'Ideias novas provocam medo', diz Jason Moran


Um dos maiores prodígios do piano no jazz atual toca no sábado em São Paulo com grupo Bandwagon

Por Jotabê Medeiros

Um dos grandes pianistas de jazz da atualidade (muitos acham que é indubitavelmente o melhor), Jason Moran toca com sua banda estradeira, a Bandwagon, no Nublu Jazz Festival, que começa nesta quinta-feira, no próximo sábado, às 21h, no Sesc Belenzinho. Moran, que ainda não completou 40 anos, transforma rap (Planet Rock, de Afrika Bambaataa) e música erudita (Auf einer Burg, de Schumann) em standards de jazz. Explora a tensão entre territórios que parecem inimigos. Só Brad Mehldau desfruta de prestígio semelhante entre os contemporâneos do instrumento. O pianista falou por telefone ao Estado.

A última vez que você tocou aqui foi com o quarteto de Charles Lloyd, dois anos atrás. Agora, você está vindo com sua banda Bandwagon. Você tem algum novo disco com eles? O último disco foi de 2010, certo?Certo. Eu tenho pronto um disco inteiro com música de Fats Waller (1904-1943), que será lançado em setembro. Mas não foi gravado com a Bandwagon, gravei com um grupo totalmente diferente. Com a Bandwagon tenho mais feito turnês e shows do que gravado. Acho que, nesse momento, estou num estágio de minha carreira em que estou mais preocupado em tocar à frente de pessoas do que ficando em um estúdio, fazendo um disco. Se eu tenho a chance de ir tocar numa cidade musical como São Paulo, prefiro. Estou tentando achar um equilíbrio entre as gravações e os shows, entre ficar no estúdio e viver a música.

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Você foi recentemente nomeado Conselheiro do Jazz do Kennedy Center. Acha que o jazz está vivendo uma fase boa, apesar da economia caótica?Minha geração, e algumas gerações antes da minha, nós nunca realmente dependemos das academias para nos dar valor e para dar importância à música. Na Grande Depressão dos anos 1930, o jazz era extremamente popular. E essa popularidade vem caindo desde aquela época. Acho que a diferença vai de país para país, sobre qual o papel que a música representa. O Kennedy Center de Washington está determinado a saber como a América pode satisfazer seu desejo por excelência e quais os meios que se pretende atingir essa excelência. E o jazz é uma expressão musical de excelência da América que alcança o mundo todo. É um produto de exportação. Nós não temos cuidado tanto desse produto quanto deveríamos. Não só do jazz, mas de todas as artes: dança, literatura, artes visuais. Tem de haver uma drástica mudança nos Estados Unidos para que possamos manter nossa reputação como exportadores de artes criativas. Então, parte do meu trabalho no Kennedy Center é justamente procurar esse meio de como a América pode fazer melhor na promoção de sua arte. Artes não são mostradas como uma opção nas escolas, como acontece por exemplo com medicina.

Vi no seu Facebook que você estava em estúdio gravando com Bill Frisell e Lee Konitz. É para esse álbum com músicas do Fats Waller?Não. É para outra pessoa, um guitarrista de Copenhague que veio fazer um disco conosco. Eu não tocava com Bill Frisell há muitos anos, e não tocava com Lee Konitz havia um longo tempo, talvez uns 10 anos. Então foi bom ir para o estúdio de novo com eles para fazer música. Viver em Nova York é isso: tem um monte de gente especial fazendo música, gente muito próxima uma das outras, e em geral estão nos chamando para fazer algo em estúdio com eles. O que é bonito, pois dá a chance de tocar com um mestre como Lee Konitz.

Gostaria de saber de você sobre a morte do guitarrista Jim Hall. Ele foi um mestre absoluto para muita gente. Foi para você também?Ele foi a ponte entre o jeito tradicional de tocar a guitarra e a modernidade. O jeito que ele soava, o jeito que usava os intervalos, o jeito que ele colocava as bandas para tocar, tudo isso era representativo do modernismo no que ele tinha de melhor. Ele também era um ser humano extraordinário, um dos melhores. Uma das melhores pessoas de se estar ao redor. Muitas vezes o vi tocar aqui em Nova York, era uma pessoa muito acolhedora, além de encorajar todos nós. Como músico, ele sempre estava atento à cena, aos novos músicos, a nova geração. Encorajava muito a gente.

