Alexandre Kassin empurrava um carrinho de bebê pelas ruas do Rio de Janeiro quando deu de frente com um bloco de carnaval. Cantavam, naquele embolado a-la-la-ô carnavalesco, os versos de Calça de Ginástica, canção jocosa e delirante do disco de estreia solo do produtor, lançado seis anos antes daquele carnaval de 2017, chamado Sonhando Devagar.
“Eles, é claro, não sabiam que eu estava ouvindo”, diz o produtor carioca sobre a história. “Mas é muito louco pensar que essa música chegou, tantos anos depois, num bloco de carnaval.”
Sonhando Devagar não era, é claro, o primeiro trabalho como artista de um dos principais e mais requisitados produtores do País, fosse no pop ou no indie – na época do lançamento, ele havia enfileirado trabalhos com gente que ia de Los Hermanos a Vanessa da Mata –, mas soava estreia. Diferentemente dos outros projetos, Kassin assinava o álbum sozinho. Sua trajetória incluía a responsabilidade de ter influenciado a cena indie carioca – os Hermanos, inclusive – com o grupo Acabou La Tequila, o projeto +2 (ao lado de Domenico Lancelotti e Moreno Veloso) e a big band Orquestra Imperial.
De tal maneira, é injusto dizer que “após um hiato de sete anos, Kassin lança novo disco”. Porque Relax, o segundo disco solo dele, lançado no Brasil pelo selo carioca LAB 344, chega depois de álbuns com a banda instrumental Cometa e com o duo polonês Mitch & Mitch.
Isso além dos trabalhos como produtor, já que assinou discos e trabalhos de outros nomões de respeito, como Erasmo Carlos e Gal Costa.
Talvez o tempo entre os discos só seja responsável, mesmo, pela maturidade da ideia da estética de Relax, bastante distante da lisergia onírica de Sonhando Devagar, no qual com um humor de Kassin, surrealista, pintava quadros estranhos, como se fosse um Salvador Dalí, com imagens que escorregam pela tela, parecem reais, ao mesmo tempo que distorcem a noção do que é a realidade.
Relax, por sua vez, é o oposto do sonho. É outro momento, embora dialogue com Sonhando Devagar. Para Kassin, o segundo álbum dele é sobre estar acordado. Uma curiosidade: o disco que por muito tempo se chamou “enquanto você dormia”, verso tirado de uma das canções do disco – chamada Sua Sugestão, a sétima do álbum –, mas o nome foi descartado depois que ele descobriu ser também o título de uma comédia romântica protagonizada por Sandra Bullock de 1995. A coincidência combinaria com o humor autoirônico, mas Kassin preferiu seguir “relax”.
“Foram discos criados para que se comunicassem”, explica Kassin. “E não sei se eu consegui, mas uma coisa que eu tentei fazer com esse álbum foi que ele tivesse a ideia oposta ao anterior. O primeiro tem esse ambiente mais onírico e psicodélico, então quis (em Relax) apresentar um humor diferente, nas letras. Queria tocar em certos assuntos delicados, mas de uma forma mais leve.”
Para Kassin, Relax é um disco, mas também uma forma de levar a vida. “Existem maneiras de lidar com tudo”, ele explica. “Acho que você pode tocar em qualquer assunto de maneira leve. Para mim, esse era o cerne do que deveria ser o disco.”
Assim, Kassin canta as tristezas mais doloridas, desencanto político, separações e saudade, tão reais e do mundo físico, como se estivesse numa discoteca dos anos 1980, com muito soul e canções de baile. A roupagem dessas 12 canções – 10 delas escritas por Kassin – bebe diretamente da fonte sonora jorrada por Hyldon, por exemplo, a quem o músico homenageia ao regravar Estrada Errada, com a participação do próprio soulman.
O disco, saído no Japão em meados de 2017 e recentemente lançado no Brasil, nasce de um período sombrio pelo qual Kassin viveu. Separou-se, viu as duas filhas com a ex-esposa se mudarem para o Japão, perdeu amigos da música (Nelson Jacobina, em 2012, e Wilson das Neves, no ano passado).
O mundo real, físico, do sentir, está escancarado em Relax. Por isso, a capa do álbum é também mais “carne e osso”: no clique de Fabio Audi, o músico tem o rosto coberto por granulado colorido. “O granulado prateado derretia, foi uma sujeira”, ele comenta, rindo. É real, sim, mas do jeito Kassin de ser.