joni Mitchell. Sempre achei que Fiona e Joni eram espíritos gêmeos, não do ponto de vista sonoro, mas mais por causa da maneira como ambas deram as costas para as trajetórias de carreira mais fáceis e, ao contrário, esculpiram seus próprios caminhos sinuosos. Acho também que suas composições com frequência fazem uma das mesmas perguntas centrais, que é se uma mulher pode ser realmente livre ao mesmo tempo em que ama os homens. Porque, apesar de todos seus momentos como Ladies, este álbum certamente tem algumas coisas a dizer sobre homens!

Pareles. Do ponto de vista sonoro, diria que esse é o seu lado Tom Waits, similar à volta que ele deu em Swordfishtrombones, quando decidiu que as usuais produções do compositor e cantor não chegavam à essência estridente, áspera das suas músicas. Mas a voz dele e a de Apple são mundos à parte.

Wesley Morris. Nunca pensei em outros artistas quando a ouvia – ela é por demais singular e se forjou sozinha. Desta vez, contudo, sinto Waits e Mitchell. Mas, na canção que dá título ao álbum, detectei Rick Lee, Jones e Beyoncé. Em outras, Nina Simone, Kate Bush, Shakira, Merrill Garbus e Lorde (Simone sempre esteve em Apple espiritualmente; esses outros são novos). Seu fraseado aqui tem uma nova escala (Jon P, você está muito certo sobre a sua articulação das palavras).

Veja For Her. A música começa com o suspiro de uma pessoa criando forças para sair da cama – ou empunhar um machado. Dura menos de três minutos e tem três partes. A primeira é uma espécie de canto que você entoa numa brincadeira com um amigo. Facts! Ela interrompe – mas num ritmo mais rápido, nervoso e sobre algo sombrio e recordado. Depois, a música se torna uma saudação tribal e uma reprimenda: “como você sabe que deveria saber, mas não sabe o que fez”. Depois, se transforma no que só posso descrever como algo espiritual que se transforma em uma torrente de lamentos.

Jon Caramanica. “Chutar-me para baixo da mesa é tudo o que você quer/mas não vou calar/não quero calar” – quando você ouve Fiona cantar isto firmemente, desafiadoramente, e de um modo um pouco divertido, não consegue esquecer. Esta, que é a quarta música, foi onde o álbum realmente se abriu para mim: Koans de jazz encontrando cantos de protesto e a doçura da música infantil. A partir daí, fica tudo frenético: blues com batida forte em Relay (“Eu me ressinto por ter sido educada direito / Eu me ressinto por você ser alto – mas não se engane, são crimes ativos, não passivos”). E logo depois disto um soco duplo com Newspaper e Ladies, sobre o parentesco entre os que sabem o que é ser abandonado pela mesma pessoa.

Fiona canta para as pessoas magoadas: uma rede de apoio informal, invisível e talvez imaginada que se torna real no momento em que a música a traz à existência. Se você está do lado errado desta união de forças, Deus o ajude – você fez isso para si mesmo. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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