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E Lee Konitz está com quase 90 anos agora. Como foi gravar com ele? Está bem ainda?Está ótimo. Ninguém no mundo soa como Lee Konitz. Sabe, há algo tão puro no jeito como ele toca as melodias, ou mesmo quando ele toca apenas uma nota. Ele se importa com aquela nota ou aquele fraseado que está tocando, sabe como é? Além de ser uma pessoa muitíssimo engraçada, com um estranho senso de humor. Sou muito feliz de estar com ele. Há uns dois anos, eu estava na Austrália e Lee Konitz apareceu, veio conversar comigo. Ele tocaria na noite seguinte. Mas, de manhã, algo aconteceu com o cérebro dele, foi internado às pressas para fazer uma cirurgia. Assustou todo mundo. Depois fomos ao hospital para vê-lo, parecia que nunca se recuperaria daquilo. Então, é admirável que continue tocando e repartindo sua música com o mundo todo, é um homem muito especial.

Você e a Bandwagon gravaram a trilha de um documentário sobre o apartheid, Land of Apartheid: A Ripple of Hope. Uma história sobre a visita de Robert Kennedy à África do Sul. É curioso: a morte de Mandela foi celebrada em todo lugar, mas houve um tempo em que ele era chamado de "subversivo", "terrorista" e "comunista". Eu tento não prestar atenção às pessoas que disseram coisas tolas como essas, porque eles não foram capazes de diminuir o poder, a magnitude e a coragem de Nelson Mandela. Não foi só com Mandela que isso aconteceu: com Ghandi, Madre Tereza, muitos outros. Como foi com todos que estavam lutando pela liberdade dos negros, os que tentaram acabar com a escravidão na América. Sempre que as ideias novas são apresentadas ao grande público, as pessoas tendem a ter medo delas. Foi assim quando Charlie Parker surgiu. Ou Cecil Taylor. Ou Ornette Coleman. Novas ideias, novos estilos, assustam. Eles desafiam as pessoas a pensarem em como seria se pudessem ser livres das convenções, ou como seria se tocassem música com liberdade. Sentem-se ofendidas por serem desafiadas. Uma das coisas sobre isso aqui nos Estados Unidos é que os afro-americanos compreendem bem esse paradoxo, como as ideias são discutidas nesse País, como chocam. Martin Luther King também foi tratado como um terrorista por algumas pessoas, por promover a liberdade entre as populações americanas. Essas coisas absurdas acontecem todo o tempo. Mas é preciso continuar buscando mudar o futuro para a humanidade. Nelson Mandela estava buscando por humanidade. Apartheid, escravidão, direitos civis, a luta contra a ditadura no Brasil: todas essas lutas foram pelas liberdades. Como músico, entro no palco para defender novas ideias, esperando que essas ideias possam mudar as pessoas do mesmo jeito que Mandela mudou, mas pela ação nas emoções das pessoas.

Um dos grandes pianistas de jazz da atualidade (muitos acham que é indubitavelmente o melhor), Jason Moran toca com sua banda estradeira, a Bandwagon, no Nublu Jazz Festival, que começa nesta quinta-feira, no próximo sábado, às 21h, no Sesc Belenzinho. Moran, que ainda não completou 40 anos, transforma rap (Planet Rock, de Afrika Bambaataa) e música erudita (Auf einer Burg, de Schumann) em standards de jazz. Explora a tensão entre territórios que parecem inimigos. Só Brad Mehldau desfruta de prestígio semelhante entre os contemporâneos do instrumento. O pianista falou por telefone ao Estado.

A última vez que você tocou aqui foi com o quarteto de Charles Lloyd, dois anos atrás. Agora, você está vindo com sua banda Bandwagon. Você tem algum novo disco com eles? O último disco foi de 2010, certo?Certo. Eu tenho pronto um disco inteiro com música de Fats Waller (1904-1943), que será lançado em setembro. Mas não foi gravado com a Bandwagon, gravei com um grupo totalmente diferente. Com a Bandwagon tenho mais feito turnês e shows do que gravado. Acho que, nesse momento, estou num estágio de minha carreira em que estou mais preocupado em tocar à frente de pessoas do que ficando em um estúdio, fazendo um disco. Se eu tenho a chance de ir tocar numa cidade musical como São Paulo, prefiro. Estou tentando achar um equilíbrio entre as gravações e os shows, entre ficar no estúdio e viver a música.

Você foi recentemente nomeado Conselheiro do Jazz do Kennedy Center. Acha que o jazz está vivendo uma fase boa, apesar da economia caótica?Minha geração, e algumas gerações antes da minha, nós nunca realmente dependemos das academias para nos dar valor e para dar importância à música. Na Grande Depressão dos anos 1930, o jazz era extremamente popular. E essa popularidade vem caindo desde aquela época. Acho que a diferença vai de país para país, sobre qual o papel que a música representa. O Kennedy Center de Washington está determinado a saber como a América pode satisfazer seu desejo por excelência e quais os meios que se pretende atingir essa excelência. E o jazz é uma expressão musical de excelência da América que alcança o mundo todo. É um produto de exportação. Nós não temos cuidado tanto desse produto quanto deveríamos. Não só do jazz, mas de todas as artes: dança, literatura, artes visuais. Tem de haver uma drástica mudança nos Estados Unidos para que possamos manter nossa reputação como exportadores de artes criativas. Então, parte do meu trabalho no Kennedy Center é justamente procurar esse meio de como a América pode fazer melhor na promoção de sua arte. Artes não são mostradas como uma opção nas escolas, como acontece por exemplo com medicina.

Vi no seu Facebook que você estava em estúdio gravando com Bill Frisell e Lee Konitz. É para esse álbum com músicas do Fats Waller?Não. É para outra pessoa, um guitarrista de Copenhague que veio fazer um disco conosco. Eu não tocava com Bill Frisell há muitos anos, e não tocava com Lee Konitz havia um longo tempo, talvez uns 10 anos. Então foi bom ir para o estúdio de novo com eles para fazer música. Viver em Nova York é isso: tem um monte de gente especial fazendo música, gente muito próxima uma das outras, e em geral estão nos chamando para fazer algo em estúdio com eles. O que é bonito, pois dá a chance de tocar com um mestre como Lee Konitz.

Gostaria de saber de você sobre a morte do guitarrista Jim Hall. Ele foi um mestre absoluto para muita gente. Foi para você também?Ele foi a ponte entre o jeito tradicional de tocar a guitarra e a modernidade. O jeito que ele soava, o jeito que usava os intervalos, o jeito que ele colocava as bandas para tocar, tudo isso era representativo do modernismo no que ele tinha de melhor. Ele também era um ser humano extraordinário, um dos melhores. Uma das melhores pessoas de se estar ao redor. Muitas vezes o vi tocar aqui em Nova York, era uma pessoa muito acolhedora, além de encorajar todos nós. Como músico, ele sempre estava atento à cena, aos novos músicos, a nova geração. Encorajava muito a gente.

E Lee Konitz está com quase 90 anos agora. Como foi gravar com ele? Está bem ainda?Está ótimo. Ninguém no mundo soa como Lee Konitz. Sabe, há algo tão puro no jeito como ele toca as melodias, ou mesmo quando ele toca apenas uma nota. Ele se importa com aquela nota ou aquele fraseado que está tocando, sabe como é? Além de ser uma pessoa muitíssimo engraçada, com um estranho senso de humor. Sou muito feliz de estar com ele. Há uns dois anos, eu estava na Austrália e Lee Konitz apareceu, veio conversar comigo. Ele tocaria na noite seguinte. Mas, de manhã, algo aconteceu com o cérebro dele, foi internado às pressas para fazer uma cirurgia. Assustou todo mundo. Depois fomos ao hospital para vê-lo, parecia que nunca se recuperaria daquilo. Então, é admirável que continue tocando e repartindo sua música com o mundo todo, é um homem muito especial.

Você e a Bandwagon gravaram a trilha de um documentário sobre o apartheid, Land of Apartheid: A Ripple of Hope. Uma história sobre a visita de Robert Kennedy à África do Sul. É curioso: a morte de Mandela foi celebrada em todo lugar, mas houve um tempo em que ele era chamado de "subversivo", "terrorista" e "comunista". Eu tento não prestar atenção às pessoas que disseram coisas tolas como essas, porque eles não foram capazes de diminuir o poder, a magnitude e a coragem de Nelson Mandela. Não foi só com Mandela que isso aconteceu: com Ghandi, Madre Tereza, muitos outros. Como foi com todos que estavam lutando pela liberdade dos negros, os que tentaram acabar com a escravidão na América. Sempre que as ideias novas são apresentadas ao grande público, as pessoas tendem a ter medo delas. Foi assim quando Charlie Parker surgiu. Ou Cecil Taylor. Ou Ornette Coleman. Novas ideias, novos estilos, assustam. Eles desafiam as pessoas a pensarem em como seria se pudessem ser livres das convenções, ou como seria se tocassem música com liberdade. Sentem-se ofendidas por serem desafiadas. Uma das coisas sobre isso aqui nos Estados Unidos é que os afro-americanos compreendem bem esse paradoxo, como as ideias são discutidas nesse País, como chocam. Martin Luther King também foi tratado como um terrorista por algumas pessoas, por promover a liberdade entre as populações americanas. Essas coisas absurdas acontecem todo o tempo. Mas é preciso continuar buscando mudar o futuro para a humanidade. Nelson Mandela estava buscando por humanidade. Apartheid, escravidão, direitos civis, a luta contra a ditadura no Brasil: todas essas lutas foram pelas liberdades. Como músico, entro no palco para defender novas ideias, esperando que essas ideias possam mudar as pessoas do mesmo jeito que Mandela mudou, mas pela ação nas emoções das pessoas.

Um dos grandes pianistas de jazz da atualidade (muitos acham que é indubitavelmente o melhor), Jason Moran toca com sua banda estradeira, a Bandwagon, no Nublu Jazz Festival, que começa nesta quinta-feira, no próximo sábado, às 21h, no Sesc Belenzinho. Moran, que ainda não completou 40 anos, transforma rap (Planet Rock, de Afrika Bambaataa) e música erudita (Auf einer Burg, de Schumann) em standards de jazz. Explora a tensão entre territórios que parecem inimigos. Só Brad Mehldau desfruta de prestígio semelhante entre os contemporâneos do instrumento. O pianista falou por telefone ao Estado.

A última vez que você tocou aqui foi com o quarteto de Charles Lloyd, dois anos atrás. Agora, você está vindo com sua banda Bandwagon. Você tem algum novo disco com eles? O último disco foi de 2010, certo?Certo. Eu tenho pronto um disco inteiro com música de Fats Waller (1904-1943), que será lançado em setembro. Mas não foi gravado com a Bandwagon, gravei com um grupo totalmente diferente. Com a Bandwagon tenho mais feito turnês e shows do que gravado. Acho que, nesse momento, estou num estágio de minha carreira em que estou mais preocupado em tocar à frente de pessoas do que ficando em um estúdio, fazendo um disco. Se eu tenho a chance de ir tocar numa cidade musical como São Paulo, prefiro. Estou tentando achar um equilíbrio entre as gravações e os shows, entre ficar no estúdio e viver a música.

Você foi recentemente nomeado Conselheiro do Jazz do Kennedy Center. Acha que o jazz está vivendo uma fase boa, apesar da economia caótica?Minha geração, e algumas gerações antes da minha, nós nunca realmente dependemos das academias para nos dar valor e para dar importância à música. Na Grande Depressão dos anos 1930, o jazz era extremamente popular. E essa popularidade vem caindo desde aquela época. Acho que a diferença vai de país para país, sobre qual o papel que a música representa. O Kennedy Center de Washington está determinado a saber como a América pode satisfazer seu desejo por excelência e quais os meios que se pretende atingir essa excelência. E o jazz é uma expressão musical de excelência da América que alcança o mundo todo. É um produto de exportação. Nós não temos cuidado tanto desse produto quanto deveríamos. Não só do jazz, mas de todas as artes: dança, literatura, artes visuais. Tem de haver uma drástica mudança nos Estados Unidos para que possamos manter nossa reputação como exportadores de artes criativas. Então, parte do meu trabalho no Kennedy Center é justamente procurar esse meio de como a América pode fazer melhor na promoção de sua arte. Artes não são mostradas como uma opção nas escolas, como acontece por exemplo com medicina.

Vi no seu Facebook que você estava em estúdio gravando com Bill Frisell e Lee Konitz. É para esse álbum com músicas do Fats Waller?Não. É para outra pessoa, um guitarrista de Copenhague que veio fazer um disco conosco. Eu não tocava com Bill Frisell há muitos anos, e não tocava com Lee Konitz havia um longo tempo, talvez uns 10 anos. Então foi bom ir para o estúdio de novo com eles para fazer música. Viver em Nova York é isso: tem um monte de gente especial fazendo música, gente muito próxima uma das outras, e em geral estão nos chamando para fazer algo em estúdio com eles. O que é bonito, pois dá a chance de tocar com um mestre como Lee Konitz.

Gostaria de saber de você sobre a morte do guitarrista Jim Hall. Ele foi um mestre absoluto para muita gente. Foi para você também?Ele foi a ponte entre o jeito tradicional de tocar a guitarra e a modernidade. O jeito que ele soava, o jeito que usava os intervalos, o jeito que ele colocava as bandas para tocar, tudo isso era representativo do modernismo no que ele tinha de melhor. Ele também era um ser humano extraordinário, um dos melhores. Uma das melhores pessoas de se estar ao redor. Muitas vezes o vi tocar aqui em Nova York, era uma pessoa muito acolhedora, além de encorajar todos nós. Como músico, ele sempre estava atento à cena, aos novos músicos, a nova geração. Encorajava muito a gente.

E Lee Konitz está com quase 90 anos agora. Como foi gravar com ele? Está bem ainda?Está ótimo. Ninguém no mundo soa como Lee Konitz. Sabe, há algo tão puro no jeito como ele toca as melodias, ou mesmo quando ele toca apenas uma nota. Ele se importa com aquela nota ou aquele fraseado que está tocando, sabe como é? Além de ser uma pessoa muitíssimo engraçada, com um estranho senso de humor. Sou muito feliz de estar com ele. Há uns dois anos, eu estava na Austrália e Lee Konitz apareceu, veio conversar comigo. Ele tocaria na noite seguinte. Mas, de manhã, algo aconteceu com o cérebro dele, foi internado às pressas para fazer uma cirurgia. Assustou todo mundo. Depois fomos ao hospital para vê-lo, parecia que nunca se recuperaria daquilo. Então, é admirável que continue tocando e repartindo sua música com o mundo todo, é um homem muito especial.

Você e a Bandwagon gravaram a trilha de um documentário sobre o apartheid, Land of Apartheid: A Ripple of Hope. Uma história sobre a visita de Robert Kennedy à África do Sul. É curioso: a morte de Mandela foi celebrada em todo lugar, mas houve um tempo em que ele era chamado de "subversivo", "terrorista" e "comunista". Eu tento não prestar atenção às pessoas que disseram coisas tolas como essas, porque eles não foram capazes de diminuir o poder, a magnitude e a coragem de Nelson Mandela. Não foi só com Mandela que isso aconteceu: com Ghandi, Madre Tereza, muitos outros. Como foi com todos que estavam lutando pela liberdade dos negros, os que tentaram acabar com a escravidão na América. Sempre que as ideias novas são apresentadas ao grande público, as pessoas tendem a ter medo delas. Foi assim quando Charlie Parker surgiu. Ou Cecil Taylor. Ou Ornette Coleman. Novas ideias, novos estilos, assustam. Eles desafiam as pessoas a pensarem em como seria se pudessem ser livres das convenções, ou como seria se tocassem música com liberdade. Sentem-se ofendidas por serem desafiadas. Uma das coisas sobre isso aqui nos Estados Unidos é que os afro-americanos compreendem bem esse paradoxo, como as ideias são discutidas nesse País, como chocam. Martin Luther King também foi tratado como um terrorista por algumas pessoas, por promover a liberdade entre as populações americanas. Essas coisas absurdas acontecem todo o tempo. Mas é preciso continuar buscando mudar o futuro para a humanidade. Nelson Mandela estava buscando por humanidade. Apartheid, escravidão, direitos civis, a luta contra a ditadura no Brasil: todas essas lutas foram pelas liberdades. Como músico, entro no palco para defender novas ideias, esperando que essas ideias possam mudar as pessoas do mesmo jeito que Mandela mudou, mas pela ação nas emoções das pessoas.

Um dos grandes pianistas de jazz da atualidade (muitos acham que é indubitavelmente o melhor), Jason Moran toca com sua banda estradeira, a Bandwagon, no Nublu Jazz Festival, que começa nesta quinta-feira, no próximo sábado, às 21h, no Sesc Belenzinho. Moran, que ainda não completou 40 anos, transforma rap (Planet Rock, de Afrika Bambaataa) e música erudita (Auf einer Burg, de Schumann) em standards de jazz. Explora a tensão entre territórios que parecem inimigos. Só Brad Mehldau desfruta de prestígio semelhante entre os contemporâneos do instrumento. O pianista falou por telefone ao Estado.

A última vez que você tocou aqui foi com o quarteto de Charles Lloyd, dois anos atrás. Agora, você está vindo com sua banda Bandwagon. Você tem algum novo disco com eles? O último disco foi de 2010, certo?Certo. Eu tenho pronto um disco inteiro com música de Fats Waller (1904-1943), que será lançado em setembro. Mas não foi gravado com a Bandwagon, gravei com um grupo totalmente diferente. Com a Bandwagon tenho mais feito turnês e shows do que gravado. Acho que, nesse momento, estou num estágio de minha carreira em que estou mais preocupado em tocar à frente de pessoas do que ficando em um estúdio, fazendo um disco. Se eu tenho a chance de ir tocar numa cidade musical como São Paulo, prefiro. Estou tentando achar um equilíbrio entre as gravações e os shows, entre ficar no estúdio e viver a música.

Você foi recentemente nomeado Conselheiro do Jazz do Kennedy Center. Acha que o jazz está vivendo uma fase boa, apesar da economia caótica?Minha geração, e algumas gerações antes da minha, nós nunca realmente dependemos das academias para nos dar valor e para dar importância à música. Na Grande Depressão dos anos 1930, o jazz era extremamente popular. E essa popularidade vem caindo desde aquela época. Acho que a diferença vai de país para país, sobre qual o papel que a música representa. O Kennedy Center de Washington está determinado a saber como a América pode satisfazer seu desejo por excelência e quais os meios que se pretende atingir essa excelência. E o jazz é uma expressão musical de excelência da América que alcança o mundo todo. É um produto de exportação. Nós não temos cuidado tanto desse produto quanto deveríamos. Não só do jazz, mas de todas as artes: dança, literatura, artes visuais. Tem de haver uma drástica mudança nos Estados Unidos para que possamos manter nossa reputação como exportadores de artes criativas. Então, parte do meu trabalho no Kennedy Center é justamente procurar esse meio de como a América pode fazer melhor na promoção de sua arte. Artes não são mostradas como uma opção nas escolas, como acontece por exemplo com medicina.

Vi no seu Facebook que você estava em estúdio gravando com Bill Frisell e Lee Konitz. É para esse álbum com músicas do Fats Waller?Não. É para outra pessoa, um guitarrista de Copenhague que veio fazer um disco conosco. Eu não tocava com Bill Frisell há muitos anos, e não tocava com Lee Konitz havia um longo tempo, talvez uns 10 anos. Então foi bom ir para o estúdio de novo com eles para fazer música. Viver em Nova York é isso: tem um monte de gente especial fazendo música, gente muito próxima uma das outras, e em geral estão nos chamando para fazer algo em estúdio com eles. O que é bonito, pois dá a chance de tocar com um mestre como Lee Konitz.

Gostaria de saber de você sobre a morte do guitarrista Jim Hall. Ele foi um mestre absoluto para muita gente. Foi para você também?Ele foi a ponte entre o jeito tradicional de tocar a guitarra e a modernidade. O jeito que ele soava, o jeito que usava os intervalos, o jeito que ele colocava as bandas para tocar, tudo isso era representativo do modernismo no que ele tinha de melhor. Ele também era um ser humano extraordinário, um dos melhores. Uma das melhores pessoas de se estar ao redor. Muitas vezes o vi tocar aqui em Nova York, era uma pessoa muito acolhedora, além de encorajar todos nós. Como músico, ele sempre estava atento à cena, aos novos músicos, a nova geração. Encorajava muito a gente.

E Lee Konitz está com quase 90 anos agora. Como foi gravar com ele? Está bem ainda?Está ótimo. Ninguém no mundo soa como Lee Konitz. Sabe, há algo tão puro no jeito como ele toca as melodias, ou mesmo quando ele toca apenas uma nota. Ele se importa com aquela nota ou aquele fraseado que está tocando, sabe como é? Além de ser uma pessoa muitíssimo engraçada, com um estranho senso de humor. Sou muito feliz de estar com ele. Há uns dois anos, eu estava na Austrália e Lee Konitz apareceu, veio conversar comigo. Ele tocaria na noite seguinte. Mas, de manhã, algo aconteceu com o cérebro dele, foi internado às pressas para fazer uma cirurgia. Assustou todo mundo. Depois fomos ao hospital para vê-lo, parecia que nunca se recuperaria daquilo. Então, é admirável que continue tocando e repartindo sua música com o mundo todo, é um homem muito especial.

Você e a Bandwagon gravaram a trilha de um documentário sobre o apartheid, Land of Apartheid: A Ripple of Hope. Uma história sobre a visita de Robert Kennedy à África do Sul. É curioso: a morte de Mandela foi celebrada em todo lugar, mas houve um tempo em que ele era chamado de "subversivo", "terrorista" e "comunista". Eu tento não prestar atenção às pessoas que disseram coisas tolas como essas, porque eles não foram capazes de diminuir o poder, a magnitude e a coragem de Nelson Mandela. Não foi só com Mandela que isso aconteceu: com Ghandi, Madre Tereza, muitos outros. Como foi com todos que estavam lutando pela liberdade dos negros, os que tentaram acabar com a escravidão na América. Sempre que as ideias novas são apresentadas ao grande público, as pessoas tendem a ter medo delas. Foi assim quando Charlie Parker surgiu. Ou Cecil Taylor. Ou Ornette Coleman. Novas ideias, novos estilos, assustam. Eles desafiam as pessoas a pensarem em como seria se pudessem ser livres das convenções, ou como seria se tocassem música com liberdade. Sentem-se ofendidas por serem desafiadas. Uma das coisas sobre isso aqui nos Estados Unidos é que os afro-americanos compreendem bem esse paradoxo, como as ideias são discutidas nesse País, como chocam. Martin Luther King também foi tratado como um terrorista por algumas pessoas, por promover a liberdade entre as populações americanas. Essas coisas absurdas acontecem todo o tempo. Mas é preciso continuar buscando mudar o futuro para a humanidade. Nelson Mandela estava buscando por humanidade. Apartheid, escravidão, direitos civis, a luta contra a ditadura no Brasil: todas essas lutas foram pelas liberdades. Como músico, entro no palco para defender novas ideias, esperando que essas ideias possam mudar as pessoas do mesmo jeito que Mandela mudou, mas pela ação nas emoções das pessoas.

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